sexta-feira, 22 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

Guyiné > Zona Leste > Bafatá > Soldado africano ferido em combate > 1970 > "Estou a comandar a tropa africana de grande valentia, vivemos dentro de um mato muito cerrado perto do principal rio da Guiné, que é o Geba. Dentro em breve, vou fazer o primeiro ano da comissão que, confesso-te, tem sido muito dura mas sinto que vou sair daqui um homem muito diferente daquele que conheceste quando te dei instrução em S. Miguel", escreve o Beja Santos ao seu antigo instruendo açoriano, José Braga Chaves, colocado em Moçambique.

Foto: © João Varanda (2005). Direitos reservados. O João Varanda, de Coimbra, foi Fur Mil na CCAÇ 2636 (Có/Pelundo e Teixeira Pinto; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1969/71) .


51ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 30 de Maio de 2007.


Meu caro Luís, não é por perfeccionismo, o texto que vos enviei ontem tinha bastantes gralhas, os bloguistas merecem respeito. Falo aqui na Ópera Tosca e na 9ª Sinfonia de Beethoven. Quando almoçarmos (espero que em breve), levar-te-ei, gostava muito que estes discos aparecessem no blogue. Não tenho ideia do que possa ser uma boa ilustração para este episódio, para além dos livros que já seguiram ontem. Talvez Bafatá, talvez Missirá, à tua escolha. O próximo episódio refere-se ao Ieró Djaló, de que tu tens uma fotografia cedida pelo Luis Casanova, esse gigantão a brincar com crianças em Missirá. (...). Estou ansioso por ver os bilhetes postais que milagrosamente descobri e te enviei. Nada mais por ora e um abraço para os dos do Mário. Aproveito para te dizer que o tema de fundo que proponho para o nosso almoço é o I Volume da Operação Macaréu à Vista. Mário

Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

por Beja Santos


Para Filipe da Nazareth Fernandes

Querido Padrinho,

O seu valioso presente chegou a semana passada e não tenho palavras para lhe agradecer. Um pacote de livros da Portugália era mesmo o que eu estava a precisar. Já li Rumor Branco, de Almeida Faria e acabo de ler esta edição dos Contos do Oscar Wilde, primorosamente traduzidos pelo Cabral de Nascimento. O Padrinho já me tinha oferecido De Profundis e O Retrato de Dorian Gray que desapareceram na voragem do incêndio que tivemos aqui em Março passado. Estes contos, que só conhecia um ou dois, são uma verdadeira surpresa pelo jogo que o Wilde empresta ao discurso do adulto que retorna a infância. São contos de fadas, alegóricos a esse século XIX de tanta dureza industrial e, ao contrário de Dickens, Wilde socorre-se da ironia para falar da vilania e da insensibilidade dos ricos. Subtil e extremamente fino nas imagens, introduz moralidade naqueles que se excedem na ânsia de conhecer tudo sobre todos, o reizinho que vai ser coroado é odiado pelos súbditos devido a assumir a simplicidade e, como num milagre, Deus substitui os trajes humildes durante a coroação por vestidos muito belos.

A Portugália está de parabéns pela apresentação estética das suas edições e pela escolha dos tradutores. O Espectro de Canterville devia ser dado nas aulas de tradução Inglês/Português!

Fico muito contente sabendo que a Madrinha está de boa saúde bem como os vossos filhos.

A minha vida prossegue sem alterações: temos que patrulhar e montar vigilância todos os dias num local que fica a 12,5 Km do meu quartel, é um cansaço grande, às vezes percorremos esta caminhada com calor tórrido (a primeira vez vi árvores a bailar no ar julguei que estava a delirar, pensava que este fenómeno só acontecia nos desertos), outras vezes debaixo de tempestade (as chuvas tropicais desabam imprevistamente, parecem amostras do dilúvio universal) e situações há em que vivemos as 4 estações do ano numa só caminhada (por exemplo, saio debaixo de chuva de madrugada, irrompe o calor, secamos, volta a chover, andamos por terrenos pantanosos, aparece outra vez o sol, botas, meias e todo o fardamento parece que encarquilham, é um cheiro nauseabundo, agravado pelo suor que deixa branco o camuflado esverdeado). Às vezes, temos que fazer este percurso duas vezes por dia.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > 1968 > Pel Caç Nat 52 > "Tudo aqui é difícil, mando-lhe hoje uma fotografia da nossa padaria onde o soldado Jobo Baldé prepara a farinha dentro de uma caixa de munições de bazuca", escreve o Beja Santos em carta ao seu padrinho Filipe da Nazareth Fernandes.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Não lhe cheguei a dizer mas deixei em Lisboa, ainda sem publicação, as suas recordações acerca da ida do grupo de Pauliteiros de Cércio, pouco antes da Segunda Grande Guerra ter rebentado, que tinham ido exibir-se num espectáculo no Royal Albert Hall. Lembro-me muito bem dos aspectos picarescos do seu depoimento escrito, ficou na minha secretária em Lisboa. Tinham-lhe pedido na Casa de Portugal em Londres para o Padrinho acompanhar este grupo de pauliteiros que depois foi muito elogiado na imprensa britânica. O que eu nunca mais esqueci foi a caminhada dos pauliteiros no metro de Londres, vestidos a preceito, de bigodes farfalhudos e de garrafão na mão, com o acompanhamento da gaita de foles e paulitos, a exigir bacalhau com batatas antes da récita. Outro aspecto que guardei foi eles terem recusado fazer uma vénia para agradecer ao público - "O português não dobra a cerviz ao estrangeiro, agradecemos sempre com a cabeça bem levantada". Prometo-lhe que cuidarei destas impressões e do seu orgulho em ter andado com gente de Miranda do Douro no centro de Londres.

Ainda guardo uma esperança de poder ir de férias a Lisboa, tive dois dias de prisão, recorri do castigo que considero duro e desproporcionado a alguma negligência, que não sei se não existem em todos os quartéis. O Padrinho sabe que fui educado pela minha mãe na arrumação, nos valores do trabalho e nos princípios da disciplina. Este aquartelamento alberga muita população civil, a própria tropa é constituída por naturais, não é fácil, ainda por cima vivendo como vivemos com as maiores dificuldades, manter a ordem quando à volta do quartel, e mesmo dentro, há espaços com culturas de batata doce, tomate, beringela e couves, eles são rurais que entram e saem para ir buscar comida, trazer mangos e papaias, às vezes os meus soldados, que já eram caçadores, deslocam-se para o mato e levam civis e depois trazem porcos de mato ou gazelas.

Tudo aqui é difícil, mando-lhe hoje uma fotografia da nossa padaria onde o soldado Jobo Baldé prepara a farinha dentro de uma caixa de munições de bazuca. Os bidões de água, quando as viaturas estão empanadas, rolam pela estrada dois quilómetros até à fonte. Ao anoitecer, haja bom ou mau tempo, a iluminação do quartel é feita com petromaxes, pode imaginar o sobressalto em que vivemos, temos a promessa de um gerador eléctrico, tudo é arrancado a ferros, desde toalhas de mesa até caçarolas. Mas o pior de tudo é este clima que abala profundamente a saúde, tenho presentemente uma boa parte dos soldados doente, fazemos prodígios mandando os menos doentes para as emboscadas nocturnas à volta do quartel e os outros vão a Mato de Cão, que é o tal local por onde passam barcos militares e civis que trazem as tropas e os abastecimentos para esta região que se chama o Leste.

Não o incomodo mais com estes pormenores. Peço-lhe que diga à Madrinha o muito amor que lhe dedico, e se falar com o Jorge ele seguramente lhe falará da violência desta guerra já que ele foi oficial pára-quedista. Receba a gratidão do seu afilhado que nunca o esquece.


Para o José Braga Chaves, no SPM 4374

Meu estimado José Braga Chaves,

É bom receber cartas de um soldado e querido amigo mariense, ainda por cima com fotografia, em Moçambique. Imagina tu que com a tua carta veio a de um grande amigo meu que partiu há dias para a região de Cabo Delgado, onde creio que a guerra está muito acesa. Claro que me lembro muito de ti e do pelotão de marienses, e do Natal de 1967 que passámos juntos com uma grande festa nos Arrifes. Tenho muito orgulho em vocês e fico muito contente com os teus planos de ires viver com a Lúcia de Fátima na ilha de S. Miguel.

Já escrevi ao Dr. Furtado Lima, daqui da Guiné, e não deixei de lhe agradecer a operação que ele fez ao teu dedo indicador da mão direita. A guerra aqui é um pouco diferente da que tu me contas, não podemos fazer essas grandes viagens em colunas militares, 100Km aqui eram minas, emboscadas, o Inferno. Estou a comandar a tropa africana de grande valentia, vivemos dentro de um mato muito cerrado perto do principal rio da Guiné, que é o Geba. Dentro em breve, vou fazer o primeiro ano da comissão que, confesso-te, tem sido muito dura mas sinto que vou sair daqui um homem muito diferente daquele que conheceste quando te dei instrução em S. Miguel. Vamos manter o nosso contacto, diz à Lúcia de Fátima que vos desejo as melhores felicidades finda esta guerra onde estamos. Recebe a grande estima de um amigo que só te quer bem.


Para Angela Carlota Gonçalves Beja

Querida Mãezinha,

Chegaram os livros e não tenho palavras para lhe agradecer a sua atenção. A Manuela parece que consegue o transporte gratuito das toneladas de revista que nos manda através do Movimento Nacional Feminino. Fale, por favor, com ela, os livros e as revistas são sempre muito apreciados. Eu tinha encomendado a História da Novela Policial, de Fereydoun Hoveyda na Livraria Torrens, estava completamente esquecido de o ter feito, eu depois faço contas consigo.

Agora que acabei de ler o livro, lembro-me com saudade de certos livros seus que li com grande prazer desde as aventuras de Sherlock Holmes, de Conan Doyle, passando pelo Arsene Lupin, Comissário Maigret até às novelas de Edgar Allan Poe. Partilho da maior parte das opiniões deste autor, desde classificar de pedante Philo Vance de S. S. Van Dine até às considerações depreciativas sobre Simon Templair de Leslie Charteris.

A propósito, consegui em Bafatá, um verdadeiro achado de sorte, Os Crimes do Bispo, por S. S. Van Dine. Vance, na exibição da sua cultura chega a ser grotesco mas depois a natureza do problema, a originalidade de uma melodia infantil que é utilizada por uma mente doentia para assinalar os seus diferentes crimes, a escrita palpitante, por vezes tumultuosa, as pistas deliberadamente falseadas para lançar o leitor na completa incerteza e o gigantesco último acto onde Vance induz o assassino a uma forma de suicídio involuntário, tudo leva a que se leia esta narrativa poderosa com renovada satisfação, a despeito de se perder, na releitura, a curiosidade pela solução final. Vou levar estes livros para si.

Ainda bem que está melhor e que planeou as suas férias com o meu sobrinho nas termas de S. Pedro do Sul. Por aqui, estamos na época das chuvas, tenho muitos soldados doentes, estão a subtrair-me parte do efectivo, já pedi para me ir embora, é pura loucura termos um patrulhamento diário de 25 Km, emboscadas nocturnas, trabalhamos nas condições mais adversas na melhoria ou na conservação dos dois aquartelamentos, manter a segurança com máximo rigor durante 12 horas, ter sempre um efectivo no quartel na previsão de um ataque inimigo, dizem-me para ter paciência, podia ser muito pior, eu podia estar a ser atacado várias vezes ao dia, até já houve quem me dissesse que eu me devia dar por muito feliz, não tenho casos de suicídio, o número de mortos é reduzido e a loucura não se vê muito de perto...

Dentro de dias parto para Bissau, vou ser testemunha no julgamento de um soldado que adormeceu e deixou fugir um prisioneiro. Já escrevi ao Comandante Teixeira da Mota a informá-lo que eu o vou visitar. Logo que saiba exactamente a data, comunico-lha para marcarmos uma hora e eu telefonar-lhe.

Vou a Bafatá tratar dos documentos para o meu casamento. Agradeço-lhe do coração que compreenda que as minhas decisões estão tomadas e que já me basta o sofrimento que tenho na guerra. Rezo pelas suas melhoras, não me canso de louvar ao Senhor a benção de ser seu filho. Receba muitos beijinhos e a saudade de quem lhe deve a vida e tudo o mais.



Guiné > Rio Geba > A caminho de Bissau > 1968 ou 1969 > O Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69, num dos típicos barcos civis de transporte de pessoal e de mercadoria, que fazia a ligação Bissau-Bambadinca, passando poela temível Ponta Varela, na na confluêncioa do Rios Geva e Corubal e o assustador Mato Cão, no Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca. Estes barcos (alguns ligados a empresas comerciais, como a Casa Gouveia) tinham, como principal cliente a Manutenção Militar. Pelo Xime e por Bambadinca passava o "ventre da guerra" de toda a Zona Leste.
Foto: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados.


Guiné > Bissau > 19 de Abril de 1970 > Cristina Allen, com quem Beja Santos irá casar, no dia seguinte, em Bissau, sendo o David Payne e a esposa padrinhos de casamento. O Mário escrevia-lhe praticamente todos os dias detalhadíssimos aerogramas, contando-lhe o seu dia a dia de Missirá. A Cristina era estudante universitária finalista. Tirou férias para casar. Voltou para Lisboa, ao fimd e 20 dias. O Mário irá findar a sua comissão em Agosto de 12970. embarcando no Carvalho Araújo que levou 15 dias a chegar a Lisboa, "distribuinndo pelo caminho tropas e cadáveres"...

Legenda do Beja Santos: "A Cristina chegou a 18 de Abril e praticamente nunca saiu de Bissau a não ser umas curtas visitas a Safim, Nhacra e Quinhamel. Não podíamos, evidentemente, ir passear a quaisquer teatros de operações. Durante os praticamente 20 dias que ela aqui viveu, visitámos as amizades feitas em Bambadinca e Bissau e fomos recebidos regularmente pelo David Payne, Emílio Rosa e mulheres. Não resistíamos à curiosidade de andar pelos mercados, ver artesanato e pequenas festas locais. Muitas vezes, o Cherno acompanhou-nos, insistia que não havia pausas no seu papel de guarda-costas".

Foto e legenda: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Para Cristina Allen

Meu adorado amor,

Dentro em breve, já está confirmado, parto para Bissau para me apresentar no Tribunal Militar. Vou ser testemunha de defesa de um soldado da milícia de Missirá, Ieró Djaló, que adormeceu e deixou escapar o prisioneiro de Quebá Jilã.

Espero aproveitar esta viagem meteórica para tratar dos assuntos dos materiais de construção civil e do gerador, pois chegou uma informação a dizer que tinha sido deferido o pedido do gerador para Missirá. Tu não podes imaginar o que este gerador irá alterar para melhor a nossa segurança. Logo que anoitece , espalhamos por 6 pontos correspondentes à vigilância dos sentinelas petromaxes que são muito sensíveis às correntes de ar, apagam-se frequentemente, é um risco tremendo para quem lhes muda as camisas e os reacende, imagina que há rebeldes a ver, não pode haver melhor alvo humano! Espero igualmente encontrar-me com a Maria Luísa e o Pedro Abranches e o Comandante Teixeira da Mota, é tudo uma questão de ter tempo e eles estarem disponíveis. Logo que saiba a data, comunico-te para nos ouvirmos ao telefone nos correios de Bissau.

Estive em Bafatá (não sei se já te disse, mas se já disse repito) a tratar dos documentos. Houve momentos hilariantes, o secretário do administrador perguntava-me se eras da Província ou da Metrópole, queria saber se o casamento era com ou sem separação de bens e falou mesmo em convenção antenupcial. Depois disse-me quer era preciso uma certidão completa narrativa, uma certidão de baptismo (no caso de querermos casar religiosamente) e para irmos pensando se queremos o casamento com separação de bens.

Finda estas formalidades, fui comprar a 9ª Sinfonia de Beethoven interpretada pela Suisse Romande e dirigida por Ernest Ansermet e com 4 solistas de luxo: Joan Sutherland, Norma Proctor, Anton Dermotta e Arnold Van Mill. Mas acabei por perder a cabeça e comprei por 400 escudos uma versão fabulosa da Tosca, com a Callas, Tito Gobbi e Carlo Bergonzi. É impressionante a qualidade desta gravação, a intensidade dramática da Callas, o poder representativo de Gobbi que nos chega aos ouvidos, a coloratura de Bergonzi, que eu considero um dos maiores tenores verdianos de todos os tempos.

À saída do estabelecimento o Campino apresentou-me a mulher que ele comprou recentemente (sei que isto te faz muita confusão, mas uma rapariga aqui custa cerca de 2 vacas e alguns milhares de escudos, o que é muito curioso é a facilidade com que se podem divorciar as mulheres, tendo mesmo a liberdade de pedir o divórcio).

Sei que estás muito ocupada com as últimas frequências e parece que a Filosofia Contemporânea ficará para exame. Se em Bissau eu receber boas notícias quanto ao meu recurso, juro-te que nos casaremos em Lisboa. Mas continuo a hesitar quanto à possibilidade de dares aqui aulas e ficares torturada e sozinha em Bissau. Não tenho escondido no correio mais recente a dor que me provoca as cartas que vou recebendo da minha mãe e as tuas próprias queixas. É evidente que quem está na guerra sou eu, mas nunca supus este volume de tensões e como eles me desalentam.

Não te querendo trazer mais ansiedade, todos os patrulhamentos que fazemos diariamente a Mato de Cão são verdadeiros exercícios de ouvido à escuta, olhos à procura de minas e de emboscadas, haja calor, friagem, chuvas torrenciais, orvalho no capim, picadas inundadas ou enlameadas. Habituei-me a gostar do mundo que me rodeia, os cajueiros em flor, o porte gigantesco dos bissilões, as árvores do pau de sangue e pau preto. Habituei-me a achar natural as couves, as beringelas, o tomate, os mangais e as papaias, dentro e fora do quartel, como se esta fosse a ordem natural do mundo. Habituei-me ao capim alto de onde podem sair emboscadas, habituei-me a suspirar por Canturé com os seus laranjais de fruta ácida e limoeiros donde se avistam morros vistosos de baga-baga. Tiro partido da mata luxuriante a caminho do planalto de Mato de Cão, um dos locais mais lindos do mundo. Então, agradeço a Deus esta possibilidade de amar o que me foi oferecido, a devoção dos meus soldados, o estarmos vivos. Sim, estarmos vivos, embora enterrados neste sofrimento. E fico por aqui, exprimindo-te esta dor de te escrever para tão longe, sempre saudoso e sabendo que sou tão estimado por ti. Que todos os meus beijos atravessem rapidamente este oceano e cheguem hoje a Lisboa. Até amanhã.

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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa

Posts da série Operação Macaréu à Vista, de 39 a 27:


23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1600: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (38): Missirá, a Fénix renascida

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1578: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (37): O horror do Hospital Militar 241 e o grande incêndio de Missirá

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1577: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (36): Bissau, um grande teatro de luz e sombras

4 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1561: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (35): O Fado Hilário, em Mansambo, antes do internamento no Hospital Militar de Bissau

23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1531: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (33): O Sintex: A Marinha Mercante chega até Missirá

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1504: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (32): Aruma Sambu, o prisioneiro de Quebá Jilã

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas

25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas

10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias

Guiné 63/74 - P1869: Convívios (19): Os Gringos de Guileje, a açoriana CCAÇ 3477, encontram-se ao fim de 33 anos! (Amaro Samúdio)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) - Os Gringos de Guileje > Imagens de Guileje, que me chegaram sem legendas... (LG)

Fotos: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.


Mensagem do Amaro Samúdio (1):

Caro Luís Graça:

Em 19 de Maio do corrente ano Os Gringos, como se intitularam, encontraram-se em Montemor-O-Velho. Já lá vão 33 anos que não sabíamos de ninguém. Hoje cerca de 50 já sabem que não morremos. Dos diversos Distritos da Metrópole e dos Açores, de França, da Alemanha,dos EUA, estamos ligados.

Naturalmente temos tido algumas más notícias. São 33 anos. Sentí que devia falar desta estória. Dois camaradas no mesmo dia foram feridos. Com um estive a almoçar.Outro morreu.

Imaginas, certamente, quanto difícil foi escrever estes acontecimentos mas há alturas em que contar, transmitir, falar, faz bem.

Isto de falar, e ouvir falar, da Guiné está a mexer com quem por lá passou e também com a ideia de, passados 35 anos, encontrar amigos que connosco estiveram nas longínquas terras da Guiné, nomeadamente em Guileje. Tm as partes boas mas também as más.

Temia quando, com o Fernando Mendes e Amândio Pires, resolvemos pôr mãos há obra para encontrarmos e reunirmos a CCAÇ 3477, deparar-me com as duas situações.

Era norma as Companhias montarem e localizarem as minas e armadilhas montadas daí. Existia, empre que havia uma rendição, o tira umas e põe outras.

Com a previsível chegada de uma nova Companhia, a partir de 25 de Outubro de 1972, pelo que tenho anotado, começaram a levantar-se algumas minas e armadilhas. air para a mata era de facto o mais difícil não só pelo perigo mas também pelas muitas e muitas horas a andar, por trilhos, em corta mato, etc. etc.

A saída, no dia 8 de Novembro de 1972, ás 06.45, era para levantar armadilhas nas imediações do quartel. Era uma saída fácil.

Já tinham sido detonadas três armadilhas quando, sem qualquer aviso, há um rebentamento. O Amândio Pires, furriel de minas e armadilhas, tinha caído numa armadilha.

Estava a dar as duas injecções, obrigatórias naquelas situações, quando se ouve outro rebentamento. O enfermeiro Mário Azevedo tinha tomado a iniciativa de trazer uma maca, enganou-se no trilho e caiu noutra armadilha.

Foram ambos evacuados para Bissau. Ambos regressaram e tal como eu desembarcaram do Uíge em 22 de Dezembro de 1973.

Nesta odisseia de encontrar cerca de 60 Metropolitanos e 101 Açorianos sabia que iria ter muitas alegrias mas também algumas tristezas.

O Amândio Pires está bem e recomenda-se. Almoçámos juntos e a alegria do encontro, estampada nos nossos rostos, durou até ás 17.00 horas

O Mário Azevedo, passados dois anos de ter chegado da Guiné, teve um acidente de automóvel e faleceu.

Isto de tentar reunir, ao fim de 33 anos , os GRINGOS DE GUILEJE tem sido outra Guerra (2).


Os Gringos de Guileje juntos de novo ao fim de 33 anos


Um Abraço
A.Samúdio

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Notas de L.G.:

(1) Amaro Munhoz Samúdio foi 1º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Nov 1971/ Dez 73) , a companhia de açorianos que ficou conhecida como Os Gringos de Guileje: estiveram em Guileje entre Novembro de 1971 e Dezembro de 1972); foram a penúltima unidade de quadrícula de Guileje, sendo rendidos pela CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) - Piratas de Guileje, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-fur mil de operações especiais.

(2) Sobre os Gringos de Guileje, vd posts:

11 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1750: Com os Gringos de Guileje... em Nhacra (Herlander Simões)

8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1574: Uma estória dos Gringos de Guileje (CCAÇ 3477): Estás f..., pá! (Amaro Samúdio)

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1466: Mário Bravo, médico de Guileje (Amaro Munhoz Samúdio)

15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1431: Guileje: Quem (e quando) construiu os abrigos de cimento armado (Pepito / Nuno Rubim)

3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1334: Guileje: espectacular foto aérea de 1972 (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1293: Guileje: do chimpanzé-bébé aos abrigos à prova do 122 mm (Amaro Munhoz Samúdio, CCAÇ 3477)

14 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)

11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito)

Guiné 63/74 - P1868: Força Aérea Portuguesa: Cor Pil Av Moura Pinto, um grande comandante, um grande líder (Victor Barata)

Guiné > Bissalanca > Base Aérea nº 12 > Clube de Especialistas > 1973 > Festa de aniversário de um camarada da FAP > Principais convidados: o comandantes da Base, Cor Pil Av Moura Pinto (á esquerda) Ten Cor Pil Av Lemos Ferreira (à direita).

Foto: © Victor Barata (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de Victor Barata (ex-Especialista da Força Aérea Portuguesa, MELEC de Aviões e Instrumentos de Bordo, Bissalnaca, 1971/73). Vive em Vouzela, onde é empresário.


O Grande Comandante! (1)

Camaradas, há personagens na nossa vida que, pela sua conduta, actos praticados ou simples acções, nos marcam para sempre.

Obviamente que nem todos nós podemos compartilhar da mesma ideia, mas uma das virtudes do ser humano é saber respeitar-se mutuamente.

A foto que te envio recorda um aniversário no Clube de Especialistas, na Base Aérea nº 12, em Bissalanca, em que os convidados eram ao comandantes da Base, o da esquerda, Cor Pil Av Moura Pinto, o da direita , Ten Cor Pil Av Lemos Ferreira.

Pois bem,vou falar do Coronel Moura Pinto, como um verdadeiro líder, homem de poucas falas, sisudo,alto, magro com grandes qualidades humanas.

Isto passa-se no ano de 1973, quando entre Março e Abril, a nossa Força Aérea estava a perder Grandes Homens na frente de combate, companheiros do diaa dia que lutavam pela mesma causa que nós mas que o destino quis que partissem mais cedo: Ten Cor Pil Av Brito, Maj Pil Av Montovani e Furriéis Pil Av Baltazar e Ferreira (2).

A instabilidade estava instalada, o receio - principalmente em quem operava com aeronaves de pequenas velocidades - apoderou-se por se desconhecer o tipo de arma utilizada para abater os nossos aviões.

É nestas ocasiões que se distinguem os grandes COMANDANTES, o coronel Moura Pinto mandou reunir na sala de operações os 42 pilotos presentes na Base e, com a serenidade que lhe era virtude, foi dizendo (3):

Havia garantia de que a arma utilizada pelos guerrilheiros para abater as nossas aeronaves era um míssil. Em seguida afirmou ter duas certezas,uma fruto das suas convicções pessoais, outra, resultado da sua experiência como oficial.

A primeira era muito subjectiva e resumia-se numa frase: só é atingido pelo míssil quem tiver esse destino traçado. A segunda também se dizia em poucas palavras: ninguém pode ter medo do míssil, porque o piloto que vai voar com medo está mais vulnerável e acaba por ser atingido.

Depois para reforçar a sua argumentação linear, recordou o ditado latino:"A sorte protege os audazes". Estas afirmações no ambiente tenso que pairava na sala, tiveram um impacto extraordinário. Gerou-se uma descompressão colectiva, embora estivessem todos ainda apreensivos.

Faltava na sala o único piloto, furriel Santos, por se encontrar de serviço às operações. Nesse momento a porta do fundo da sala abriu-se e entrou o piloto em falta, pedindo licença para falar. Toda a assembleia virou a cabeça em sua direcção. O comandante Moura Pinto autorizou-o a falar. Com desenvoltura, o furriel Santos informou ter recebido um pedido de evacuação de feridos graves de um batalhão do Exército que tinha sido atacado. Vinha pedir instruções. Diz-lhe o Cor Moura Pinto:

-Responda que se vai fazer a evacuação. Mande preparar o helicóptero, quem vai fazer a evacuação sou eu.

Voltou-se para a assistência e perguntou:
- Meus senhores, quem quer colocar alguma questão? - Reinou o silêncio entre toda a gente.
- Se não têm perguntas, eu já disse tudo e, como há coisas mais importantes a fazer,vou-me embora. Foi fazer a evacuação.

O desfecho desta reunião teve um impacto fortíssimo no moral dos pilotos, o ânimo passou a falar mais alto, abafando os últimos resquícios do medo natural.

Descanse em paz, meu COMANDANTE!

Victor Barata
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Notas de L.G.:

(1) Há uma outra versão publicada em 17 de Junho de 2007 > Blogue do Victor Barata > Especialistas da Base Aérea 12 (Guiné, 1965/74)


(2) Vd. post de 21 de Junho de 2007 Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)

(3) Fonte: A Força Aérea na Guerra de África, de Luís Alves de Fraga, Coronel da FAP na reserva. Lisboa: Editora Prefácio. Vd. blogue Fio de Prumo, de Luís Alves de Fraga

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa)

1. Mensagem de Arnaldo Sousa, enviada em 31 de Maio último, ao nosso camarada Vitor Barata, com conhecimento ao editor do blogue:

Caro Vítor Barata (1):

Antes de mais um abraço pois estivemos na BA 12 na mesma altura, penso eu. Fui mecânico de Fiat G91, de 1973 a Agosto de 74, tendo dado assistência na linha da frente a alguns aviões que não regressaram, nomeadamente ao Ten Cor Almeida Brito, comandante do Grupo Operacional 1201, o qual fazia parelha com o Cap Pinto Ferreira.

Anexo uma lista onde constam todos os aviões abatidos no ex-ultramar por acidente ou combate . O avião de que falam, abatido em 68 foi em Julho (e não em Março), e a fonte é fidedigna, pois o blogue é escrito por ex-pilotos da FAP [Callsign AFP].

Nunca tinha entrado no site Luís Graça & Camaradas da Guiné, dei de caras com um ex-colega da FAP e BA12. Espero encontrar-te no sábado, 2 de Junho, na base de Monte Real no encontro anual da Associação de Especialistas da FAP (2).

Quanto ao site do Luís Graça & Camaradas da Guiné, penso que é um grande contributo para a história da guerra de África, e que terá de continuar a ser enrriquecida com todos os contributos possíveis. Espero que os contributos do pessoal da FAP tambem apareçam, pois as histórias existem e é preciso contá-las.

Um abraço para ti e também para o Luís Graça

Arnaldo Sousa

2. Comentário de L.G.: Obrigado, Arnaldo. Espero que voltes ao nosso convívio. Com o Victor passarias a ser o segundo representante da FAP na nossa tertúlia ou tabanca grande. Queremos conhecer melhor os camaradas que estiveram na FAP. Tu mesmo deves ter estórias para contar sobre a Guiné, vista do ar... Um abraço. Luís
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Blogue Callsign AFP (Informação sobre o passado e o presente da Força Aérea Portuguesa: pilotos, aeronaves, esquadras de voo e eventos históricos).


15 de Setembro de 2006 > Fiat G.91 - Aeronaves destruídas durante a Guerra do Ultramar (3)

Lista de aeronaves Fiat G.91 destruídas durante a Guerra do Ultramar, devido a acidentes ou em acções de combate :



Data: 22/02/1967

Piloto: Maj. Armando Augusto dos Santos Moreira (Comandante da Esq. 121)
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5407"
Causa: explosão prematura de uma bomba de 110 lbs.
(Esq. 121, Guiné)


O míssil SA-7. Fonte: Wikipedia
Data: 28/07/1968

Piloto: TCor. Francisco da Costa Gomes (Comandante do Grupo Operacional 1201)
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5411"
Causa: fogo antiaéreo de .50 polegadas (12.7 mm) disparado a partir da fronteira da Guiné-Conakry.
(Esq. 121, Guiné) (4)

Data: 15/03/1973

Piloto: Ten. Emílio José Lourenço †
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5429"
Causa: explosão prematura de bomba.
(Esq. 702, Moçambique)

Data: 25/03/1973

Piloto: Ten. Miguel Cassola Cardoso Pessoa
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5413"
Causa: abate por SAM-7 Grail.
(Esq. 121, Guiné)

Data: 28/03/1973

Piloto: TCor. José Fernando de Almeida Brito † (Comandante do Grupo Operacional 1201)
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5419"
Causa: abate por SAM-7 Grail.
(Esq. 121, Guiné)

Data: 01/09/1973

Piloto: Cap. Carlos Augusto Wanzeller
Aeronave: Fiat G.91R/4 "5416"
Causa: fogo antiaéreo de .50 polegadas (12.7mm).
(Esq. 121, Guiné)

Data: 04/10/1973

Piloto: Cap. Alberto R. Cruz
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5409"
Causa: fogo antiaéreo de .50 polegadas (12.7mm).
(Esq. 121, Guiné)

Data: 31/01/1974

Piloto: Ten. Victor Manuel Castro Gil
Aeronave: Fiat G.91 R/4 "5437"
Causa: abate por SAM-7 Grail.
(Esq. 121, Guiné)

† Pilotos que faleceram.

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Notas de L.G.:


(1) Posts do Victor Barata, ou sobre a FAP e a queda de aeronaves, em combate, na Guiné:

27 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1703: Álbum das Glórias (11): O autocarro da carreira Bissau/Bissalanca (Victor Barata)

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91

19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1661: Tertúlia: Notícias de Lafões, do Rui Ferreira, do Carlos Santos e da nossa gloriosa FAP (Victor Barata)

10 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLI: Ajudem-me a encontrar o tenente evacuado em 1973 do Corredor da Morte (Victor Barata)

9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIX: Victor Barata, MELEC da FAP (1971/73)


(2) Vd. post de 17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1765: Convívios (8): 30.º Almoço anual dos Especialistas da Força Aérea que estiveram na Guiné, 26 de Maio de 2007 (Victor Barata)


(3) Bold da minha responsabilidade. Das sete aeronaves Fiat G-91 perdidos na Guiné, seis foram abatidas pelo PAIGC mas só três o foram pelo fogo do SAM-7 Grail, o míssel terra-ar, de origem soviética, introduzido em 1973.

(4) Vd. posts de:

21 de Junho de 2007> Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

6 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1737: Confirmo que vi um de dois Fiat ser abatido, em 1968, quando fazia a cobertura de uma coluna para Gandembel (Zé Teixeira)

4 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1731: Não há registo, no Arquivo Histórico da FAP, de nenhuma areonave abatida no sul da Guiné em 28 de Março de 1968 (Victor Barata)

3 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1724: Em 1968 eu vi ser abatido um Fiat G.91 sob os céus de Gandembel (Zé Teixeira)

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1721: O primeiro Fiat G-91 foi abatido em 28 de Março de 1968 (Idálio Reis)

Guiné 63/74 - P1866: Álbum das Glórias (15): Adeus, Bissau (Humberto Reis)



Guiné > Bissau > Imagens de diferentes épocas: as primeiras duas de cima, são de Março de 1971, quando o Humberto Reis e a maior parte dos quadros metropolitanos da CCAÇ 12 (ex-CCAÇ 2590) - incluindo o editor do blogue - regressavam à Metrópole, no T/T Uíge... A terceira imagem é o Humberto, à civil (ainda com ar de periquito), no início da comissão (2º semestre de 1969), provavelmente tirada numa das escapadelas do Humberto a Bissau. Quem é que não se desenfiou, para ir a Bissau por uns dias (1) ? Quem é que não guarda saudades de Bissau, apesar de tudo ? ... No caso do Humberto que disse Adeus a Bissau, em Março de 1971, ele não deixaria de voltar ao local do crime, vinte e cinco anos anos depois, em 1996... Aqui o vemos, na última das fotos, frente ao mítico cais do Pijiguiti (ou Pdjiguiti, como se lê)... (LG).

Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do Humberto Reis, com data de 9 de Maio último:

Amigos Tertulianos:

Já passaram 36 anos mas recordo-me deste dia perfeitamente. Foi a 17 de Março de 1971 quando a bordo do UÍGE deixávamos Bissau para trás (1). E lá ia, connosco, o velho Patrulha para nos proteger até ao farol da ilha de Caió [, em frente à Ilha de Jeta, depois do Canal do Geba].

Quantos de vocês não passaram por esta alegria? Quase todos. Só os mais novos é que vieram por avião (gente fina é outra coisa).

Um abraço
Humberto Reis
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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1577: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (36): Bissau, um grande teatro de luz e sombras

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

10 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)

9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

Guiné 63/74 - P1865: Blogoterapia (22): Adelaide Gramunha Marques, tem aqui em Monção um amigo e um irmão (António Pinto)

1. Mensagem do nosso camarada António Pinto, enviada ontem a Adelaide Gramunha Marques:


Dª. Adelaide Crestejo:


Deixe-me tratá-la por minha Irmã Adelaide, porque se eu considerava o MARQUES (1) como meu Irmão e o meu melhor Amigo que tive na Guiné, considero não ser abuso fazer tal pedido.


Estou bastante emocionado pois, quando abri as mensagens ou vou ao blogue da Tertúlia, o que faço constantemente, vi uma mensagem desse grande Senhor, que se chama LUÍS GRAÇA (que já tive o privilégio de conhecer pessoalmente) cujo assunto se referia ao nosso Irmão, que sofregamente li e reli.


Ao ler veio-me à memória, já um bocado gasta, tanta coisa que, com certeza, não vou poder descrevê-las todas. Mas isto é sem dúvida um princípio.


Mal possa vou procurar no meu pequeno espólio de guerra e ver se encontro algumas fotos, para além das que eu já enviei para o blogue. No entanto com as várias mudanças de residência muita coisa se perdeu.


Hoje só quero mandar uma mensagem para a Adelaide saber que existe aqui em Monção ( sou de V. N. de Gaia, fiz toda a minha vida no Porto, mas depois de reformado, eu e minha Mulher, refugiámo-nos neste sossego) um Amigo, que gostaria imenso de a conhecer para falarmos e recordar esse grande Homem, que a maldita guerra, que fomos obrigados a fazer, ceifou duma maneira cruel.


Para já deixo aqui os meus contactos:


António de Figueiredo Pinto
Lugar da Cova
Valadares
Apartado 100
EC Monção
4950-909 Monção


Telefone fixo > 251 531 855
telemóvel > 911 029 056


e-mails: >
antoniopinto67@sapo.pt
ninhodavo@sapo.pt


Amanhã não prometo entrar em contacto pois tenho que fazer vários exames médicos, pois a idade (68) já não perdoa, mas breve voltarei.


Uma boa noite e um abraço do


Pinto


2. Comentário de L.G.:


Obrigado, António. São de grande nobreza as tuas palavras. Fico de algum modo feliz por o nosso blogue proporcionar momentos de solidariedade e grandeza humanas, como este. Ao mesmo tempo, é espantoso como, mais de 40 anos volvidos sobre os acontecimentos, tudo isto ainda mexe profundamente com as nossas emoções e os nossos sentimentos. À nossa amiga Adelaide, dirijo-lhe formalmente o convite para ficar na nossa Tabanca Grande o tempo que entender e precisar… Continuaremos a lutar pelo nosso direito à memória.


Mantenhas (como dizíamos lá na Guiné), para os dois.




3. Mensagem da Adelaide, enviada esta madrugada:


Meu caro amigo Luís, obrigada pelas suas palavras de conforto e pela rapidez com que me pôs em contacto com o Sr. António Pinto.


Vou tentar ainda hoje responder ao email que ele me enviou e que me deixou muito confortada pois vejo e sinto nas palavras dele que o meu irmão teve na Guiné se mais não foram, pelo menos UM grande amigo, UM irmão.


Pelo vosso trabalho um bem hajam e que Deus os acompanhe sempre assim como ás vossas familias.


O Luís diz que o Martinho já nos deixou há 42 anos e é verdade, mas para mim esse dia está tão presente na minha memória como se tivesse sido ontem.


A única diferença é que nos habituamos a viver com a ausência e a valorizar os momentos que tivemos de convivio como os mais preciosos deste mundo.


Obrigada meu caro amigo e bom trabalho para todos.


Adelaide G. M. Crestejo
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Nota de L.G.:


(1) Vd. post de 20 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Maio/Agosto de 1968 > A construção do aquartelamento de Gandembel requereu muitas canseiras envoltas em perigo permanente, para que se garantisse alguma segurança aos nosso homens, uma vez que eram alvo de inúmeros e consecutivos ataques inimigos.

Foto 309 > "A chegada dos 2 obuses... A chegada de armamento pesado, como metralhadoras e obuses, revelaram-se de enorme importância na defesa do aquartelamento

Foto 310 > "Os obuses devidamente apontados "

Foto 311 > "A água que fluía pelo Balana, tornava-se abundante. E assim, já se tornava possível usufruí-la com uma certa sofreguidão e contentamento... Na imagem, o posto das 'lavagens', que servia para lavar a roupa e para a higiene pessoal simples.

Foto 312 > "Outro posto, o dos duches. Em geral, a água era sujeita a aquecimento solar através do uso de garrafões de vidro de 10 litros".

Foto 313 > "Havia até direito para quem quisesse usar o banho de imersão"

Foto 314 > "Limpeza, com queimada das ramadas.... Os trabalhos de limpeza eram permanentes. No exterior, cada vez mais se procurava alargar a capacidade de visão"

Foto 315 > "Trabalhos de manutenção da parte interior... Havia sempre que realizar infra-estruturas de apoio, casos de um paiol bem fortificado, um armazém, e outras para um merecido descanso "

Foto 316 > "Na construção de uma arrecadação"

Foto 317 > "O hastear da bandeira em Gandembel... No simbolismo do hastear da bandeira nacional, a 27 de Junho, marcava-se um facto de enorme relevância, pois que considerávamos que as casernas já detinham as condições suficientes para lá nos alojarmos"

Foto 318 > "Eu próprio, envolto por 236 invólucros das granadas de RPG-7"

Foto 319 > "Spínola quis ver verificar os efeitos do grande ataque de 15 de Julho... E, apesar de tudo, fizemos gala em montar uma singela guarda de honra ao Comandante-Chefe"

Foto 320 > "E nestas acções, a aeronave trazia sempre algo. Desta vez, uns cunhetes de armamento que se descarregam, enquanto o ferido espera a oportunidade de ser levado até ao Hospital Militar"


Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.


VII Parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1). Texto enviado em 11 de Fevereiro de 2007.Continuação.


Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança.


27 de Junho de 1968: O simbólico hastear da bandeira


E com as casernas a serem consideradas como terminadas, uma das grandes preocupações da Companhia chegava ao fim, e o próprio quartel de Gandembel já apresentava todas as características de uma razoável fortificação de campanha.

Para testemunhar este feito, a 27 de Junho, fez-se hastear a bandeira nacional, com o respeito, a dignidade e a solenidade merecidos, e a partir daquele data, sempre drapejou num cuidado mastro. E já que me refiro a este símbolo, um outro exemplo que retrata o que só em Gandembel poderia acontecer: o estandarte da Companhia, que estava arrumado na secretaria, a funcionar numa tenda de campanha, viria a ser muito esfarrapado por acção de estilhaços de rockets, e assim chegou à nossa unidade mobilizadora, o Regimento de Infantaria 15, em Tomar.

15 de Julho de 1968: ataque, de meia-hora, às duas da madrugada; um morto e uma dezena de feridos evacuados para Bissau


O PAIGC, nas suas escaramuças quotidianas, procurava tomar conhecimento do nosso modo de reacção. A não ser alguma flagelação de armamento ligeiro, com os guerrilheiros mais próximos, a contra-resposta era pronta e denotava alguma firmeza e intensidade, pondo a funcionar todo o arsenal bélico disponível. Porém, já tomávamos uma atitude mais contida quanto aos ataques de morteiros, não dando grande utilização aos 2 morteiros 81, nem aos 2 obuses que já tinham sido devidamente posicionados. Todavia, a 15 de Julho, cerca das 2 horas da madrugada, desencadeia-se um intenso ataque ao aquartelamento, mesmo junto ao arame farpado, e com uma duração superior a meia hora.

O inimigo dispõe o seu efectivo paralelamente à estrada, com a instrução plena do modo de actuação de cada. Vinha fortemente apostado em fazer rombo, mesmo intuído do propósito de assalto, quer pela intenção de destruir as 2 casernas-abrigo que lhe eram frontais, quer no rompimento de uma abertura nas fiadas do arame.

Esse efectivo devia ser bastante poderoso, atendendo aos fortes quantitativos de armamento ligeiro empregues, com especial ênfase na utilização das metralhadoras ligeiras e dos famigerados RPG-7, em que deixou 236 invólucros, como de milhares de munições das metralhadoras. Antes, a bateria de morteiros, fez detonar mais de 3 centenas de granadas.

Da incomensurável refrega, uma destas casernas cede parcialmente aos impactos que nela incidiram, e do resultado das deflagrações, um conjunto infindo de estilhaços entra no interior da mesma, provocando 1 morto e mais de uma dezena de feridos, dos quais 6 seriam evacuados para Bissau, ainda que 2 deles em mau estado, e que seriam enviados para Lisboa.

O morto, foi o alferes José Araújo, do Pelotão de Nativos, recém-chegado apenas há 12 dias. Lembro esta data, de má memória, com a emoção própria dos que a viveram muito intensamente, dado o comportamento gigante de alguns elementos da Companhia que, ao saírem das suas casernas e sem qualquer protecção, como os homens dos lança-granadas e dos morteiros 60, ripostaram de tal modo, que calaram o inimigo e lhe frustraram os seus intentos. E o apontador daquela Browning, mesmo em frente ao inimigo.

Heróis em causa própria, homens que perante o perigo, pareciam transformar-se, ao mostrarem o seu denodo e estoicismo, e que se agigantavam de modos tão distintos: os que denotavam uma frieza de comportamento invulgar, outros que pareciam exultar quando lhe aparecia uma situação para aliviarem ódios acumulados.


Uma derrota para Nino Vieira


A seu modo, cada um fazia libertar as suas pulsões conflituais. E, passados os momentos de turbulência, tudo serenava e cada um como que se recolhia, quem sabe, procurando ler a sua desgraçada sina. Quantos momentos de silêncio, em busca de uma resposta vinda não sei donde, mas os sentimentos preferiam toldar-se, e então ficávamos mais suspensos nos pensamentos tresvariados.

Na altura, afirmou-se que este ataque tinha sido o maior de todos que alguma vez o PAIGC desencadeara. Em resultado dos indícios que deixou no terreno, inúmeros e bem visíveis, e como sua testemunha, não tenho grandes dúvidas que se retirou com pesadas baixas. O objectivo perpetrado não foi concretizado. Saldou-se num malogro.

Creio mesmo que Nino Vieira perdera a sua maior aposta desde sempre, fracassando rotundamente, e não conseguindo minimamente viabilizar os seus velados interesses, sai vergastado ao peso da derrota, e humilhado pelo desmoronamento da sua estratégia de crença, tudo indicia que se retira da zona.


15 de Julho de 1968: o ataque mais aterrador


Mas o PAIGC continuou, mesmo assim, bastante empenhado na zona, tanto que Gandembel, viria posteriormente a ser sujeito a outros ataques de grande violência, mas o de 15 de Julho, foi de longe o mais aterrador, jamais esquecido pelos que o viveram. Julgo que o PAIGC se apercebeu de vez, que tinha no interior de um pequeno aquartelamento, um conjunto de homens atentos e de têmpera rija, e prontos a não admitirem ousadias deste jaez.

Passados apenas 3 dias, Spínola aterra de novo em Gandembel. Prestámos-lhe uma singela guarda de honra, e sinto nos seus olhos alguma comoção, ao pedir para a findar. Quer tomar conhecimento in situ do que tinha acontecido, e o grupo que o secunda sobe para o tecto da caserna-abrigo que tinha sido alvo dos impactos dos rockets. Passado pouco tempo, quando lhe estavam a ser referenciadas as posições que o inimigo assumira no ataque, eclodem algumas granadas de morteiro 82, ainda que bem fora do arame farpado.


Spínola estatelado no chão de Gandembel


Os militares que estavam com ele, saltam do cimo do abrigo (2,5 a 3 metros) para procurarem refúgio. Torna-se óbvio que Spínola é o que encontra mais dificuldades, e no seu salto para o solo, estatela-se, criando uma situação pouco abonatória para a sua condição de Comandante-Chefe.

Embora não denotando qualquer incómodo, julgo que este incidente representou o início de um julgamento que tinha de rever consigo mesmo, quanto ao destino a reservar para Gandembel. E com os seus acompanhantes, o helicóptero descola rumo a um outro destino.

A intensa movimentação do PAIGC, com um contingente dotado de uma enorme experiência, altamente fortalecido com armamento muito mais evoluído e eficaz, naturalmente que teria de preocupar Spínola, já que o desenrolar das situações com que éramos assiduamente confrontados, poderia até levar ao desastre total, que teria de evitar a todo o custo.

Também não poderia subestimar o estado anímico das tropas, que pareciam estar cerceadas, como que abandonadas a si mesmas. Aqui me parece, que Spínola olhou bem de frente para essa gente, e não lhe foi difícil reconhecer que havia ali um punhado de homens numa tenaz luta de sobrevivência, e saíra cabisbaixo como que denotando uma grande apreensão.

Julguei, então, que Spínola iria gizar do modo que julgava como decisivo, todo um plano táctico fiável e consequente, tendente a minimizar esta situação. Fá-lo-á?


19 de Julho de 1968: uma roquetada destrói o forno, ficando o pessoal 3 semanas sem pão(!)


Muito certamente tomara conhecimento que uma rocketada destruíra mais uma vez o forno num ataque a 19 de Junho, e ficámos durante cerca de 3 semanas, sem pão, qualquer tipo de carne ou peixe exceptuando dobrada desidratada e chouriço.

Enganava-se a fome, na base de apenas rações de combate, arroz, batata desidratada, café, marmelada, chouriço, feijão. As ementas pouco variavam, onde a bianda cabia sempre, e até a marmelada a acompanhou.

Também dificilmente chegavam bebidas e em especial a desejada cerveja; mas, mesmo esta, a existir muito espaçadamente, era ingerida à temperatura ambiente, pois que só havia 2 frigoríficos, um para a cozinha e outro no posto de enfermagem.


28 de Julho de 1968: é abatido um dos Fiat G-91 que bombardeavam Salancur



Mas já há muito tempo, e quase todos os dias, pela tarde, vinham 2 Fiats G-91 a descarregarem bombas sobre a zona de Salancaur, de que se dizia terem abrigos inexpugnáveis. E destas tentativas intimidantes da aviação militar, surge a 28 de Julho mais um dos casos inesperados, e que seria o primeiro a acontecer na Província nestas circunstâncias.

Neste dia, parte da Companhia tinha ido montar protecção a uma coluna de reabastecimentos, de modo que em Gandembel restavam apenas 2 grupos − o meu e o do Pelotão de Caçadores Nativos.

Ouve-se, vindo de longe e dos lados da fronteira, uns estampidos de metralhadora pesada. E passados alguns momentos, um soldado chama-me a atenção que se notava uma chama na cauda de um dos Fiats. Prontamente, via rádio, deu-se conhecimento ao piloto. E vejo nos céus, o avião a fazer uma curva acentuada, direccionando-se para o lado da fronteira. E quando a aeronave, já com chamas bem visíveis, passava sobre Gandembel, distingue-se um pára-quedas que se ejecta do mesmo, e que vem a cair cerca de 3 a 4 centenas de metros a sul do aquartelamento, com o Fiat a despedaçar-se em parte incerta, mas muito próximo da fronteira. Um documento oficial, refere que o piloto era um tenente-coronel, de nome Costa Campos.

Aparentemente, o local da queda, não oferecia perigos para o seu resgate, desde que se conhecessem os locais das armadilhas em volta do arame farpado.

Procurei de imediato arranjar um grupo com metade dos efectivos disponíveis, e então fomos ao encontro do piloto. Escondido num arbusto, estava o homem sem distinção da sua patente, e despojado da sua pistola de cintura [mais tarde foi encontrada, e julgo que era uma Walther].
Já vínhamos a caminho do aquartelamento, e algumas aeronaves com helicópteros e T-6 o sobrevoava, pelo que, franqueada a entrada, logo um dos helicópteros aterrava para o levar rumo a Bissau.


Perícia e sangue-frio do piloto do Fiat abatido

O abate desta aeronave teve uma certa repercussão a nível da Província, e muito certamente reforçou os ânimos dos combatentes locais do PAIGC. Contudo, não deixarei de notar, que a probabilidade de uma bala anti-aérea, em acertar num desses supersónicos Fiats, era ínfima. Mas, o que é inegável, é que o avião se perdeu, e a perícia do piloto também foi notável para a integridade da sua própria pessoa, pois se tivesse caído em local fora do nosso horizonte de referência (não mais de 2 Km), não dispunha de condições para ir à sua procura. E muito provavelmente, o piloto seria capturado pelo inimigo.


4 de Agosto de 1968: 4 mortos e 2 feridos graves, numa coluna logística


Sempre esta dualidade da sorte e do azar, que nos espreitava na leveza de cada duro momento. E eis que desponta o malfadado dia 4 de Agosto, da forma mais aziaga para a Companhia, como resultado de uma famigerada coluna provinda de Aldeia Formosa, e que reportarei no capítulo das colunas de reabastecimento.

A Companhia perde por morte num único dia, 4 dos seus elementos: o furriel Abel Simões, de Carapêtos, concelho de Montemor-o-Velho; dos soldados António Moreira e Eduardo Pacheco, ambos do concelho de Paços de Ferreira e respectivamente das freguesias de Seroa e Frazão, e de Manuel Pacheco, de Lousa, concelho de Castelo Branco. Há também mais 2 feridos graves, com evacuação para Lisboa.

E este dia, o mais funesto de todos, delimita este meu segundo capítulo sobre o pesadelo de Gandembel/Ponte Balana.

E Changue-Iaia, que há uma quinzena antes, já nos tinha roubado a presença do alferes Francisco Trindade, gravemente ferido nos membros inferiores pelo accionamento de uma mina anti-pessoal, ficaria a perdurar muito tempo em cada um de nós, e aqui, muito contundentemente criou-se um clima de vazio e de insegurança, a deixar chagas profundas e traumáticas, muitas das quais se mostravam renitentes em sarar. E os dias sequentes, mostram um conjunto de homens em desespero, à beira da queda no precipício.

E neste mesmo dia, Spínola lançou a única oportunidade que lhe restava, onde poderia colher resultados positivos, e que só passaria pela vinda de tropa de elite para entrar mata adentro, de forma a domar o inimigo. Era urgente haver tropa operacional, que muito para além do arame farpado de Gandembel, fosse à sua procura e o enfrentasse, coarctando-lhe os seus intentos, as suas veleidades.

Mas já tinha passado tanto tempo, que não se perspectivava ser muito fácil pôr em prática esta estratégia, pelo que haveria que, doravante, se obter um melhor apoio logístico, em especial na componente alimentar, a fim de Gandembel se transfigurar e de conseguir maior sossego.
Mas, tal estratégia viria a ter resultados positivos?

E para todos vocês, um até breve.


Um abraço do Idálio Reis.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. último post da série > 23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

Guiné 63/74 - P1863: Convívios (18): Como a cidade que nos acolheu, foi nobre a confraternização da CCAÇ 2317, Os Gandembelenses (Idálio Reis)

Porto > 9 de Junho de 2007 > Confraternização da CCAÇ 2317, os Gandembelenses. Visita ao Museu Militar do Porto, pela mão do nosso camarada A. Marques Lopes, dirigente da Associação 25 de Abril - Delegação Norte.

Porto > 9 de Junho de 2007 > Confraternização da CCAÇ 2317, os Gandembelenses. Almoço de convívio: aspecto geral. Este ano vieram mais seis (!), incluindo o João Franco e o Fernando Oliveira, naturais de Vila Praia de Âncora, que vieram e regressaram de comboio. Uma grande alegria para o Idálio Reis (em primeiro plano, na imagem)

Fotos: © Idálio Reis / M. Almeida (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do Idálio Reis (1), com data de 10 de Junho de 2007:

Meu caro Luís:

Junto a esse velho casario do Carlos Tê/Rui Veloso, mais uma vez nos reunimos em sólida e franca jornada de camaradagem, num grande encontro de convívio. A ele, se dignaram juntar o A. Marques Lopes, da CART 1690, e o José Teixeira, da CCAÇ 2381. Este para reencontrar vivências de um passado partilhado, de calcorrear trilhos de um chão comum, tão traiçoeiro; o nosso tertuliano Marques Lopes, porque para além de diligenciar que o Museu Militar do Porto nos franqueasse as suas portas para uma visita guiada, quis conhecer-nos de perto e ouvir as nossas estórias, em que os ânimos mais se esbraseiam com as recordações a jorrarem em catadupa, pois que teimosamente não pretendem ser sumidas.

Como sempre, há os que persistem numa presença assídua; outréns, que deixaram o espaço por preencher, devido a razões de força maior. Também há, infelizmente, os que jamais aparecem, e aqui se aglutinam motivos da mais variada índole. Alguns, dolorosamente, não lhes sabemos do paradeiro.

Contudo, das indagações a que me propus encetar nestes últimos tempos, apareceram mais 6. São momentos de rara felicidade e contentamento, rever estes companheiros após uma larga delonga de quarenta anos.

Dentre estes, esteve o ex-cabo Fernando Oliveira, de um lugar da freguesia de Vila Praia de Âncora. A vida deste homem, de há tempos a esta parte, não lhe tem sido fácil, mercê de um conjunto de vicissitudes de ordem familiar. Feridas difíceis de superar, e ele não foi suficientemente forte para vencer tais contrariedades da melhor forma, pois de repente começou a entrar no abuso desregrado da bebida que perturba tão perniciosamente e que fatalmente degenera no vício.

Tive o privilégio de encontrar um seu conterrâneo, este morador na sede da Freguesia e que viveu as peripécias da campanha da Índia, que após me confirmar do paradeiro do Oliveira, se veio a tornar o seu principal apoio e que me vem referindo que aquele guerrilheiro de rija têmpera, começa a dar indícios de uma franca melhoria na sua conduta do dia-a-dia.

No sábado, um cidadão de nome João Elias Domingues Franco, aparece-me no restaurante com o Fernando Oliveira, vindos ao Porto por via ferroviária. Silente, fechei os olhos por breves instantes, sustendo a forte emoção do momento, inigualável. A presença ali daqueles 2 conterrâneos, era o testemunho duma ilimitada amizade.
Almoçaram connosco, mas às 15 horas tiveram que se retirar para apanhar o comboio até Vila Praia de Âncora.

Também eu conquistei, em definitivo, uma relação de grande afecto e estima, por um grande homem de corpo e alma, inteiro. Bem-haja, amigo João Franco, por esta maravilhosa missão de auxílio, desinteressada e altruísta, profundamente humanitária que vem tendo com este meu ex-companheiro. Muito grato por tudo.

Um cordial abraço à Tertúlia do

Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317
BCAÇ 2835
Gandembel e Ponte Balana (1968/69)

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1862: 42 anos depois, com emoção e revolta, sei das circunstâncias horríveis em que morreu o meu irmão... (Adelaide Gramunha Marques)

Guiné > Zona Leste > Pirada > "O meu grande Amigo Gramunha Marques", nas palavras do António Pinto... Poucos dias antes de morrer, em Madina do Boé, heroicamente, em grande sofrimento...


Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).


Guiné > Zona Leste > Madina do Boé > 1966 > Vista aérea do aquartelamento (1966). Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja de Jorge Monteiro (ex-capitão miliciano da CCAÇ 1416, Madina do Boé, 1965/67) ou de Manuel Domingues, nosso tertuliano, ex-alf mil da CCS/BCAÇ 1856, Nova Lamego, 1965/66 (autor do livro: Uma campanha na Guiné, 1965/67).


1. Mensagem de Adelaide Gramunha Marques:

Exmo. Senhor Dr. Luis Graça

Estou a escrever-lhe porque através de um dos meus sobrinhos (1) veio parar-me às mãos um blogue que fala da Guiné, daqueles que por força do destino ou da cegueira de um homem, se viram envolvidos em lutas que não provocaram e cujo desfecho final nem sempre foi o mais agradável.

Deixe que me apresente primeiro: o meu nome é Maria Adelaide Gramunha Marques Sales Crestejo, irmã do falecido Martinho Gramunha Marques (2).

Quero que saiba que a minha primeira reacção quando vi o blogue, foi de expectativa pois fiquei entusiasmada com a ideia de que aqui podia finalmente encontrar alguém, que durante aquele período de tempo em que ele esteve na Guiné (3), conviveu com ele, quem sabe assistiu aos seus últimos momentos, o confortou, lhe deu apoio enfim, não o deixou morrer sozinho (2).

Quando vi a mensagem do Sr. António Pinto e vi o nome do meu irmão ali escrito com todas as letras, nem parei para pensar e foi então que um murro me atingiu em cheio o estômago, a cabeça começou a girar e as lágrimas não paravam de brotar dos meus olhos.

Ali à minha frente estava aquilo que durante anos e anos eu tentei saber e nunca tive ninguém que mo dissesse. Como foi a morte do Martinho Gramunha Marques ? O meu coração pedia a Deus que tivesse sido rápido, que ele não tenha sofrido.

Agora sei que isso não foi assim. Agora que já passaram 2 dias desde que tive conhecimento da vossa existência, e tendo lido com mais calma alguns dos comentários e narrativas, acho que foi bom, esta revelação aproximou-me mais dele.

Há no entanto tanta coisa que eu gostaria de saber, por essa razão lhe escrevo este email, pois gostaria se isso fosse possível, entrar em contacto directo com o Sr. António Pinto (4), seja através de telefone ou email.

Dr. Luis Graça, não quero terminar este email sem antes mandar para si e para todos os que de uma maneira ou doutra tornaram este cantinho uma realidade, um BEM HAJAM e as maiores felicidades.

Adelaide Gramunha Marques


2. Comentário de editor do blogue:

Querida senhora, cara amiga: Deixemos as deferências. Deixe-me ser solidário na sua dor e na sua revolta. Deixe-me que lhe fale do meu próprio espanto. O seu irmão morreu há mais de 42 anos, no dia 30 de Janeiro de 1965, em Madina do Boé (de má memória para muitas famílias portuguesas) e, tanto quanto sei, está sepultado no cemitério de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira, distrito de Portalegre.

Mas a família nunca soube as circunstâncias da morte do Martinho. Vem a sabê-lo, há dias, casualmente, impessoalmente, através da blogosfera, através do do relato de um camarada e grande amigo do seu tempo de Guiné, o ex-Alf Mil António Pinto...

É triste que as coisas tenham acontecido assim. É revoltante que o Exército, na época, não tenha conseguido sequer humanizar a notícia da morte dos seus homens. Percebo hoje a sua revolta, que é também a nossa. Resta-nos a consolação de termos contribuído um pouco - todos nós, a começar pelo António Pinto - para que você, irmã do nosso camarada Martinho Gramunha Marques, e os seus familiares mais próximos, consigam finalmente fazer o luto e preservar o melhor da sua memória... Através do nosso blogue, através do pungente relato do seu amigo e camarada António Pinto, o Gramunha Marques não será esquecido... Vou pedir ao António que entre rapidamente em contacto consigo: ele vive hoje em Monção (email> antoniopinto67@sapo.pt ).

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche

(...) Comentário do Bernardo: "Boas, sou sobrinho do Martinho Gramunha Marques (que nunca conheci) e qual não foi o meu espanto quando encontrei estas breves histórias em que ele participou e não conhecia. Foi uma surpresa agradável.Cumprimentos,Bernardo Gramunha Marques" (...).

(2) Sobre a morte do Alf Mil Gramunha Marques, vd. post de 17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido


(...) "(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.

"Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.

"Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).

"Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.

"Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim" (...).


(3) Segundo pesquisas feitas pelo nosso camarada José Martins, o Martinho Gramunha Marques, Alferes Miliciano Comando, natural de Cabeço de Vide / Fronteira, inumado no cemitério de Cabeço de Vide, tombou em Madina do Boé em 30 de Janeiro de 1965. Pertencia à 3ª Companhia de Caçadores Indígenas.

Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

Sobre a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, o José Martins coligiu mais os seguintes elementos informativos:

"Esta unidade foi constituída em 1 de Fevereiro de 1961, como unidade da guarnição normal do CTIG, formada por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, iniciando a sua formação adstrita à 1ª CCAÇ I.

"Em 1 de Agosto de 1961, com a constituição de dois pelotões, substitui a 1ª CCAÇ I na guarnição de Nova Lamego. Desloca elementos para guarnição de várias localidades do Sector Leste, por períodos e constituição variáveis, sendo de destacar as localidades de Che-Che, Béli e Madina do Boé. Passou a guarnecer, em permanência as localidades de Béli e Madina do Boé instalando, em 6 de Maio de 1963, um pelotão em cada localidade.

"Em 1 de Abril de 1967 passa a designar-se por Companhia de Caçadores nº 5".

Vd. post de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

(4) Sobre o António Pinto e as unidades a que pertenceu, vd. posts:

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

Guiné 63/74 - P1861: Homenagem ao meu tio, Alf Mil Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, do BART 1896 / CART 1612 (Nelson Domingues)

Guiné > Guileje > BART 1896 > CART 1612 (1967/69) > O Alf Mil de Minas e Armadilhas, Manuel Sobreiro, natural de Leiria, morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968.

Alguém se lembra dele e das circunstâncias em que morreu ? O Manuel de Jesus Rodrigues Sobreiro, natural de Riba de Aves, Souto da Carpalhosa, Leiria, era amigo e conterrâneo do nosso infortunado José Neto (1929-2007), pertencendo ao mesmo batalhão (BART 1896)


Fonte: Nelson Domingues > Blogue > As Verdades do Sobreirito(2007). (com a devida vénia...).


1. Mensagem de Nelson Domingues:

Boa noite,

Espero que se encontre de óptima saúde!

Agradeço a sua atenção para com o meu e-mail! Foi muito importante e alimentador da minha vontade de homenagear o meu tio Manuel Sobreiro, Sobreirito. Por isso o referi no blogue As verdades do Sobreirito, e que passo a transcrever:

Foi com enorme satisfação, que recebi resposta a um e-mail meu, vindo do Dr. Luís Graça. Eu já desconfiava que estava perante seres humanos fenomenais em que o sortilégio da vida os levou até Guiné-Portuguesa, mas ao verificar a disponibilidade e as palavras amigas do Dr. Luís Graça, fiquei acreditar que faz todo o sentido a criação deste blogue homenageando o meu tio Manuel Sobreiro, o 'Sobreirito'.

Fiquei triste ao saber que o amável, admirável e encantador Sr. José Neto (Zé Neto) (1929-2007) já não está entre nós, com o qual tive o privilégio de trocar alguns e- mail, e que numa próxima ocasião abordarei. Desde já agradeço ao Dr. Luís Graça, a sua amabilidade, colocando as referâncias do Blogue
As verdades do Sobreirito na sua tertúlia.



Os meus agradecimentos,

Nelson S S Domingues



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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1849: Quero prestar a devida homenagem ao meu tio, o Alf Mil Manuel Sobreiro, da CART 1612, morto em Mampatá em 1968 (Nelson Domingues)

Guiné 63/74 - P1860: Gadamael, 2 de Julho de 1973: Um ataque de mais de 4 horas do PAIGC, apenas travado pelo nossos Fiat G-91 (Jorge Canhão)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Julho de 1973 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael", depois de fortíssima ofensiva do PAIGC.


Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Jorge Canhão:

Camarada Luís Graça:

Boa tarde e os desejos que esteja tudo bem:

Sobre a minha foto em Gadamael, não sei a data certa mas sei que foi tirada entre 26 de Junho de 73 e 1 Julho do mesmo ano.Tenho aqui mais meia dúzia tiradas lá.

O período que estive com a 121 e 123 de Páras (2) foi de 25 de Junho de 1973 até 13 de Julho de 1973, data em que deixámos Gadamael com destino a Cacine.Foi nesse período que sofremos (a minha Companhia) o maior ataque do PAIGC, em tempo, e que durou entre 4 e 5 horas, tendo terminado após a 2ª intervenção dos Fiat G91 (3).

Foi a primeira vez que ouvi as anti-aéreas do PAIGC atacarem os aviões. Após a 2ª chegada dos Fiat e com as antiaéreas a dispararem, um dos aviões ficou a andar em círculo ,enquanto o outro picava, mesmo debaixo de fogo e bombardeava o inimigo de então. Após ouvirmos grandes explosões, o ataque cessou tendo nós ficado um pouco mais descansados.

Em todo o período que estive em Gadamael, não havia electricidade e a comida era escassa, pois não passava de um prato raso com uma camada de grão e 2 ou 3 rodelas de chouriço, com uma sopa (?) e um pedaço de fruta de lata.

Sobre a electricidade: eu, que era electricista naval na vida civil, e o furriel mecânico Louceiro, montámos o gerador e juntamente com outros camarada arranjámos os fios eléctricos para que o quartel pudesse ter energia, o que de facto aconteceu, mas foi sol de pouca dura (algumas horas) pois quem mandava no aquartelamento, mandou desligar,com o argumento que o PAIGC poderia com mais facilidade obter tiro mais certeiro....Como se eles não soubessem...Enfim, no comments.

Sobre a história do meu batalhão, já hoje fui fazer uma cópia do mesmo e verei qual a melhor maneira de vos fazer chegar, talvez pessoalmente seja o melhor.

Desde já os meus agradecimentos e abraços

Jorge Canhão

2. Comentário de L.G.: Aparece, no meu local de trabalho, em Lisboa, quando te der jeito (Telef. directo> 21 751 21 90)

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72

(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(...) "2 Julho de 1973: ataque em força a Gadamael

"O PAIGC ataca o destacamento de Gadamael Porto utilizando Canhões s/r , Morteiros 82 , RPG 2, RPG 7 e Foguetões. Foi talvez o ataque mais forte desde o início das flagelações que eram constantes ao destacamento, mas que apenas conseguiu destruir mais algumas das poucas infra-estruturas existentes que ainda se mantinham mais ou menos direitas e causar algum efeito psicológico negativo nas nossas tropas. Do ladoNT ali aquarteladas, houve apenas 2 feridos, sem gravidade.

"De salientar que os ataques inimigos eram de tal forma precisos que era raro cair uma granada fora do perímetro do destacamento. Até chegámos a pensar que havia alguém, no interior ou bem perto, a dar orientação e correcção dos fogos o que se viria mesmo a confirmar que assim era"

(...) "Regressámos em LDG a Bissau no dia 17 de Julho de 1973".

(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op especiais que pertencia à BCAV 8350, que abandonou Guileje em 22 de Maio de 1973 e se refugiou em Gadamael. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. Os páras chegam a 13 de Junho e regressam a Bissau a 17 de Julho. O grande ataque de 2 de Julho acontece, pois, nesse período, mas o Casimiro Carvalho descreveu-nos sobertudo o que se passou um mês antes, no princípio de Junho (4).

Vd. post de 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

(4) O jornalista do Público, Álvaro Dâmaso (Público, edição nº 5571, de 26 de Junho de 2005), já reconstituiu o filme dos acontecimentos da ofensiva do PAIGC, contra Gadamael, de finais de Maio/princípios de Junho de 1973. Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

31 de Maio de 1973

(i) Meio dia. O Coronel Ferreira da Silva acaba de poisar em Gadamael depois de uma nomeação relâmpago para a chefia do Comando Operacional 5 (COP5). (Tinha começadao a sua comissão na Guiné em Dezembro de 1971, nos Comandos Africanos, e alguns meses depois foi ferido com gravidade. Evacuado para Lisboa, onde convalesceu, regressou à Guiné a seu pedido em Janeiro de 1973 e foi colocado em Bolama a comandar uma companhia de instrução).

(ii) 15h. Depois de um breve contacto com os dois comandantes de companhia ali presentes, por volta das 15.00 começaram as flagelações com mísseis, morteiros e canhões sem recuo. Nesse dia há um morto e um ferido.

1 de Junho de 1973

(iii) Amanhecer.Começa o mais crítico de todos os dias da batalha de Gadamael. As granadas dos morteiros 120 eram disparadas a um ritmo de 18 de três em três minutos.

(iv) Logo pelas dez da manhã uma granada acaba com o pelotão de artilharia. Três mortos e 11 feridos deixam o pelotão inoperacional. Gadamael fica reduzido ao morteiro 81 que não tinha alcance suficiente. (Momentos antes tinha aterrado no quartel um helicóptero que transportava o general Spínola mas este teve de ser empurrado para dentro do aparelho, que levantou voo de imediato. O silvo das granadas a sair foi ouvido no quartel e os rebentamentos ocorreram no ponto de aterragem do helicóptero).

(v) Ao princípio da tarde uma granada destrói o posto de rádio e fere os dois comandantes de companhia, incluindo o Cap Quintas, do BCAV 8350.

(vi) Ao pôr do sol, contabilizam-se 8 mortos e 27 feridos. (As evacuações dos feridos por barco torna-se difíceis devido ao fogo intenso do PAIGC). Ferreira da Silva resiste com um punhado de homens ao avanço do PAIGC sobre Gadamael. Sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem médico, sem posto de rádio e com poucas munições.Num cenário de desespero e com poucos abrigos os soldados começam a andar junto às valas de defesa até à tabanca que fica próxima e não está a ser atacada. O furriel Carvalho, do morteiro 81, está sem granadas. O 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, enfia-se numa Berliet (conduzida pelo Carvalho, diz este) e vai buscar munições debaixo de fogo intenso.

(vii) Noite. Resiste-se comn um morteiro 81 e uma metralhadora.

2 de Junho de 1973

(viii) Uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca, desloca-se com a população para junto do rio Cacine.

Dias seguintes

(ix) Nos dias seguintes a situação melhora mas só num dia há seis mortos entre os paraquedistas que entretanto tinham chegado. O comando foi assumido pelo oficial Manuel Monge. Ferreira da Silva passa a adjunto de Monge.

Página do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 12 pode ler-se:

A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado.