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Imagem (digitalizada e editada por L.G.): Correio da Manhã (2008) (com a devida vénia...)
1. Eis alguns dos excertos do trabalho jornalístico do José Carlos Marques:
"Em 1973, a guerra na Guiné atinge um ponto crítico. A acta da reunião de Comandos de 15 de Maio mostra a descrença de Spínola e dos seus militares na hipótese de vitória.
"Encontramo-nos, indiscutivelmente, na entrada de um novo patamar da guerra. Bissau, 15 de Maio de 1973. O general Spínola, comandante militar e político da Guiné, fala perante os comandos militares, numa reunião convocada por si. A reunião de Comandos tinha por objectivo fazer o ponto de situação da guerra da Guiné. Spínola ouviu os seus homens repetir o que já sabia – o inimigo estava cada vez mais forte e as tropas portuguesas sentiam dificuldades crescentes em travar o avanço do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
(...) "Na acta da reunião, que recebeu o carimbo 'muito secreto', pode ler-se o diagnóstico do homem que liderava as tropas portuguesas na Guiné: 'Afiguram-se-nos manifestamente insuficientes os meios actuais face à evolução verificada, pois considero demonstrada à evidência a impossibilidade de alterar a manobra para economizar meios, sem grave compromisso da missão'.
"A 15 de Maio, o Norte da Guiné está a ferro e fogo. Desde o dia 8 desse mês que o quartel de Guidaje fica cercado pelo PAIGC, que fustiga a base militar com uma violência nunca vista. Os 200 homens da guarnição defendem-se de 700 guerrilheiros bem armados. O apoio aéreo é limitado pelos ataques com mísseis terra-ar Strella, de fabrico russo – o PAIGC abate aviões FIAT G-91, Dornier e helicópteros. O comando vê-se obrigado a deslocar para a região todos os reforços disponíveis, conseguindo impedir a queda da guarnição ao final de um sangrento mês de combates. Uma vitória provisória, só possível devido à operação ‘Ametista Real’, em que o corpo de comandos atacou a base da guerrilha em Cumbamori, no Senegal, cortando as linhas de abastecimento que possibilitavam o cerco a Guidaje. Mas o pior ainda estaria para vir, com a perda da guarnição de Guileje, no Sul da Guiné, a 22 de Maio.
"Os militares sabiam que não havia já condições para travar o PAIGC. Um dos participantes na reunião de 15 de Maio, o brigadeiro Alberto da Silva Benazol, Comandante Territorial Independente da Guiné, fala das dificuldades de retirar feridos e mortos do teatro de operações. 'Temos de encarar o aumento do número de mortos', diz, avisando ainda que 'há que estar-se preparado para a utilização de cemitérios de unidade e, portanto, haverão os familiares na Metrópole de estar preparados para aceitar que nem sempre será possível receberem os restos mortais dos seus heróis, em prazo curto e na forma em que se tem processado'.
"O brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional, admitia o risco da perda de várias guarnições: 'o inimigo está a preparar as necessárias condições para a conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (Guidaje, Buruntuma, Guileje e Gadamael) (...) isto já está ao alcance das suas possibilidades militares'. O mesmo militar avisa que 'não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa'.
(...) "Gauldino Moura Pinto, Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, que já tinha descrito ao pormenor as extremas limitações de voo desde que as aeronaves começaram a ser abatidas por mísseis terra-ar, (...) numa única folha, listou os meios de que precisava: 8 aviões Skyvian, de transporte ligeiro, 5 helicópteros, 12 aviões Mirage ou de tipo semelhante, novos radares e mísseis terra-ar do tipo Red-eye (o PAIGC começava também a usar meios aéreos próprios). Na prática, isto queria dizer que praticamente toda a aviação seria substituída – um pedido que sabiam ser incomportável para Lisboa, agravado pelo facto de ser cada vez mais difícil a Portugal comprar armamento, devido à contestação internacional à guerra.
"O governo de Marcello Caetano estava informado do que se passava na Guiné, mas não foram enviados reforços (...).
"A perda de Guileje marca um ponto de viragem na guerra, mas o único comandante português que abandonou uma guarnição durante a Guerra Colonial não se arrepende de nada: 'Em consciência fiz o que devia ser feito', escreve Coutinho e Lima no livro ‘A Retirada de Guileje’, que vai ser lançado em Lisboa no próximo dia 13 de Dezembro.
"Trinta e cinco anos depois, o coronel de artilharia do Exército conta o que o levou a sair – com 200 soldados e 500 civis – de uma base crucial para cortar as linhas de abastecimento do PAIGC na Guiné-Conacri. A decisão valeu-lhe um ano de prisão preventiva em Bissau, por ordem do general Spínola, e um processo na justiça militar que se extinguiu com o arquivamento, após o 25 de Abril.
(...) "A ARMA QUE MUDOU O CURSO DA GUERRA
"Em 1972, o PAIGC recebeu uma prenda valiosa da União Soviética. O míssel terra-ar Strella acabou com a supremacia aérea dos portugueses. A arma é usada pela primeira vez em Março de 1973. Após dois sustos sem consequências, a 25 de Março o Fiat G-91, pilotado pelo tenente Pessoa, é abatido. Seguem-se uma série de tiros certeiros. O impacto dos Strella é brutal. Os soldados deixam de ter apoio aéreo e as operações helitransportadas ficam em xeque. Sem possibilidades de reabastecimentos e com dificuldades de retirada de mortos e feridos, a moral das tropas cai a pique.
"OFENSIVA EM TRÊS FRENTES DÁ VANTAGEM AO PAIGC
Maio de 1973 foi terrível para os militares portugueses na Guiné. Sedentos de vingar a morte de Amílcar Cabral – assassinado [em Conacri] em Março – os líderes do PAIGC planeiam uma grande operação no Norte e no Sul do território. Soube-se recentemente que os ataques deveriam ter ocorrido ao mesmo tempo, mas o cerco à base de Guidaje, no Norte da Guiné, começou mais cedo por os portugueses terem detectado movimentações da guerrilha. Guidaje esteve cercada entre 8 de Maio e 8 de Junho, obrigando o comandante-chefe a mobilizar para lá todos os reforços de que dispunha. Quando começa o assalto a Guileje, no Sul, não há tropas disponíveis para o apoio. Os ataques são liderados por Nino Vieira, comandante do PAIGC para a zona Sul. A operação Amílcar Cabral – designação escolhida em homenagem ao líder assassinado dois meses antes – começa no dia 18 de Maio e o quartel cai a 22, com dois mortos do lado português. Uma coluna de soldados e civis retira para Gadamael, que fica debaixo de fogo durante vários dias. Entre 31 de Maio e 2 de Junho caíram 700 granadas, fazendo 5 mortos.
"Sem abrigos eficazes, centenas de soldados fogem para a selva, e só a chegada de novos comandantes e, no dia 12, de reforços, salvam Gadamael de sofrer o mesmo destino da guarnição de Guileje.
"As fragilidades das tropas portuguesas são evidentes. Só o 25 de Abril permite evitar uma derrota militar na guerra da Guiné". (...)
Segundo ele me confidenciou na altura, a população de Guileje estava relutante em abandonar os seus haveres, a sua tabanca, as suas moranças... A verdade é que, ao fim de cinco dias a viver nos abrigos, a população local (cerca de meio milhar de pessoas) e os militares portugueses (c. 200), sem água, sem transmissões, sem apoio aéreo, com um morto, e com a artilharia a acertar em cheio nas instalações de superfície, dificilmente poderia resistir muito mais tenpo...
Foi talvez uma das decisões mais difíceis da sua vida e, ao tomá-la, o então major, comandante do COP5 , sabia que punha fim à sua carreira militar, como aqui confessa na entrevista ao jornalista do Correio da Manhã. Ao escrever o livro A retirada de Guileje: a verdade dosfactos (que será apresentado no próximo sábado, dia 13, no auditório da Academia Militar, na Amadora), o actual coronel de artilharia reformado seguiu a máxima do nosso blogue, de que é membro: "Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti"...
Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
2. Entrevista de Coutinho e Lima ao jornalista José Carlos Marques
(...) "O que o levou a escrever um livro sobre a retirada de Guileje? (**)
"A minha prioridade foi dar a conhecer aos meus filhos e netos e a toda a gente o que se passou naquela odisseia de Maio de 1973 em Guileje. Quis que essa história ficasse escrita.
"Guarda algum sentimento de injustiça em relação ao que se passou?
"É evidente que sim. A quente, até posso compreender a decisão do general Spínola de me mandar prender, mas depois não quiseram ter a capacidade de estudar racionalmente a situação e verem que a retirada foi a melhor solução para toda a gente, até para o comandante-chefe, que não tinha possibilidades de resolver o problema.
"Nunca se arrependeu da decisão de abandonar Guileje?
"Não, nunca duvidei. Não havia hipótese de defesa, se tivéssemos lá ficado seríamos todos mortos.
"Sabia das consequências que ia sofrer?
"Quando saí, disse aos meus homens que a minha carreira militar tinha chegado ao fim. Pus a carreira de lado perante as centenas de pessoas que dependiam de mim".
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes
23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2674: Recortes de imprensa (3): José Carlos Marques, do Correio da Manhã, em Gandembel e Guileje, embeded nas NT
Vd. últimpo poste desta série > 4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3404: Recortes de imprensa (9): Em Gandembel - O adeus à Guerra (José Teixeira/César da Silva)
(**) Vd. poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3527: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (1): Lançamento do livro, 13/12/08, 17h, na Academia Militar, Amadora
(...)O livro A RETIRADA DE GUILEJE, edição de autor, não estará à venda nas livrarias; Coutinho e Lima está disponível para o enviar, pelo correio, para qualquer parte do Mundo. Aqui ficam os seus contactos:
- Rua TOMÁS FIGUEIREDO, nº. 2 - 2º. Esq. 1500 – 599 LISBOA
- Telefone: 217608243
- Telemóvel: 917931226
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