quinta-feira, 8 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)







Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A cerimónia do Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... Uma das portuguesas foi a Catarina Meireles, médica, aqui na foto (a 3ª, a contar de cima), com uma criança mandinga ao colo;  e na 2ª, partilhando a refeição)... Na 1ª foto a contar de cima, temos uma vista geral da assembleia, durante a cerimónia do Tabaski, na aldeia mandinga de Tabatô, a escassos 10 km de Bafatá, na estrada  Bafatá-Gabu. Ainda há dias o Fernando Gouveia andava desesperado para encontrar a localização exacta de Tabatô, que não vem na nossas cartas da época colonial (Será uma povoção de recente implantação ? Ou deslocalizada por causa da guerra colonial ? O João Graça, que passou lá uma noite memorável a tocar com os músicos locais, não me soube esclarecer a data da origem da tabanca; o Fernando, por sua vez, não conseguiu lá ir, quando revisitou Bafatá,  em Abril passado ).

Fotos: © Catarina Meireles (2010). Direitos reservados





Guiné-Bissau > Bissau > Dezembro de 2009 > Na conhecida e conceituada Residencial Coimbra, sita na Av Amílcar Cabral, em pleno centro: da esquerda para a direita, o João, o Mamadu (músico da tabanca mandinga de Tabatô de onde é natural o Kimi Djabaté), o Vitor (cooperante espanhol), a Catarina Meireles (médica, portuguesa, minha antiga aluna na Escola Nacional de Saúde Pública)... Os restantes cinco elementos não sei, de momento, identificá-los. O João Graça, músico e médico, interno de psiquiatria, esteve na Guiné duas semanas, em Dezembro de 2009,  tendo estado mais tempo em Iemberém (onde prestou cuidados de saúde à população local, durante cinco dias), além de Bissau, e visitado ainda a zona leste (Bafatá, Tabatô, Gabu, Contuboel...) e a região do Cacheu (S. Domingos). Em Bissau conheceu a colega Catarina Meireles.


Foto: © João Graça (2009). Direitos reservados


1. A minha amiga e antiga aluna do Curso de Especialização em Saúde Pública, Dra. Catarina Meireles, natural de Vila Verde (a terra dos lenços dos namorados ou, melhor, e segundo as  palavras da Catarina, a terra onde são as raparigas a escolherem os namorados com quem querem casar ou não ...), passou cerca de 3 meses em missão de cooperação na Guiné-Bissau, no último trimestre de  2009. Mais exactamente na Associação Saúde em Português, que está a actuar em Bafatá (Projecto  "Mais Saúde, Melhor Saúde por Bafatá").

Nesse período fomos trocando mails e eu convidei-a inclusive para colaborar no blogue, com alguns apontamentos sobre a sua estadia em Bafatá. Disse-me que estava a escrever o seu diário e que depois decidiria onde e quando publicar...

Em Outubro de 2009, escrevi-lhe o seguinte, em resposta às suas primeiras impressões da Guiné-Bissau (tinha chegado a 5):

 (...) Catarina, você representa uma geração, a do pós-guerra colonial, que está a redescobri África, nas suas misérias e grandezas… Sendo uma mulher de grande sensibilidade sócio-cultural e para mais médica de saúde pública, além de uma grande minhota, gostaria de poder publicar, no nosso blogue colectivo, Luís Graça & Camaradas da Guiné, alguns crónicas suas sobre esta sua 'viagem de imersão' na Guiné-Bissau" (...).

A Catarina respondeu-me, a 8, nestes termos:

(...) Sim, com efeito sou dessa geração. Mais interessante é o que a minha mãe constata: o meu pai escapou do Ultramar mas os 2 filhos estão em África. O meu irmão há dois anos que anda pelos PALOP e não só, como engenheiro civil de obras públicas. Confesso que ele me abriu portas por me alargar o planisférios mental. Sem medo, com confiança... a nossa geração tem se ser feita de cidadãos do mundo. (...)

Entretanto, a 1 de Dezembro manda-me um outro mail em que afirma ter necessidade de partilhar as suas emoções por ter tido o privilégio de assistir à cerimónia do carneiro, com os habitantes de Tabatô... Adorei o texto e disso-lho, na volta do correio, a 2:

Catarina:  Belíssimo texto. Você é uma mulher de grande sensibilidade, sócio-cultural. Esse fim semana foi mesmo ecuménico… Dou-he os parabéns por ter conseguido vencer as barreiras culturais, mentais e religiosas que, muitas vezes, nos impedem de comunicar com o outro… Essa tabanca é do meu tempo, mas nunca convivi com a respectiva população… Fulas ? Mandingas ? …Eu passei por Contuboel (2 meses), e o resto em Bambadinca (20 meses)… Ia com regularidade a Bafatá…


O meu filho João Graça, 25 anos, médico (acaba de entrar para a especialidade de psiquiatria, no Amadora -Sintra) vai estar aí quinze dias…Em princípio, vai trabalhar uma semana e depois vai dar um giro, revisitando alguns sítios por onde eu andei (Contuboel, Bafatá, Bambadinca…). Parte na 6ª feira, à noite… Seria interessante poderem estar juntos (em Bafatá) (...).

 Mais recentemente, e já com novos projectos de cooperação, a 18 de Junho último, a Catarina deu-me o seu OK para publicar, no blogue, o texto sobre o Tabaski, com a seguinte nota:

Este texto foi um impulso de partilha existêncial... de entre vários... Este, por acaso, tive que - por necessidade terapêutica!! - partilhá-lo... é que há coisas grandes demais para caber num só coração, numa só mente.  Deus, obrigado. (Como dizem os guineenses... eheheh)


Talvez a versão rectificada do texto, junto com fotografia, fique melhor... que acha?


Ao dispôr!!


Catarina


PS - Julga que não continuo a colaborar? Nunca parei. Constituí-me co-fundadora duma ONG e hoje mesmo recebi "material" para arrancar com projecto. E do "meu povo", continuo a receber notícias... Por exemplo, o grupo de música de Tabatô foi ao Mali gravar o primeiro CD. Se soubesse como isto representa uma vitória? Emociono-me, só de lembrar!


2. O Tabaski em Tabatô
por Catarina Meireles


No passado fim de semana fui ao Tabaski - cerimónia de imolação do carneiro (por analogia: Páscoa dos Muçulmanos).

Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô - muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas. São fabulosos!

Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupamos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitamos tudo o que nos diziam para fazer...  E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!

No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos em círculo.

Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida - pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)

As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.

Eu disse...
- Sim, 3 é número sagrado!

Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!

Foi-me pedido que falasse... e falei.  Pedi uma cadeia de união - corrente de mãos dadas. Expliquei como fazer e disse:
- Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.

E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:
- Obrigado, Fátima de Portugal!

Catarina Meireles

Bafatá, 1 de Dezembro de 2009

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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6683: Memória dos lugares (81): Binta, no Rio Cacheu... Quando o meu anfitrião foi o JERO, da CCAÇ 675 (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil, CCAÇ 1419, Bissorã e Mansabá, 1965/67)

Guiné 63/74 - P6694: Notas de leitura (126): "Guineense Comando Português", de Amadú Bailo Djaló (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2010:

Queridos amigos,

Na capa do livro do Amadú Djaló, à esquerda com a mão na pistola e olhando-nos sem pestanejar, está o tenente Zacarias Saiegh, que virá a ser fuzilado em finais de 1977 num complô ainda hoje mal contado.

Quando cheguei a Missirá, em 4 de Agosto de 1968, ele era o comandante interino, o furriel mais antigo. Tivemos uma relação bastante tensa mas o respeito mútuo foi sempre mais forte.

A dupla Amadú Djaló – Virgínio Briote é um monumento de camaradagem inesquecível, um testemunho que os historiadores não poderão evitar.
 
Tenhamos orgulho pelo Virgínio e pelo caudal de imagens que o nosso blogue proporcionou a este relato pungente.

Um abraço do
Mário


Amadú Djaló a respirar no espelho de Virgínio Briote

por Beja Santos

“O meu primeiro objectivo foi perceber a escrita manual do Amadú e reescrevê-la para um português perceptível, respeitando o estilo de escrita do autor. Depois foram tardes a ler-lhe os textos, corrigir, acrescentar pormenores, cortar outros, pôr datas, nomes, locais, enquadrar as histórias, telefonar a camaradas, cruzar a informação, reavivar pormenores.

Não se trata de um trabalho exaustivo sobre os nossos anos na Guiné. Nem eu tenho arte nem o Amadú conta a sua história assim. Não há ficção, não se trata de um romance. A maior parte dos textos referem-se a contactos com o PAIGC, a combates com mortos e feridos, de um e outro lado”.

Este livro é um sortilégio, sente-se permanentemente o pulsar de uma cumplicidade de alguém que não renega a identidade ou ilude os diferentes níveis da memória e de um outro que escuta, reelabora, clarifica, adensa a trama. O produto final é brilhante, deixa perceber a intimidade do Eu e a disponibilidade do Outro. Fica-se com orgulho pela obra feita pelo Virgínio Briote, o Outro que garante um relato estuante transformado na árvore da vida.

“Guineense, Comando Português” é uma soberba colectânea de memórias, assegura a visão prismática de um fula que se orgulha das suas origens e que se releva apaziguado, propondo a todos os seus leitores guineenses que façam um esforço de reconciliação. 

Temos os ocasos da formação, a frequência da escola do Alcorão, a frequência de uma escola católica, as idas e vindas à Guiné francesa, os prenúncios da guerra, a incorporação em 1962. As origens da guerra continuam difusas, todos os protagonistas até hoje relatam uma escassa parcela dos acontecimentos: a formação dos partidos, a brutalidade no separar das águas, na decomposição e reorganização do território entre os santuários da guerrilha e as localidades fiéis à bandeira portuguesa, há uma discrição por vezes diáfana no relato dos acontecimentos que, pasme-se, leva o leitor, passados 50 anos, continuar confuso quanto às adesões partidárias, o desmoronar do espaço colonial, as tomadas de posições interétnicas. 

Este emaranhado só é possível pela continuação em propagar mitologias e iludir o rigor dos eventos, tudo por falta de historiografia amassada em documentos probos, testemunhos credíveis, assunção de paradoxos e contradições. Amadú refere-se a um tal Nino Vieira que em Junho de 1961 tinha fugido da prisão de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, Adulai Duca Djaló, casado com uma irmã de João Bacar Djaló, que se irá revelar como herói português. Só neste instantâneo temos a noção das dificuldades em perceber como se separaram as águas. Aliás, Amadú deixa transparecer o peso da decisão familiar e do poder do clã, determinante em tudo o que aconteceu a partir de 1961 e que continua nebuloso.

Amadú torna-se condutor, vai para o Sul, a experiência não lhe deixou muitas saudades. Segue para Farim, naquele tempo grande parte das estradas ainda eram transitáveis, o PAIGC sentia imensas dificuldades em implantar-se, as autoridades senegalesas mediam a guerrilha com imensa desconfiança. 

Depois da experiência de Farim, Amadú vai colaborar com os comandos do Saraiva, a guerrilha entra em efervescência, as tropas especiais passam a ser requisitadas para os golpes de mão mais espinhosos, caso do Buruntoni ou da região de Madina do Boé, onde Amadú é protagonista de uma calamidade provocada por uma mina anti-carro. 

A mata do Oio, a partir de 1964, abriga santuários que exigem a técnica do bate e foge, tal a capacidade de reacção de uma guerrilha que usa e abusa das asperezas da floresta. Em 65 Amadú regressa ao quartel-general por pouco tempo, outras tropas especiais estão em formação. Depois, Bafatá onde surgiram novas tensões como Sinchã Jobel, acima de Geba. 

Em 1969 dá-se a viragem com a formação dos Comandos Africanos, em Fá Mandinga. A partir daí, é o galopar da narrativa, entre sucessos e desaires, muitas perdas, premonições de adivinhos que Amadú jamais esqueceu, incursões nos santuários de resistência mais renhida como Galo Corubal, a participação na Operação Mar Verde, inúmeras viagens aos Morés, a ida a Cumbamori. 

O Eu e o Outro formam uma dupla espantosa, é um encontro lusófono que toca pelo sopro narrativo, tudo numa atmosfera singela de quem nunca precisa de se pôr em bicos dos pés, mesmo quando a tempestade dos acontecimentos podia facilitar disparos emotivos. Um só exemplo do rigor entre o Eu e o Outro:

“Saí do local onde estavam 4 ou 5 feridos e o corpo de um soldado, para verificar o andamento dos trabalhos das macas e, momentos depois, começaram os rebentamentos [ida a Cumbamori, Senegal].

Foi um inferno. Ao primeiro estoiro ninguém pensou em mais nada senão em escapar dali. Eu corri para a frente, com 7 ou 8 soldados, armados de bazucas e RPG’s, para respondermos ao fogo. Todos dispararam a vez, outros duas vezes depois saíram dos locais, porque a posição deles estava denunciada quando fizeram fogo. Sabíamos isso da instrução.
Fiquei muito satisfeito com eles, porque foi com os disparos que fizeram que travámos a contra-ofensiva do PAIGC e dos páras senegaleses.
O tenente Jamanca estava à minha esquerda, sentado, com as pernas estendidas, encostado a uma pequena árvore, parecia exausto.

– Então, o que se está a passar? Perguntei.

– Amadú, anda cá! Mata-me, não deixes o PAIGC levar-me! Mata-me, Amadú, mata-me!

– Tu não ficas, levamos-te de qualquer forma. Não ficas aqui! Descansa um pouco, Jamanca!”


Amadú vai sendo promovido, a sua folha de serviços é notável. Vai seguidamente para a CCaç 21, percorre a Ponta do Inglês, Paunca, Pirada, Piche, Canquelifá. Estamos a viver o tufão que se estenderá até ao fim da guerra. A ofensiva do PAIGC é brutal, como Amadú descreve: 

“Passámos mais tempo em Canquelifá porque o PAIGC queria mesmo acabar com o quartel e com a tabanca. Os morteiros de 120 eram em número de cinco e, como tínhamos atacado a base de Cumbamori, perto da estrada de Koldá-Ziguinchor, o PAIGC transferiu parte do material do Norte para o Leste. Copá e Canquelifá passaram a ser considerados os primeiros objectivos do PAIGC. Copá veio a ser abandonada e o pessoal que lá estava foi recolhido em Amdalai, perto de Bajocunda, com o nosso apoio e dos paras. Depois de Copá faltava-lhes conquistar Canquelifá”.

Amadú combate há praticamente 11 anos, perdeu família, amigos, inúmeros camaradas. Bateu todos os teatros de operações mais infernais. Deixa antever a evolução dos acontecimentos de 1973 para 1974. E um dia a guerra acaba, espera-o um calvário, a traição dos amigos, a perseguição. Será esse seguramente o material que Virgínio Briote, o diligente e discretíssimo Outro, terá entre mãos.

Venho publicamente expressar o meu júbilo pelo trabalho do Virgínio Briote. A Associação de Comandos incumbiu-o de uma tarefa espinhosa, o Virgínio revelou-se exemplar nesta metamorfose do apagamento em que o Outro deixa o palco iluminado a um Eu cheio de carácter, sereno, à espera que lhe façam justiça depois dos caminhos desavindos da guerra.

Enquanto lia e relia este relato inigualável recordei um retrato de genial artista surrealista, o belga René Magritte, intitulado A Invenção da Vida, datado de 1928. Alguém olha fixamente o espectador, parece pronto a desvelar o vulto encapuçado, a mostrar uma pessoa em corpo inteiro. Não sei porquê lembrei-me deste trabalho monumental do Virgínio, este corpo a corpo com o Amadú em que se inventou, a partir do maço informe dos dados, a vida de um combatente. Obrigado por tudo, Virgínio.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6689: Notas de leitura (125): O Lince de Có, de António Veríssimo (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6693: Convívios (260): Encontro do pessoal da CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72 (Mário Migueis)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 29 de Junho de 2010:

Caro amigo:
Na esperança de que tenhas vindo revigorado de Monte Real, estou a juntar (sem esperar a publicação do meu último escrito do passado dia 20) um mini-artigo inspirado no último encontro da CCaç 2701/Saltinho.

Anexo igualmente duas fotos legendadas para ilustração do texto.
Um grande abraço,
Mário Migueis



“Olha que há coisas bonitas!...”

No passado domingo, dia 7, tive oportunidade de, uma vez mais, confraternizar com os camaradas da CCAÇ 2701, aquela que foi minha anfitriã no Saltinho, de Março/71 a Fevereiro/72, altura em foi substituída pela CCAÇ 3490.

Realizado, desta vez, num hotel da Póvoa de Varzim – a escassos 12km da meu cantinho -, o almoço reuniu mais de duas centenas de pessoas, entre ex-combatentes e respectivos familiares, e terá sido em tudo muito semelhante a tantos outros convívios periódicos de ex-combatentes que, felizmente, continuam a realizar-se por todo o país, dando provas de que o passar dos anos, por mais que force, não consegue fazer esmorecer – antes pelo contrário - os fortíssimos laços de amizade e solidariedade criados entre os nossos militares durante aqueles terríveis dois anos de sofrimento físico e psicológico. Porém, algo me tocou profundamente desta vez, fazendo-me reflectir sobre a verdadeira força, o peso, a dimensão da marca que a guerra colonial deixou em cada um de nós no que concerne a esses sentimentos de amizade, a esses valores de camaradagem e solidariedade.

Na véspera do convívio, fora ao meu sótão de estimação, onde se respira tropa por todos os poros, que é como quem diz por todos os buraquinhos de traças e outros quejandos, à procura de uma cassete gravada no Saltinho durante a noite de Natal de 1971, em que, conjuntamente com o Rui Coelho – 1.º Cabo especialista em criptografia -, fiz uma curta entrevista a cada um dos sentinelas, procurando saber do estado de espírito de cada um naquela noite em que a saudade dos nossos apertava ainda mais que habitualmente. Tinha decidido deixar de ser egoísta e, agindo em conformidade, iria tornar pública aquela espécie de relíquia histórica, há quarenta anos esquecida no fundo de uma das caixas com a etiqueta “Guiné”.

Cheguei a temer que, decorrido tanto tempo, a pobre cassete não estivesse já em bom estado de conservação, mas, incrivelmente, logo que consegui desenrascar um leitor portátil, pude comprovar que a gravação estava perfeita. E lá estava, em primeiro lugar, a entrevista ao Pessoa, de sentinela, no turno das vinte e duas à meia-noite, ao abrigo dos condutores, o primeiro que visitámos.

“Então, senhor Pessoa, como é que se sente nesta noite de Natal? Casado, pai de uma menina, deve sentir imensas saudades, não é verdade?...”

Seguiam-se as entrevistas ao Calceirão - o homem do clarim-, ao Miguel – 1.º Cabo Enfermeiro - e por aí fora. Enfim, tudo nas melhores condições acústicas, incluindo o som da viola do Mário Rui, furriel do 53, que, no abrigo de Transmissões, deliciava os presentes com uma belíssima balada de sua autoria.

Já no salão onde teria lugar o almoço, num aparte entre as animadas conversas que a ocasião oferecia, diz-me o Novo – meu vizinho da Póvoa e responsável pela organização do convívio deste ano – quase ao ouvido:

- Olha que há coisas bonitas! Estão cá a viúva e o casal de filhos do Pessoa, que morreu já lá vão oito anos!

Daí a um minuto, o Novo estava a apresentar-me à família do Joaquim Pessoa. Pude conversar, durante cerca de meia hora, com a Senhora D. Maria Fernanda - assim se chama a viúva do nosso camarada -, interessadíssima nas referências que eu fazia às recordações mais simples que tinha do Pessoa, desde o seu comportamento muito respeitador e responsável até à forma como se exaltava durante os jogos de futebol, especialmente quando as decisões do árbitro não eram do seu agrado.

Inevitavelmente, falei-lhe das palavras do marido que tinha gravadas na cassete que trazia comigo. Chorou de emoção quando prometi que lhe remeteria uma cópia em CD para a Vila de Prado, onde reside. E voltaria a chorar quando o ex-alferes Fernando Mota, no uso da palavra em nome da Companhia, agradeceu a sua presença e a dos restantes familiares, numa atitude que constituía sem dúvida um exemplo a seguir: não deixar morrer a memória dos nossos e da sã camaradagem que tão fortemente os uniu.


Enquanto nos despedíamos, a Senhora D. Maria Fernanda não pôde evitar que mais duas teimosas lágrimas se lhe desprendessem dos olhos, correndo, lestas e envergonhadas, para o pequeno lenço branco que, delicadamente, as aparou junto ao queixo. Tentei ler o conteúdo do seu sentimento, da sua emoção. Como interpretar aquelas lágrimas? Tristeza pela ausência do seu ente querido? Um sentimento de amargura por o não poder ver entre os seus camaradas? Algo mais para além disso?... Confesso que me pareceram lágrimas de uma misteriosa satisfação, como se aquela sua presença entre nós, que lhe permitia partilhar connosco a recordação do marido, lhe suavizasse a dor e lhe desse o ânimo de que carecia para prosseguir a sua caminhada. Tive a sensação de que a senhora, de uma forma instintiva e para seu próprio sossego, sentiu necessidade de se assegurar de que aqueles de quem, durante anos a fio, o marido contara maravilhas não o tinham esquecido e que a sua memória continuava presente nos nossos corações. De qualquer modo, certo é que só algo muito sólido e importante pode despertar tão fortes emoções e sentimentos. E, por detrás de tudo isto, estarão seguramente os laços tão fraternais que caracterizaram e caracterizam a geração de soldados de que fomos, somos e seremos parte.

Esposende, 24 de Junho de 2010
Mário Migueis da Silva
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6682: Convívios (174): Convívio anual de "Os Sobreviventes" - CCAÇ 3490, Saltinho, 1971/74 (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P6692: Blogoterapia (152): É por estas e por outras que eu ainda não lá voltei, nem sei se voltarei (Manuel Amaro, CCAÇ 2615, Nhacra, Aldeia Formosa, Nhala, 1969/71)


Guiné-Bissau > Nhacra > Abril de 2010 >   A antiga enfermaria da CCAÇ 2615, onde o nosso camarada, amigo e vizinho (de Alfragide), Manuel Amaro, trabalhou dois meses como Fur Mil Enf, antes de partir para Aldeia Formosa.

Foto: © Eduardo Campos (2010). Direitos reservados





Monte Real, Leiria  > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional do Nosso Blogue > Almoço de convívio: o Manuel Amaro ao centro, conversando como o Paulo Santiago (à esquerda) e o Victor Tavares (ainda em convalescença depois de uma delicada operação à coluna).


Foto:© Manuel Carmelita (2010). Direitos reservados (Editada por L.G.)



1. Comentário do Manuel Amaro ao poste de 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6685: Histórias do Eduardo Campos (14): O que aconteceu à “minha” Nhacra? 

Não dá para acreditar.


Cheguei a Nhacra em 28 de Outubro de 1969. Distribuimo-nos (CCAÇ 2615), por Nhacra, Cumeré, Safim, João Landim e Dugal.

Ficámos menos de dois meses e seguimos para Quebo.

Aquela enfermaria (?) da foto foi o meu PT (posto de trabalho).

Por estas e por outras, eu ainda não [voltei]  à Guiné.

Provavelmente não irei.

Manuel Amaro

[ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892,
Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/1971]

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Nota de L.G.:

Vd. último poste desta série Blogoterapia > 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6506: Blogoterapia (151): Senti que já era o tipo que podia ter uma conversa séria com o velhote (João Santiago)

Guiné 63/74 - P6691: (Ex)citações (84): Um comentário aos... comentários sobre a ficção de Mário Cláudio... Um comentário cool que vem do frio (José Belo)

1. Mensagem do nosso perdido-e-achado, fisicamente distante mas sempre querido, tuga da diáspora,  globetrotter, cidadão do mundo, lapão por adopção, membro da nossa Tabanca Grande (*),  José Belo, com data de 6 de Julho de 2010:

Assunto: Um comentário aos... comentários. (**)

Caro Camarada e Amigo:

" Desmascarar" ficção é... obra que se lhe diga!

Infelizmente alguns dos comentários ao texto de Mário Cláudio pretendem fazê-lo, sem (talvez) se terem apercebido da contradição insolúvel em que caem.

As palavras sensatas de Vasco da Gama no seu poste recolocam o debate dentro de perspectivas... do "viável". Nem "óculos" de focagens intelecto-elitistas, nem outros "óculos" de exclusivismos patriótico-idealistas vêm contribuir para a quadratura do círculo nesta dialéctica literária de... ficção/intenção.

Numa perspectiva, literalmente, a frio (e no frio!), à distância de toda uma Europa, verifico com um misto de alegria e saudade que os Camaradas e Amigos "aquecem" rapidamente com um bom debate! Um grande abraço do J. Belo.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Novembro de 2009 >  Guiné 63/74 - P5307: Da Suécia com saudade (16): É neste caldo de cultura que o nosso blogue é grande (José Belo)

(...) As memórias, relatos e interpretações que continuamente chegam à Tabanca Grande são trazidos por indivíduos de todas as origens sociais, com os mais díspares graus de educação escolar, de todos os locais do país, e que durante o seu serviço militar na Guiné desempenharam todas as possíveis funções dentro da instituição militar.

Os acontecimentos não foram observados por um único par de olhos, mas sim por olhos com diferentes níveis de capacidade de intrepretação e observação, não esquecendo os diferentes níveis de sensibilidades individuais.

É NESTE SOMATÓRIO QUE A TABANCA GRANDE É TÃO RICA!

Se a isto se adicionar o facto destes relatos se terem prolongado ao longo de, pelo menos, uma década, temos como feliz resultado serem estas vivências transmitidas por OBSERVADORES QUE OCUPARAM OS MESMOS LOCAIS NO ESPAÇO MAS NÃO NO TEMPO!

Aquartelamentos, destacamentos, tabancas, tipo de operações, tipo de armamento, zonas mais ou menos perigosas, Altos Comandos, tudo nos é fornecido de modo a vir a ser possível em futuro mais ou menos próximo (espero!) uma compilação única e detalhada do que foi aquela década.

Quanto a mim não será ISTO que é a Tabanca Grande ?

Estocolmo 20 Nov 2009  (...)

(**) Vd. último poste desta série (Ex)citações > 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6666: (Ex)citações (66): Dois povos pacíficos, o da Guiné e o de Portugal (Amadu Djaló, nascido em Bafatá, em 10 de Novembro de 1940)

Guiné 63/74 - P6690: O Nosso Livro de Visitas (93): Morais da Silva, de Fá a Gadamael (1970/72): Instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael


1. Por lapso, não chegou a ser convenientemente apresentado, na devida altura, o Cor Art Ref Morais da Silva, nosso leitor, autor de um pequeno estudo estatístico sobre a Guerra de África - O QP e o Comando das Companhias de Combate, já aqui publicado:


Nota enviada, por mail, a pedido do editor L.G., com data de 28/4/2010


(i) Combati em Angola como Alferes (Lucusse e Ninda) e onde frequentei o curso de Comandos;

(ii) Regressei a Lamego onde fui instrutor de tropas Comando;


(iii) Parti para a Guiné em Setembro de 1970;

(iv) Fui instrutor da 1ª Comp Cmds Africana sobre combate de rua (Fá, Setembro/Outubro de 1970;

(v) Fui adjunto do COP 6 em Mansabá (estrada Mansabá-Farim) em Nov/Dez 70 e Janeiro de 71; 

(vi) Avancei no fim de Janeiro de 1971 para o comando da CCaç 2796,  em Gadamael,  quando da morte em combate do seu comandante, meu camarada de curso e amigo Capitão de Infantaria Assunção Silva;

(vii) Fiquei, a meu pedido, no comando desta companhia até ao final da comissão em Outubro de 72.

Regressado à Metrópole...

(viii) Fui Comandante da 1ª Companhia de Alunos da AM [, Academia Militar];

(ix) A partir de 1978, com interrupções para fazer tempo de comando, tempo de guarnição e cursos (no IAEM e EUA),   fui professor, na AM, de Tiro de Artilharia, Táctica de Artilharia, Geometria Descritiva e Investigação Operacional.

(x) A partir de 1991 mantive a cadeira de Inv Oper na AM e passei a colaborar com o Instituto Superior de Gestão onde regi a disciplina até 2005;

(xi) Por algum tempo, regi esta disciplina na Universidade Moderna e na UAL.
Eis, em síntese, a minha vida profissional e académica. Agora pago a promessa de fazer este trabalho, divirto-me a manter o meu site de Inv Operacional, em www.moraissilva.com, (esteve fechado por razões de saúde e começa agora a recuperar "freguesia"), apoio os filhos dos meus amigos e extasio-me a ver crescer um neto de 3 anos.
Morais da Silva


[ Revisão / fixação de texto: L.G.]
 ___________________



Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de  7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6687: Controvérsias (93): Nunca entendi a querela QP-Milicianos... O fim do serviço militar obrigatório foi um desastre nacional (Morais da Silva, Cor Art Ref)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6689: Notas de leitura (125): O Lince de Có, de António Veríssimo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2010:
Queridos amigos,
Não sei se a poesia popular em torno da guerra colonial é tema interessante para a silly season que se aproxima.
A remexer no livrinho “Lince de Có”, de António Veríssimo, maravilhado pelas espontaneidade daquela “Carta P’rá Família” senti que era urgente pôr à discussão este património silencioso, tantas vezes encarado com suspeição exactamente por se afirmar como poesia popular e nada mais.

Um abraço do
Mário


Qual o nosso dever de memória com os poetas populares da Guiné?

por Beja Santos


Em 17 de Julho de 2004 participei no encontro da CCaç 2402, a que pertenci entre Abril e Julho de 1968.
Em dada altura o António Veríssimo, com ar solene, avançou com o seu peso maciço para mim e disse-me: “Tenho aqui um livro de poesia em que falo da nossa Guiné. São coisas muito simples, a viagem no Uíge, as lembranças dos aerogramas, a morte do meu amigo Amorim, o tempo que passei em ponte do Maké, as minhas saudades, o meu hino aos veteranos de guerra, coisas assim. Espero que goste e depois me dê as suas impressões”.
Fiquei embatucado, disfarcei o embaraço começando a folhear aqueles dotes de poesia popular, a perfeita rima métrica e detive-me num poema muito singelo, afectuoso, sentiu-o quase como padrão da poesia popular de toda a nossa guerra, em qualquer das frentes:



Carta P´rá Família

Boa saúde a todos desejo
E que a vida vos corra bem
Eu não sei se mais vos vejo
Ou se pereço aqui, na terra de ninguém

Estou óptimo graças a Deus
Vou vivendo no meio da guerra
Esperando voltar para os meus
Para a paz da minha terra

Corre carta, corre carta
Sai daqui, vai embora
Leva a meus pais esta farta
Saudade que eu sinto agora

Voa carta, carta voa
Segue sempre em frente
E quando chegares a Lisboa
Vai ter com a minha gente

Segue carta o teu caminho
Leva beijinhos e saudades também
Diz lá no meu cantinho
Que aqui mal! eu estou bem.


Relendo esta poesia popular, questiono se há condições para a inventariar, como ela merece. No caso da literatura, ganho a convicção de que a recolha de depoimentos, artigos, histórias de unidades militares em edições de autor é aventura interminável. É como se houvesse deuses no Olimpo, escritores que ganharam notoriedade e inclusivamente são alvo de estudos literários; e houvesse uma literatura avulsa, de cordel, destinada a amigos, a partilhas entre pequenos grupos ou de devotos ou gente parecida, que acompanhou o nascimento dessas trovas populares. Se embaraçado fiquei quando recebi o “Lince de Có” do bondoso António Veríssimo, embaraçado me sinto quando me dirijo dentro da nossa sala de conversa a quem vive esta preocupação do inventário que faz parte do nosso dever de memória e aqui deixo uma achega para a discussão, incontornável: será que nos compete recolher todos os testemunhos como “Lince de Có”? Teremos condições para o fazer? É assunto do blogue, da pesquisa universitária, até mesmo das universidades seniores? Que se incendeie a conversa sobre a poesia popular em torno da guerra colonial.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6608: Notas de leitura (124): A Guerra de África, 1961-1974, Volume II, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6688: In Memoriam (47): Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo de Transmissões da CCS/BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73 (Filomena Sampaio)

 
1. Lembramos hoje o nosso camarada Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo de Transmissões da CCS/BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73, que faleceu em 16 de Fevereito de 2006.

O nosso camarada Sampaio, nascido em Guimarães no dia 25 de Março de 1949, embarcou para a Guiné, integrando o seu Batalhão, no dia 19 de Dezembro de 1970 no navio Carvalho Araújo.
 

Regressou a 6 de Janeiro de 1973, tendo chegado a Lisboa no dia 12. Viagem efectuada no navio Uige.



Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo da CCS/BCAÇ 3832, Mansoa 1971/73

2. Em 19 de  Maio de 2009, Filomena Sampaio, viúva do nosso camarada Sampaio, dirige-se pela primeira vez ao nosso Blogue*, tendo a partir dessa data sido uma atenta leitora das muitas coisas que se têm publicado na nossa página. Prova-o os seus constantes comentários e os postes por si assinados, apesar de dizer que não se acha com capacidade para intervir.

É de crer, não fosse a partida precoce do nosso camarada Sampaio para a outra dimensão, o teríamos como tertuliano, colaborante na feitura das nossas memórias, tendo como colaboradora a sua esposa.

Daqui saudamos a nossa amiga Filomena, fazendo votos para que continue a acompanhar-nos, e convidámo-la a mandar para o blogue algum espólio do marido, tal como fotos, passagens de aerogramas, etc. Será uma maneira de perpetuar a sua memória através do nosso sítio.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Maio de 2009 &gt ;Guiné 63/74 - P4375: Provedor do leitor (1): A liberalidade e as estações do nosso calvário (Filomena Sampaio)

Vd. último poste da série de 29 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6653: In Memoriam (46): Luís Zagallo de Matos, herói do Cuor (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6687: Controvérsias (93): Nunca entendi a querela QP-Milicianos... O fim do serviço militar obrigatório foi um desastre nacional (Morais da Silva, Cor Art Ref)



Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares, frente ao Convento de Mafra, e onde se integrava o nosso camarada e amigo Paulo Raposo, futuro Alf Mil, CCAÇ 2405 (Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70; Comandante: Cap Mil Inf José Miguel Novais Jerónimo).

Para Morais da Silva, o fim do serviço militar obrigatório foi um "desastre nacional".

Fonte: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, com pedido de publicação no blogue:

(i) No Post 6621 (*)  lê-se no [ponto 4]:

“(...) 3.3. A Milicianização da Guerra

Todavia, e não obstante esta factualidade, neste mesmo período existiam nas patentes de combate (Capitães, Tenentes e Alferes), 880 Oficiais das Armas Combatentes (Infantaria, Artilharia e Cavalaria) originários da Academia Militar, entre os quais 759 Capitães.”
Estes valores são referidos como constando da Lista de Antiguidades dos Oficiais QP do Exército de 1 de Janeiro de 1974.

Acontece que este número de 759 capitães está ERRADO (excesso de 179 capitães).

O número correcto é de 580 capitães (76% do valor antes referido),  como indiquei no meu estudo, a páginas 29.

Se dúvidas houver consulte-se a Lista de Antiguidades (LA) de 1974 cuidando de analisar a LA de 1975 como sempre se deve fazer para efeitos de stock (na LA de 1974, referida a 01Jan74, há 146 oficiais referidos como capitães que a LA de 1975 indica terem sido promovidos a Major com data de 01Jan74).

(ii) Ainda do mesmo Post 6621 transcreve-se o seguinte comentário [, ponto 1]:

“Aliás, basta ver a redução drástica do número de capitães do QP que comandaram companhias de combate, acentuado a partir de 1972, conforme os quadros expostos. Onde é que eles estavam nesse período?”Vejamos:

1970: 1100 capitães no stock (pg. 29 do meu estudo)

1970: 475 companhias de combate (reforço) nos 3 TO

1974: 580 capitães no stock (pg. 29 do meu estudo)

1974: 477 companhias de combate (reforço) nos 3 TO

Nestes 2 anos o número de companhias a comandar é praticamente o mesmo mas o stock de capitães, diminuiu 47%.

“Onde é que eles estavam nesse período?” Não estavam porque, simplesmente, o que não existe não pode estar em lugar algum.


(iii) Um derradeiro esclarecimento.

Nunca entendi a querela QP-Milicianos. Considero um desastre nacional o fim do exército de conscrição (miliciano) onde a juventude aprendia a servir e dar-se conta da obrigação de defesa da terra que herdou. Milicianos foram os soldados, sargentos e oficiais que comandei e com quem partilhei a difícil tarefa que a todos coube em África. Afrontá-los seria uma desonra. Diminuí-los seria uma desonestidade.

A bem da decência concluamos que todos e cada um fizeram o melhor que puderam sem nada pedir em troca.

À minoria que deste trilho se afastou, deixemo-la entregue ao seu egoísmo e pequenez.

António Carlos Morais da Silva

Cor Art
6Jul10

[ Revisão / fixação de texto / bold a cores: L.G.]
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6621: Controvérsias (88): A ruptura do stock de capitães do QP e a milicianização da guerra (A. Teixeira / J. Manuel Matos Dinis / Mário Pinto / Manuel Rebocho)

(**) Último poste desta série > 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6679: Controvérsias (92): A ficção e a guerra (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P6686: A minha CCAÇ 12 (5): Baptismo de fogo em farda nº 3, em Madina Xaquili, e os primeiros feridos graves: Sori Jau, Braima Bá, Uri Baldé... (Julho de 1969) (Luís Graça)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 Km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos do IN.







Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 >Nas proximidades da antiga tabanca de Padada >  Como refere o Fernando na sua série A Guerra Vista de Bafatá, na sequência do agravamento da situação no Cossé, em mados de Junho de 1969 fora destacado para Madina Xaquili, onde viveu "uma experiência verdadeiramente inesquecível". Madina Xaquili ficou-lhe para sempre no coração. Disse-me, há dias, em Monte Real, que teve imensa pena de não ter podido, por razões de transporte, voltar à antiga tabanca onde esteve destacado entre 12 e 24 de Junho de 1969, para uma visita de saudade...





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 > Nas prioximidades da antiga tabanca de Padada




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Uma pausa para retemperar as forças, entre Madina Xaquili e Padada. O Fernando está ao centro, tendo à sua esquerda o João Vieira, o comandante de milícias de Madina Xaquili (Pel Mil 147).





Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 &gt > Restos da  antiga tabanca de Padada.




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  Um dos abrigos da tabanca que era guarnecdia pelo Pelotão de Milícias 147... O Fernando dispunha  de 10 miliatres metropolitanos e 38 milícias, sem treino e mal armados... Madina Xaquili estava na iminência de ser atacada por um bigrupo do PAIGC, o que viria acontecer um mês depois. A 19 de Junho, recebe a visita do Cor Hélio Felgas, Comandante do Agrupamento de Bafatá (COP 7, a partir de Agosto de 1969), que lhe diz:  "Gouveia, só sai daqui quando a população civil tiver abrigos"...O Gouveia comenta, com condescendência: "Como já o conhecia muito bem, sabia que não iria ser bem assim, como mais tarde se verificou"...




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > Madina Xaquili >  Junho de 1969 >  A morança que foi destinada ao Fernando Gouveia.


Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Agrupamento de Bafatá, Bafatá, 1968/70) 
explica o porquê da sua ida intempestiva para aquela aldeia no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...).

Aproveitei para republicar, em formato extralargo,  algumas das belíssimas fotos tiradas pelo Fernando em Madina Xaquili e Padada. Com a devida vénia, e a recomendação  aos nossos leitores para voltarem a ler os postes do Fernando sobre a sua "inesquecível experiência" em Madina Xaquili, à frente de uma tropa fandanga... (LG)Fotos:  © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados
 
 
1. Continuação das mimhas notas sobre a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 onde, noutra encarnação (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) fui pião de nicas, pau para toda a obra, na ausência de posto de trabalho para um Furriel Miliciano, com a especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, a belíssima especialidade que me coube em sorte na tropa ...Na vida civil tinha sido jornalista... (LG)
 
 
A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590, composta por cerca de 50 quadros metropolitanos - oficiais, sargentos e praças especialistas - e por 100 soldados do recrutamento local, oriundos do chão fula) foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5).

Durante a sua primeira comissão (1969/71), irá actuar  sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulados do Enxalé e do  Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...) (*).

Ainda nem sequer haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 (ou melhor, a CCAÇ 2590)  fez a sua primeira saída para o mato. A 21 de Julho, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiram, de Bambadinca,  em farda nº 3,  para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o subsector de Galomaro, a sul de Bafatá. (**)

Entretanto, o 1º Gr Comb (comandado pelo Alf Mil Op Esp Moreira)  efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, no chamado Rio Geba Estreito, tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15 desse mês).

Este afluente do Rio Geba, o Gambana,  estava referenciado como um ponto de cambança ou de travessia do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 6 de Fevereiro último, no decurso da Op Mabecos Bravios] e visando especialmente as tabancas dos regulados de Cossé, Cabomba e Binafa.

Dias antes, o  IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé, donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas,  e reagido a uma emboscada das NT.



Pormenor do mapa geral (1/250000) da Província da Guiné (1961) com a posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde, Pel Mil 147), em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte estrada Bafatá-Gabu.  Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50000). Com a retirada de Béli, Madina do Boé e Cheche, passou a haver um corredor por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal.

Apesar do reforço temporário de tropas pára-quedistas ao subsector de Galomaro (a partir de Agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT em Outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura).  O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, donde eram originários os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em  finais de Setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1),  da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em Agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam  no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado  a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).

Imagem: Luís Graça (2010)


(i) Sori Jau, a primeira vítima em combate

Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.

O ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. Em consequência, esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos. [Mobilizada pelo BII 19, partiu para a Guiné em 11/11/1968 e regressou em 1/10/1970. Passou pelo Cacheu, Mansabá, Bafatá, Galomaro, Cancolim e Brá. Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho].

No primeiro ataque a Madina Xaquila, o IN utilizou Mort 60, Lança-rockets e Armas ligeiras, tendo danificado uma viatura GMC e causado vários feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º Gr Comb, evacuado no dia seguinte para o Hospital Militar 241, em Bissau.

A 25, os três Gr Comb da CCAÇ 12 regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Já não me lembro da reacção dos que tinham ficado... Por mim, senti que essa situação marcou muitos dos meus camaradas que lá foram (o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o António Marques, o Joaquim Fernandes, o José Luís de Sousa, etc.).

Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no subsector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).

No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, este aquartelamento seria flagelado com Canhão s/r e Mort 82 durante 10 minutos.

A 26, o 4º Gr Comb seguiu para Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba, a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf  Mil Beja Santos, uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do Rio Passa (limite a partir do qual começava a ZI - Zona de Intervenção do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas. Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).

Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada em Sinchã Mamajã, na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca.

(ii) Novo ataque, de 1 hora, a (e abandono, em Outubro, de) Madina Xaquili

Por outro lado, o 1º (Alf Moreira) e o 2º Gr Comb (Alf Carlão) seguiam para o subsector de Galomaro a fim de reforçar temporariamente Dulombi e Madina Xaquili.

A 28  de Julho, por volta das 22.30h , Madina Xaquili sofria um ataque de 1 e meia hora por parte dum grupo IN estimado em 60 elementos (bigrupo reforçado), tendo sido gravemente atingidos por estilhaços de Mort 82 os soldados do 2º Gr Comb Braima Bá (que ficará inoperacional, com incapacidade permanente) e Udi Baldé (que foi evacuado para o HMP, em Lisboa, passando posteriormente à disponibilidade com 35% de incapacidade física).

Na reacção ao ataque, o apontador de Mort 60 Mamadu Úri ficou com as mãos queimadas devido ao intenso ritmo de fogo que executou.

O ataque foi efectuado da diercção SW, e o retirou na direcção de Padada. A partir de Agosto, Madina Xaquili passaria à responsabilidade do COP 7, sediado em Bafatá, e, em Outubro, seria retirada pelas NT depois de totalmente abandonada pela população.

O nosso camarada, meu amigo e meu vizinho Humberto Reis, já aqui referiu as dramáticas circunstâncias em que conheceu o Jorge Félix, Alf Pil Heli Al III (1968/70)... em Madina Xaquili:

"O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69 (...) . Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.



"Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock" (...)

Uns dias antes, a 23, pelas 10h, em Dulombi, um grupo IN reagiu com armas automáticas a uma patrulha do 1º Gr Comb da CCAÇ 12 (Alf Moreira) que havia saído em virtude do accionamento duma mina antipessoal por parte dum elemento civil, a escassa distância do arame farpado, tendo simultaneamente flagelado o destacamento durante 10 minutos.

Neste mês de Julho de 1969, a actividade do IN no Sector L1 foi intensíssima com ataques ou flagelações a diversas subunidades, ou emboscadas nas imediações  (indicam-se a seguir as localidades e entre parênteses o dia): Dulombi  (1), Paia Numba (10), Padada 2E4 (14), Missirá (15), Cansamba (15), Madina Alage (15), Cansamba (20),  Dulombi (24), Mansambbo (24), Xime (24),  Madina Xaquili (24),  Quirafo (25), Xime (26), Mansambo (27), Madina Xaquili (28), Dulombi (29),  Mansambo (30) e Candamã (30)...

(iii) Ataque de duas horas a Candamã

E finalmente a 30, o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [, a subunidade de quadrícula de Mansambo, a que pertenciam alguns camaradas do blogue como o Torcato Mendonça e o Carlos Marques dos Santos] (Op Guita).

Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer. Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [2 bigrupos], armados de 2 Canhões  s/r, Mort 82, 3 Mort 60, LGFog, Metralhadora pesada 12.7, Granadas de Mão e Armas ligeiras automáticas, numa imnpressionante manifestação de força. valeu a coragem e a valentia do Pelotão da CART 2339 que guarnecia na altura Candamã...

Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.

Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN terá sofrido   várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de Canhão s/r e de RPG-2.

Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de consideráveis danos materiais (moranças queimadas, etc.).

O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.

A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará. Participei nesta operação. Ainda hoje tenho bem presente, na memória, o espectáculo desolador de Candamã, com as moranças a fumegar e os canos das espingaradas ainda quentes... naquela madrugada do dia 30 de Julho de1969...

Por outro lado, pergunto-me: o que é feito de ti, Sori Jau ? E de ti, Braima Bá ? E ainda de ti, Uri Baldé ? O que vos deu a Pátria Portuguesa em troca do vosso sangue, suor e lágrimas ?  Estarão ainda vivos ? Seguarmente abandonados e esquecidos... Alguns dirão, mais valera tal morte do que tal sorte... Nem sequer o vosso rosto consigo agora recordar... Apetece-me, por isso,  acabar este texto com uma citação do Mário Cláudio, no início do seu romance " Peregrinação de Barnabé das Índias" (Lisboa, D. Quixote, 1998, p. 11):

 "De ti se servem, ó morte, inimiga nossa, para alcançar a alegria, tu, que és a mãe do infortúnio; adversária da glória, ao serviço da glória é que te colocam; de ti se servem, porta do Inferno, para entrar no Reino; de ti, abismo da perda, para atingir a salvação" (De um documento cistercense do século XIII).

[Fonte consultada: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 6-8. Documento policopiado. Documento classificado, que foi escrito por mim, na altura Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf, Henriques.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior 25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)

(**) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia, um mês antes, em Junho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três  oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

(...) Escrevi no Poste P4305, o seguinte comentário, em 8 de Maio de 2009:

Meu caro Fernando: Não estive em Madina Xaquili. Nunca lá fui,  mas alguns dos meus camaradas (dois ou três Gr Comb), incluindo o Humberto Reis,  tiveram lá o seu baptismo de fogo!... Como já referi, os nossos soldados (africanos) acabavam de fazer a sua instrução de especialidade e a IAO, em Contuboel. Tivemos lá os primeiros feridos, dois ou três graves. 

Agora, sei do que falas (e do que experimentaste), quando fostes reforçar a tabanca em autodefesa de Madina Xaquili (vd. carta de Cansissé). Também passei várias temporadas (geralmente quinze dias), em tabancas do Corubal, de Badora, de Joladu (a norte do Geba)... E sei o que era o pesadelo dos dias e das noites, das dificuldades de transmissões, dos problemas logísticos, da disciplina das tropas, dos conflitos com os milícias, dos Comes & Bebes, do suplício da falta de bebibas frescas, etc...

Sei o que era o tédio, a tensão, a espera, a ameaça de ataque do PAIGC, a solidão, a claustrofobia, as minas e armadilhas, a miséria das populações (fulas), confinadas ao arame farpado, a promiscuidade sexual (dos meus soldados com as mulheres dos milícias), a condição das mulheres e das crianças, ...

Para nim, sobretudo era o pesadelo da noite, o calor de estufa das moranças, o odor execrável, os malditos mosquitos, a falta de luz para poder e escrever, o breu da noite africana, o inferno da noite africana, as chuvas torrenciais, as míriades de insectos, a falta de água potável, a falta de latrinas, os banhos à fula, etc. Durante o dia, ao menos, conversava com os habitantes, observava as suas actividades, procurava entender e perceber a sua cultura...

O facto de ter soldados africanos, fulas, tinha as suas vantagens e desvantagens... Mas, em geral, ir reforçar uma tabanca em autodefesa era visto como um prémio: durante esses quinze dias, pelo menos livravas-te da actividade operacional: eramos uma companhia de intervenção, ao serviço do comando do Sector L1... Tanto o BCAÇ 2852 (1968/70) como o BART 2917 (1970/72) exploraram-nos até ao tutano...

Um abração. Estou a seguir-te com muito interesse. Luís (...)