![](http://3.bp.blogspot.com/_pMkPOXBWOec/SvFLlEW36PI/AAAAAAAAX-Q/yc0TuUBfY3E/s320/Guine_Joao_Tunes_Pelundo_Dez_69_v2..jpg)
Para os periquitos, que ainda o não conhecem , eu costumo apresentá-lo como engenheiro químico reformado, ex-Alf Mil Trms, do meu tempo de Guiné. De 1969 a 1971, andou por desvairadas terras: Pelundo, Canchungo (ou Teixeira Pinto), Catió, Guileje, Bissau... (Na foto, à esquerda, o João é o condutor do jipe... Pelundo, Dezembro de 1969).
Está, todos os dias, no seu posto de trabalho, o blogue Água Lisa. Faz parte também da redacção dos Caminhos da Memória, juntamente com Diana Andringa, entre outros membros da Associação «Não Apaguem a Memória!».
Caro Luís,
Como te lembrarás bem, pouco tempo tinha passado desde que chegámos à Guiné em Maio de 1969, realizaram-se “eleições” para a Assembleia Nacional (a votação foi a 26/10/69, portanto há 40 anos), precedida de uma “campanha eleitoral” em que a oposição se apresentou dividida, através da CEUD (só concorreu em três distritos) e a CDE.
A posição face à guerra colonial era um dos temas fortes que dividiam as posições políticas perante o “marcelismo” por parte das duas forças oposicionistas. Essa clivagem, bem analisada numa interessante entrevista com José Tengarrinha (http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/10/26/entrevista-com-jose-tengarrinha/), marcou não só a campanha como os “resultados” da CEUD e da CDE.
Já nas últimas “eleições” realizadas antes da queda do regime, em 1973, a oposição, que então não foi a votos, se apresentou unida, sob a sigla da CDE, e com uma posição frontal de condenação da guerra colonial.
Para quem, como nós, estava enfiado no mato durante um destes “períodos eleitorais”, esta problemática passava-se “longe” e dele só recebíamos eco pela correspondência da família, nas férias ou pela leitura de um ou outro jornal ou revista que, quando nos chegavam, era tarde e a más horas.
No entanto, as campanhas da CDE (e os Congressos da Oposição em Aveiro, 1969 e 1973), particularmente no que concerne à guerra colonial, tiveram grande impacto significativo e progressivo sobre o posicionamento de vários oficiais do quadro permanente, o que foi ampliado pela influência de milicianos que tinham sido mobilizados para a guerra depois de fazerem o seu estágio político (antifascista e anticolonialista) nas lutas estudantis em Lisboa, Porto e Coimbra. E a génese do MFA, a sua radicalização e a acção revolucionária vitoriosa de 1974, como depois a descolonização, não são alheias a estas influências determinantes.
Por tudo isto, o tema não me parece que deva passar ao lado de um blogue centrado nas memórias vivas e lúcidas de antigos combatentes na guerra colonial na Guiné. E julgo que seria interessante que os membros desta animada web-tertúlia dessem conta da forma como os ecos das “campanhas” de 69 e 73 chegavam (ou não chegavam) a cada um enfiado no seu “cú de judas” situado algures no mato da Guiné.
Na linha do que disse, se os editores considerarem interessante o post que dediquei a este tema no meu blogue (http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1573943.html), estão desde já autorizados a dele fazerem transcrição. E outros que digam o que lhes aprouver pois a memória não deve ser amarrada com tabus. João Tunes.
2. Água Lisa, blogue de João Tunes > 1 de Novembro de 2009 > 1969, as "eleições" e a guerra
Os curiosos sobre as “eleições” de 1969, particularmente acerca das razões porque a “oposição” se apresentou dividida (CDE/CEUD), têm disponível para consultarem aqui uma entrevista com José Tengarrinha, então um quadro do PCP e da cúpula da CDE. As fracturas tiveram sobretudo a ver com as expectativas existentes relativamente à “abertura” de Marcello Caetano, marcando depois e naturalmente os discursos eleitorais.
A guerra colonial, então particularmente acesa em Moçambique e na Guiné, era o principal separador das posições das duas agregações oposicionistas – a CDE reproduzia o posicionamento do PCP e apostava forte na denúncia máxima e possível da guerra colonial com partido implícito pelos movimentos de libertação, a CEUD evitava referir o tema e quando este era incontornável procurava um posicionamento não radical sobre a guerra e punha em cima da mesa a quimera retórica de defesa de “autonomias”. Nas “eleições” seguintes, as de 1973, já a oposição se apresentou unificada e o posicionamento acerca da guerra colonial, entretanto agravada, retomou o essencial das posições da CDE de 1969.
A guerra colonial era, para o regime, a grande questão política tabu. Caetano, por convicção e pela pressão dos ultras nacional-colonialistas entrincheirados atrás do Presidente Tomás, continuava o dogma-mito herdado de Salazar: “não discutir o Ultramar”, continuar a guerra. Então, colocar sequer a questão da guerra colonial, discutindo saídas para ela, mesmo que tímidas, configurava uma traição à pátria. Tal não era sequer permitido durante as “campanhas eleitorais” (se tal fosse feito, e normalmente era-o no último discurso, o representante das “autoridades” intervinha e fazia terminar a sessão, a que se seguia, por regra, uma carga policial).
Mas Caetano não só prosseguiu a guerra colonial, como o fez recorrendo a “operações sujas” e outras em larga escala perante o progressivo agravamento das situações militares em Moçambique e na Guiné, gerando uma dinâmica de “tudo ou nada”. E, nesta via, aprofundou-se a “fusão”, na máquina de guerra colonial, entre a polícia política (PIDE) e o exército colonial.
Logo no início de 1969, pouco tempo depois de Caetano suceder a Salazar, o então líder da Frelimo (Moçambique), Mondlane, foi assassinado na Tanzânia através de uma encomenda-bomba, o que desencadeou não só uma crise na Frelimo como uma atribulada luta pela sucessão na liderança. E, no ano seguinte, Kaulza de Arriaga (comandante-chefe) montou uma das operações militares mais gigantescas e recheadas em meios humanos e militares ocorridas na guerra colonial, a operação “nó górdio”. Em resultado final, a Frelimo expandiu a sua área de intervenção guerrilheira em Moçambique.
Na Guiné, Caetano deu luz verde a Spínola e à PIDE para uma das mais vastas e custosas operações de tentativa de aliciar e corromper uma das frentes do PAIGC, ocorridas no norte no “chão manjaco”, e que terminou em Abril de 1970 quando os guerrilheiros atraíram a uma cilada um grupo de elite dos oficiais do exército português, massacrando-o.
Spínola e a PIDE, com o acordo prévio de Caetano, reagiram no final de 1970 através de uma operação com grandes meios (“mar verde”) de invasão da Guiné-Conacry e que tinha, entre os objectivos, assassinar o Presidente deste país (Sekou Touré) e colocar um “partido amigo” no poder, assassinar Amílcar Cabral e o núcleo dirigente do PAIGC (sediado em Conacry), destruir a força aérea e a frota naval guineense, libertar os prisioneiros militares portugueses. Só o último objectivo foi alcançado.
Em 1973, como culminar de uma operação de infiltração da PIDE, foi conseguido o velho objectivo de assassinar Amílcar Cabral. A este desaire, a perda do seu líder carismático, o PAIGC respondeu, através de novo e sofisticado armamento, com a prática neutralização do domínio do espaço aéreo pelo exército colonial e declarar a independência unilateral da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecida por dezenas de países membros da ONU.
Todos estes factos, na sua maioria iniciativas de “guerra suja” desenvolvidas em íntima colaboração entre a PIDE e as forças armadas e apoiadas por Caetano, pelos seus fracos ou nulos resultados, quando não fazendo pender a balança da guerra ainda mais para o lado dos guerrilheiros, tornaram grande número de oficiais profissionais não só descrentes quanto à possibilidade de saídas para a guerra e colocando as derrotas no horizonte, como receptivos a uma argumentação política contra a guerra colonial e que recebiam de duas fontes: uma, a das “campanhas” da CDE de 1969 e 1973; outra, a influência e agitação de muitos oficiais milicianos colocados na guerra colonial e que tinham adquirido posições frontais relativamente a estes conflitos nas referidas “campanhas da CDE” e nas lutas estudantis.
O MFA e a Revolução foram questões de decantação e tempo. Afinal, a campanha contra a guerra colonial, limitada mas valentemente veiculada pela CDE, sobretudo nos “períodos eleitorais” de 1969 (**) e 1973, que a CEUD não quis em 1969 e Caetano mandou a PIDE reprimir sempre, acabou por chegar aos seus destinatários principais – os capitães e majores que faziam a guerra em África, transformando, num curto período de tempo, oficiais colonialistas em militares revolucionários.
Nota pela memória: Um dos paradoxos cruéis deste contexto vivi-o em proximidade. Colocado em 1969 no “chão manjaco” da Guiné, conheci e tornei-me amigo do oficial mais brilhante da “nata militar” que Spínola tinha ali colocado na atrás referida operação de corrupção do PAIGC (Major Passos Ramos, oficial de Artilharia e do Corpo de Estado Maior). Era, não só um dos oficiais mais brilhantes do exército português, um homem culto, generoso e cordial, como um oposicionista declarado ao fascismo e ao colonialismo.
Enquanto na metrópole decorriam as “eleições de 69”, sempre que nos encontrávamos em Teixeira Pinto, trocávamos as informações que cada um tinha disponíveis pelo correio com as famílias ou obtidas em férias sobre o andamento da campanha da CDE. Metidos no mato profundo da Guiné, alimentávamos assim uma espécie de tertúlia oposicionista que acompanhava a luta dos que na metrópole defrontavam o regime na “farsa eleitoral” e demarcados dos crentes nas “boas intenções” de Caetano.
Passos Ramos foi um dos oficiais portugueses barbaramente chacinados pelo PAIGC em Abril de 1970 perto do Pelundo. Como profissional militar de elite, cumpria ordens de chefias que lhe repugnavam politicamente. Era contra a guerra e fazia a guerra, como tantos outros até que a resolução da contradição levasse até à conquista do Carmo. Estando desarmado, Passos Ramos, juntamente com mais três outros oficiais, baqueou de uma forma indigna que nenhum homem merece - arrastado, esfaqueado, retalhado e metralhado - às mãos do inimigo que profissional e militarmente queria vencer servindo um regime que politicamente combatia. Não só as revoluções, também a guerra procura devorar os melhores.
João Tunes
3. Comentário de L.G.:
Querido amigo e camarada João: Que bom saber de ti!... De tempos a tempo, vou espreitar o teu blogue ou os Caminhos da Memória. Estive há tempos, no DocLisboa 2009, com a Diana que me apresentou o José Augusto Rocha... Vou republicar, com autorização dele e da Diana, o texto sobre a Guiné, já inserido no blogue Caminhos da Memória...
Quanto ao teu texto, estou inteiramente de acordo: Não podemos deixar de celebrar a efeméride... Tenho bem presente essa data: numa companhia de 50 mecos (brancos, da CCAÇ 12), só eu, o Capitão (do quadro, Carlos Brito) e o alentejano Quadrado, 1º Cabo Apontador de Armas Pesadas, é que estávamos recenseados (posso estar a cometer uma injustiça, omitindo alguém, mas julgo que não)...
Votei em branco, claro, mas votei. Já estava recenseado desde 1965, quando a oposição democrática levantou, pela primeira vez, o tabu da guerra colonial... Caiu o Carmo e a Trindade... Participei, nessa época, com 18 anos, na minha primeira campanha eleitoral que foi abortada logo pela desistência da oposição, e o terror da repressão (estive ligado ao sempre combativo e corajoso Catanho de Menezes, advogado da família do Humberto Delgado, e amigo íntimo do Soares, e futuro fundador do PS, precocemente desaparecido depois do 25 de Abril e hoje miseravelmente esquecido: tem apenas o nome de uma avenida na minha terra, Lourinhã; na biblioteca dele, no solar da família, no Toxofal, tinha acesso, pela primeira vez, em 1965, a títulos da imprensa estrangeira como o Le Monde ou o Nouvel Observateur).
Agradeço a tua gentileza. E fica também o teu desafio, para a malta deixar o seu testemunho dos eventuais ecos, no CTIG, da "campanha eleitoral" de 1969 (mas também das "eleições" de 1965 e de 1973)... Temos, além disso, esse dever de memória. Quanto a tabus, no nosso blogue, sabes que não os há (ou não devia haver...). Recordo-te um das dez regras de convívio da nossa Tabanca Grande: "(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus)"... Um Alfa Bravo. Luís.
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4722: Depois da guerra, o stresse... da paz (4): Os dois piores anos da minha vida (João Tunes)
(**) Cartazes de propaganda política, da CDE - Comissão Democrática Eleitoral, usados na campanha eleitoral de 1969. Fonte: Cortesia de EPHEMERA, Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira
![](http://4.bp.blogspot.com/_pMkPOXBWOec/SvFANDmIrZI/AAAAAAAAX-I/dYRvC-tcM1o/s200/Cartazes_CD2.jpg)
![](http://3.bp.blogspot.com/_pMkPOXBWOec/SvFADInrRfI/AAAAAAAAX-A/-XZjXrAFvlo/s200/Cartazes_CDE3.jpg)