segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia



Lisboa > Navio da Marinha Mercante Portuguesa Timor > Navio misto (carga e passageiros), de duas hélices; construído em Inglaterra em 1950 e abatido em 1974, tinha mais de 130 metros de comprimento de fora a fora; arqueação bruta: cerca de 7,6 mil toneladas; velocidade máxima: 15 nós; 120 tripulantes; alojamentos para 4 em classe de luxo, 60 em primeira classe, 25 em terceira e 298 em terceira suplementar, no total de 387 passageiros. Armador: Companhia Nacional de Navegação - Lisboa.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (1996) (com a devida vénia...)


O Palmeirim de Catió é o Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66). Publicamos hoje a terceira parte das suas crónica (1). Já tive oportunidade de lhe dizer o seguinte:

"Caro Mendes Gomes: Como já tive ocasião de te dizer, hoje, no blogue e ontem ao telefone, tu és dos nossos e a gente já te arrumou um cantinho (confortável) na nossa caserna virtual. Se a antiguidade na tropa é um posto, então tu já és, com o Mário Dias e poucos mais, general… De facto, não é todos os dias que nos chega um… Canário de caqui amarelo, um homem que andou pelo Colmo, pelo Cachil, por Catió, no início da guerra… e conheceu o João Bacar Jaló, o Nuno Rubim, o Saraiva, etc."...

Ao que o Mendes Gomes respondeu, logo a seguir, nestes termos:

"Caro Luís: Fiquei muito feliz quando vi o meu texto publicado. Dedico-os sobretudo e em primeiro lugar, com muito carinho, aos meus camaradas Palmeirins que jamais esquecerei. Pesam-me na consciência a minha repetida ausência nos seus encontros anuais. O primeiro em que participei, no quartel de Évora, desencadeou-me uma sensação desagradável, muito estranha, que não quis repetir. Pode ser que passe...

"Estou em Aveiro, onde não tenho o meu espólio de guerra. Quando voltar a Lisboa, far-te-ei chegar algumas fotos e, claro, a do estandarte dos Palmeirins.
Foram muito pertinentes as tuas imediatas achegas literárias, sobre a questão das crónicas dos Palmeirins. Aliás, de Mestre"...

Obrigado e um abraço

Mendes Gomes


2.3. Despedida do Rio Tejo

De Évora, pela madrugada calada de uma noite tórrida de Agosto, saíu o comboio especial, com todo o cortejo militar que perfazia o numeroso batalhão, dado pronto para a luta.

Duas das companhias, a 726 e 728, iriam para a Guiné, outra para Angola e , creio, uma CCS, para Moçambique. O sorteio.

Uma noite de viagem ronceira, desde Évora a Lisboa, cais de Alcântara. Só 130 Km, de linha secundária e sem qualquer prioridade. A longa paragem de Casa Branca ficou na memória: esgotaram as bifanas de porco no pequeno bar da estação, mas não a cerveja… O resto da viagem, até de manhã, correu às mil maravilhas.

O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.

Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel.

Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.
A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria…

As varandas viradas ao cais abarrotavam de tropa. Mantos de lenços esvoçantes e lágrimas a escorrer refrescavam a dor dos que ficavam e dos que partiam…

Na sua lentidão insensível, o barco foi-se afastando, mais e mais até que o punhado de multidão do cais se tornou, apenas, numa seara escura, salpicada de folhas brancas ondulantes.

Do meio do Tejo, era a vez de Lisboa, sempre afável e carinhosa, se despedir de nós, reconhecida, com votos sentidos de feliz e rápido regresso…

A ponte audaz que iria ligar as duas margens, em cabos de aço suspensa, apenas tinha construidas as duas largas sapatas a emergir da tona das águas esverdeadas. Quando regressássemos, se regressássemos…, haveria de estar pronta…para nos receber. Era o que constava.

Mais um pouco e o enigmático oceano recebia, sereno, a quilha altiva da nau castrense, pronta para a peleja.

A vida de quartel iniciou o seu ritual. A comida abundante ressomava festiva nos pratos mais fidalgos, no meio da vozearia frenética dos combatentes.

Cada companhia no seu lugar e cada pelotão bem entregue ao seu alferes e aos 3 sargentos, todos de galões, vaidosos, a estrear…nos ombros.

O programa de bordo já estava montado. Havia que manter a tropa, ocupada quanto possível. Era preciso que não houvesse tempo para pensar, para ninguém. O caminho era, sempre, para a frente.

Campeonatos de pingue-pongue atingiram o rubro entre oficiais, sargentos e praças; remedos de teatro ad hoc surgiram, espantosos de frescura e elevação; concursos de canto e outras habilidades se montaram sobre a parte mais larga do navio, à vista dos altos comandos, nsatisfeitos.

A travessia do equador fez-se sentir, quente, e foi festejada como convinha, a bordo, com alvoroço, muita cerveja e champanhe...

Os dias foram passando e uma sensação estranha começou a perpassar traduzida em nervosismo, disfarçado, muito a custo.

O céu tornou-se diferente e estranho para todos. As águas começaram a tornar-se cinzentas e espessas e o horizonte pardacento e negro. Já eram as águas do vasto estuário do Geba que nos iria levar a Bissau, dentro de algumas horas, à medida que as margens longínquas se iam aproximando.

Agora era um frondoso arvoredo, baixo e densamente entrelaçado que orlava uma e outra das margens do Geba caudaloso. Uma manta de floresta, salpicada de leques de palmeiras bamboleantes, seguia-se para o fundo, infinito e plano. Tinha-se a sensação de estarmos a devassar terras proibidas.

A cada momento, podíamos ser atingidos de qualquer das margens. O alcance de uma simples metralhadora abrangia-nos à vontade, desarmados. Depressa, se soube que uma ou várias curvetas de aço cinzento da marinha já nos vinha a escoltar, desde há muitas milhas, sobre o Atlântico. Ficámos mais serenos.
Além disso, aquela zona felizmente, era-nos fiel, supostamente. Era terra dos bijagós. Uma vez mais, os longínquos conhecimentos de geografia da 4ª classe, indelevelmente registados, entravam a funcionar.

As muitas raças que havia na nossa Guiné, os balantas, mandingas, fulas, papéis e os seus costumes despertavam enorme curiosidade a todos.
Um tiro soou. Um calafrio nos correu toda a espinha. Foi um crocodilo que apareceu ao longe, atrevido, possivelmente, atraído pelos restos que saíam da cozinha do vapor. Mergulhou e nunca mais se viu. A forte carapaça era o suficiente para nada lhe acontecer, se a bala o atingisse em oblíquo.

A temperatura é sufocante e húmida. A camisa de caqui amarelo cola-se à pele, apesar de ter tomado um duche há momentos. Uma ponta de terra, destacada da outra mais distante, na margem esquerda do Geba, começa a destacar-se e a alargar, elevando-se um pouco sobre as águas. De vez em quando, há clareiras, por entre a imensa manta de arvoredo verde acinzentado. Umas casotas de palha, espalhadas debaixo de uma família de embondeiros abrigam corpos nús de homens, mulheres e crianças irrequietas que andam e correm até à borda do rio.

Muitas canoas compridas, feitas num pedaço de tronco grosso, deslizam ao lado da margem, tangidas por um vulto negro à sua popa, pelas mãos, agarradas à ponta de uma vara que ele faz girar em arcos de oitava, mil vezes repetida e se traduzem na força propulsora da embarcação.

É uma ilhota em frente à cidade de Bissau que não tarda a aparecer, do lado direito.


2.4. Bissau à Vista

Agora, é uma mancha de casaredo entremeado de árvores, terra avermelhada, muitas palhotas espalhadas à sombra de embondeiros gigantes, aos montes, um movimentado porto de pesca e descarga, com muitas barcaças enegrecidas, cheias de gente e carregadores, a crista de uma igreja mais elevada, alguns carros militares, girando rente às águas.

Grandes armazéns toscos, quanto baste, para arrecadar as mercadorias que chegam e partem;
um sinaleiro, de porte senhoril, preto, em cima de um tamborete improvisado, colorido, esforça-se por impor um pouco de ordem no trânsito variado de carros, bicicletas, que escorre, a esmo, pela artéria que vem de cima para o rio.

O Timor avança lento, ao meio do rio largo pelo caminho mais fundo e seguro. Não vai atracar à margem. Não há lugar para o seu tamanho.

Não chove mas o céu está pardacento, embora se adivinhe o sol a tentar rompê-lo. É mesmo assim. As chuvas vêm rigorosamente na sua época. Diziam que, no dia 15 de Maio começava a época das chuvas e foi verdade, rigorosamente comprovada, nos dois anos lá passados.

A tropa destinada à Guiné deixou o barco rapidamente. Os Unimogues militares transportaram toda a bagagem para o quartel de destino. Um desfile de todas as companhias desembarcadas foi imediatamente organizado, pela Avenida Central que cortava Bissau em duas partes, desde o palácio do Governador até ao pé do cais.

Era a habitual apresentação às gentes da Guiné de mais um reforço, chegado em sua defesa. Com júbilo multicolor, multidões de homens, mulheres e crianças, em trajes garridos de festa, preenchiam as alas da avenida, batendo palmas e acenando, agradecidos, à passagem, em marcha de desfile.

Éramos um rio de caqui amarelo e boinas castanhas com duas fitinhas, atrás, a escorrer, trepidantes e de olhares desatinados, perante aquele mundo desconhecido que se abria.

Os cheiros fortes das árvores e das flores, pujantes e exóticas, eram diferentes e novos.Eram quase enjoativos, sem deixarem de ser perfumados. Mais tarde, em cavaqueira à mesa de oficiais, o último comandante de batalhão, de Catió, famoso e chanfrado da cabeça, dizia deles, com gozo nosso, que as árvores da Guiné lhe cheiravam a espermatozóides…

Os gestos, as feições da população negra e todas as expressões obedeciam a um código que nos era inacessível. Só com o correr dos meses, nos fomos inserindo nele, lentamente e sem dar conta.


2.5. Quartel de Santa Luzia

Santa Luzia foi o nosso primeiro quartel. Afastado uma meia dúzia de km do centro de Bissau, em lugar cimeiro, bem encostado às bolanhas( extensos campos de arroz ), por precaução e defesa, ali estava o complexo Quartel – General.

O gorducho e pequeno brigadeiro Schultz e o seu estado maior, à frente das tropas.

Com todo o vasto sistema de apoio logístico-administrativo, distribuido por vários pavilhões de construção tão recente quanto a idade da guerra, era o coração de toda a complexa máquina bélica na Guiné.

Apenas convivíamos com eles, às refeições, no grande refeitório de oficiais. Vestiam como nós, mas nos ombros refulgiam as estrelas douradas do generalato, sobre fundo vermelho.

Eram os velhos senhores e donos da guerra que ali estavam, numa grande mesa, voltados para a frente, dominando toda as mesas da sala ampla. De lá, seguiam para os seus gabinetes por caminhos próprios, fechados ao comum das gentes, no edifício central mais engalanado.

Dentro do espaçoso recinto cercado de uma forte amurada, protegida por fortins de sentinelas, colocados em sítios estratégicos, ocupando muitos hectares, distribuia-se todo o sistema de aquartelamento, das tropas residentes e em trânsito, como nós, mais todos os serviços e espaços lúdicos. Piscina e campos de jogos.

Não fosse o permanente ribombar sinistro de morteiros ou de artilharia, do inimigo e dos nossos, nos longes do outro lado do Geba tortuoso, dia e noite, e sentir-nos-íamos em casa, como em qualquer quartel da metrópole ( assim se dizia do nosso pedaço de terra luso-ibérico, além-mar).

Durante dois meses e meio, a minha companhia ali ficou aquartelada. Servia de segurança ao quartel-general e dali partia, em acções nocturnas, montando emboscadas, para as imediações alagadas ou de densa vegetação, nos arredores de Bissau.

Era fundamental tomar-se contacto com os barulhos da mata africana. Das enormes e variadas aves noctívagas e dos permanentes batuques, soturnos, das tabancas, em toques de festa, de luto ou de simples intercomunicação de mensagens, entre aldeias.

Noites longas e escuras de cacimbo húmido ou luminosas de luar fulgente, quase da cor do dia, deram para sonhar, para temer e rezar.

Com o pelotão disposto em linha, as 3 secções de doze homens, espaçadas, sob o comando do respectivo sargento, ao longo de um caminho, ali se permanecia, deitado, reprimindo a tosse e, quase, o respirar, em constante guerra aos ruídos que poderiam ser fatais.

Se um falso alarme provocava o disparo de um soldado mais timorato, logo outro local teria de ser procurado, uns quilómetros mais adiante, para cumprir a emboscada gorada.

Ao fim de umas semanas, já toda a gente sabia distinguir o piar provocador do passaredo medonho, tropical ou os ruídos normais das aldeias mais próximas.O medo, a pouco e pouco, foi-se ocultando e a tensão, de todos nós, abrandando, até porque não havia notícia de ter ocorrido qualquer contacto com o inimigo naquelas zonas, consideradas fiéis.

Lembro aquela noite luarenta, muito perto de Mansoa, em que momentos após toda a gente ter sido instalada, um sururú crescente, percorreu o pelotão agitado e acabou às gargalhadas e gritos incontroláveis.

O pelotão tinha sido posto em cima de um carreiro de formigas pretas. Aquelas que constroem altas torres de barro, duras que nem cimento, óptimos abrigos para a metralha, mas que tiram pedaços de carne, em cada mordedura das suas poderosas tenazes…

Não demorou muito e todos estávamos despidos a sacudir, como se podia, as vorazes infiltrações mais atrevidas e dolorosas... O espírito de corpo, que deveria ligar todo o pelotão, já estava consolidado ao fim de umas semanas de intenso treino nas matas, aparentemente, bonançosas dos arredores de Bissau.

Só aparentemente, porque era sabido que os turras (assim se chamava ao inimigo) tinham ali os seus familiares e éra-lhes fácil a clandestina infiltração, para colherem as informações fundamentais e preciosas à guerra que suportavam e alimentavam por toda a Guiné.

Por isso, não era muito recomendável vaguear-se pelas muitas e populosas tabancas (as aldeias dos negros) que rodeavam a cidade, de vez em quando lá desaparecia um dos nossos, e, nos cafés ou lojas comerciais de Bissau, toda a probidade era pouca. Um turra poderia estar ao lado, de orelhas afiladas…pronto a seguir, à velocidade da luz, para o mato com a preciosa notícia de uma operação, em tal zona…Era certo que uma terrível emboscada abortaria, com sangue, a operação programada…

A cidade de Bissau visitava-se em pouco tempo. Várias ruas transversais à já referida Avenida Central, a que corta Bissau ao meio, continham as lojas, os cafés e as moradias dos residentes, a maioria, feita de cabo-verdianos, mais desenvolvidos que os nativos da Guiné.

Um banco, um liceu, uma catedral, um hotel, um grande centro comercial da CUF e muitas esplanadas de cafés eram tudo o que conseguia proporcionar aos militares uma óptima estadia, quer em suculentas férias do mato, quer em sortuda comissão militar para aqueles que ali permaneciam durante os dois anos e meio de serviço.

O resto era dado pela pujante vida das tabancas negras, onde havia sempre bom churrasco, muito marisco, baratíssimo, e muita cerveja.

A expectativa constante em saber para onde iríamos ser destacados não era propícia à exploração daquele mundo de diversão, diferente e enigmático.

O tempo era pouco para ouvir os mais velhos que vinham do mato, em descanso ou férias forçadas, com passagem pelo moderno hospital militar, a uns 8 km de Bissau.

Não era difícil reconhecê-los. Os ares quentes daquelas paragens equatoriais já lhes tinham tisnado os rostos, de ar cansado e sofredor. Nem eles próprios já o reconheciam.

O triângulo de Bafatá, Mansabá e Bissorã, ao norte; Catió, Bedanda e Bissalanca Ur, ao sul; Guilege e Madina do Boé, a Leste, eram, sem dúvida, os pontos mais escaldantes no teatro de guerra.[Vd. carta da província, 1961].

Para oeste, ficava o mar da nossa liberdade, se a sorte o permitisse...passados dois anos e tal.

Mansoa, a 30 km de Bissau, o arquipélago dos Bijagós pela sua localização natural ou pela predominância da raça, leal, ali residente eram os poucos sítios apetecidos. Para além de Bissau, claro.

Se bem que era corrente e aceite que, na Guiné, não havia espaços calmos e seguros. A tropa só dominava nos espaços reduzidos dos centros administrativos restantes da secular colonização. 4 ou 5 km fora da cerca e tudo poderia acontecer. Minas, emboscadas ou raptos.

No geral, a ideia corrente era que se estava num impasse teimoso, com tendência para o agravamento de ambas as partes.

Constava que a nossa vantagem aérea estava a ser ameaçada. Os turras já estavam a ser abastecidos por helicópteros, em pleno campo de luta…e os apoios vindos da Rússia, em material e dos homens, ali preparados, eram crescentes, de dia para dia.

Estávamos na época seca e, por isso, a mais turbulenta. Os helicópteros poisavam, constantemente, no redondel do hospital. Não era aconselhável ir para aqueles lados…Muito menos, entrar nas enfermarias.

Era impossível disfarçar-se a preocupação, por mais forte que fosse o espírito. Nas noites, não havia lugar para sonhos, só pesadelos.

Já que tinha de ser que fosse o mais depressa possível. A imaginação e as cores cinzentas das matas distantes esmagavam-nos nas horas longas de cada dia que passava.

Nos primeiros dias de Outubro, veio, por fim, a notícia. Fatal. A companhia 728 ia para Ilha do Como, zona de Catió, render a Companhia 556, que ficara a defender, ali, a soberania, depois da mais brava refrega que o Chefe-Mor, o brigadeiro Schulz, resolveu desencadear durante 3 meses. Com todos os meios militares disponíveis, desde a marinha à força aérea e à artilharia. No fim, a montanha parira um rato… Para não vir para Bissau, de mãos a abanar, decidiu deixar, melhor, imolar uma das últimas companhias a chegar à refrega (2).

Foi deixada entregue a si própria, instalada na bordinha sudoeste da ilha do Como, rica em produtos hortícolas e arrozais. Nela fora proclamada a Républica Independente pelo PAIGC.

Corremos para o mapa a espiolhar o enredo daquelas terras, bem ao sul, às portas da vizinha Guiné-Conacri e da Serra Leoa.

A cota máxima do relevo não passava dos 6 a 7 metros. Um terço das terras ficava debaixo de água em cada maré cheia. Os rios Corubal e Cacine eram uma verdadeira teia de braços tortuosos, com zonas que mais pareciam mar alto, a perder de vista. As matas frondosas e entrelaçadas cobriam o resto que ficava dos arrozais. O seu seio escondia as numerosas tabancas e aquartelamentos, umas e outras, muito primários, quase ambulantes.

O horizonte não podia ser mais pardacento. Só a esperança nos valia e deixava espaço para respirar.

- Seja o que Deus quiser…voltou a ser a expressão mais corrente em todas as bocas. Agora, já um pouco mais conscientes do seu significado.

_______________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:



5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1249: As primeiras fotos do Palmeirim de Catió (Manuel Gomes, CCAÇ 728)

2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo


(2) Sobre a batalha da Ilha do Como (1964), vd. posts de:

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

domingo, 19 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

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Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Uíge > Julho de 1968 > Oficiais milicianos dos BCAÇ 2851 e 2852 na hora da despedida...


Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Segundo post da série O Cruzeiro das Nossas Vidas (1).
1. Texto e foto do Paulo Raposo, enviados em 7 de Novembro de 2006:

Olá, pessoal.

Lindos rapazes a dizer adeus às miúdas no Cais da Rocha Conde de Óbidos, já a bordo do Uíge em Julho de 1968.

Quem são os malandros ? David, Rijo, Hernâni, Pimentel, Raposo (2).

O Felício estava a mandar uma mensagem do telemóvel, coisa muito em voga naquela altura.

O meu cripto quando vê esta foto, muito se ri.

Um quebra costelas

Paulo Raposo
2. Resposta do Rui Felício, de 9 de Novembro de 2006:
Meus Caros Amigos:

Embora muito me custe contrariar o Paulo Raposo, não ficaria de bem com a minha consciência se não rectificasse a observação que ele faz a meu respeito. A História não se compadece com imprecisões! Há que relatar os factos tal como eles se passaram efectivamente, sob pena de os vindouros tirarem conclusões erradas.
E a rectificação é a seguinte: Eu não estava a mandar nenhuma mensagem de telemóvel, pela simples razão de que os radares do Uíge interferiam com a captação de rede do meu aparelho. Estava naquele preciso momento, no camarote onde íamos viajar, a perfurar um telex, outro aparelho muito em voga também naquela época.
Fica reposta a verdade! A Bem da História!!!!

Um abraço

Rui Felício
________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

(2) O Victor David, o Jorge Rijo, o Rui Felício e o Paulo Raposo - os quatro baixinhos de Dulombi - pertenciam à CCAÇ 2405, do BCAÇ 2852 (1968/78) . O Ernâni e o Pimentel pertenciam à CCS do BCAÇ 2851: estes últimos também eram alferes milicianos e estiveram no encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 (3).



A bordo do navio Uíge > Final de Julho de 1968 > A caminho de Bissau > O grupo dos futuros baixinhos de Dulombi... "A alegria do regresso quase que compensa a tristeza da partida", escreveu o Paulo Raposo no seu testemunho. O Paulo Raposo é o segundo a contra da esquerda. Vd. post de 19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (3): De Santa Margarida ao Uíge

Fonte: © Paulo Raposo (2006), Direitos reservados.

(...) "No final de Julho de 1968, no Cais de Conde de Óbidos, lá embarcámos no Uíge. Seguiram os BCAÇ 2851 e 2852.
"A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.
"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!
"Em conversa, o Cap Medina, que comandava uma companhia do outro batalhão [, o BCAÇ 2851,] que seguia connosco e estava a partir para a sua segunda comissão, disse algo de que nunca me esqueci:- A alegria do regresso quase que compensa a tristeza da partida. Na realidade foi bem assim.
"Durante os cinco dias que se seguiram, o ambiente a bordo não podia ser o melhor. Conversávmos muito uns com os outros enquanto passeávamos ao longo do tombadilho.O nosso espírito era unânime.
"De política, nada sabíamos. Sabíamos apenas que aquela ida para África era o preço que tínhamos de pagar para ter um lugar na sociedade. E se na na vida tínhamos de passar sacrifícios, então iríamos passá-los de uma assentada para o resto da vida. A defesa do Ultramar para nós, naquela altura, era uma coisa que não nos dizia directamente respeito, nem nos apercebíamos que África era fonte de abastecimento das nossas matérias primas. O que é que íamos defender na Guiné, território que estava rodeado de países francófonos ? A população estava dividida por várias etnias, a função pública era ocupada por caboverdianos, os comerciantes eram senegaleses e a religão dominante a muçulmana. Portugueses europeus não os havia por lá" (...).

(3) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)



O Hernâni Figueiredo (Ovar) e o António Pimenta (Porto) eram alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2851 (Região do Oio, 1968/70). Viajaram no Uíge, juntamente com o pessoal do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), em Julho de 1968. São muito amigos dos baixinhos de Dulombi. O nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, também pertencia a este batalhão.

Fotos: © Luís Graça (2006) . Direitos reservados.

Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...


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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> 1968 > "Mariema ou Nalhu... A minha bajuda"... (TM)

Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.

Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, ou melhor, de uma primeira selecção de trinta e tal fotos. Chamou-lhe fotos falantes: vd último post, de 8 de Novembro de 2006 (1)

1. Caro Luís Graça:

Certamente não enviei a legenda das fotos e slides. Anexo agora, com chamada de atenção para a 6 e 24 [Mariema ou Nalhu]. Porquê, mudas, caladas? Pu-la (s) então a falar e vai noutro anexo. É o relato possível.

A Pedra tem significado para aquelas gentes.

Ontem era uma simples mensagem (2). Por vezes uso frases de que gosto. Geralmente faço breve referência – frase copiada, plagiada, etc. Não digo de quem são. Parece-me que posso ser entendido como snobe ou coisa pior. Tantas Vidas é de um blogue[, do nosso camarada Virgínio Briote]. Prazeres da memória é uma frase da Margarite Yourcenar.

Um abraço,

2. Fotos Falantes (7): Mariema ou Nalhu...

A 24 ficou muda! Eu, catchurri di dus pés – cachorro de dois pés - me confesso. Não é necessário dizer tudo, mas a foto 24 merece falar.

Tabanca de Mansambo, num fim de tarde. Em primeiro plano, a Pedra. Estávamos na zona do chefe de tabanca, Leonardo Baldé. Homem Grande e antigo empregado, ele e a mulher, no Palácio do Governador.

Meditando, encostada a um suporte do telheiro a Mariema ou Nalhu. Era uma fula de menos de vinte anos. Olhar meigo, sorriso pronto, mama firme. Era a minha bajuda. Minha é termo forte demais. Não temos dono e ela também não. Lavava-me a roupa e tínhamos uma boa amizade.
Creio que veio do Xitole. Seguiu a tropa e, em Bambadinca, a conselho do Lali, veio até Mansambo. Tinha a sua história. Metia um encontro, na sua tabanca, com combatentes do PAIGC. Daí a sua fuga. Verdade? Talvez.

Em Mansambo tornou-se lavadeira dos militares. Tratava-me da roupa, de outras coisas, era pessoa de minha confiança. Nalguns fins de tarde, ou à noite, conversávamos. Ia-me contando muito do que eu queria saber. Jogaria com um pau de dois bicos? Creio que não.

Nas minhas ausências tratava da roupa de outros. Quando eu ia para operações ficava a olhar. Na chegada aí estava ela ao longe. Acenava e sorria. Um dia disse-me: - Quando tu vai no mato não como.

Conversas e daí… talvez não. Nunca procurei saber. Estava interessado no que ela me contava e não só.

Ofereceu-me um ronco com mesinho para colocar na cintura. Eu já tinha um para a cintura e um outro para usar ao pescoço. Ainda os tenho. O fio com caixa é mandinga. Veio da zona de Fá no inicio da comissão. Foi e é o meu amuleto. Anda sempre no meu saco, metido num pequeno saco plástico. O desgaste provocado pela idade não perdoa. Os outros e o velho cinturão, estão guardados algures.

Quando ia a Bafatá comprava roupa e bujigangas para a Mariema. Nada de especial. Antes de sair de Mansambo no fim da comissão, ela tinha-se ido embora.

Voltei a ter notícias dela, talvez entre 70 e 72. Um furriel meu amigo falou com ela. Depois esfumou-se…

Que sejas ou tenhas sido feliz, Mariema!

3. Comentário de L.G.:

Há um toque de delicadeza, humanidade e até poesia nas tuas palavras... Mesmo lá no cu do mundo, em Mansambo, um clareira no mato, era possível estalecer uma relação humana positiva, afável e até cúmplice, entre pessoas que estavam nos antípodas, desempenhando papéis (sociais) muito diferentes, não raro antagónicos: alferes / lavadeiro, tuga / nharro, homem / mulher... Também eu, às vezes, me interrogo sobre a dura, difícil, senão mesmo trágica, condição da mulher africana, de ontem e de hoje... A evocação da Mariema trouxe-me à lembranças as doces, alegres, esquivas submissas fulas (e mandingas) com que convivi/convivemos em Contuboel e em Bambadinca... Não vejo mal em que uses o adjectivo possessivo... Afinal, todo o mundo tinha a sua bajuda...
______________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro

(2) Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P1294: Blogoterapia: Objectos de sutura da nossa memória ou... tudo é património neste blogue (Beja Santos)



Verso, manuscrito, de um bilhete postal enviado para um familiar em Lisboa, pelo nosso camarado Mário Beja Santos, devidamente estampilhado e com o carimbo do SPM (ilegível), datado de 10 de Setembro de 1968... Os três selos, iguais, no valor de $50 cada um, são evocativos das Aparições de N. Sra. em Fátima, 1917-1967, vendo-se a capelinha das aparições, em segundo plano, e em primeiro um monumento erigido ao Sagrado Coração de Jesus.


Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.




Cópia de uma página da brochura escrita por Paulo Raposo, com as suas memórias da guerra da Guiné. O Paulo foi Alf Mil da CCAÇ 2405 (1968/70). Fonte: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África. [Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997.



Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.


Texto de Beja Santos, enviado em 7 de Novembro de 2006:

Caro Luís, caros tertulianos, estava ontem a dar uma aula de Turismo e Ambiente sobre bens culturais e ambientais à volta do património mundial e local. A leitura que me serviu de bússola foi A Política do Património, por Marc Guillaume (Campo das Letras, 2003).

No blogue, imagens, textos, referências a relatórios, fiquem todos sabendo (se acaso ainda subsistem dúvidas) tudo é património, tal como a paisagem, os edifícios industriais ou o código genético. Mobilizamo-nos para esconjurar uma identidade que se pode perder. Somos uma máquina de memória, tal com um arquivo ou uma cidade protegida. Ao ampliarmos a nossa área de intervenção, registamos informação, tratamo-la e arquivamo-la. Quem quiser que a conserve e a coleccione de acordo com as referidas opiniões e interesses.

Para Marc Guillaume, há quatro modelos de conservação que se confrontam com uma realidade necessariamente hostil (a nossa passa pelo envelhecimento e o risco de que as nossas memórias sejam lançadas no caixote do lixo ou no puro esquecimento) e que são:

(i) a conservação colectiva/social (caso de um museu ou de um monumento);

(ii) a conservação privada/social (caso de uma colecção particular de obras de arte);
(iii) a conservação colectiva/individual (caso de um arquivo público com documentos privados);

(iv) a conservação privada/individual (caso de uma colecção de objectos constituída a partir de uma regra estabelecida por um indivíduo ou grupo).


No blogue, estamos a conservar e a coleccionar. Qual é a nossa matéria prima? Marc Guillaume chama-lhe objectos de sutura, ou seja, documentos e outros que visam remendar um buraco da memória: livros, cartas , fotografias, testemunhos, tudo ligado a uma ocasião e até mesmo a um evento traumático que podem estar guardados em sótãos, armários, álbuns, caixas com correio. Estes objectos de sutura são afectos que estão num limbo à espera de uma reorganização da memória.

Estamos pois a falar de coisas que conservamos desde que fizemos a guerra. Elas acumulam-se ou sedimentam-se de acordo com a necessidade que conferimos à nossa relação com o passado. São repositórios informativos de cujo valor há incerteza do juízo.

Procurando um exemplo concreto, creio que os testemunhos recentemente aqui enunciados sobre Guidaje podem pesar para uma interpretação historiográfica. Em 1973, sabe-se hoje, não havia condições para vencer o PAIGC: o abandono de quartéis, a ofensiva a Leste e Sul, o uso de mísseis pelo PAIGC sem nenhuma contrapartida para as tropas portuguesas, o próprio plano de ir desertificando o mato circunscrevendo as operações à volta de Bissau (Marcelo Caetano alude a este hipotético plano logo no primeiro livro que escreveu no Brasil , O Meu Depoimento), são algumas dessas manifestações.
Os episódios relatados têm, pois, virtualidades para serem examinados pela investigação. É uma abordagem das potencialidades do blogue. Volto aos objectos de sutura. Possuímos em sótãos e caves bilhetes postais, roncos, lembranças de vária índole que trouxemos da Guiné. Andam ali sem préstimo nem atenção, um pouco como as gravuras rupestres de Foz Côa: estavam lá há milhares de anos, foi preciso chegarem os cientistas e darem por elas. Neste caso, temos que ser nós, espontânea e deliberadamente a ir aos sótãos e caves e trazê-los para o coordenador do blogue.

Não acredito que seja o único a ter guardado bilhetes postais. Há os panos, a ourivesaria, a escultura, as próprias fotografias que não falam expressamente da guerra. Esses objectos de sutura são património valioso para as próximas gerações. Interrogo-me mesmo se tais objectos ainda nos pertencem, isto é, se são só nossos. Porque a partir do momento em que convivemos no blogue a sua riqueza patrimonial terá que assimilar as nosssas memórias, as nossas cartas, imagens, depoimentos. O valor do nosso blogue é essa construção e essa progressão.

Com fraternidade vos apelo: vão aos sótãos e às caves à procura de mais objectos de sutura!

Mário

sábado, 18 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (1971/77) > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé, não de macaco-cão (1), mas de chimpazé que ele comprou a um caçador local por 500 pesos... Foi um gesto bonito por parte dele, salvando de morte certa um animal que pertence à Ordem dos Primatas, como nós, e que é dos grandes símios o que partilha mais genes connosco (ou seja, o chimpanzé é nosso primo, o nosso primo mais próximo de acordo com a zoologia, a genética e a biologia evolutiva)...
Na altura 500 pesos era metade do pré de um soldado... Isto também dá uma ideia do valor que o chimpanzé tinha na época (e continua ter) no mercado local africano como animal de estimação (mas também como iguaria, já que a sua carne é muito apreciada), sem esquecer a sua triste condição de cobaia nos laboratórios da nossa indústria farmacêutica, a sua exploração nos nossos circos ou a sua prisão dourada nos nossos modernos jardins zoológicos...
Indepentemente disso, eu gostaria de saber o que terá acontecido ao pobre chimpanzé depois da saída dos Gringos... Talvez o Amaro nos possa falar mais um pouco desta estória... Eu sei que na altura nenhum de nós tinha a consciência ambiental e o conhecimento dos direitos dos animais que temos hoje...
Os grandes símios africanos (o chimpanzé, o bonobo e o gorila) estão em vias de extinção (poderão deixar de existir em estado selvagem por volta de 2050) e nós também podemos ajudar os nossos amigos da Guiné-Bissau a preservar o seu habitat (no caso de Guileje, a mata do Cantanhez)... O Pepito e os seus colaboradores da AD - Acção para o Desenvolvimento terão também interesse em conhecer o resto desta estória... (LG)

Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.
Texto do Amaro Munhoz Samúdio, com data de 7 de Novembro de 2006 (1):

Caro Luís Graça:

Parabéns pelo trabalho desenvolvido.

Vou, finalmente, tentar humildemente recuperar algumas memórias dos tempos passados em Guileje, não deixando, no entanto, de fazer os seguintes comentários: como é possível que passados tantos anos a Guiné, no caso, esteja permanentemente na memória de todos aqueles que por lá passaram?

O normal, penso eu, é recordar os momentos bons... Mas, por estranho que pareça, aquilo – peço desculpa mas tenho que lhe chamar aquilo – é sempre transportado para os nossos pensamentos como exemplos. Comigo acontece isso.

Decorridos tantos anos como é possível que, ainda hoje, todas as situações lá vividas permaneçam vivas nas nossas memórias e uma tão grande necessidade de as contar a quem também as viveu: (i) é um arame que não se pode tocar, pode ser uma armadilha; (ii) é um papel no chão que não se pode pisar, pode ser uma mina; (iii) é uma lata a que não se pode dar um pontapé, pois pode estar armadilhada...

Os mosquitos trazem-me à lembrança que, antes de dormir, mesmo depois do mosquiteiro bem metido no colchão, e de proceder à necessária matança de todos eles, apareciam sempre, de madrugada, de barriga cheia. Inevitavelmente, esses, já não engordavam com o meu sangue na noite seguinte.

As abelhas recordam-me o safado do Arruda, um monstro açoriano do morteiro 60 que, na mata, quando pressentia um enxame, protegia-se com aquelas redes que levávamos e, depois de passar, abanava os ramos. Chegavam , muitos, inchados ao quartel.

E as formigas que mordiam mesmo, etc., etc., etc

Existem montanhas de exemplos de toda uma geração que, depois de ter passado por aquilo, mesmo que queira, não consegue esquecer. São marcas para toda a vida.

Desculpa este inicial desabafo e vamos a Guileje.

Recordo, no entanto, que o que estava ao meu colo não era um macaco -cão mas sim, o meu chimpanzé–bebé, comprado a um caçador africano por 500 pesos, e que fazia a vida negra aos açorianos do meu pelotão. Quando andava agarrado aos meus calções, às pernas ou aos braços não chorava... À noite, quando o deixava numa casota, na entrada do abrigo, não deixava dormir ninguém .

Sobre uma questão que foi posta - se a engenharia esteve em Guileje -, posso garantir que esteve. Além dos abrigos feitos artesanalmente com aqueles troncos de árvores e chapas dos bidões, existiam pelo menos quatro abrigos que se constava serem à prova de 122 perfurante (3), construídos pela engenharia.

Não foram construídos no tempo dos Gringos (Guileje, 21 de Novembro de 1971/ 22 de Dezembro de 1972), nem na companhia de madeirenses que nos antecedeu [, CCAÇ 3325 Jan 1971/Dez 1971] (2) e o aspecto deles era bom.

As companhias em Guileje estavam, no máximo treze meses, pelo que os abrigos construídos pela engenharia devem ter sido construídos em 1966/67.

Um abraço

Amaro Munhoz Samúdio

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)

(2) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Carlos Schwarz / Nuno Rubim)

Aqui fica, para informação da nossa tertúlia, a lista das unidades que passaram por Guileje (Fonte: Carlos Schwarz/Nuno Rubim, 2006)


CCAÇ 495 (Fev 1964/Jan 1965)

CCAÇ 726 (Out 1964/Jul 1966) (contactos: Teco e Nuno Rubim)

CAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966)

CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967) (contacto: Cap Rino)

CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) (contacto: Cap Neto)

CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos)

CART 2410 (Jun 1969/Mar 1970) (contacto: Armindo Batata)

CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio)

CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: Parracho)

CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (açorianos)

CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho)
(3) O Amaro deve estar a referir-se aos temíveis foguetões 122 mm, usados pelos guerrilheiros do PAIGC.

Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

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Guiné > Zona Leste > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tertuliano, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guimné, 1965/67) (1).

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

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Guiné-Bissau> Rio Corubal > Cheche > 1998 > Praia fluvial com rampa de acesso. Foto tirada a meio do rio, na viagem de Quebo (Aldeia Formosa) - Madina do Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego) ....

Foto: © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006) (2). Direitos reservados.
Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Lisboa > Belém > 10 de Junho de 2006 > Encontro de camaradas da nossa tertúlia > O José Martins (à esquerda) e o Jorge Cabral (à direita).

Fotos: © Luís Graça (2006) . Direitos reservados.


1. Texto do José Martins (ex-furriel miliciano trms, CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Canjadude , 1968/70):

Madina do Boé: Contributo para a sua história (Paret I)

por José Martins

Escrever sobre a Região do Boé é, sobretudo, invocar a coragem e tenacidade dos homens que por lá passaram, em quadrícula ou em operações, escoltas e acções de combate. As forças que desenvolveram acções na zona, partiam de Nova Lamego, passando por Canjadude e atravessavam o rio Corubal na zona do Cheche.

Salvaguardando a existência ou passagem, ainda que efémera, de tropas portuguesas naquelas paragens encravadas entre o Rio Corubal e a fronteira com a Guiné Conacri anteriores a 1961, tentámos seguir, com as pistas de que dispúnhamos, o percurso seguido por aqueles que, integrados em unidades da guarnição normal ou, mais tarde, nas unidades de reforço, tudo fizeram para cumprir a missão que lhes foi confiada.

Antes do início das hostilidade na Guiné, o seu quadro orgânico era formado por unidades da guarnição normal, constituídas por quadros e especialistas metropolitanos e praças do recrutamento provincial, havendo, sempre que fosse necessário, o recurso a forças expedicionárias oriundas da metrópole.


OS HOMENS E AS UNIDADES

3ª Companhia de Caçadores Indígenas

Esta unidade foi constituída em 1 de Fevereiro de 1961, como unidade da guarnição normal do CTIG, formada por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, iniciando a sua formação adstrita à 1ª CCAÇ I.

Em 1 de Agosto de 1961, com a constituição de dois pelotões, substitui a 1ª CCAÇ I na guarnição de Nova Lamego. Desloca elementos para guarnição de várias localidades do Sector Leste, por períodos e constituição variáveis, sendo de destacar as localidades de Che-Che, Béli e Madina do Boé. Passou a guarnecer, em permanência as localidades de Béli e Madina do Boé instalando, em 6 de Maio de 1963, um pelotão em cada localidade.

Em 1 de Abril de 1967 passa a designar-se por Companhia de Caçadores nº 5.

Companhia de Caçadores n.º 90  [CCAÇ 90]

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 7 em Leiria, desembarca em Bissau a 3 de Maio de 1961, seguindo para Bafatá, onde, em 13 de Maio de 1961, assume a responsabilidade da zona situada segundo um meridiano a oeste de Farim até à região de Madina do Boé, coordenando a sua acção com a 3ª CCaçI.

Foi rendida em 10 de Abril de 1963, pela CCaç 412, regressando à metrópole.

Batalhão de Caçadores n.º 238 [BCAÇ 238]

Mobilizado no Batalhão de Caçadores nº 8 em Elvas, era formado apenas pelo comando reduzido quando em 6 de Julho de 1961 chegou à Guiné.

Em 19 de Julho de 1961, com a chegada dos elementos de recompletamento passou a comando completo e assumiu a coordenação da zona Leste, a partir de uma linha de Cambajú-Xime-rio Corubal até á fronteira da Guiné-Conakri e Senegal.

Em 22 de Julho de 1963 foi rendido pelo BCaç 506 e regressou à metrópole em 24 de Julho de 1963.

Companhia de Cavalaria n.º 252 [CCAV 252]

Formado em Estremoz no Regimento de Cavalaria nº 3, chegou a Bissau a 16 de Agosto de 1961. Em 23 de Agosto de 1961 atribuiu dois pelotões para reforço do BCav 238, sediado em Bafatá, tendo essa força seguido para o subsector de Nova Lamego.

Distribuiu efectivos por várias localidades da área. Os pelotões destacados na zona leste foram retirados em 15 e 18 de Fevereiro de 1962.

A unidade regressou à metrópole em 4 de Novembro de 1963.


Companhia de Caçadores n.º 84 [CCAÇ 84]

Ficou colocada em Bissau após a sua chegada à província em 6 de Abril de 1961, oriunda do Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora.

Em 15 de Fevereiro de 1962 foram atribuídos pelotões ao BCAÇ 238 destacados para Nova Lamego para reforço da guarnição.

A unidade regressou à metrópole em 9 de Abril de 1963.


Batalhão de Caçadores n.º 506 [BCAÇ 506]

Ficou colocada em Bissau após a sua chegada à província em 20 de Julho de 1963, oriunda do Regimento de Infantaria nº 10, sediado em Abrantes. Em 22 de Julho de 1963, rendendo o BCAÇ 238, assume a zona leste, à qual foi acrescentada a região do Boé.

Com a entrada em sector do BCAÇ 697 viu a sua zona de acção reduzida dos subsectores de Bambadinca e Xitole.

Após nova remodelação, em 11 de Janeiro de 1965, deixa de ter a responsabilidade dos subsectores de Nova Lamego, Piche e Pirada que passaram para a responsabilidade do BCAÇ 512.

Regressou à metrópole em 29 de Abril de 1965.

Companhia de Caçadores n.º 727 [CCAÇ 727]

Formada no Regimento de Infantaria nº 16 em Évora, chegou à província em 14 de Outubro de 1964, tendo feito a instrução de adaptação operacional em Có-Pelundo e Prábis. Em 18 de Novembro de 1964 destaca um pelotão para reforço do BCAÇ0 506, que foi reforçar a guarnição de Madina do Boé.

Em 5 de Dezembro de 1964 foi a companhia transferida para reforço e reserva do BCAQÇ 512, mantendo um pelotão em Madina do Boé.

Tomou parte em diversas operações levadas a cabo na região de Nova Lamego e Madina do Boé, sendo de salientar a emboscada na estrada Madina do Boé-Gobige, em 30 de Janeiro de 1965, que causou grande número de baixas ao inimigo.

Foi rendida pela CArt 731 na missão de intervenção em 19 de Fevereiro de 1965. Regressou à metrópole em 7 de Agosto de 1964.

Batalhão de Caçadores n.º 512 [BCAÇ 512]

Tendo sido formado em Leiria no Regimento de Infantaria nº 7, chegou à província em 22 de Julho de 1963. Em 29 de Dezembro de 1964 é colocado no sector de Nova Lamego, que abrange os subsectores de Piche, Pirada e Nova Lamego.

Com a atribuição de novas companhias foram criados os subsectores de Canquelifá em 25 de Fevereiro de 1965, de Bajucunda em 11 de Março de 1965, de Madina do Boé e de Buruntuma em 23 de Maio de 1965.

Em 1 de Junho de 1965 foi rendido pelo BCAV 705 , regressando à metrópole em 12 de Agosto de 1965.

Companhia de Artilharia n.º 731 [CART 731]

Pertencendo ao BART.t 733, mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, chegou à Guiné em 14 de Outubro de 1964, tendo sido colocada em 19 de Fevereiro de 1964 como reforço do BCAÇ 512 e em substituição da CCAÇ 727, em Nova Lamego, onde se manteve até 23 de Maio de 1963.

Voltou, temporariamente ao subsector de Nova Lamego, com a missão de reforço e intervenção, em 24 de Junho de 1965, onde foi rendida, em 7 de Julho de 1965 pela CCAÇ 817.

A unidade regressou à metrópole em 7 de Agosto de 1966.

Companhia de Cavalaria n.º 704 [CCAV 704]

Era uma das subunidades do Batalhão de Cavalaria nº 705 formado em Lisboa no Regimento de Cavalaria nº 7, tendo chegado à Guiné em 24 de Junho de 1964.

Em 18 de Janeiro de 1965 cedeu dois pelotões para reforço do BCAÇ 512, vindo a ser transferida para o sector de Nova Lamego em 5 de Fevereiro de 1965, sendo utilizada no reforço de Bajucunda, Madina do Boé, ponte do rio Caium e Béli, por curtos períodos.

Foi rendida pelo pela CCAÇ 1417 e regressou à metrópole em 14 de Maio de 1966.

Companhia de Cavalaria n.º 702 [CCAV 702]

Era uma das subunidades do Batalhão de Cavalaria nº 705 formado em Lisboa no Regimento de Cavalaria nº 7, tendo chegado à Guiné em 24 de Junho de 1964.
.
Entre 22 e 30 de Maio de 1965 iniciou o deslocamento das suas forças para Madina do Boé, instalando em 25 do mesmo mês um pelotão em Beli, rendendo, assim, os pelotões da 3ª CCaçI. Assumiu a responsabilidade do subsector da Madina do Boé criado na mesma data.
Em 4 de Maio de 1966 foi rendida pela CCaç 1416, tendo embarcado de regresso à metrópole em 14 de Maio de 1966.

Batalhão de Cavalaria n.º 705 [BCAV 705]

Mobilizada no Regimento de Cavalaria nº 7 em Lisboa, desembarca na Guiné em 24 de Julho de 1964.

Rendendo o BCAÇ 512 no sector de Nova Lamego assume, em 1 de Junho de 1965, o respectivo comando de sector que abrangia os subsectores de Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.

Foi rendido pelo BCav 1856 em 1 de Maio de 1966 regressando à metrópole em 14 de Maio de 1966.

Companhia de Caçadores n.º 1416 [CCAÇ 1416]

Mobilizada na Amadora no Regimento de Infantaria nº 1 e integrada no Batalhão de Caçadores nº 1856, chega a Bissau em 6 de Agosto de 1965, rumou para Nova Lamego, onde em 13 de Agosto de 1965 assume a função de unidade de reserva do BCAV 705.

Em 27 de Abril de 1966 seguiu para Béli afim de tomar parte na Operação Lumiar e em 4 de Maio desse ano assume a responsabilidade do subsector de Madina do Boé, substituindo a CCAV 702, mantendo forças destacadas em Béli e Che-Che, este até 27 de Janeiro de 1967.

Tendo sofrido fortes e numerosas flagelações, foi rendida em 10 de Abril de 1967 pela CCAÇ 1589, regressando à metrópole em 15 de Abril de 1965.

Batalhão de Caçadores n.º 1856 [BCAÇ 1856]

Mobilizado na Amadora no Regimento de Infantaria nº 1, chegou à província em 6 de Agosto de 1965. Em 2 de Março de 1966 o comando foi instalado em Nova Lamego, tendo em vista a substituição do BCav 705.

A 1 de Maio de 1966 assumiu o sector de Nova Lamego, Sector L3, abrangendo os subsectores de Bajocunda, Canquelifá, Piche, Buruntuma, Madina do Boé e Nova Lamego.

Veio a ser rendido no comando do sector pelo BCAV 1915 em 15 de Abril de 1967, regressando de imediato à metrópole.


Companhia de Caçadores n.º 1546 [CCAÇ 1546]

Integrada no Batalhão de Caçadores nº 1887 e mobilizada no Regimento de Infantaria nº 1 na Amadora, chega à província em 13 de Maio de 1966. Depois da instrução de adaptação operacional foi colocada em Nova Lamego, onde em 13 de Agosto de 1965 assume a função de unidade de intervenção e reserva do Comando Chefe para actuar na zona Leste. Realizou operações nas regiões de Bucurés/Camajabá, Madina do Boé, Cheche e Béli, às ordens do BCAÇ 1856 e Agrupamento 24.

Em 20 de Outubro de 1968 deixou a zona Leste e regressou à metrópole em 25 de Janeiro de 1968.

Companhia de Caçadores n.º 1586 [CCAÇ 1586]

Desembarcou em Bissau a 4 de Agosto de 1966, após ter sido mobilizada no Regimento de Infantaria nº 2 em Abrantes, seguindo para Piche onde assumiu a responsabilidade do respectivo sector.

A 21 de Setembro de 1966 passou a unidade de intervenção é reserva do sector Leste, realizando operações e destacando pelotões para reforço das unidades em quadrícula nomeadamente, Nova Lamego, entre 10 de Outubro e princípios de Dezembro de 1966; Madina do Boé entre 10 de Fevereiro de 1967 e 1 de Maio de 1967; Béli entre 25 de Janeiro de 1967 e 15 de Abril de 1967.

Em 28 de Outubro de 1967, integrou as forças do subsector temporário de Canjadude, onde se manteve até 4 de Dezembro de 1967.

Regressou à metrópole em 9 de Maio de 1968.


Esquadrão de Reconhecimento n.º 1578 [EREC 1578]

Mobilizado em Castelo Branco no Regimento de Cavalaria 8, chegou à Guiné em 13 de Maio de 1966.

De 23 de Outubro até 4 de Dezembro de 1967 assumiu a responsabilidade do subsector temporário de Canjadude, reforçado com pelotões da CCaç 1586, com vista a eliminar a pressão exercida pelo inimigo na região a sul do regulado de Canha.

Regressou à metrópole em 25 de Janeiro de 1968.

Companhia de Caçadores n.º 1589 [CCAÇ 1589]

Mobilizada no Regimento de Infantaria nº 15, em Tomar, chegou à Guiné em 4 de Agosto do 1966 em conjunto com o BCAÇ 1894 a que pertencia.

Em 16 de Dezembro de 1966 foi instalada em Fá Mandinga à disposição do Comando Chefe para intervenções na zona Leste, tendo realizado operações nas regiões do Xime, Sarauol, Nova Lamego, Madina do Boé e Enxalé.

A 25 de Março de 1967 destacou um pelotão para o aquartelamento de Béli, e em 7 de Abril de 1967 foi substituir a CCAÇ 1416 a Madina do Boé, assumindo a responsabilidade do subsector em 10 de Abril de 1967.

Foi rendida pela CCAÇ 1790 em 20 de Janeiro de 1968 em Madina do Boé e em Béli a 12 de Fevereiro seguinte, tendo os aquartelamentos sofrido fortes e constante flagelações, especialmente no período entre Junho e Dezembro de 1967.

Regressou à metrópole em 9 de Maio de 1968.

Companhia de Caçadores n.º 1417 [CCAÇ 1417]

Desembarcou em Bissau a 4 de Agosto de 1966, após ter sido mobilizada no Regimento de Infantaria nº 2 em Abrantes, pertencendo ao BCaç 1856. 

Destacou, entre 25 de Janeiro a 26 de Março de 1967, um pelotão para Béli em reforço da guarnição normal. 

Regressou à metrópole em 15 de Abril de 1967.

Companhia de Caçadores n.º 5 [CCAÇ 5] 

Em 1 de Abril de 1967, a 3ª CCAÇ I passa a designar-se Companhia de Caçadores nº 5 por alteração da designação e, mantendo a sua sede em Nova Lamego, tem pelotões destacados em Canjadude, Cabuca e Cheche.

Com a criação do subsector de Canjadude em 14 de Julho de 1968, passa a guarnecer este aquartelamento, tendo sido reforçada com a CART 2338, que destacou um pelotão para a guarnição do Che-che, até à sua desactivação em 6 de Fevereiro de 1969.

A unidade tomou parte em diversas operações na área, assim como em escoltas para o Cheche, Madina do Boé e Beli, mantendo um pelotão em Cabuca e outro em Nova Lamego, até 26 de Março de 1969 data em que reúne todos os elementos no aquartelamento e sai a CArt 2338.


Em 19 de Janeiro de 1969, uma força constituída por 5 Grupos de combate (dois da CCaç 5 e três da CART 2338) escoltou a coluna que transportava três canoas para a construção da jangada no Cheche. A coluna teve a participação do Pelotão de Reconhecimento Daimler 1258 e um pronto-socorro, o que permitiu recuperar uma Auto Metralhadora FOX acidentada anteriormente.

A unidade permaneceu em Canjadude até 20 de Agosto de 1974, data em que foi desactivada e extinta e as suas instalações entregues ao PAIGC.

(Continua)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de

18 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5) (A. Marques Lopes)

25 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLVIII: Antologia (22): Madina do Boé, por Jorge Monteiro (CCAÇ 1416, 1965/67)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVI: A vingança da PIDE (Manuel Domingues)

(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - D: Madina do Boé, 37 anos depois (Luís Graça / Xico Allen / Albano Costa)

Guiné 63/74 - P1291: Questões politicamente (in)correctas (9): Os Mortos Nunca Esquecidos (A. Mendes)

Mensagem de A. Mendes (38ª CCmds) (1):


Amigo Luis Graça, a questão que o amigo Luis Mário Lopes (2) põe, é pertinente e direi até um pouco intrigante. Eu tenho pensado nisso ao longo de mais de trinta anos e nunca cheguei a nenhuma conclusão. Acompanhei de muito perto alguns acontecimentos relacionados com corpos de camaradas mortos em combate. Uns ficaram, outros vieram.

Quem esteve em Binta [Região do Oio], lembra-se dos caixões empilhados no armazém junto ao porto do rio de Farim e que serviam para receber os mortos que chegavam [?] da zona de Bijene e Guidaje. Se nem todos os corpos vieram, alguns caixões estavam vazios.

Amigo Luis Mário Lopes: o que se disse às familias nesse tempo é irrelavante para os dias de hoje. Para reparar algum mal apenas era preciso que todos os corpos fossem recuperados [missão difícil] ou, pelos menos, os possíveis, pedindo-se desculpas públicas às familias ou herdeiros.

Muitos dos que tiveram responsabilidades directas já não estão entre nós. Portanto, muito desse conhecimento dos factos já se perdeu, apenas nos resta pensar que o Estado Português, sabendo agora o que se passou, possa intervir.

Luís, quando falo sobre estes acontecimentos sei do que falo, entendes? Para mim, amigo Luis Lopes, estes mortos podem-se chamar Os Mortos Nunca Esquecidos.

Um grande abraço a todos os tertulianos e não só.

A. Mendes


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Notas de L.G.:

(1) Vd. último post, de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

(2) Vd. post de 3 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1243: Questões politicamente (in)correctas (7): Desaparecido em campanha, morto em combate, retido pelo IN (Luís M. Lopes / Luís Graça)

Último post desta série: 4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1247: Questões politicamente (in)correctas (8): A nossa linguagem de caserna (David Guimarães / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > 1971 > Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63. "Um exemplar único da fauna dos milicianos que passaram pela Guiné" (LG)...

Foto: © Jorge Cabral (2006)


Pilão: os 10 Quartos

por Jorge Cabral

De Bissau (1) conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?

Para sempre ficou marcada na memória a cena dessa noite. No chão a ressonar e de pistola à cinta, um grande fuzileiro e, encostado a ele, todo enrolado em panos, um bebé. Na cama, ela, semi-adormecida, ordenando uma actuação silenciosa…

Esta a minha última imagem da Guerra e da Guiné, a qual merecia, penso, um Postal Ilustrado.
Naquele dia comprara para os meus sobrinhos um pijama chinês e uma boneca. Pois não é que lá deixei o respectivo embrulho ?!...

Em Julho de 2004, fui a Bissau e muito estranhou o Senhor Reitor, que eu quisesse visitar o Cupilon. Mas quis. E visitei. E lá permaneci a olhar as mulheres e os homens. Qual delas terá brincado com a boneca? Qual deles terá usado o pijama?

Ter-me-ei mesmo esquecido do embrulho? Ou, sem total consciência, ofereci na altura duas prendas ao Futuro?

Jorge Cabral
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosimos (Sousa de Castro)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > Candamã > 1969 > Uma misteriosa bajuda... fotografada à luz do fim de tarde... Presumo que em Candamã (1) ... A foto faz parte de um lote de trinta e tal fotos... falantes. Curiosamente, esta - a 24 - não vinha acompanhada de legenda. (LG).

Texto e foto: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.

Luís Graça:

Isto é tramado. Leio o blogue e regresso aos prazeres da memória!...

De tarde descobri o telefone da Palimage Editores. Aí vem o livro, não de Viseu mas de Braga, Rumo a Fulacunda (1).

Agora leio as estórias dos dinheiros, bajudas, bebidas, etc. Não sabia que só oficiais e civis se acoitavam no Grande Hotel (2). Essa agora?!... É, melhor, foi infame. Passou-me muita coisa ao lado.

Lembro-me de alguns preços. São esses. Em Bambadinca não conheci restaurantes. Tabanca com serviço especial. Dormi lá… dias antes do ataque [28 de Maio de 1969].

Quando havia Ronco deixavam-nos, em qualquer dia da semana, ter um fim-de-semana em Bafatá. Lá estava a piscina, o cinema, a Transmontana. Vendia um presunto caríssimo. Mas o principal era a tabanca. Lá estava a Madame Ana Maria e suas virgens, a Solemato.Um dia conto. E uma branca, a quinhentos pesos? Dizem! ... Bom, bom.

No Pilão, [em Bissau,] a verdiana Nônô. Tive lá problemas quase a embarcar. A Manelinha (a 6.35, pessoal) e a Zézinha (faca de mato, de estimação) ajudaram.

Pois é, isto são prazeres da memória – frase roubada – mas que me dão prazer, o de recordar tempos de menino e moço. Faz-me ficar mais novo e alegre.

Grandes vidas!... E o 1º Sargento que faz contas comigo, a dois ou três dias do embarque, e me dá mais de vinte contos?! Foi a vingança do chinês, neste caso do nosso primeiro.

Tudo isto dá muita estória. Tantas vidas – outra frase roubada...

Não chateio mais. Obrigado a vocês, principalmente a ti, por estes prazeres da memória.

Um abraço,

Torcato Mendonça
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

(2) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

(3) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosimos (Sousa de Castro)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > Serviços dos Correios, Telégrafos e Telefones da Guiné > 12 de Junho de 1972 > Dois recibos comprovativos do envio de valores declarados.


Mensagem do Sousa de Castro (que me acaba de telefonar, depois de regressar a casa do trabalho, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e ver as notícias do dia no blogue)... Gosto sempre de lembrar que ele é o tertuliano nº 2, se calhar o principal responsável pela animação toda que vai nesta caserna, já desde há ano e meio... Bom, aproveito para lhe dar os parabéns por esse casamento que é sinónimo de amor eterno... Sempre admirei os camaradas que tinham a coragem de se casar na véspera do embarque para Guiné ou durante as férias, a meio da comissão... (LG)

Texto e fotos: © Sousa de Castro (2006)

Estava lendo as notícias do dia, no blogue, e achei curioso o Carlos Vinhal (1) apresentar várias facturas da vida em Bissau, nomeadamente gastos que fez em 1972. Fez-me lembrar que, estando eu a cumprir o meu dever de cidadão ao serviço da Pátria (como se dizia naquele tempo), consegui enviar para a minha esposa, em valor declarado, algum dinheiro que consegui juntar... Conforme documentos que anexo, fui a Bafatá, aos correios.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 3494, BART 3873 (Jan 1972/ Abr 74) > Natal de 1972 > 1º Cabo TRMS Radiotelegrafista Sousa de Castro: tinha-se casado no verão de 1971.

Sim, eu casei na tropa, antes de ir para a Guiné, e este casamento ainda dura e durará. Abdiquei do meu direito às férias na Metrópole, gozei quinze dias em Bissau, em casa de um amigo sargento de TRMS, cá da minha terra, Vila Fria. Naquela altura achava eu (e ainda acho) que não fazia sentido vir à Metrópole gozar férias. Para mim tropa era tropa até ao fim.

Se me permitem digo-vos que, apesar de tudo, gostei de andar na tropa, conforme diz a canção: Anda prá frente, mostra que és gente e sabes andar na tropa....

Sousa de Castro

PS - Reparem na assinatura, a vermelho, da funcionária africana que me atendeu, nos correios de Bafatá.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1287: O Alferes Rainha era um tipo bestial (Joaquim Mexias Alves)

Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

Conheci muito bem o Alferes Rainha (1).

Se a memória não me atraiçoa - outra vez -, penso que o Rainha esteve no meu curso de Rangers, não tendo sido aprovado, visto que o Alferes de Operações Especiais da sua Companhia era o Armandino, já falado aqui no blogue (2).

Só isso explica que num fim de semana em que ficámos a "expensas do Estado", em Lamego, tenhamos ido com o Rainha a sua casa, em Carrazeda de Ansiães, conhecer a terra e lanchar qualquer coisinha.

O Rainha era um tipo bestial, amigo do seu amigo e sempre prestável. Quando estive evacuado na psiquiatria em Bissau - depois hei-de contar a história - ou quando vim de férias - não me lembro bem -, estive uns dias com o Rainha em Bissau - não me lembro o que ele lá estava a fazer - e andámos sempre juntos.

Quem o devia também conhecer bem - não sei se não seria seu furriel -, é o Eusébio dos Rangers, que já foi falado no nosso blogue (3).

Soube na altura da morte do Rainha, o que me transtornou um pouco: Então um gajo anda na guerra a levar tiros e vem morrer à sua terra, por causa de uma árvore ou duns metros de terreno??

Eu era, mais ou menos, caçador e após vir da Guiné e de Angola, onde estive a trabalhar, ainda fui à caça umas vezes, até ao dia em que, felizmente de muito longe, me acertaram com dois chumbos na cara!!!

Jurei que, se não tinha morrido na Guiné, também não iria morrer de tiros na caça!!!

Lembro-me bem que a sua família era dona da Farmácia de Carrazeda e penso que depois de vir da Guiné ainda falei com ele uma vez ao telefone.

Que Deus o tenha junto de Si, porque ele era um homem bom.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1274: Conheci o Alf Rainha na cambança do Rio Corubal, entre Salltinho e Aldeia Formosa (Paulo Santiago)

10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1265: Recordações do ex-Alf Rainha (Xaneco, para os amigos), da CCAÇ 3490 (Saltinho), morto há 20 anos (Maurício Vieira, CCS/3884)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

(2) Vd. posts de:

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. posts de:

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1119: Um periquito no Saltinho, o ranger Eusébio (CCAÇ 3490, 1972/74)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1120: O Ranger Eusébio no Saltinho: erros e omissões (Paulo Santiago)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1122: Todos não somos demais: Vivam os Rangers! (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)






Guiné > Bissau > 1972 > Diversos documentos de despesa, remetidos pelo Carlos Vinhal, relativos às suas estadias em Bissau: (i) Pensão, bar e restaurante Chez Toi; (ii) Hotel Portugal; (iii) Agência de Viagens Correia; (iv) Mamaud Elawar & Cia Lda.

Foto: © Carlos Vinhal (2006)

Recebi vários e-mails do Carlos Vinhal, com documentos em anexo que nos dão indicações, interessantes, sobre o custo de vida em Bissau no nosso tempo. O Carlos Vinhal foi Fur Mil Art e Minas e Armadilhas da CART 2732 (Mansabá,1970/72). Reside na Leça da Palmeira e é um dos tertulianos activos... Com este post do Carlos, damos continuiddae à série Estórias de Bissau (1).


1. Luís: Junto envio uma factura referente à compra de um rádio-gravador que curiosamente há poucos dias foi parar ao ecoponto. A compra foi efectuada numa daquelas casas de comerciantes libaneses que enxameavam Bissau e arredores. Dir-se-ia que eram os chineses lá do sítio.


2. Luís: Junto envio uma factura referente à estadia de dois dias no Hotel Portugal, onde estive na companhia dos camaradas Furriel de Alimentação Costa e Cabo Maciel. Como te deves lembrar, podíamos ser muito ricos, que mesmo assim nos estava interdito o acesso ao Grande Hotel, onde só podiam ficar Oficiais (por mais labregos que fossem) e civis. Nós, os furrielitos, praças e demais maltrapilhos estávamos confinados ao melhor que havia, nomeadamente o Hotel Portugal ou o Chez-Toi.

A propósito do ChezToi, eles tinham um desdobrável, do qual junto parte, que sucessivamente ia aparecendo: Abra com cuidado, Desdobre de vagar e leia com atenção, Vá..., comer..., no..., CHEZ TOI... Especialidade em Cachupa Rica, etc.

Uma curiosidade...


Guiné > 1971 > Cópia de uma nota de cem escudos da Guiné (ou pesos), emitida pelo BNU (Banco Nacional Ultramarino), em circulação no nosso tempo.

Foto: © Jorge Santos (2005). Direitos reservados


Guiné > 1971 > Cópia de nota de 5o escudos (pesos) da Guiné. Frente. Imagem gentilmente enviada à nossa tertúliua pelo Sousa de Castro.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.


3. Luís: Junto envio, por fim, uma cópia da factura do pagamento da minha viagem à Metrópole. Dei 6.000$00 (dos de cá) à Agência de Viagens Correia para pagar a despesa de 6.430$80 e ainda recebi de troco cerca de 170 pesos.

Mando-te esta e outras facturas por as achar históricas, mas farás delas o que quiseres que eu não tomarei a mal. Juro que comigo podes estar à vontade. Aquilo que, indo da minha parte e no teu critério não acrescentar nada ao blogue, podes arquivar no ficheiro morto (vulgo cesto de papéis), sito por baixo de qualquer secretária que se preze.

4. Comentário de L.G.:

Carlos: Eu admiro o teu espírito de coleccionador! Como é possível teres guardado, estes anos todos, estes documentos, relativos a compras ou despesas efectuados em Bissau em 1972, numa moeda que já não existe mais... A não ser que já na altura tu tivesses a visão premonitória da criação do nosso blogue!!!... Para muitos camaradas nossos, estes papéis já não têm qualquer sentido ou significado. Seguramente, para ti, que os guardaste, eles têm algum valor, sentimental ou documental... E ainda bem que os guardaste e quiseste partilhá-los connosco... Eles fazem parte das nossas memórias e das nossas estórias de Bissau por onde todos nós - pessoal do mato - éramos obrigados a passar, nem que fosse por umas horas ou por uns dias; dão, além disso, informações preciosas sobre a economia de guerra... Obrigado, camarada. Aqui nada vai parar ao caixote do lixo, garanto-te. E, quanto mais não seja, podemos vir a entregar os documentos originais ao Arquivo Histórico-Militar...

Já há tempos, na anterior edição do blogue, eu tinha lançado um desafio aos membros da nossa tertúlia, para tentar saber o que se comprava na altura com... cem pesos... Chegámos à conclusão que era... manga de patacão! (Carlos, fico a saber que, já no teu etnpo, em 1972, uma nota de 100 não chegava para pagar uma noite no Hotel Portugal... E obrigado por me teres trazido à memória do Chez Toi: também tenho lá uma ou duas estórias para contar...).

Aqui ficam alguns excertos desses posts do Blogue-fora-nada (2):

Luís Graça:

"Eu tenho ideia que [cem pesos] era manga de patacão, pessoal ! Eu já não me recordo quanto pagava à lavadeira, em 1969/71, mas se fosse serviço extra, era capaz de lhe dar uma nota destas. A minha não fazia favores sexuais, mesmo em dias de festa: não era cristã nem animista, era uma fula, recatada e virtuosa…

"Mas em Bissau ou em Bafatá, uma queca (como os nossos filhos e as nossas tias dizem agora, 'tás-a-ver...) podia custar uma nota (preta) destas... Já não me lembro das cotações no lupanário em tempo de ocupação e de guerra... As verdianas do Pilão, essas, podiam ser até mais caras…

"Com uma nota destas, ó tuga, tu compravas duas garrafas de uísque novo (disso lembro-me bem…). O Old Parr (uísque velho, muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano…

(...) "Ainda em matéria de comes & bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do tuga que era turra (ou, pelo menos, suspeito de vender e comprar vacas aos turras), em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional como eu ou o Humberto) na Transmontana em Bafatá já não me lembro quanto custava (talvez vinte a vinte e cinco? ).

"Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20 pesos (uma travessa)… E por aí fora.

(...) "De qualquer modo, o que comíamos e bebíamos [, em Bissau,] era praticamente tudo importado...O grande ventre de Bissau era alimentado por uma economia de guerra que deu dinheiro a ganhar a muita gente... Manga de patacão, pessoal! ... Desde as rachas de cibe e o cimento para os reordenamentos (a construção de aldeias estratégicas, como a de Nhabijões, deve ter ajudado a dourar a reforma de muita gentinha mais patriótica do que eu) até aos transportes (civis) em comboios militares, sem esquecer os efeitos (mais nefastos do que benéficos) que a guerra teve na pobre economia natural dos guinéus.

Um deles foi a sua própria militarização. Nos últimos anos da guerra, tudo girava à volta (e vivia) da guerra. A guerra tornou-se, ao mesmo tempo, o ópio e a grande sanguessuga dos guinéus (e dos próprios tugas). E a prova disso, trinta e tal anos depois, é a bidonvilização, a lumpenproletarização da população que engrossou Bissau" (...).

Humberto Reis:

(...) "Das chamadas meninas & vinho verde não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci: Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias); uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos; idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50; idem, de 15 anos, Monks, Old Parr: 103,50; um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos...

"Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim.

(...) "Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.

"O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.

(,..) "Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

"Não se riam, meus amigos, com a expressão frigoríficos a petróleo, pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite" (...).

A. Marques Lopes:

"Interessante também esta reflexão (fez parte da nossa vida). No entanto, eu, pessoalmente, muito pouco posso dizer. Lembro-me que pagava 5 pesos quer à minha lavadeira de Geba quer à de Barro; além da lavagem também trabalhavam com as mãos (eram fulas, pois).

"Quanto a tainadas e saber o preço delas, é um bocado difícil pois nunca tive tempo para muitas... Só sei que, quando em Bissau à espera de embarque, paguei 5 pesos aos miúdos que andavam perto do Bento (a 5ª Rep...) a vender sacos de camarão.

(...) "No Pilão, frequentei várias vezes a Fátima, que não era caboverdiana mas sim fula, e dava-lhe 50 pesos de cada vez. Uma rapariga esperta: uma noite, a Fátima propôs-me que eu trouxesse uma grade de cervejas do QG para ela vender aos visitantes (era giro ouvi-la gritar da cama: Está ocupado!, quando os páras ou os fusos batiam à porta dela), dava-me metade da venda (não entrei nisso, claro) " (...).

Sousa de Castro:

"Quero dizer-vos que no meu tempo (1972/74) não era muito diferente: os preços que se praticavam eram mais ou menos os mesmos...

(...) "Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade.

"A dita queca, se a memória não me trai, creio que era assim: para os soldados cinquenta pesos; para os cabos sessenta pesos; a partir daqui não me lembro quanto pagavam os mais graduados... Quanto às cabo-verdianas, a coisa era de facto mais cara, em final de comissão paguei cento e cinquenta ou duzentos pesos, isto em Fevereiro de 1974.

"Recordo que, com um peso, comprava quatro ou cinco bananas. Os uísques novos como o Johnnie Walker (cavalo branco) e outros custavam, em 1972/74, cinquenta pesos; o Dimple 100 pesos; o Old Parr 150 pesos; e havia o Monks, a 250 pesos" (...).

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

(2) Vd. post de:

1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2) (Luís Graça / Humberto Reis)

28 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1) (Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Luís Carvalhido / Jorge Santos)