quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5106: História da CCAÇ 2679 (28): Mais visões quotidianas (José Manuel M. Dinis)

1. Mais um episódio da série História da CCAÇ 2679 enviado em 11 de Outubro de 2009 por José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71.


Mais visões quotidianas

De alguma maneira, lá, a vida parecia-se com a de uma dessas terras do farwest americano: não havia xerife, mas havia a Sala do Comando; não havia o saloon nem duelos, mas havia a Cantina onde se produziram cenas de porrada por causa de um copito que extravazava a medida; não havia currais para leiloar o gado das planícies, mas havia o arame que delimitava a acção das bestas; não havia índios, mas havia a população de pretos que viviam como nas reservas; o pessoal não vestia os uniformes jeans, mas apresentava-se com característicos camuflados; o pessoal não usava coldres ou rifles, mas andava armado em parvo, ou de G3 nas unhas. Eram de facto muitas as semelhanças com o farwest que alimentava as nossas memórias da juventude, através de leituras e observação de desenhos alusivos a uma plêiade de heróis, Ciscos e Zorros, Tontos e Silveres. O avanço perene da civilização, todavia, fizera substituir o transporte com recurso a cavalgaduras, por esse invento mecânico das viaturas a gasolina ou diesel, desenvolvidas e adaptadas às dificuldades climatéricas e rodoviárias.

A incerteza do dia-a-dia em que viviam os homens que conquistaram o território americano, era comparável com a mesma incerteza dos militares que tinham por missão, defender e consolidar o território conquistado e demarcado havia décadas. Com algumas diferenças relativas às cenas que o cinema westerniano popularizou, não havia duelos de pistoleiros, mas aconteciam ataques à fortificação, genuínos, com recurso a armamento mais destruidor, muito mais excitante do que os tiros de pólvora sêca e os rebentamentos controlados que os filmes gravavam. Além disso, os atiradores da 2679 saíam para o mato, não em quadrilhas, mas em grupos de combate que procuravam pistas do inimigo, para os combater e aniquilar. Corriam-se riscos verdadeiros a troco de quase nada. Relativamente às lutas protagonizadas pelas estrelas de Hollywood, os nossos militares ainda corriam o risco suplementar de pisar minas anti-pessoais, que garantiam, no mínimo, a perda de um membro, ou, seguindo de viatura, minas AC, que provocavam deflagrações de alguns quilos de explosivos com consequências indeterminadas.

Feitas as anteriores comparações básicas, separadas por um século na medida do tempo e da evolução, deve-se acrescentar que aos nossos mobilizados, dentro das zonas de quadrícula, ainda competiam tarefas quotidianas próprias da vida aquartelada, dado que era preciso garantir as actividades mínimas necessárias, como a cozinha, onde se preparava o rancho, a padaria adjacente, a oficina mecânica, a enfermaria, as transmissões, os depósitos de géneros e armamento, o gerador, etc, bem como as guardas e sentinelas.

Quer-se dizer: em pleno século vinte, mal conviviam as duas comunidades: os portugueses, dominadores, conviviam com a população preta na medida em que precisavam da prestação dos seus serviços, principalmente da parte feminina da população, e de umas trocas comerciais básicas, em que, por vezes, tinham que adjectivar os circunstanciais vendedores e resmungar umas ameaças para conter a inflação, enquanto de outras vezes eram vendedores de verdadeiras especiarias, como o vinho, devidamente crescido com uma razoável percentagem de água, umas peças de roupa, e alguma quinquilharia que esbugalhava os olhos ávidos de novidades e de progresso, conjunto de acções, através das quais exerciam um quotidiano civilizador. Era mais ou menos assim e, não nos esqueçamos, os portugueses são, seguramente, o povo mais miscegenador de entre os brancos.

Sob os alpendres molengavam os rapazes-atiradores, sempre que lhes sobrava tempo de qualquer actividade. Aqui, vivia-se perto do leste mais distante, considerado o território da Guiné, e Bissau como epicentro. Em Bajocunda sofria-se na iminência do esgotamento de stoques. Distante dos centros de decisão, das exigências e formalidades, na dependência de um xerife bastamente nabo, eram os milicianos que garantiam alguma proficuidade naquele pequeno bastião.

Mas havia vida para além da tropa. De facto, ali residia uma população que se dedicava a trabalhos de subsistência. No geral, os locais dedicavam-se a tarefas agricolas ou à pastorícia, e eram sedentários, e pouco conheciam do mundo para além do seu torrão. Deslocavam-se em visita a familiares, de um lado e outro da fronteira, ou em busca de uma qualquer mezinha. Não havia meios de transporte, pelo que faziam grandes distâncias a pé, auxíliados pela estimulante cola, que obviava à fome e à sede, garantindo energia. As comunicações sobre o mundo escasseavam e, na época, naquelas latitudes vivia-se os primórdios da rádio e as pessoas ainda não tinham despertado para as notícias em geral. Viviam no seu modo ancestral e quase fechado. A bicicleta era outra raridade a que poucos tinham acesso.

Na loja do Silva, prenhe de novidades e artigos de iminente necessidade, gastavam os parcos pesos na compra de panos, velas, fósforos, óleo, sal, sabão, tachos, panelas, e outros produtos básicos. Sob o alpendre da loja trabalhavam dois ou três alfaiates, que dominavam a técnica das máquinas de costura a pedal. Ao Silva vendiam parte das suas colheitas que ele intermediava com as grandes casas exportadores. Ainda funcionava outra casa comercial, e existia uma terceira de portas fechadas por força da idade avançada do proprietário branco. Noutro local funcionava irregularmente o talho, uma estrutura de paus, onde o magarefe suspendia as peças de carne, retalhava e vendia. Os animais eram abatidos no mato, e carregados às costas até ao sítio da venda. Na falta de frigorificos, o magarefe tinha que garantir a venda no dia de abate, pelo que era frequente deslocar-se a três ou quatro aldeias, para não ficar com sobras, onde os clientes compravam pequenas quantidades. As moscas redemoinhavam em redor das carnes ensanguentadas, como no Portugal antigo.
Outra romagem diária das populações era a visita à Enfermaria, em busca de cura para febres e inchaços, feridas e mezinhas que não tinham dado os resultados pretendidos. Eram sobretudo mulheres e crianças, que se juntavam numa algaraviada e choros incessantes. Lá, aplicava-se o que de melhor era produzido pelo Laboratório Militar, numa profusão de compressas, tinturas, comprimidos e injecções.

A meio da manhã ouvia-se a batucada de pilões, que transformavam o milho em pirão, a que se sucedia e espalhava o perfume característico dos cozinhados africanos com dendém. Era a hora de ponta, quando os militares começavam a deslocar-se para o centro, agrupavam-se em conversas e dichotes, a fazer tempo para o rancho.

A loja do Silva, com os alfaiates e clientes sob o alpendre

Estrutura de paus que servia de talho

Fotos: © José Manuel M. Dinis (2009). Direitos reservados



Outras vidas, outros caminhos

A vida estava a correr-me bem. Certamente que um imperativo de guerra podia provocar algum dano em algum de nós, que as colunas auto e as flagelações constituiam riscos consabidos, mas a minha vida melhorara bastante. Por um lado, o pessoal não me obrigava a especiais cuidados, quando o Pelotão estava escalado para o serviço interno, cada elemento sabia sabia o que tinha para fazer, e fazia; por outro, a actividade operacional, no que a saídas a pé dizia respeito, diminuíra consideravelmente, pois não havia saídas repentinas, conforme os palpites ou informações do Major de Piche. E não sei, se por distrção do COT-1, se por opção do Capitão, se por qualquer pressão ou relaxação, a verdade é que, apesar da tropa disponível, as coisas amainaram, e não tinham comparação com o que se praticara na sede do Sector L-4,

Queixas constantes eram as relativas à qualidade do tacho, na base da bianda com estilhaços, com algumas variantes para o esparguete e as salsichas de conserva. Alguém se enchia, seguramente, e como o Trapinhos era meio tonto, denunciava a ganância dos sargentos que tentavam ludibriá-lo na negociata, como se a partilha justa entre os três desse legitimidade ao gamanço. Era rídiculo, mas era assim, o mais alto responsável pela Companhia, o Capitão, confessava-se através de acusações espúrias aos capangas, o Primeiro e Segundo Sargentos.

Indiferentes a estas guerras, o pessoal continuava a dar o seu sacrifício em todas as circunstâncias e necessidades.

Uma noite que me calhou passar em Tabassi, interroguei o chefe de tabanca sobre o destino das armas que lhe foram entregues para a auto-defesa. Tinha sido assim mesmo, cerca de vinte armas G3, novas, ali distribuídas, nunca mais foram vistas. Referi-lhe que queria inspeccioná-las.
Tranquilo, muito tranquilo, com ar quase zombeteiro, o chefe de tabanca respondeu que o pessoal que as recebera andava a trabalhar na mancarra, ou na pastoricia, ausentes, portanto, pelo que não podia apresentar as armas. Insisti com ele, tratei-o por mentiroso. Perguntei-lhe se não havia homens na aldeia àquela hora e exigi que me levasse à preseça deles nas moranças. Contrariado, arrancou à minha frente por um caminho que levava à bolanha, do lado sul. Já tinha escurecido, escuro mais acentuado pela sombra das frondosas árvores que se interpunham com o fraquíssimo luar de um quarto crescente ou minguante, que me deixava à deriva no breu, e obrigava-me a um esforço de perseguição orientado pelo ruído da deslocação daquele ordinário, cada vez com mais distância entre nós, por força de duas ou três cabeçadas que dei em obstáculos invisiveis.


O cabrão gozou comigo

Na vez seguinte da minha presença na aldeia, mal ali cheguei, ainda na vigência da luz solar, dirigi-me à tabanca do chefe. O homem, acompanhado de outros homens grandes, três ou quatro, esperava-me, altivo, pernas abertas e braços cruzados sobre o peito, deixando ver duas granadas defensivas suspensas do pano que lhe servia de cinto.

Entrei a matar e sem delongas, se era então que ele tinha as armas para me mostrar. Que não, foi a resposta. Dirigi-me a ele, tirei-lhe as granadas e adverti-o de que não o queria voltar a ver com aquelas bombas, enquanto de seguida o molestei ostensivamente, referindo que ele não prestava, que era um merda de chefe de tabanca.

À surpresa dos velhos, e ao olhar atónito do visado, virei costas e fui à minha vida. Das armas nunca tive notícia. Nem parece que isso fosse importante.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5012: História da CCAÇ 2679 (27): Da História da Unidade (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 – P5105: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (18): Mina antipessoal



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 18ª história, com data de 10 de Outubro de 2009:


Mina antipessoal – parte II


Quarenta e tal anos depois... memórias do ex-Alferes Belmiro Tavares.

Estava em Bissau. Ao fim da tarde encontrei o Honório que me disse:
– Houve azar na tua Companhia. Fui buscar um soldado que chegou morto ao Hospital.
– Sabes como se chamava?
– Nascimento.
– É meu, porra!

Segui de táxi para o Hospital.

Mal cheguei dei de caras com o «Rato», o Cabo-Enfermeiro Martins.

Este estava no HM-241 a fazer tratamento de desparasitação (!?) e logo que me viu gritou-me a má nova:
- Morreu o Nascimento.

Estava agitadíssimo. Em cada três palavras dizia duas asneiras.

Já não sei como mas... seguiu-o pelos corredores do Hospital e fui dar a uma sala onde estava um corpo coberto por um lençol.

O «Rato» destapou o corpo e reconheci o corpo desnudado do Nascimento. Morto. Não tinha um pé.

Falei com o Médico de serviço.
– Como é que isto aconteceu? Por que morreu?
– Faleceu à saída da ambulância. Quando passou a porta do Hospital já não estava vivo.

Voltei a Bissau completamente destroçado. Recusava-me a acreditar!

Tinha conhecimento do caso de um militar que tinha ficado sem as 2 pernas e safou-se e o Nascimento estava morto... por ter ficado sem um pé!? Procurei e encontrei o Honório, a quem pedi mais pormenores sobre a evacuação.

Contou-me que estava muito mau tempo. Céu nublado baixo. A visibilidade era diminuta. Só um maluco é que arriscaria a descolagem de Bissau a caminho do Norte.

Está claro que foi o Honório. Fez voo rasante de Bissau a Binta, seguindo sempre o Rio Cacheu. Regressou com o ferido a Bissau sempre a baixa altitude. À chegada o ferido tinha o garrote desapertado. Foi metido numa ambulância a caminho do Hospital. Pouco depois rebenta um pneu da ambulância. Mais uma demora.

O último azar nesse dia terrível. Fatal para o Nascimento.Quando finalmente chegou ao Hospital era tarde demais.

O ex-Alferes Tavares desfia estas recordações com a voz embargada. Por vezes tem que parar de falar.
– Comigo em Binta, o Nascimento não teria pisado a mina anti-pessoal...Se junto a Santacoto «o trilho era recente», ele não devia ter sido pisado pela nossa tropa... Recordo o Nascimento como um soldado leal e frontal nas relações com os seus superiores. Não consigo esquecê-lo... Se lá estivesse ele podia estar vivo!

O ex-Alferes Tavares faz um longo silêncio.
– Oliveira... vamos ficar por aqui.


Mina antipessoal – parte III


Mais uma achega do Belmiro Tavares:

«O primeiro grande acto cívico da 675 aconteceu ainda na Guiné. Custeámos as transladações (urnas próprias) dos nossos 3 mortos em combate para que os corpos fossem entregues às famílias que tiveram assim a oportunidade de fazer funerais condignos. Caso contrário ficariam “esquecidos” algures na Guiné... a norte do Cacheu.»

Mais tarde acrescentou às suas “obrigações” tratar das lápides para as sepulturas dos companheiros que, pela ordem natural da vida, foram desaparecendo do número dos vivos.

E não só:Tivemos acesso a uma carta para os Pais do Soldado João Nunes do Nascimento – morto em combate em 30 de Julho de 1965, que é particularmente tocante.

«… Lisboa , 29 de Abril de 1968

Exmº. Senhor João Nascimento
O senhor não sabe quem eu sou mas vou dizer-lhe. Meu nome é Belmiro Tavares e sou Alferes Miliciano. Estive na Guiné de 1964 a 66 e fui comandante de pelotão a que pertenceu seu filho, o meu grande e saudoso amigo, João Nunes do Nascimento. Do fundo do coração peço desculpa por fazer sangrar mais uma vez a ferida que a morte do seu filho abriu no seu coração de pai mas eu, que tinha em grande consideração o seu filho, não podia por mais tempo calar este desejo íntimo, esta ânsia de desabafar e contactar com o pai dum dos meus soldados, o único do meu pelotão que tombou em defesa da Pátria. Aproveito a oportunidade para o felicitar pela educação esmerada que soube dar ao seu filho fazendo dele um modelo de virtudes e um bom português. Da consideração e estima que todos nós -oficiais, sargentos e soldados – tínhamos pelo seu filho já o senhor tem provas de sobejo e posso dizer-lhe, em abono da verdade, que o seu filho era um dos mais destacados soldados duma Companhia que se distinguiu na Guiné.
...
Dentro de dias, no dia cinco de Maio, um grupo de soldados da nossa Companhia reúne em Lisboa para mandar rezar uma missa por alma do seu filho e por alma de mais dois rapazes que para sempre nos abandonaram e que jamais poderemos esquecer… Ficar-lhe-íamos eternamente gratos se nos desse alegria da sua presença.

… Todos os anos no primeiro domingo de Maio a sua memória será reavivada por todos nós até que o bom Deus nos chame para junto dele.
a) Belmiro Tavares:

E os pais do Nascimento compareceram e compartilharam com os camaradas do seu filho a saudade e a memória do militar do 3º Pelotão, Soldado Atirador nº. 2.169/63, João Nunes do Nascimento.

Continua a não ser um final feliz. Mas o encontro com os Pais do Nascimento acrescentou dignidade e paz à família “675” que… não esquece e continua a honrar os seus mortos.

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5104: Notas de leitura (29): Um Amor em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2009:

Malta,
Aqui vai o resto da história.
Para quem é de lágrima fácil, temos aqui leitura altamente recomendada.
Foi pena o Júlio Magalhães não ter falado connosco. Há ali dislates de linguagem que teríamos ajudado a evitar.
Paciência.
O amor na guerra colonial chegou finalmente à literatura de massas. É esse o facto importante a assinalar.

Um abraço do
Mário


O amor antigamente, antes e depois de termos ido à guerra (2)
Beja Santos

Um amor em tempos de guerra” é o segundo romance de Júlio Magalhães, um autor que insiste em apresentar-se como um jornalista que não ousa assumir-se como um escritor mas como contador de histórias (A Esfera dos Livros, 2009).

António, que é do Vimieiro e vizinho do Prof. Salazar, o Presidente do Conselho todo-poderoso que em 1961 determinou a ida para Angola “rapidamente e em força”, vai prestar serviço militar em Angola e depois de um ataque de forças do MPLA é dado como desaparecido em combate. Deixa em pranto a mãe, Maria das Dores, e a sua noiva, Amélia. Uma urna vazia desceu à terra, foi a última homenagem que lhe foi prestada em Portugal. Antes de ter desaparecido, apaixonara-se por uma angolana, Dulce, desses amores nasceu um filho.

Mas António não morreu. No meio dos tiros e do estrondo das granadas, dos companheiros de armas a tombarem, entre os gritos “mata que é branco”, ele foi feito prisioneiro, interrogado e torturado. Com um pé ligado e esfacelado, a pele ainda manchada e um braço partido, António resistiu às torturas. Não sabia onde estava, se no Norte ou no Sul de Angola. Em concreto, estava com outros 8 prisioneiros. E assim se passaram quase três anos. A vida de Amélia mudou, durante dois anos manteve luto cerrado, continuou a ensinar na escola da sua terra. Osvaldo foi ganhando coragem e confessou-lhe o seu amor. Amélia não o amava mas estava convicta que podia encontrar paz e serenidade ao seu lado. Casaram em Agosto de 1973. Viviam no Rojão, muito perto de Venda do Sebo, Vimieiro e Ovoa, lugares importantes na vida de António e Amélia.

No cativeiro, António prepara a fuga de todos os prisioneiros e vão dar a uma aldeia onde reencontra o seu amigo Brito, que conhecera no quartel de Chaves. António e os sobreviventes tinham ido parar ao Negage, no Norte de Angola. Brito conta-lhe tudo, estavam em Agosto de 1975, Brito era agora mercenário junto da FNLA, iam agora seguir para o Ambriz, juntar-se a tropas rodesianas, o objectivo era tomar Luanda ao MPLA.

António escreve uma carta para Maria das Dores, conta-lhe que fugiu e que vai regressar. Maria das Dores sente-se enlouquecer, faz um pacto de silêncio com Manel, o taberneiro da terra, a quem conta tudo. António vai à procura de Dulce em São Salvador. Descobre que a fazenda de Carlos Freitas fora abandonada, o fazendeiro fugira com a família mas Dulce viva em São Salvador. Dá-se o reencontro, Dulce apresenta-lhe o filho, voltam a amar-se. Discutem o futuro, Dulce pede para ele regressar a Portugal, ela vai ficar, quer colaborar na reconstrução do seu país, ele parte com uma fotografia do filho.

Maria das Dores e António reencontram-se no aeroporto da Portela, Maria das Dores viera com o padre Jorge e o Manuel da taberna. O aeroporto está pejado de retornados. E depois viajam de comboio até Santa Comba Dão, aqui espera-os uma festa, toda a povoação veio saudar o morto vivo. Todos os camaradas de guerra, das amizades de Chaves e Angola, estão na estação.

Amélia entra em estado choque, começa uma encruzilhada na sua vida, pede ajuda a Osvaldo, a princípio tudo parece que vai ter um bom desfecho e que a moral convencional vai vingar. Mas o drama amoroso vai ganhar proporções enormes, Osvaldo modifica-se, obriga a mulher a ir para Coimbra, arranja amantes, toma consciência dos verdadeiros sentimentos de Amélia. E Amélia regressa, irá refazer a sua vida com António.

Estamos no presente, António, o seu filho angolano, é um brilhante piloto da TAAG, António tem 59 anos e do seu casamento com Amélia há duas filhas. Juntam-se todos com os camaradas de guerra nas festas da Santa Eufémia e Joaquim Fortuna anuncia que vai lançar o seu livro “O amor em tempos de guerra”.

É este o happy end de um livro que usa todos os artifícios para chegar ao grande público e que fala das grandes mudanças de mentalidades que vivemos depois do 25 de Abril. Estamos ali todos, os que amávamos à moda antiga e que aprendemos a mudar, a olhar o mundo e os seres humanos com outros olhos. Um livro que vai emocionar muita gente.
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Nota de CV:

Vd. poste de 10 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5089: Notas de leitura (28): Um Amor em Tempos de Guerra, de Júlio Magalhães (Beja Santos)

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5103: Direito à Indignação (3): Abaixo de cão, isto é uma vergonha (Eduardo Campos)


1. O nosso camarada Eduardo Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a seguinte mensagem:


Camaradas,

Estou chocado, mas não surpreendido, pois nós, os ex-Combatentes, sempre fomos tratados abaixo de cão pelos governantes deste país.

Estou reformado à 4 anos e o primeiro valor que recebi do Suplemento Especial de Pensão - Antigos Combatentes foi de 168,00 €, em 2008 a quantia subiu uns Euros para 176,49 € (ver carta em anexo) e em 2009 (carta também em anexo) desceu para uns míseros 150,00 €.

Não está em causa o valor, que em si era já insignificante, mas ainda por cima agora no presente ano, vejo o valor reduzido escandalosamente em 26,49 €, nada mais nada menos que 15 %, em relação ao recebido o ano passado.

Se algum dos Camaradas, que ler esta mensagem, tiver conhecimento (e caso seja possível fazer isso), peço que me informe do modo como hei-de proceder, para devolver esta revoltante, desprestigiante e enxovalhante importância que me foi enviada, aos nossos “queridos” governantes.





Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Trms da CCAÇ 4540,
_____________
Notas de M.R.:

Guiné 63/74 - P5102: Em busca de... (97): Francisco Martins, ex-1.º Cabo das CCAV 2525 e 2485 procura camaradas

1. Mensagem de Francisco Cunha das CCAVs 2525 e 2485, que nos pede ajuda para encontrar antigos camaradas:

Olá camarada,

Sou o Francisco da Cunha Martins (o Braga) ou o 1.° Cabo MARTINS, NM 14347768.

Andei na Guiné de 1968 a 1971 na CCAV 2525 e CCAV 2485.

Gostava de iniciar contactos com os camaradas da minha Companhia (mail, fotos, etc....).

Seguem umas fotos tiradas na altura na Guiné.

Qualquer informação, por favor, contactar: looping1942@hotmail.com ou maito:marc-bruno.martins@ratp.fr

Agradeço sua ajuda.

Cumprimentos
Francisco da Cunha Martins





2. Comentário de CV:

Caro Francisco Martins

Fui à Página do nosso camarada Jorge Santos e encontrei alguém da CCAV 2525 a pedir contactos. É ele, António Gabriel com o telemóvel 964 249 241.

Entretanto vamos ver se através deste poste aparece mais alguém.

Com votos de saúde e felicidades por terras de França, deixo um abraço.

Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5100: Em busca de... (96): Procuro Radiomontador, Sousa ou Santos, que esteve comigo em Galomaro (Carlos Filipe Coelho, CCS/BCAÇ 3872)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5101: Meu pai, meu velho, meu camarada (17): Ilha de S. Vicente, S. Pedro, 1943: Armando Duarte Lopes (Nelson Herbert)

Guiné-Bissau > Bissau > s/d > Vista aérea parcial da cidade e do seu porto...


Guiné-Bissau > Bissau > s/d > Vista aérea parcial da cidade...


Guiné-Bissau > Bissau > s/d > O emblemático edifício da sede da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau onde jogaram craques como o pai do Nelson Lopes Herbert, Armando Duarte Lopes, que também passou pela Ilha de S. Vicente em 1943 (ano em que regressa o meu pai, em Setembro, também ele amante da bola) e viria a trabalhar, em Bambadinca (!), durante a guerra colonial, ligado à administração do porto fluvial... Falta-me apurar se ainda o cheguei a conhecer, em Bambadinca, no período em que lá estive (Julho d 1969/Março de 1971)...De facto, o mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande.


Guiné-Bissau > Bissau > Zona da baixa comercial > s/d > Imagem que faz parte de um conjunto de fotos que o Nelson Lopes Herbert, nascido em Bissau, na década de 1960, de nacionaliddae guineense, filho de Armando Lopes Duarte (uma das glórias do futebol guineense), licenciado em conunicação social pela Universidade Nova de Lisboa, editor sénior da secção portuguesa da Voz da América, e membro da nossa Tabanca Grande, nos mandou sob o título (saudosista ? provocatório ? iróico ? ... ou politicamente incorrecto ?) "E tudo o 'colono' levou ?"...


Imagens: Cortesia de Nelson Herbert (2009)


Guiné > Bissalanca > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). Está rodeado dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau... O terceiro, a contar da esquerda, assinalado a vermelho, é Armando Duarte Lopes, o pai do nosso amigo Nelson Lopes Herbert... Com 89 anos, esteve em 1943 no Mindelo, sua terra natal, integrado numa força expedicionária, vinda do continente, que veio reforçar o sistema de defesa da Ilha de São Vicente durante a II Guerra Mundial. Viveu depois, trabalhou e casou em Bissau.


Como nos relembra o Nelson, o pai era então "um jovem, robusto, futebolista conhecido na Guiné (Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor de futebolista da UDIB, do Benfica de Bissau, internacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa..). Foi encarregado, por muitos anos do porto fluvial de Bambadinca, e ainda se lembra de episódios do djunda djunda (braço de ferro) entre a JAPG ( Junta Autónoma dos Portos da Guine) e a tropa, relativamente a um batelão, ,propriedade do primeiro e que fazia regularmente o trajecto Bambadinca-Bissau, , mas que a tropa insistia em acambarcar...para a revolta das população desses locais, já que dessa boleia dependia escoamento da produção local ( hortícolas e caprinos) para Bissau... Luís,
ouxando pela sua memória, dos seus tempos de Bambadinca quiçaa reconheça o velho"...




Foto: © Mário Dias / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados.




1. Mensagem do Nelson Herbert, com data de 21/3/09, a propósito do poste P4059 (*):


Caro editores


Sobre esse período histórico,do qual o meu velho, hoje também com 88 anos [faz 89 a 23 de Junho último], foi parte, como militar no Mindelo, Cabo Verde, tenho nos últimos anos vindo a compilar alguns textos e ensaios (de vários autores ), caso deste que se segue attached.


Mantenhas
Nelson Herbert


2. Nova mensagem, de 25/3/09:


Assunto: Mindelo - II Guerra Mundial !




Num exercício de memória com o meu velho, lá consegui sacar mais alguns pormenores da sua passagem pela tropa portuguesa, durante a segunda guerra mundial:





Cabo Verde > S. Vicente > Mapa de 2007, da autoria de Francisco Santos. Imagem copyleft (Fonte: Wikipédia). As localidades de João d'Évora, a norte (onde os alemães fizeram exercícios em 1938) e de S. Pedro, a leste (onde o batalhão do Armando Lopes esteve aquartelado, em 1943).


Entrou para a tropa em 1943 e fez parte de um Batalhão de Infantaria, estacionado em S. Pedro, terceira secção [3º Pelotão ?] comandada pelo Alferes Bizarro. Diga-se, um período marcado por uma intensa movimentação de submarinos alemães na costa do arquipélago, e da ilha de São Vicente, em particular. Vários navios dos Aliados são alvejados e alguns afundados por essa altura, na costa da ilha.


Recorda-se ainda, por volta do ano de 1938, da ocorrência de exercícios militares levados a cabo pela infantaria alemã na pequena localidade de João Évora e do sobrevoo de Zeplin, em S. Vicente (*).


O processo de recrutamento dos nativos era, segundo ele, feito sob a supervisão de um tal capitão Mira, então comandante da primeira companhia, coadjuvado por um capitão mulato, de origem angolana, de apelido Benchimol.


Pelo facto de ele estar hoje radicado na cidade da Praia [, capital de Cabo Verde, na ilha de Santiago], e da caderneta militar, que ainda conserva, estar no Mindelo [, Ilha de S. Vicente,], não me é possível fornecer mais detalhes sobre a unidade a que ele pertenceu.


Mantenhas
Nelson Herbert




PS - Vd. foto, acima, com o Armando Lopes [, meu pai]. É o terceiro a contar da esquerda, já na Guiné, como funcionário da NOSOCO, na despedida de um dos administradores daquela firma francesa. Fotografia em tempos publicada pelo vosso Blogue. Interessante, é que ele já nem se lembrava da existência dessa fotografia, cuja cópia nunca viu !


Nelson Herbert




3. Comentário de L.G.:


Em 30 de Março último, escrevi ao Nelson: Que grio, Nelson! Vou fazer um poste, em teu nome, com as referências ao Mindelo e ao teu pai... Não está esquecido, estamos é muito ocupados. Com o blogue e a vida profissional...


O tempo passou, vieram as férias e... nada! Mas mais vale tarde... do que nunca. O que é prometido é devido... Aqui tens, Nelson, é uma também uma singela homenagem ao teu pai e outros patrícíos que fizeram parte dos 5 mil homens que defenderam Cabo Verde na II Guerra Mundial. Longa vida e saúde para o teu velhote. Preciso de saber, com exactidão, a unidade (Regimento, batalhão, companhia...) em que ele esteve, e desde quando...


O meu e o teu é possível que ainda se tenham conhecido ou cruzado (ou até jogado à bola, juntos!), na ilha de S. Vicente, embora pertencessem a unidades diferentes, estacionadas em sítios diferentes (a do meu pai era mais velha, Julho de 1941/Setembro de 1943, tendo ficada aquartelada, a maior parte do tempo, no Lazareto)... O meu pai sempre esteve ligado ao desporto e, em especial, ao futebol (foi jogador e treinador; em Cabo Verde, disputavam-se renhidas partidas de futebol entre selecções de diferentes unidades, ou entre a tropa e clubes locais; o meu velhote ainda se lembra de nomes de clubes, de jogadores, de partidas memoráveis com 'porrada' e tudo, e até de resultados!)...


Por outro lado, nessa altura ainda estudava no Liceu do Mindelo o jovem Amílcar Cabral... que vai em 1945 vem para Lisboa fazer o curso de engenheiro agrónomo.


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Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)


Vd. também os postes de:


9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)


27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5019: Meu pai, meu velho, meu camarada (13): Mindelo, ontem e hoje ( Lia Medina / Nelson Herbert / Luís Graça)


27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5021: Meu pai meu velho, meu camarada (14): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente, 1941/43, 1º Cabo Inf Luís Henriques (1) (Luís Graça)


28 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5022: Meu pai, meu velho, meu camarada (15): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente,1941/43,1º Cabo Inf Luís Henriques (2) (Luís Graça)


29 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P5029: Meu pai, meu velho, meu camarada (16): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente,1941/43,1º Cabo Inf Luís Henriques (3) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5100: Em busca de... (96): Procuro Radiomontador, Sousa ou Santos, que esteve comigo em Galomaro (Carlos Filipe Coelho, CCS/BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Filipe Coelho, Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74, com data de 11 de Julho de 2009:

Amigo Luís Graça,

Acredito que com a azáfama do Encontro da malta e mais agora as escaramuças no blog, andes super-absorvido. Embora sem pressa, mas com receio que a minha mensagem tivesse passado despercebida, permito-me reenviar-te novamente como anexo a esta. Poderás 'moldá-la' como desejares.

Um abraço, bom fim-de-semana e o desejo que que tudo volte a bom caminho.

Carlos Filipe
ex-CCS/BCAÇ 3872
Galomaro 71


Procura-se de preferência com boa saúde, um Radiomontador.

De seu nome já não tenho a certeza, se era Santos ou Sousa. Após a nossa formação na EMEL, Escola Militar de Electromecânica, em Paço D’Arcos, cada um de nós foi para outras unidades militares. A mim coube-me ir para a Guarda, um velho, mas belíssimo Convento.

Mais tarde demos de caras, um com outro, em Abrantes, aquando a formação do Batalhão de Caçadores 3872. Embarcámos com destino à Guiné onde desembarcámos a 24 Dezembro de 1971.

Ficámos juntos durante alguns dias em Bissau para estagiarmos nas oficinas de manutenção de equipamentos de rádio, mas passados poucos dias este indígena radiomontador como eu, desapareceu novamente, vindo a encontrá-lo em Galomaro passado um mês quando lá cheguei.

Novamente o Sousa - ou será que era o Santos (?)- , passados dois ou três dias, desaparece novamente, agora do destacamento da CCS em Galomaro, não tendo tido oportunidade de falar mais com ele e ficar a saber de alguma coisa sobre o seu destino.

Éramos bons amigos, embora rivalizando um pouco entre nós na base dos conhecimentos de electrónica. Não era muito extrovertido, quase enigmático. É actualmente uma das boas recordações de amigos do período militar.

Posto isto, gostaria de saber do seu paradeiro e conseguir estabelecer contacto com ele.

Algum camarada, terá algum indício ou pista ?

Já agora, desejava que algum colega me informasse se havia especificação para o número de radiomontadores num Batalhão.

Foto 1 > Os dois Radiomontadores a bordo do navio que nos transportou para a Guiné

Foto 2 > Também a bordo, na piscina, um colega Sapador, o Fugitivo ao centro, e eu à direita
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Notas de CV:

OBS -Queremos publicamente pedir desculpa ao Carlos Filipe pelo extravio desta sua mensagem. O exemplo dele deve ser seguido. Em caso de demora na publicação de qualquer texto, por favor contactem-nos alertando para o efeito. Nós agradecemos.


(*) Vd. poste de 28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3539: Tabanca Grande (100): Carlos Filipe Coelho, Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro 1971/74

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5074: Em busca de... (95): Informações sobre o meu pai, Malan Sanhá (Nero), natural de Gamol, Fulacunda (Fode Sanhá)

Guiné 63/74 - P5099: História de vida (24): Patrício Ribeiro, 62 anos, "filho da escola", ex-grumete fuzileiro, empresário, a trabalhar e a viver na Guiné-Bissau desde 1984. apanhado do clima...


Foto nº 1 > Patrício Ribeiro, grumete fuzileiro, na fragata NRP Comandante João Belo, c. 1969... Este navio, construído nos estaleiros de Nantes, França, esteve ao serviço da nossa Marinha de 1967 a 2008



Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bolama > s/d > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros

Fotos: © Patrício Ribeiro (2009). Direitos reservados


1. Texto do Patrício Ribeiro, um dos nossos "agentes" em Bissau, membro do nosso blogue desde Janeiro de 2006 (*)


Lisboa, 11.10.09

Bom dia, Luis, junto elementos em falta no blogue, que poderão publicar se acharem necessário.

Aí vão, para actualizar a minha biografia no blogue (**).

Imagina s artistas que nós somos…

O Estado Português vai pagar-me, por eu ter dado um passeio no navio João Belo (ver foto acima, nº 1) 2 660 dias (para efeitos de reforma)… Já falta pouco, hoje, 11.10.09, faço 31 em cada perna…

Também dei uma volta no navio Vasco da Gama [, 1998, em plena guerra civil, na Guiné-Bissau, resgatandio uma série de portugueses e guineenses], mas por isso não pagaram nada… nem uma medalha de cortiça… . Enfim, outras guerras

Gosto mais das canoas Inhomincas, são mais ventiladas. (ver foto acima, nº 2 , no porto de Bolama).

Agradeço os comentários sobre mim no blogue… Devido à minha vida de andanças pelo mato, e de dificuldade muitas vezes no acesso à Net, quero informar o seguinte:

(i) Nasci nas margens do Rio Vouga, centro do mundo, sou vizinho do D. Duarte Lemos, frequentei a Escola Industrial de Águeda;

(ii) fui Fuzileiro (Gr FZ) [, portanto "filho da escola"];

(iii) passei por Bissalanca em 1969, estava muito calor…Como não tinha roupa apropriada (tinha deixado o camuflado em Vale do Zebro, na escola de Fuzileiros), mandaram-me seguir para Luanda…

(iv) ao fim de uns anos, deixaram-me ir para casa, em Luanda, em 1972...

(v) por lá fiquei até ao último avião, da ponte aérea para Lisboa… Enfim, outras guerras.

(v) a minha família viveu dezenas de anos no Huambo (, antiga Nova Lisbao): pai, mãe e irmãos, etc.

(vi) minha mulher é natural do Huambo;

(vi) Por questões profissionais, em 1984 fui para Bissau. Gostei, fiquei…Pagam-me para fazer coisas que gosto, em locais de difícil acesso, e porque é uma aventura permanente… já não sei viver sem ela!

PS - Cá vai: 2 660 dias / para a reforma… foto da tropa, posto, data de nascimento.


Patricio Ribeiro

IMPAR Lda (***)

Av Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau,

Guiné Bissau > Tel / Fax 00 245 3214385, 6623168, 7202645

Lisboa > Tel / Fax 00 351 218966014

http://www.imparbissau.com/

impar_bissau@hotmail.com

2. Comentário de L.G.:

Patrício, os parabéns pelas tuas lindas 62 primaveras já vão atrasados, mas o Carlos Vinhal, que toca muitos pianos, ainda não tem o divino dom de adivinhar... Para o ano, se formos todos vivos, lá terás, no dia 11 de outubro de 2010, o teu postezinho com os nossos Parabéns a Você... (O Carlos já vai actualizar o teu cadastro).

Obrigado, pelas tuas fotos e pelos elementos biográficos que nos ajudam a aperceber um pouco melhor a tua opção de vida, que foi há 25 anos ir trabalhar e viver na Guiné-Bissau...

Desculpa-me de há tempos ter-te postado a nascer em Angola... Afinal, és um tuga beirão, nascido na terra do nosso Paulo Santiago... Explica-me melhor o que são essas canoas nhomincas (termo que não encontrei no dicionário...). E sobretudo continuas a ser a nossa ponte com a Guiné-Bissau de hoje... Toma cuidado contigo. Boa saúde e bom trabalho. Dá um abraço ao Pepito e aos nossos demais amigos comuns. Luís Graça
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Notas de L.G.:

(*) Postes de (ou sobre) o Patrício Ribeiro, publicados no nosso blçogue (I e II Séries):

4 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (23): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)

8 de Julho de 2009 >Guiné 63/74 - P4655: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (4): Mãos à obra, rapaziada ! (Patrício Ribeiro)

6 de Junho de 2009 > Guiné 64/74 - P4469: Grupo dos Amigos da Capela de Guileje (1): Já temos três: Patrício Ribeiro, António Cunha e Manuel Reis

12 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4016: Ser solidário (29): Unidos no passado, unidos no presente (Pepito / Carlos Fortunato)
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29 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3812: Dicas para o viajante e o turista (7): Viagens pelo sul da Guiné-Bissau (Patrício Ribeiro)

13 de Janeiro de 2009> Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

6 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3705: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (13): O jacaré da praia do Biombo (Patrício Ribeiro)

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1402: Um bom ano de 2007 a partir de Mejo, Guileje (Patrício Ribeiro).

2 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXII: Mais um amigo em Bissau (Patrício Ribeiro

(**) Vd. últimpo poste da série História de Vida:

1 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5038: História de vida (15): Maria da Glória, uma saudosa filha com um dom especial para o fado (Cristina Allen)

(***) No sítio da empresa pode ler-se (passe a publicidade):

Há 20 anos que fornecemos e instalamos equipamento fotovoltaico na Guiné Bissau

Numa região com as caracteristicas da Guiné, existe a necessidade de criar empresas especializadas, que participem no desenvolvimento económico-financeiro do país.

Impar é uma empresa com muitos anos de experiência nas áreas de fornecimento de material para necessidades básicas, como fornecimento de energia, comunicações, pesca, apicultura, etc, tornando-se assim uma importante empresa na sua região.

Na nossa empresa vai encontrar diversas soluções, para as suas necessidades energéticas ou de comunicação.Consequentemente, temos colaborado na melhoria do nível de vida dos habitantes Guineenses, com o objectivo de satisfazer um público cada vez mais exigente

(...) Com um currículo de mais de Quatrocentas Instalações Fotovoltaicas em território Guineense, a Impar é lider na sua área. (...).

Guiné 63/74 – P5098: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (25): As armas proibidas que nós utilizámos


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 25ª estória:

Camaradas,

Rebuscando os fundos do meu baú de memórias, vou-o esvaziando das memórias minhas boas e más recordações do antigamente, retirando o pó aos textos e dando-lhes apenas alguns retoques, editorialmente falando, pois as ideias neles expressas, mantenho-as inalteráveis, por, ainda hoje, as perfilho convictamente.

A matéria de hoje é problemática e controversa, mas penso que vale a pena ser exposta.

O presente texto havia dado, e mantenho, o título:

AS ARMAS PROIBIDAS QUE NÓS UTILIZÁMOS

Na guerra em que nós portugueses fomos protagonistas, nem sempre usamos de métodos “cavalheireicos”, convencionais, éticos, ou clássicos (como queiram chamar-lhe), nas estratégias adoptadas contra o IN, na mata.

Além do equipamento militar normal e regular que o exército nos fornecia e usávamos no terreno, e era do conhecimento geral, também utilizámos material bélico que era proibido pelas leis e regulamentos da Convenção de Genebra.

O Direito de Intervenção Humanitária, órgão das ONU, impedia o emprego em combate de um determinado número de armas que, pela sua natureza pouco leal e traiçoeiro, foram declaradas desumanas, por causarem mais tortura e sofrimento físico, que o necessário e indispensável, para inutilizar um combatente (deixá-lo fora de combate).

Tudo tretas para nós, porque, como é sabido pela experiência, a lei na guerra, é olho por olho, dente por dente, ou “com ferro matas com ferro morres”, cada um usa as armas que tem e quando desesperado, ou por motivos de ódio e, ou, vingança, as que não devia.

Nós usamos, por exemplo, a bala Dum-Dum, proibida desde o século 19, por uma das ditas convenções internacionais, que regulamenta a utilização de armas de Guerra. Esta bala foi criada pelo Exército Britânico, no final do século 19, para ser usada em distúrbios na Índia (então Colónia Inglesa).

A bala Dum-Dum é uma bala com a ponta oca, que tem um poder destrutivo superior a todas as outras, porque expande-se pelo corpo humano em vários estilhaços após o impacto na carne, ou osso.

Utilizamos também balas de penetração maciça de fragmentação tracejante.

Chegámos a rebordar (ranhurar) as pontas das balas comuns da G3, com as nossas facas de mato, ou com navalhas, para que o seu efeito penetrante provocasse um maior rombo no local de entrada.

Utilizamos granadas de fósforo e bombas de napalme, que eram proibidas Internacionalmente, pela ONU.

O napalme foi um armamento militar que chegou a ser utilizado (embora pontualmente), pela nossa aviação em alguns locais da Guiné, em bombardeamentos a bases do IN. É constituído por um conjunto de líquidos inflamáveis (à base de gasolina gelificada) e sais de alumínio e, pela sua especificidade de, no momento da sua detonação, para maior eficácia e rendimento destrutivo, e mortífero, através de um maior raio de expansão explosivo, requerer uma grande e instantânea absorção de oxigénio, tornou-se um meio pouco apropriado na nossa guerra de “guerrilha”, já que as características do terreno em África (selva por vezes muita cerrada e, ou muito lodosa), não permitiam assim o seu pleno desenvolvimento.

Em armadilhas, truques e alçapões, como eram conhecidos, os nossos camaradas de Minas e Armadilhas, quantas vezes não utilizou material incendiário (fósforo) e outros produtos de teor proibido.

Com o decorrer da comissão e a “bestalização” da guerra ia-se instalando e dominando o nosso discernimento psíquico. Quem não utilizou estes artefactos?

Estou convicto que, naquele tempo, se houvesse material de destruição maciça, nós, em casos pontuais, em desespero de causa, por motivos de ódio, ou vingança pelos nossos mortos em combate, tínhamo-lo utilizado.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

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Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: