sexta-feira, 11 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6577: Notas de leitura (121): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2010:

Queridos amigos,
Dá-se por finda uma visita aos depoimentos do volume I de “A Guerra de África” do José Freire Antunes. Já estou a ler “O Capitão Nemo e Eu”, do Álvaro Guerra, é mesmo uma preciosidade.
Ando a procurar desencantar mais obras sobre a nossa guerra, não me cansarei de pedir o apoio de todos para se tentar proceder a um inventário tão minucioso quanto possível no que toca à guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


A Guerra de África, 1961 – 1974, Volume I (conclusão)

Por José Freire Antunes


Beja Santos

José Freire Antunes baseia o seu trabalho “A Guerra de África” como uma aplicação da “história oral” que, segundo ele, possuiu a vitalidade dinâmica de uma historiografia avançada que rompe a dormência dos arquivos para se erguer à medida da vida, reconstituindo-a. Esta metodologia fez furor nos anos 80 e 90, está hoje em franco declínio, é manifestamente inviável dar como irrefutáveis os depoimentos orais sem os sopesar com diferentes outros elementos, a começar pelos documentos abonatórios dos depoimentos. Vimos na prática que depoimentos como os de Silva Cunha ou as directivas emanadas por Spínola no primeiro ano em que presidiu aos destinos da Guiné, requeriam comprovativos ou críticas, um depoimento que não pode ficar ao nível da literatura, em que a qualidade é o critério maior. Seja como for, a colectânea de depoimentos possui interesse inegável pelo que aqui se procede a um reportório do que tem a ver expressamente com a guerra da Guiné. Referiu-se anteriormente o que sobre a matéria disseram Bethencourt Rodrigues, Silva Cunha e Carlos Fabião, vamos agora sintetizar a operação Mar Verde e os depoimentos de Luís Cabral e Marcelino da Mata.

Recorde-se que Alpoim Calvão também é entrevistado sobre o ataque a Conacri. A operação Mar Verde foi proposta por Calvão a Spínola, foi inicialmente sugerida para destruir os navios do PAIGC e libertar os prisioneiros portugueses que estavam nas masmorras de Conacri. Spínola teve a ideia de introduzir na operação os ingredientes de um golpe de Estado de modo a desalojar Sekou Touré. Há certas confusões no seu depoimento. Por exemplo “Em relação a Amílcar Cabral, a nossa ideia era prendê-lo. Mas mandámos umas bazucadas para a casa que se presumia ser dele. A ideia era capturá-lo, apesar de, a minha consciência, e se fosse necessário... os meus homens perguntavam: E se chegarmos lá e eles atirarem? Eu disse: Aí, é tiro contra tiro”. Como é sabido, a operação Mar Verde falhou em objectivos essenciais e trouxe questões diplomáticas graves. O pelotão do tenente Januário entregou-se às autoridades de Conacri, foram todos fuzilados. A versão que Alpoim Calvão dá do seu relacionamento com os dirigentes do PAIGC ao mais alto nível aparecem, como veremos, contrariados por Luís Cabral. O que ele vem dizer é que havia espionagem em Dakar e contactos com Amílcar Cabral, Victor Saúde Maria, Luís Cabral, Lourenço Gomes e Marcelo Almeida, do PAIGC. O relatório da operação Mar Verde não traz nada de novo, relativamente ao que tem vindo a ser publicado nos últimos anos.

O depoimento de Luís Cabral avança com dados da constituição da luta anti-colonial na Guiné, a partir da fundação do PAI – Partido Africano para a Independência e União dos Povos da Guiné e Cabo Verde. Descreve a implantação do partido ao nível interno e externo e dá uma síntese da luta armada e da organização da linha política a partir do escritório em Conacri. É um testemunho de valor inegável. Abre luz sobre algumas das atrocidades praticadas por quadros do PAIGC que vieram a ser executados no primeiro congresso do partido, realizado em Cassacá, em Fevereiro de 1964. Este congresso definiu as áreas de relativo controlo do PAIGC em torno do Morés e da região Sul onde actuava Nino Vieira. Por esses anos, o relacionamento com o Senegal era extremamente difícil. A situação irá alterar-se ainda no final dos anos 70 e marcará uma viragem para a luta do PAIGC. Para Luís Cabral, as únicas negociações sérias que houve foram as que ocorreram em Março de 1974, em Londres, e observa: “Espanto-me muito quando leio que o general Spínola quis contactos com o Amílcar. Garante-lhe que o Amílcar nunca soube disso. O Amílcar quis sempre discutir com o governo português. Mas com Spínola nunca houve qualquer contacto, nem directo nem indirecto. Senghor falou com Amílcar na perspectiva de um encontro e o meu irmão disse-lhe que, de facto, todo o encontro com o governo português seria bom. Soubemos depois que ele teve um encontro com Spínola... as cartas que apareceram num livro do comandante Alpoim Calvão foram assinadas por mim e tratou-se de uma história muito simples. Um comerciante da fronteira Norte, Mário Soares, depois denunciado com agente da PIDE, escreveu uma carta ao Amílcar a dizer que tinha uma comunicação importante a fazer, mas que só podia ser feita fora da Guiné, e propôs Londres, onde tinha uma filha a estudar. O Amílcar recebeu a carta e mandou-ma. Mandámos a Londres o Vítor Saúde Maria. E quando o Vítor lá foi encontrou-se com a filha do Mário Soares. Mas ele não apareceu. E foi essa a história das cartas e dos telegramas. Nunca houve mais nada, a história resumiu-se a isso”.

Marcelino da Mata, porventura o mais condecorado dos militares portugueses, no século XX, conta a sua história a partir do comando de grupos especiais de africanos, descreve as suas operações, a sua participação na operação Mar Verde e na operação Ametista Real. E afirma: “Dizem que o PAIGC tinha uma zona libertada na Guiné, mas eu ia para onde queria, com 4, 5, 6, 7 ou 8 homens. Eu tinha um corneteiro e quando chegávamos ao meio do mato eu mandava-o tocar a corneta. Só depois é que íamos para cima do PAIGC. Mandava tocar a corneta para eles verem que eu ia a caminho e não tinha medo. Cheguei passar centenas de vezes de helicóptero, com eles a fazerem emboscadas. Na Guiné, no Inverno, o capim tem quatro metros de altura. Eu passava e eles não me emboscavam. Mais tarde apanhei um homem que me contou que o Nino Vieira tinha dado ordens para não me atacarem, porque se me atacassem, eles é que lá ficavam. Nunca me atacaram. Uma vez tentaram fazer-me uma emboscada. Nesse dia éramos 12. Tinha ido para lá um batalhão de comandos que não conseguiu entrar e voltou para trás. Foi lá com destacamento 22 dos fuzileiros, apanhámos 4 morteiros 120, 3 rampas de foguetão, 9 morteiros 82”. Marcelino da Mata não se conforma com a entrega do poder ao PAIGC, para ele devia ter havido um referendo: “A Guiné tinha as companhias africanas, comandos, fuzileiros e milícias. Eram vinte e tal companhias que seriam suficientes para assegurar o referendo. A única preocupação que o Estado português teve na Guiné foi desarmar o exército africano e entregá-lo ao PAIGC... o PAIGC só entrou dentro da cidade de Bissau depois das tropas dos comandos e fuzileiros serem desarmadas. Quem desarmou os comandos foi o Carlos Fabião. A 15ª companhia, em Mansoa, não aceitou o desarmamento. A maioria deles foi fuzilada”.

Isto foi o essencial que se extraiu dos protagonistas que, directa ou indirectamente, se pronunciaram sobre a guerra da Guiné. Veremos a seguir o conteúdo do volume II de “A Guerra de África”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6569: Notas de leitura (120): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6576: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (24):O miúdo Marciano Mamadú Sissé




1. Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem do dia 8 de Junho de 2010:

Amigo Carlos,
Este caso marcou-me profundamente.
Por aqui se vê a amizade que tivemos pelo povo da Guiné.



NOTAS SOLTAS DA CART 643 (24)

O MIÚDO MARCIANO MAMADU SISSÉ

Havia pouco tempo que a Cart 643 - Águias Negras - se encontrava em Bissorã, estávamos em Junho de 1964.

Os primeiros dias foram preenchidos com a instalação dos homens pelo chamado aquartelamento, ficando 3 pelotões em casernas, nos ex-armazéns de mancarra.

Os oficiais num edificio do arruamento principal dentro da povoação, frente à residência do Administrador, Aguinaldo Spencer Salomão.

Os sargentos, por sua vez ficaram alojados junto às casas de alguns civis, caso do Gardeth, Michel Ajouz e outros, isto numa rua paralela á principal, não longe do mercado indigena.

Os nossos quartos em numero de três, albergavam os 16 sargentos da companhia, alojados em beliche, com uma instalação sanitária para todos, o que não era nada mau, comparado com outros locais.

Então começaram a aparecer as chamadas lavadeiras, - Bo miste lavadera -, algumas ladeadas pelos filhos, uns pela mão e outros em atrelados.

Foi nessa altura que apareçeu um miúdo, simpático, sorridente, não largando a nossa porta durante todo o dia, oferecendo os préstimos em recados, enfim um sempre pronto para qualquer tarefa.
O nome dele era Marciano Mamadu Sissé, morava na estrada do Olossato, um pouco antes da pista de aviação.

A pouco e pouco foi promovido a Mascote da Sargentada, motivado pela sua simpatia e pela prontidão e boa vontade em nos servir. À noite regressava à sua morança, levando sempre uma quantidade apreciável de rancho, não de restos mas igual ao distribuído aos homens da companhia.

O tempo foi passando, entrava no quartel como se fosse um dos nossos, entre outros serviços ajudava na cozinha e na oficina auto na pessoa do mecânico, um alentejano de Arcos-Estremoz, de nome Joaquim Cabaço.

Dia a dia, mês após mês, o calendário passava com naturalidade, até que chegou o meu fatídico dia 27 de Outubro de 1965, dia em que fui ferido com alguma gravidade.

Não mais regressei a Bissorã, sendo evacuado do mato diretcamente em heli para o HM241, mais tarde para o HMP em Lisboa.

A partir de então perdi o contacto com a minha familia militar, até porque 3 meses depois terminaram a comissão de serviço, regressando todos a casa. Perdi o contacto também com os meus amigos civis e naturalmente com o Marciano. Pouco tempo depois recebi um aerograma, deduzo que foi escrito por alguém da Cart 816, em 1966, com palavras do Marciano a seu mando.
Foi lido com atenção e emoção, mas acabei por não responder, encontrava-me no Hospital com muitos problemas de saúde, que durou entre 2 a 3 anos, como tal o que estava escrito, caiu no esquecimento.

Mais tarde decidi fazer uma pesquisa para saber se o Marciano era vivo e em caso afirmativo, o local da sua residência.

Recorri à Embaixada da Guiné-Bissau, solicitando informação junto de um funcionário, que me aconselhou escrever para as entidades oficiais de Bissorã, contando toda a história.

Acertei em cheio, depois de um tempo de espera, eis que surgem noticias, o Marciano Mamadu Sissé, era vivo e de boa saúde.

Disse que morava no mesmo local, mas depois da independência teve de fugir, e esteve anos por terras do Senegal. Fuga que foi motivada pela perseguição dos que colaboravam, ou se davam com a tropa Portuguesa, os que não conseguiram, foram impediosamente fuzilados, como me recordo do Quebá e Citafá (mandingas), nossos amigos e guias.

Entretanto o único telefone na altura existente em Bissorã, foi-me disponibilizado para poder falar com ele, foi um momento grande e emotivo, passou a chamar-me de Pai Rogério, enfim de miúdo a homem 30 anos depois.

Fiquei feliz, a minha teimosia deu frutos.

A sua descendência é de meia duzia de filhos, 2 em Bissau, 3 em Bissorã e um na cidade da Amadora, filho este que conheci mais tarde e tendo passado momentos com a minha familia, aliás foi com ele que tive conhecimento destas informações.

Hoje estou em contacto com alguma frequência, mas o sonho do Marciano era o de ter uma visita nossa à sua Bissorã.

A difícil luta pela sobrevivência é uma constante, o que de momento lhe posso garantir, é algum apoio material, tanto em dinheiro como em artigos diversos, claro quando tenho portador, o que é dificil por vezes.

Junto fotos, do Marciano aos 13 anos e mais tarde aos 45, aerograma de 1966 e carta do Secretário do Sector de Bissorã, dando a notícia que o tinha encontrado.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643-Águias Negras


Marciano aos 13 anos

Marciano aos 45 anos


Aerograma de Marciano dirigido a Rogério Cardoso

Carta do Secretário do Sector de Bissorã enviada a Rogério Cardoso, dando conta do paradeiro de Marciano.

(Clicar nas imagens para ampliar)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6559: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (23): O Comandante do BART 645, Coronel Braamcamp Sobral

Guiné 63/74 - P6575: Convívios (251): Sardinhada promovida pela Liga dos Combatentes da Guarda, Sabugal, dia 19 de Junho de 2010 (José Corceiro)


1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 10 de Junho de 2010:

Amigo Carlos Vinhal
Peço o favor, caso seja possível, que publiquem este convite com uma certa urgência.

O meu obrigado e um abraço.
José Corceiro




Castelo do Sabugal



CONVITE

A Direcção do Núcleo da Liga dos Combatentes da Guarda, tem a honra de convidar para participar numa sardinhada/convívio, aberto aos seus sócios e a todos os Combatentes do Concelho do Sabugal, que estiveram na Guerra do Ultramar ou em Missões de Paz.

O convívio realiza-se no dia 19 de Junho de 2010, com início pelas 13h00, no Parque de Merendas da Sra. Da Graça – Sabugal.

Esta iniciativa, para além do salutar convívio que pretende, também servirá para apresentação do projecto do Monumento a erigir nesta Cidade (Sabugal), em homenagem aos que tombaram ao serviço da Pátria, na Guerra do Ultramar.

A sardinhada é gratuita a todos os participantes.

Inscreve-te pelo telefone 271 211 891 (horário: das 10h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00)

Um abraço
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6527: José Corceiro na CCAÇ 5 (12): Canjadude visitada por dois ilustres Generais

Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6568: Convívios (165): XVII Encontro da CCS/BCAÇ 2912, ocorrido dia 5 de Junho em Pedrógão Grande (António Tavares)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6574: O discurso de António Barreto no dia 10 de Junho de 2010 (1) (Inácio Silva / Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Inácio Silva, ex-1.º Cabo da CART 2732, Mansabá, 1970/72, com data de 10 de Junho de 2010:

10JUN2010 - António Barreto dá uma chicotada psicológica aos mais Altos Representantes de Portugal

ANTÓNIO BARRETO, intelectual e cientista social, autor dos documentários para a RTP, “Um retrato social”, realizados em 2006, encarna publicamente, em frente das mais altos responsáveis do país, o sentimento e a mágoa dos ex-combatentes.

Confesso que não sabia que António Barreto era o responsável pela Comissão das Comemorações do 10 de Junho de 2010, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, mas foi com uma agradável surpresa que ouvi o seu discurso, quase todo virado para os ex-combatentes, preocupado em salientar o facto de não haver vários tipos de combatentes, como alguns pretendem. Existe, apenas, um tipo de combatente: aquele que em nome do seu país, serviu ou serve, em território português, ou no estrangeiro, por mandato do Estado Português. Entenda-se que as ex-colónias, hoje países estrangeiros, eram, na altura da guerra colonial, consideradas terras sob administração portuguesa...

António Barreto proferiu, no meu ponto de vista, o discurso que os ex-combatentes esperavam ouvir, há mais de 40 anos, e que nenhum político ousou dizer, talvez com o receio de ser conotado com uma ou outra força política, por concordância ou discordância da manutenção das guerras do ultramar. O desassombro e a inspiração de António Barreto merece a nossa vénia e o nosso obrigado. Ele soube definir, com tamanha clareza de espírito e evidência o que levou tantos milhares de jovens a deixar as suas terras e as suas famílias, os seus amigos, os seus empregos, para serem levados, sem vontade própria, para terras que desconheciam, sem um “bilhete de passagem” que lhes garantisse o regresso.

A tal dívida de gratidão, tantas vezes proferida por milhares de ex-combatentes e que ventos hostis nunca permitiram que chegasse aos nossos governantes, foi – graças ao António Barreto - insuflada, à força, um a um, nos ouvidos dos governantes ali presentes. A partir de hoje, nenhum deles poderá dizer que desconhece existir uma dívida de gratidão e que ela terá que ser paga, com ou sem existência de crise.

É certo que o País já possui legislação sobre algumas questões que afectavam e afectam os ex-combatentes, relacionadas, justamente, com as situações mais gritantes de injustiça social, tais como, o apoio aos deficientes e aos afectados pelo stress pós traumático

António Barreto afirmou que "Portugal não trata bem os seus antigos combatentes, sobreviventes, feridos ou mortos”, reforçando que o “esquecimento e a indiferença são superiores”, sobretudo "por omissão do Estado".

Barreto acusa o Estado de ser pouco "explícito no cumprimento desse dever", avisando que está na altura de "eliminar as diferenças entre bons e maus soldados, entre veteranos de nome e veteranos anónimos, entre recordados e esquecidos".

Um antigo combatente não pode ser tratado de "colonialista", "fascista" ou "revolucionário", mas simplesmente "soldado português",.

O dia 10 de Junho de 2010 fica marcado, também, por ter sido a primeira vez que os antigos combatentes desfilaram na cerimónia militar oficial do Dia de Portugal.

Como ex-combatente, sinto-me profundamente grato pelas palavras de António Barreto, que me tocaram o coração. Um bem-haja.

Inácio Silva

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2. Mensagem de Joaquim Mexia Alves**, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 10 de Junho de 2010:


10 de Junho de 2010

Por um acaso da sorte, hoje liguei a televisão quando ia começar o discurso de António Barreto na cerimónia do 10 de Junho.

Desde há muito que vejo neste homem, (sou insuspeito na matéria, como bem sabeis, camarigos), uma pessoa integra e de vincado carácter, que pensa pela sua cabeça e não se deixa levar “em modas”.

Assim decidi ouvir o seu discurso: “mal não me faria com certeza!”

E tive a grata surpresa de pela primeira vez, desde há muitos anos, ouvir falar desassombradamente um homem, figura da política de agora, chamar “os bois pelos nomes” e colocar as coisas na devida realidade.

Assim António Barreto teve a coragem de dizer aquilo que muitos sentem, ou seja, que não há antigos combatentes de Portugal legítimos e ilegítimos, que não há combatentes “fascistas” e “democráticos”, que todos, e frisou bem todos, merecem o respeito dos Portugueses e da Nação Portuguesa.

E foi mais longe, pois teve o desplante de dizer a verdade, ou seja, que o Estado Português trata mal os seus filhos antigos combatentes das guerras travadas em nome de Portugal, independentemente dos regimes políticos que governavam e governam o País.

Não se coibiu de, (apontando para a sua matriz ideológica), afirmar que todos os antigos combatentes lhe merecem igual respeito, exceptuando logicamente aqueles que, por erro grave de conduta própria, tenham ultrapassado a sua missão, cometendo vulgares crimes, puníveis em todo o momento da história.

Senti-me bem, confesso, e respeitei ainda mais este político que disse a verdade e não teve medo de a enfrentar.

Nesse discurso, soube também, que pela primeira vez desfilaram antigos combatentes na parada do 10 de Junho!

Era tempo de se fazer justiça a todos e sobretudo à geração de sessenta e princípio de setenta, que deu a vida pela pátria Portuguesa!

Alguma coisa mudará?

Não acredito muito, porque os ouvidos do poder são moucos e de fraco entendimento, mas pelo menos pela primeira vez ouviu-se alguém dizer na cara do “poder” da Nação Portuguesa, que não há antigos combatentes de primeira e de segunda, que não há antigos combatentes justos e injustos, pois todos combateram pela mesma nação: Portugal

Hoje a minha alma Portuguesa ganhou um pouco mais de alento, e o meu coração Português alegrou-se por um tempo.

Assim saibamos unir-nos para, ajudando-nos uns aos outros, lembrarmos os vindouros que soubemos ser Portugueses em tempos bem conturbados e difíceis!

Marinha Grande, 10 de Junho de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6194: Convívios (133): Encontro comemorativo da ida da CART 2732 para a Guiné, Funchal 10 de Abril de 2010 (Inácio Silva/Carlos Vinhal)

(**) Vd. poste de 10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6572: 20 Anos depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2

Link para o discurso: http://o-jacaranda.blogspot.com/2010/06/dia-de-portugal-de-camoes-e-das.html

Guiné 63/74 - P6573: Memória dos Lugares (81): Memorial aos bravos da Ponte de Caium... Para o Jacinto Cristina, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, com um Alfa Bravo (Eduardo Campos / Luis Graça)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb,  Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74"...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços,  morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio...A trágica ocorrência foi no dia 19 de Fevereiro de 1973 (*). Os restantes morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em data em que ainda não consegui apurar.

 Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb,  Fantasmas e Lestos (?). Guiné- 72/74"...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços,  morreu aqui, vítima de uma armadilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio...A trágica ocorrência foi no dia 19 de Fevereiro de 1973 (*). Os restantes morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, em data em que ainda não consegui apurar.

1. Mensagem do  Eduardo Campos, enviada em 31 de Maio de 2010:

Luís: As minhas desculpas por estar a "tirar" algum tempo ao meu amigo.

Ao tentar identificar algumas fotos, tiradas da minha recente ida à Guiné, recorri ao blogue e descobri que tenho em meu poder uma foto que foi tirada na ponte do rio Caium, que fica situada entre Piche e Buruntuma.

Vi o Poste P6042,  de 24/03/2010,  onde  Jacinto Cristina, outras coisas,  diz que fez a loucura de ter permanecido nesse local durante 14 meses.

O "brasão" de homenagem aos mortos, além da sua beleza arquitectónica, surprendeu-me pelo seu estado de conservação.

E tudo isto para te dizer que gostaria que esta foto chegasse até ao Jacinto Cristina, mas como o mail dele não consta na  listagem do blogue, pode ser que o meu amigo encontre uma solução.

Um Abraço. Até Monte Real, dia 26. Eduardo Campos

2. Resposta ao Eduardo:

O Jacinto Cristina, alentejano, estabelecido como padeiro em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo,  não tem... endereço de correio electrónico. O que é "contra natura", contra as regras do nosso blogue... Abri uma excepção, no caso dele (e de mais um ou outro), por ser meu amigo e amigo da filha (que é engenheira) e do genro (que é médico), que são meus grandes amigos...

Tens o telemóvel dele no blogue: 964 346 202 (ligar de manhã, que ele à tarde dorme, para poder trabalhar à noite)...Não podes imaginar como ele vai ficar feliz até às lágrimas de ouvir falar de (e ver) a "sua ponte de Caium"...  Eu próprio vou ligar-lhe, a ele ou à filha.

O que é espantoso, para além da conservação do monumento (quase 40 anos depois!), é a matéria-prima que foi usada (parece-me mármore!) e o profissionalismo do artista (anónimo)... É uma verdadeira obra-prima!...

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Nota de L.G.

(*) Vd. post de 24 de Março de 2010 > Guiné 64/74 - P6042: Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina, natural de Ferreira do Alentejo, CCAÇ 3546 (Piche e Caium, 1972/74): Foi soldado atirador, mas a guerra fê-lo padeiro...
 
(...) Em data que o Cristina já não pode precisar, a sua companhia [, o 3º Gr Comb a que ele pertencia e que estava destacado na Ponte de Caium,] sofreu uma violenta emboscada, entre Piche e Buruntuma, montada por um grupo "estimado em 400" elementos IN (ou "turras, como a gente lhe chamava")...Um RPG 7 atingiu a viatura da frente da coluna, que ia relativamente distanciada do grosso da coluna, e que explodiu...Houve de imediato 4 mortos: O Charlot e o Fernando [ou Fernandes ?]  foram dois deles... Dos outros dois o Cristina já não se lembra.


Com as granadas de mão dos mortos, o Wolkswagen conseguiu aguentar o ímpeto da emboscada, mas chegou a ter uma Kalash apontada à cabeça... Ninguém sabe como ele se safou... O Silva por sua vez levou um tiro no pé, fugiu, e mesmo ferido fez 18 km até ao aquartelamento (...).

Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2






1. Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, continua a presentear-nos com as suas poesias do tempo em que se procurava.




DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (5)

SEM TITULO 2

Nos meus olhos instala-se o nevoeiro,
incomodado com a luz do Sol
que lhes faz crescer a alegria,
da vida d'outro dia.
O som da respiração torna-se ofegante
e faz vibrar as folhas da árvore da expiação,
em mim nunca sentida,
e no entanto,
sempre presente e constante.
Já nada me toca com braços invisíveis,
e o som dos meus passos deixou de se ouvir.
A madrugada morreu num longo estertor,
e o cinzento tomou conta de tudo.
O meu peito rasga-se como uma ânsia,
e choro as lágrimas de sentir,
que caídas na terra,
engrossam os rios de sangue,
das feridas abertas,
das chagas de horror,
sempre a rir da esperança,
de quem já só ri,
chorando.
Fixo os olhos no vazio,
faço as minhas mãos de pedir,
e grito,
berro,
dou urros,
faço pinos,
dou cambalhotas,
rezo,
e até blasfemo,
alguém tem de me ouvir...


17.01.1992
Um abraço amigo do
Joaquim
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6486: depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho

Guiné 63/74 - P6571: Blogpoesia (73): Viva Portugal! (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa* com data de 9 de Junho de 2010:

Amigo Carlos Vinhal
Comemorando mais uma efeméride tracei umas linhas sobre a Pátria que nos viu nascer:
A nossa Pátria! e tomei a liberdade de lhas enviar.

Aproveito para lhe agradecer o link para o contacto com as estórias do amigo Juvenal Amado, pois são muitos agradáveis.

O meu obrigada pela sua atenção e o meu desejo de um bom feriado e de comemorações onde todos vós, sois os nossos heróis de referência.

Um abraço para todos da amiga
Felismina Costa


Viva Portugal!

Gritamos orgulhosos
Em qualquer parte onde viva um português!
Orgulhosos da Pátria de Camões
Da Pátria de Pessoa
Da Pátria de Eça, de Camilo,
De Aquilino, de Cesário, de Régio, de Torga,
Da Pátria de Matildes, de Sofias, de Natálias de Anas
De Adolfos, de Afonsos, de Anteros
Pátria de Herculano, de O Neil
De Almada, de Garret, de Bernardim, de Damião de Góis,
De Jorge de Sena, de Eugénio de Andrade, de Florbela
E de quantos mais?
Minha Pátria escrita e dita com as vozes e as mãos!
Minha Pátria defendida, com a vida, e o suor dos meus irmãos!
Minha Pátria, meu berço, meu chão!
Minha vida aprendida em teu falar português
Minha luta que se trava e se ganha, imbuídos de certeza!
Ao menos… mais uma vez!
Nessa língua em que se entendem tantos milhões de seres humanos,
Puxemos pela coragem
Cantemos (A Portuguesa)!


Felismina Costa
Agualva, 9 de Junho de 2010
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6310: As nossas mulheres (16): Hoje é Dia da Mãe (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6370: Blogpoesia (72): Escondam-se que eles vêm aí (Albino Silva)

Guiné 63/74 - P6570: Parabéns a você (120): Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador da CCS/BART 1913 (Editores)




1. Neste Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas esplalhadas pelo mundo, faz anos o nosso camarada Alcides Silva (ex-1.º Cabo Estofador, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69), tertuliano recentemente entrado para a nossa Tabanca Grande.

A tertúlia vem junto deste novo amigo apresentar os seus votos mais sinceros de tenha uma longa vida cheia de saúde, na companhia dos seus familiares e amigos.



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Notas de CV:

(*) Vd. postes do nosso camarada no marcador Alcides Silva

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6556: Parabéns a você (119): Agradecimento (Belarmino Sardinha)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6569: Notas de leitura (120): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Junho de 2010:

Queridos amigos,
Era inevitável fazer-se uma referência à obra de José Freire Antunes que bem precisada está de continuação.
Não discuto a importância dos depoimentos, mas eles carecem do contraditório, de outros aclaramentos e da reposição factual.
Seja como for, há aqui substância que não pode ser ignorada.

Um abraço do
Mário


A Guerra de África, 1961 – 1974, Volume I, por José Freire Antunes

por Beja Santos

O Círculo de Leitores publicou em 1995 dois pesados volumes de um projecto coordenado por José Frei Antunes. As observações que se seguem circunscrevem-se ao primeiro volume. José Freire Antunes apresenta assim o seu trabalho: “O meu principal objectivo foi dar a palavra, registar, enquadrar o percurso de dezenas de personalidades que tiveram uma acção relevante nas várias áreas, em Portugal e em África. Para isso recorri sobretudo à metodologia da história oral, desenvolvida a partir de 1948 na Universidade de Colúmbia (Nova Iorque) e que trouxe uma evolução qualitativa à historiografia”. Sabe-se agora que não é tão verdade o que José Freire Antunes exalta, esta metodologia tem inúmeras fragilidades quando não é combinada com outras. O que para o caso interessa é que o autor introduz uma tábua cronológica com acontecimentos encarados como determinantes nesse período de treze anos e depois dá a voz a um conjunto de personalidades e operações militares das quais vamos reter as que têm a ver com a guerra da Guiné, a saber: Bethencourt Rodrigues, Silva Cunha, Spínola, Carlos Fabião, Operação Mar Verde, Luís Cabral e Marcelino da Mata.

Bethencourt Rodrigues, o último governador e comandante-chefe da Guiné dá um testemunho sereno sobre os meses em que presidiu aos destinos da mais tumultuosa província em chamas: “Em 1973, existiam 225 guarnições ocupadas por tropas da Marinha, do Exército e milícias. Em grande parte imposto por uma progressiva adaptação à manobra socioeconómica que vinha sendo conduzida, este dispositivo apresentava, a meu ver, inconvenientes de dispersão e de vulnerabilidade que se tornava necessário corrigir. Contava-se fazer tal remodelação na época das chuvas, quando se verificava uma diminuição drástica do número e intensidade das acções do PAIGC. Estava também a ser ponderado um certo retraimento do dispositivo, afastando da fronteira as guarnições militares. Deste modo, para as flagelações, o PAIGC teria de instalar os seus meios em território da província. Nas suas acções, o PAIGC demonstrava uma certa capacidade de comando e de organização. O PAIGC recebia material de guerra moderno e eficiente em quantidades vultosas, destacando-se nesse material os foguetes terra-ar que determinavam alterações na conduta das operações”. Em linguagem eufemística, o general subentendeu que estava em marcha a estratégia aprovada por Costa Gomes, a que Spínola inicialmente deu concordância e depois repudiou: o progressivo abandono de todos os destacamentos de fronteira, adaptando o dispositivo militar a uma concentração susceptível de poder intimidar o PAIGC. Tratava-se de algo mais sério que ocorrera nos primeiros meses do comando de Spínola, em que se retirou da região do Boé e de outros pontos com ou sem população e onde a capacidade defensiva já não permitia mais do que resistir.

O depoimento do último ministro da Defesa é de uma enorme importância, paradoxalmente há nele informações que não se vêm utilizadas nas análises referentes aos últimos meses da guerra. Ele diz claramente: “Tive conhecimento dos contactos com o PAIGC em Roma e em Londres”. Isto é importante, ainda há gente que nega que o governo de Marcelo Caetano tivesse procurado negociar com o PAIGC. Rui Patrício irá também dizê-lo claramente no volume II desta obra. Silva Cunha revela-se desapontado com o comportamento de Spínola, sobretudo a propósito da criação do que ele designa por “mito da impossibilidade da defesa militar da Guiné”. Silva Cunha alega que tinha reforçado certos meios de defesa, designadamente baterias anti-aéreas para proteger o aeroporto de Bissau. A propaganda fazia esconder o que em meios militares se sabia que era inevitável: o PAIGC ia ter aviões sofisticados, ultimava-se os preparativos dos seus pilotos. Silva Cunha declara: “A África do Sul tinha comprado duas baterias de mísseis terra-ar Crotale em França – eu consegui que eles desistissem de uma, e comprámo-la nós, directamente aos franceses. A bateria dos Crotale era para proteger o aeroporto de Bissau. Conseguimos artilharia em Israel, porque uma das coisas de que se queixavam na Guiné era de que a artilharia deles tinha alcance superior ao da nossa. Conseguimos os Red Eye, mísseis terra-ar individuais, na Alemanha. Não sei quem os vendia, só sei que eles nos forneciam 500 Red Eye americanos”.

O que o livro do Freire Antunes publica sobre Spínola é, em termos históricos, indescritível, incompreensível: pega num conjunto de directivas de 1968 e procede a uma síntese, como se fosse possível no contexto destas directivas iniciais encontrar todo o pensamento e acção que Spínola desenvolveu ao longo de cinco anos. O que as directivas iniciais exprimem são a remodelação dos dispositivos, retiradas e reajustamentos; enunciam novos princípios doutrinários para o teatro de operações, como seja o comando unificado, a preparação das tropas recém-chegadas, a passagem de testemunho nos aquartelamentos, a definição de uma política intitulada “Por uma Guiné Melhor”. Muito mais coisas havia a dizer, deve ter faltado tempo para investigar, assim se ludibria o leitor (e se isto é história oral...).

De grande importância é também o testemunho de Carlos Fabião, um militar com elevados conhecimentos sobre a Guiné. Considera que no essencial Spínola estava a ganhar tempo para se encontrar uma solução política e que a africanização da guerra da Guiné obedecia à lógica de animosidades entre etnias: os fulas do lado da bandeira portuguesa, os balantas a apoiar o PAIGC. Fabião recorda que a situação na Guiné descambou perigosamente de 1965 a 1967, o PAIGC implantou-se de pedra e cal em santuários como o Morés, Sara-Sarauol, Boé, Quitafine e Cantanhês. Era um adversário muito melhor equipado que as tropas portuguesas. E declara: “A certa altura começou a haver uma grande falta de moral nas nossas tropas e a todas as regiões onde íamos levávamos pancada. Tite começou a ser uma desgraça. Depois ocupámos Jabadá, em frente a Tite, mas tivemos mais de 100 ataques fortes da Jabadá no espaço de um ano. Eram ataques pequenos mas consecutivos. No Cantanhês houve dois desastres. No Quitafine houve também mais do que um desastre. O moral da tropa era baixo e vivíamos a tentar aguentar aquilo... Spínola chegou à Guiné e correu com todos os incompetentes... passado um tempo, a situação tornou-se muito crítica na parte Leste do Norte da Guiné e foi necessário fazer uma operação para derrotar um efectivo muito numeroso que estava lá instalado... o PAIGC tinha foguetões terra-terra de 122 mm, que faziam fogo a 17 quilómetros, enquanto a nossa arma mais importante só fazia fogo a 10 quilómetros... se me disserem que a guerra colonial estava perdida na Guiné, eu digo que estava. Se me disserem que a guerra colonial não estava perdida na Guiné, eu digo também que não estava. E não estava a que preço? O regime mandava para lá aviões, helicópteros mas também homens não sei onde é que os iria buscar. Um dia passou por mim um soldado que não me fez continência. Chamei-o e perguntei-lhe se ele não me tinha visto. Ele disse-me que sim, que me tinha visto e deu-me um papel do seu comandante de companhia que dizia “Atesto que o soldado tal é paralítico do braço direito”.

Falta-nos falar da Operação Mar Verde e dos depoimentos de Luís Cabral e de Marcelino da Mata. Ficam para o próximo post. A equipa do Freire Antunes procurou-me na época, facultei-lhes material, decidiram arbitrariamente por um texto distraído do relatório de uma operação que comandei “Rinoceronte Temível” e por um poema de Ruy Cinatti que ele me dedicou. Vem tudo na página 51 deste volume.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6551: Notas de leitura (119): Uma Campanha na Guiné, 1965/67, de Manuel Domingues (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6568: Convívios (250): XVII Encontro da CCS/BCAÇ 2912, ocorrido dia 5 de Junho em Pedrógão Grande (António Tavares)

1. Mensagem de António Tavares* (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 6 de Junho de 2010:

Caro Vinhal,
Graças à Tabanca Grande - P6355(1) - encontramos, ao fim de 38 anos, o ex-Fur Mil TRMS Lopes.

Também reencontramos - última vez em 1972 - os ex-condutores auto Matias e Brito.

Conversa não faltou… porém permitam lembrar:

O Matias, condutor auto de GMC, recordou que esteve destacado no Saltinho - CCAÇ 2701 - mais de um mês sem receber correspondência dos familiares… psicologicamente cansado, pediu licença ao ex-Capitão Clemente para regressar a Galomaro… este, estupefacto com o pedido anuiu ao mesmo, longe de pensar que o Matias faria a viagem de regresso à sua unidade sozinho com a GMC.

O certo é que o Matias conduziu a sua GMC rumo ao Xitole-Bambandinca-Galomaro.

Percurso dificílimo em 1970/72. Ainda hoje não sabe como chegou são e salvo a Galomaro!

Eram as saudades familiares e a sua força dos 21/22 anos - a melhor força de todos nós - em acção…

O Brito, emigrado em França, há mais de 40 Anos, veio fazer o Serviço Militar Obrigatório a Portugal, foi o Homem que “levou” o Gen. Spínola a Galomaro - P6332(2).

Prometeu trazer, no próximo encontro, a cópia da carta que escreveu a S.Exa. O COMCHEFE Gen. António Spínola.

O Lopes, felicíssimo com o seu neto, presente, recordou passagens interessantes desde Santa Margarida e comentou alguns dos meus anteriores escritos. Obrigado, amigo!

Lembro as dezenas de crianças que já nos acompanham nestes sãos Convívios. É bom verificar o seu crescimento de ano para ano. Felizmente não passarão pelas dificuldades de seus avôs… ex-combatentes da Guerra Colonial, de 1970 a 1972, na Guiné.

O Antunes, organizador deste convívio, em Galomaro, o que gostava era de nos trazer, com o seu Unimog e atrelado, a água das duas Fontes/Bangacia mesmo após a brutal emboscada de 01 de Outubro de 1971!

Era preciso mandá-lo parar… arranjava uma desculpa e continuava a sua nobre missão de aguadeiro!

O Antunes na fotografia, inclusa, quis lembrar aos seus ex-colegas condutores auto do BCAÇ 2912 o tempo da especialidade, recebida por eles, em Elvas. Eram todos do mesmo turno.

Os condutores auto da CCS tinham a particularidade de serem/são Beirões.

Na escadaria da Capela do Calvário, no Jardim de Devesa, Pedrógão Grande, podemos ver da Esquerda/Direita no terceiro degrau o Brito, de branco, no meio do Abílio e do Cunha; O Matias, de azul, é o primeiro do quarto degrau; o Lopes, de amarelo, é o quarto do sétimo degrau e o primeiro da Direita do oitavo degrau é o Antunes.

Mas como a Vida e o Peso - moeda da Guiné - tem anverso e verso recordemos os nossos mais recentes falecidos Ribeiro e Flores.

O Júlio Oliveira Flor, ex-carpinteiro do BCAÇ 2912, era o Homem que fazia e vendia as malas, de boas madeiras guineenses, que transportaram os nossos parcos haveres/recordações, no meu caso, nos porões do navio T/T Cabo Verde, no dia 20-02-1972, até Lisboa, conforme o anexo n.º 2 da O.S. n.º 23, do BCAÇ 2912, de 28JAN72.

As suas exímias mãos profissionais eram muito requisitadas pelos comandos do BCAÇ 2912.

O nosso estimado ex-Alferes SGE Vitorino - actual TCor. na Reforma - esteve presente acompanhado por uma das filhas… a sua Companheira faleceu.

A toda a nossa família - BCAÇ 2912 - de ex-camaradas combatentes falecidos o eterno descanso!

Aos nossos editores do blogue o nosso bem-haja por nos terem permitido este reencontro, com 38 anos de intervalo, de amigos, ex-camaradas naquelas cruéis matas do Leste da Guiné de 01-05-1970 a 23-03-1972.

Para todos os meus ex-camaradas combatentes da CCS e seus familiares um abraço e até 2011 na Maia.

António Tavares
Ex-Fur Mil SAM
Foz do Douro, 06 de Junho de 2010

Bafatá > Eu, ao volante; Matias, e atrás o Castiço

Matas da Guiné > Eu, à esquerda; Camaleão e Lopes
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Notas de CV:

(1) Vd. poste de 9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6355: Convívios (149): XVII Convívio da CCS do BCAÇ 2912, no dia 5 de Junho, em Pedrógão Grande (António Tavares)

(2) Vd. poste de 7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6332: O Spínola que eu conheci (18): O COMCHEFE de visita a Galomaro (António Tavares)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6554: Convívios (164): XVI Convívio da CCAV8350 “PIRATAS DE GUILEJE”, 5 de Junho de 2010 em Águeda (José Casimiro Carvalho)

Guiné 63/74 - P6567: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (IV Parte)




Guiné > Zona Leste > SEctor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Estrada Xime- Bambadinca > 1969 > O Cap Inf Carlos Alberto Machado Brito, comandante da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados





Lisboa> Curso finalista da Escola do Exército (hoje, Academia Militar) do ano de 1955, do qual faziam parte, além do George Freire, de 77 anos de idade, membro da nossa Tabanca Grande, residente nos EUA, antigo comandante da 4ª CCAÇ - Fulacunda, Bissau, Nova Lamego Bedanda, Maio de 1961/ Maio de 1963 - , os seguintes oficiais reformados do exército português: Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho e António Caetano; coronéis João Soares, Costa Martinho e Maurício Silva, entre tantos outros.

De acordo com o nosso camarada e amigo Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Cripto da CCAÇ 12, Bambadinca,  1979/71), o terceiro elemento da foto, a contar da direita (e assinalado por nós com um rectângulo a vermelho), seria o futuro Cap Inf Carlos Brito, hoje coronel, residente em Braga.  Ainda não conseguimos obter a confirmação por parte do autor da foto, George Freire.

Foto: © George Freire / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008)> Visita dos participantes do Simpósio ao Cantanhez > Abílio Delgado, ex-capitão miliciano, comandante da penúltima unidade de quadrícula de Guileje, a CCAÇ 3477, os Gringos de Guileje  (Nov 1971/Dez 1972), que foi substituída pela CCAV 8350, os Piratas de Guileje (Dez 1972/Mai 1973). Foi, aos 21 anos, o mais jovem capitão, miliciano, do Exército Português. Vive na Ericeira.  É membro da nossa Tabanca Grande. Ei-lo aqui fotografado com a estatueta, em metal, da santa protectora dos Gringos de Guileje, encontrada nas escavações arqueológicas do antigo aquartelamento de Guileje, pelo Domingos Fonseca, o técnico da AD que dirigiu os trabalhos de reconstrução de Guileje e que também é membro da nossa Tabanca Grande...


Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
 
 
 
Outro capitão miliciano, o Jorge Picado, natural de Ílhavo, membro da nossa Tabanca Grande (mas temos mais, do Vasco da Gama ao Carlos Nery, a última entrada de um Cap Mil para o nosso blogue...). Eis como o Jorge nos contou a sua história: 
 
(...) Cheguemos então ao CPC/QC que me transformou em Capitão, não de qualquer navio como as dezenas de conterrâneos meus, mas do Exército.


Aquilo porque esperava há mais de um ano, aconteceu nos finais de Junho de 1969, quando recebi a convocatória para “frequentar o CPC/QC-2.º T.º/69, com início em 25/8/69, na EPI, nos termos da nota n.º18211-P.ºHC, de 27/6/69, da 2.ªSec. da RO/DSP/ME”.

Tinha: (i) 32 anos; (ii) cumprido o serviço militar obrigatório há 9; (iii) feito o 5.º ano do ISA [ Instituto Superior de Agromomia] há 10; (iv) sido convocado para prestar novamente serviço militar de 30/8/61 a 6/2/62 e de 18/8/62 a 17/10/62 duas situações que me inutilizaram 2 anos de ensaios de campo necessários para o meu trabalho de final de curso tendo como consequência apenas ter defendido a minha Tese do Final de Curso em Julho de 1963 (então já sem arriscar mais ensaios de campo), quando todos os meus colegas de curso já tinham 1 ou 2 anos de exercício profissional; (v) casado (até este acto esteve quase para ser impedido pela Instituição Militar) há 8; (vi) 4 filhos e (vii) trabalhava na Direcção Geral dos Serviços Agrícolas [DGSA] , mais exactamente com sede em Aveiro. (...)


Fonte: Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)
Vd. também poste de 9 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2736: Tabanca Grande (60): Jorge Picado, ilhavense, ex- Cap Mil, CCAÇ 2589, CART 2732 e CAOP 1 (1970/72)





















































O autor deste estudo é o Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva,  professor do ensino superior universitário, antigo docente da Academia Militar, do Instituto Superior de Gestão e da Universidade Autónoma de Lisboa. É especialista em Investigação Operacional. Também passou pelo TO da Guiné como oficial do QP.

O Morais da Silva teve a gentileza de nos facultar, em pdf e em word, um exemplar do seu estudo, de 30 pp., sobre a "Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate" (Março de 2010), que circulou internamente, na nossa Tabanca Grande, através da nossa rede de emails. Está agora a chegar a um público mais vasto, através do nosso blogue (*).

A existência de um elevado número de gráficos e quadros obrigou-nos a digitalizar todo o relatório que está a ser publicado, no nosso blogue, sob a forma de imagens, por partes. Esta é a IV parte, correspondente às pp. 18-22.

O nosso camarada Jorge Canhão (ex-Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74) encarregou-se dessa diligente tarefa. Aqui fica a expressão do nosso agradecimento público, pelo empenho e pela competência com que levou a cabo a digitalização do documento, de 30 páginas.

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Nota de L.G.:


(*) Vd. postes anteriores da série:

31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6507: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (I Parte)


6 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6541: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (II Parte)

 8 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6560: Estudos (1): Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate (António Carlos Morais da Silva, Cor Art Ref) (III Parte)

Guiné 63/74 – P6566: Efemérides (45): XXVII Encontro Nacional de Combatentes, 10 de Junho em Belém/Lisboa


10 de Junho de 2010 - XVII Encontro Nacional de Combatentes da Guerra do Ultramar
Camaradas,

1. Amanhã, dia 10 de Junho, festeja-se o XXVII Encontro Nacional de Combatentes, como habitualmente frente ao magnífico e majestoso Monumento Evocativo aos ex-Combatentes da Guerra do Ultramar, que se situa na margem direita do Rio Tejo, junto ao Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.

Aos tertulianos da Tabanca Grande que se queiram encontrar, aqui fica a sugestão para que tal como ano passado nos concentremos em frente ao portão principal do dito Forte, a partir das 12h00.

Lembro que a organização dispõe, no mesmo local da realização das cerimónias, para quem assim o pretender, de serviço de refeições a preços económicos, o que permitirá almoçarmos em amena confraternização por mais uns bons momentos, cavaqueando e convivendo.

Sobre o evento recebemos a seguinte mensagem, que pela sua importância passamos a publicar.
10 de Junho de 2010 - XVII Encontro Nacional de Combatentes da Guerra do Ultramar
2. Caros Veteranos da Guerra do Ultramar, repassem esta mensagem – segue a transcrição:

A todos os Patriotas, Combatentes e suas Famílias.
Este ano, o 10 de Junho realizará uma especial homenagem às Mães e Mulheres dos Combatentes.
Será oradora a viúva do Herói de Diu, Senhora Dª. Maria do Carmo Oliveira e Carmo.

Torna-se imperativo passar a mensagem, não só aos Combatentes mas a todas as Famílias Portuguesas que mantêm vivos os Valores Patrióticos. Para isso basta que, quem receber, sinta a responsabilidade de cooperar, reenviando a todos os seus endereços com pedido de reenvios sucessivos.

Será seguramente uma bonita e muito digna cerimónia, celebrando VALORES que o nosso Portugal de hoje tanto necessita.

Lá vos esperamos!

Francisco de Bragança v. Uden
Comissão Executiva
3. Do nosso Camarada Beja Santos recebemos a seguinte Newsletter, de Junho, do Forte do Bom Sucesso e Museu do Combatente:
Exmo(a). Sr(a).
Bem-vindo à Newsletter do mês de Junho de 2010 do Forte do Bom Sucesso (século XVIII) e Museu do Combatente.
No âmbito do mês de Junho e das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas - 10 de Junho de 2010, o Museu do Combatente e Forte do Bom Sucesso convida a marcar presença no XVII encontro Nacional de Combatentes 2010.
As cerimónias são organizadas pela Comissão Executiva do Encontro Nacional de Combatentes 2010, cujo Presidente da Comissão é o Sr. Almirante Francisco Vidal Abreu e terão lugar no Museu do Combatente e Forte do Bom Sucesso e na Igreja dos Jerónimos.
Tendo por finalidade comemorar o Dia de Portugal e homenagear a memória de todos quantos, ao longo da história de Portugal, chamados um dia a Servir a Pátria, tombaram no campo da honra, em qualquer época ou ponto do globo.
O programa iniciará com a concentração junto ao Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, por volta das 11h30, seguindo-se uma cerimónia inter-religiosa (católica e muçulmana), homenagem aos mortos e deposição de flores, sobrevoo por aeronaves da Força Aérea Portuguesa, Salto de Pára-quedistas, entre outras iniciativas.
A visita ao Museu do Combatente e Forte do Bom Sucesso neste dia é gratuita, acrescendo-se a renovação das mostras representativas de material/equipamento dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas.
Inaugurado em 2003, o Museu do Combatente é da responsabilidade da Liga dos Combatentes, a qual procedeu à requalificação do Forte do Bom Sucesso como espaço museológico.
Incorporando hoje em dia uma agenda cultural que tem por objectivo não só a expressão dos feitos militares portugueses (mostra permanente), mas também a realização de várias exposição temporárias, enquanto espaço de defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar.
A Liga dos Combatentes, foi fundada em 1923, enquanto pessoa colectiva de utilidade pública Administrativa, sem fins lucrativos, de ideal patriótico e de carácter social, exercendo a sua actividade sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional.
O Museu do Combatente surge deste modo, como pólo de divulgação da História de Portugal de uma forma viva e dinâmica, incorporando o conjunto Monumento-Forte e a magistral envolvência do espaço, junto à Torre de Belém.
Por tudo isto e pela magnífica vista panorâmica sobre o Tejo que o Forte proporciona, convidamos desde já, à sua visita virtual através da Newsletter FBS (em anexo).
Com os melhores cumprimentos,
Catarina Carvalho
Departamento de Marketing e Comunicação
Museu do Combatente e Forte do Bom Sucesso
Forte do Bom Sucesso, Praça do Império (junto à Torre de Belém),1400 - 038 Lisboa - Portugal? Telefone: 927 383 139?
E-mail:

__________
Nota de M.R.:

Guiné 63/74 – P6565: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (38): A guerra marcou-nos para sempre (Mário G R Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 38ª mensagem, em 6 de Junho de 2010:


Camaradas,

Ao aproximar-se o dia 10 de Junho, com tudo o que esta data representa para nós os ex-Combatentes e capitalmente pela homenagem anual aos nossos saudosos Camaradas mortos na guerra, a nossa adrenalina e nostalgia aumentam para altos índices de intensidade.

Além de recordarmos, justamente, aqueles que pereceram, não nos podemos alhear, seja a que título for, à injustiça de que são vítimas, por esta sociedade cruel, selvática e amorfa, grande parte dos que ainda permanecem vivos e afectados pelos graves problemas que, infortunadamente, os traumatizaram tanto ao nível psíquico como fisico.

Estamos todos no último terço das nossas vidas, por isso já pouco tempo nos resta para deixarmos todos os sinais possíveis, claros e inequívocos às gerações vindouras, através os nossos melhores e mais fiéis testemunhos, por todos os meios possíveis, do nosso descontentamento e revolta.

É os devastadores efeitos psicológicos da guerra nas nossas mentes de ex-Combatentes que importa combater! Alguns conseguem-no com ajuda de familiares e amigos, mas a que custos? E os outros, aqueles que apenas contam com eles próprios, quem os ajuda?

Sob uma capa polida com mais ou menos brilho e sob os adornos com que nos ataviamos às vezes parecemos como que meretrizes de feira, e continuamos tão “nus” e tão “brutos” como os homens que nós combatemos nas matas, nas bolanhas e nos aquartelamentos da Guiné.

A GUERRA MARCOU-NOS PARA SEMPRE

Numa época de suposto progresso industrial, as populações da Guiné vivem quase primitivamente e em paupérrimas instalações. São preparados para a ausência de felicidade e de bens materiais e isso levou-os á descrença total nas diversas políticas adoptadas pelo poder instituído, e à constatação mais que evidente que o desenvolvimento contínuo não passa de uma ilusão utópica.

Se a selvajaria, a brutalidade e a barbaridade populares, próprias dos instintos nativos e tribais, com resquícios de eras ancestrais se confundiram, muitas além do nosso entendimento racional europeu, tais sentimentos deveriam ter sido esbatidos pela sociedade agora livre, em prol de um futuro melhor e mais promissor.

O domínio “bestial” continua hoje activo e em força, fazendo questão de irromper nas veias do ser étnico, dilacerado pela fome, pela miséria, pelo tratamento diferente entre sexos, pelo segregacionismo, pelo ódio, pelos combates mortíferos, etc.

Raros são os mais pacíficos que continuam como sempre frágeis face à força bruta e primitiva. O progresso quase não existe ou nada representa.

Enquanto combatentes experimentámos o terror sob diversas perspectivas: O terror de morrer, o horror dela matar, a tensão nervosa permanente, a cedência psíquica perante a adversidade, dias e dias sem dormir, as horríveis visões de camaradas e amigos estropiados, mortos e feridos, etc.

Com o decorrer do tempo vamos ficando indiferentes e insensíveis ao terror e aos horrores recorrentes das vicissitudes da guerra.

A violência provocada pelos combates poderia, nas retaliações vingativas, originar nos seus protagonistas alguma espécie de “prazer” instintivo, sádico e desumano, mas como é óbvio isso só poderia ser resultado de desgostos, revolta, angústia, dor e sofrimento.

Os aquartelamentos eram as muralhas ou bastiões de refúgio dos que combatiam, mas não só, pois eram também lugares de tensão e locais perfeitamente localizados e identificados, tornando-se alvos fáceis, pela sua estaticidade, cada vez batidos pelo fogo atacante e retaliador do PAIGC, para desespero dos seus “enjaulados” ocupantes.

A guerra é tão velha como a humanidade. Pelo que temos vindo a constatar ao longo dos séculos, até aos dias de hoje, a barbárie primitiva e inerente é algo instintivo que não desaparece do peito do ser humano, sejam eles muito ou pouco desenvolvidos intelectual ou cientificamente.

Por incrível que pareça, os instintos dos homens do século XXI, quando espicaçadas a digladiarem-se entre si, continuam tal como o teriam sido na época pré-histórica, primitivas e selváticas.

Lembro-me bem que no conflito que vivi em Mampatá, em nome da minha própria sobrevivência, só pensava em: ”Viver e matar!"

Eram os impulsos naturais interiores que, tendo começado por ser irracionais, foram ganhando forma consciente e me levavam a responder à violência de que éramos vítimas por parte do IN, com uma violência idêntica que eu desconhecia em mim.

No auto-domínio pessoal dessa violência interna, é que eu notava a superior estatura moral e categórica dos nossos militares, relacionando-os intestinamente.

Pelo que me foi dado testemunhar e acabo de vos tentar relatar, concluo que a paz é um sonho irreal e inatingível nos tempos mais próximos.

Os homens são por natureza violentos e as suas origens, quer queiramos, quer não, remontam a tempos muito primitivos, onde sempre se matou e, quase sempre, pelos motivos mais fúteis.

Por isso não nos devemos admirar com o que se passa na Guiné, é o destino dum povo com usos e costumes ancestrais, divididos por cerca de 30 etnias diferentes, que só poderá mudar com a alteração das mentalidades e esforços concertados, sérios e respeitados mutuamente, que obrigatória e necessariamente terão que partir de exemplos concretos e firmes dos seus actuais líderes.

Não haverá futuro para os guineenses enquanto não houver união e trabalho de todos para o desenvolvimento e criação de riqueza.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6528: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (37): Um básico super operacional (Mário G R Pinto)

Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 6 de Junho de 2010:

Carlos Vinhal:
Esta é a História da minha guerra, publicada na revista Domingo, do Correio da Manhã, em 19 de Outubro de 2008.
Neste relato, o jornalista que o compôs, entrelaçou as duas realidades da minha História de vida, Estórias essas que eu já contei no blogue.

Em pesquisa de blogues sobre o Ultramar Português, descobri que alguém aproveitou e muito bem, o meu contributo, então para a referida revista.

Se achares oportuno e não repetitivo, gostaria que publicasses no Blogue, esta versão dos mesmos factos.

Um abraço.
Jorge Fontinha


Outubro 19, 2008

'Um soldado pediu-me que o matasse'


Jorge Ventura Fontinha, esteve na Guiné, em 1970/72 e diz na Revista do «Correio da Manhã» deste domingo:

- “O Ultramar, para mim, divide-se em duas partes: quando lá vivi e o meu irmão mais velho foi assassinado pelos guerrilheiros, e depois, quando regressei para combater por Portugal.”

Eu vivi as duas faces da guerra. Primeiro em Angola, onde o meu irmão, mais velho seis anos, foi assassinado em 1961, durante um ataque dos guerrilheiros à nossa fazenda, em Nambuangongo. Nove anos e meio mais tarde, após ter passado por Portugal como refugiado, fui enviado para a Guiné-Bissau pelo Exército, onde voltei a ver a morte e procurei defender os interesses do País.

Como cabo miliciano, fui integrado na Companhia de Infantaria 2791 e embarquei a 19 de Setembro de 1970, no paquete ‘Carvalho Araújo’, com destino a Bula e ao Batalhão de Caçadores (BCAÇ) 2868. O meu baptismo de fogo começou a desenhar-se às 02h00 de 17 de Novembro de 1970, quando já era furriel. Da parada do quartel de Bula partimos para Chochmon. A minha secção ia completa: na primeira equipa, o Celestino, o Azevedo e o Monteiro olhavam, de vez em quando, para trás. Os restantes, que seguiam atrás de mim (o Romão, o Cavaco, o Matos, o Pinto e o Nunes) iam como uma sombra, a uma distância considerável. Um problema atormentava-me: antes de partirmos, o Nunes havia-me pedido que o ‘desenfiasse’, porque pressentia que lhe ia acontecer alguma coisa. Fiz--lhe ver que tudo não passava de mania mas no meu lugar (o 5.º na progressão em relação ao grupo de combate) não parava de pensar no seu caso.

Eram 03h30 e eu seguia embebido nestes pensamentos, quando, de súbito, ouvi um estrondo e uma chuva de estilhaços caiu sobre alguns de nós. Depois, foi o silêncio. Pensei logo tratar-se de uma mina e, quando olhei para trás, vi o pessoal abrigado, à excepção de um soldado que, no caminho, gemia e rebolava-se no chão. Corri para ele, que, de barriga para baixo, com a mão esquerda a procurar na perna do mesmo lado o pé perdido, suplicava: – Meu furriel, mate-me, acabe comigo! Meu furriel, tenha dó de mim!

Olhei para ele, emocionado, quando o homem das Transmissões e o enfermeiro corriam para o soldado. Virei as costas, para que me não vissem chorar. Chorei, sim, de raiva, de impotência e de ódio. Era o Nunes! E porquê ele, meu Deus? Antes de sairmos do quartel, bem me tinha dito que ia acontecer alguma coisa! E, afinal, não fora um ataque, apenas um acidente: o Nunes, apontador da bazuca, deixou cair uma granada no chão que, ao rebentar, lhe ceifou um pé e parte de uma perna. Outros soldados e o alferes comandante ficaram com ferimentos menos graves e tiveram de ser evacuados. Mais tarde, a coluna pôs-se em marcha e caminhou para a conclusão da operação, que culminou com grande sucesso, apesar de mais alguns soldados terem sofrido ferimentos ligeiros.

A 27 de Setembro de 1972, a companhia regressou a Lisboa, de avião; mas esta era apenas uma parte da minha vida no Ultramar que terminava e a outra, vivida nove anos e meio antes, no início de 1961, em Angola, fora ainda mais dolorosa. Eu tinha 12 anos e havia nascido em Ambriz. O meu pai era guarda-fiscal e, no início da década de 1950, adquiriu uma fazenda. Eu encontrava-me em Luanda, no colégio da Missão de S. Paulo, onde sempre residi quando não estava com o meu pai e o meu irmão. A minha mãe morrera em 1953, vítima de ‘biliosa’. Apenas a 20 de Março de 1961 soube do ataque que tinha havido à fazenda, cinco dias antes, quando chegaram os primeiros sobreviventes. Entre eles o meu pai, meio despido e descalço, na altura com 51 anos, desfigurado e desfeito no seu íntimo. Esteve agarrado a mim uma eternidade a chorar.

Soube então o que tinha acontecido. Eram 16h00 e o meu pai encontrava- -se a descansar no quarto quando se apercebeu de que algo se passava lá fora. Levantou-se e deparou-se com alguns empregados e familiares barricados atrás da porta, que era violentamente empurrada e cortada à catanada. O meu pai verificou de imediato a ausência do seu filho Fernando. Um dos empregados enfrentou os atacantes e decepou um deles à catanada, pondo os restantes em fuga, dando tempo a que todos fugissem em direcção a uma camioneta. Foi aí que meu pai deu com o meu irmão a agonizar na cabina, com uma catanada na testa e outra no peito! Algum tempo antes, quando o meu irmão, diminuído fisicamente dos membros inferiores, estava por perto, a governanta apercebeu-se de uma certa movimentação junto ao capim e foi ver o que se passava. De imediato, um grupo compacto de guerrilheiros da UPA (de Holden Roberto), de catana em punho, dirigiu-se aos trabalhadores, pondo-os em fuga. Houve, no entanto, um que não pôde locomover-se com tamanha rapidez: o meu irmão, que tentou proteger-se na cabina da camioneta, onde viria depois a ser assassinado.

Os sobreviventes fugiram na camioneta em direcção a Nambuangongo. Como já estava ocupada, dirigiram-se para Onzo, aonde foi inviável chegar. A única saída foi largar a viatura e fugir para a mata. Por lá andaram três dias e três noites, até receberem ajuda militar. Quando voltaram à camioneta, para recolher o meu irmão, tinha sido incendiada e o corpo havia desaparecido.


UMA VIDA DIVIDIDA ENTRE ANGOLA, GUINÉ E PORTUGAL

Nasci em Angola, na vila piscatória de Ambriz, onde o meu pai era chefe da Guarda Fiscal. O meu falecido irmão nasceu em Castedo da Vilariça, Torre de Moncorvo, terra da minha mãe, falecida em Nambuangongo em Outubro de 1952. O meu pai era de Alijó, Vila Real, e faleceu em Junho de 1975. Após o falecimento da minha mãe, dividia a vida entre Nambuangongo, nas férias, e Luanda, durante as aulas, quando ficava em casa de uns tios. Vim para Portugal refugiado e fui viver para Alijó, onde estudei até ser incorporado no Exército, em Outubro de 1969. Fui militar até Setembro de 1972.

Entrei para um banco em Maio de 1972 e casei-me em 1973. Do casamento nasceram dois rapazes. O mais velho ainda em Luanda, em Agosto de 1975, e o mais novo em Alijó, em 1978. Sou reformado da banca.

(In Revista «Domingo» do Correio da Manhã)
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6302: Estórias do Jorge Fontinha (10): Uma noite muito mal passada