terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)


Cabo Verde > Ilha de São  Vicente > Mindelo > 9/11/2012 > 11h11 >  Baía do Porto Grande e Monte Cara, ao fundo.

Foto (e legenda): © João Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É publicamente conhecido o apoio político do escritor (e advogado) Germano Almeida ao MpD (Movimento para a Democracia), em 1991. Nas primeiras eleições livres, multipartidárias, foi eleito deputado da Assembleia Nacional. Depois foi nomeado procurador geral da República. Mas, passados vinte e tal anos, aceitaria, em 202o, ser mandatário do atual Presidente de República, José Maria Neves, sob a bandeira do PAICV.

Cabo Verde, um dos mais pequenos países do mundo, mas também o "país da morabeza", tem destas particularidades, e a sua vida político-partidária rege-se por padrões muito próprios, com os dois partidos alternando no poder. Não sabemos que marcas deixaram os 15 anos de regime do PAIGC (depois PAIVC), e nomeadamente nas relações pessoais e sociais.  Eu tinha amigos de um lado e do outro, mas nunca aprofundei o assunto. 

Sabemos isso, sim,  que o PAIGC (depois o PAICV) não teve, originalmente, em Cabo Verde, uma relação fácil com os intelectuais, e em especial os escritores.  Veja-se com como maltratou o Baltazar Lopes (1907-1998), o decano da literatura cabo-verdiano, um dos fundadores da revista "Claridade" (1936) e o o criador do fundacional "Chiquinhos" (1947) , que eu ainda hoje leio e releio.  A desconfiança também era mútua: o escritor e reitor do liceu Gil Eanes não gostava de Amílcar Cabral nem do seu PAIGC.(*)

De qualquer modo, em 1991, o Germano Almeida ainda não era a figura, nacional e consensual, que é hoje.  Nessa altura estava longe de ser um autor consagrado. O Prémio Camões ser-lhe-á tribuído, pelo conjunto da sua obre, em 2018. 

Como é sabido, o Prémio Camões é o maior galardão literário instituído nos países de expressão lusófonaa, criado justamente em 1988 pelos Governos de Portugal e do Brasil com vista a estreitar os laços culturais entre os vários países lusófonos e enriquecer o património literário e cultural da Língua Portuguesa. O valor monetário do prémio é presentemente de  cem mil euros, um dos mais elevados a nível dos prémios literários mundiais.
 
Mas nos anos 90, eu já li, se bem que por alto, as crónicas que o Germano Almeida publicava no jornal "Público". Dessas crónicas ele selecionou uma meia centena, e publicou, em 1998, as"Estórias Contadas", e que o consagraram como um exímio "contador de estórias". Mas é  também um bom "novelista": faremos referência, noutra altura, às "Estórias de Dentro de Casa" (1996), sem esquecer "A Ilha Fantástica" (

2. Fiquei fã do escritor pela maneira, muito pessoal, única, como ele fala de si, da "identidade cabo-verdiana", do quotidianu, e dos outros (incluindo, nós, os portugueses, os "mandrongos"...) . As três primeiras estórias do livro ("Cabo Verde e o centro do mundo", pág. 11; "Uma forma de identidade africana",  pág. 17; e "Uma perspectiva da identidade cabo-verdiana", pág. 25).

Gosto de um escritor que é capaz de saltar uma gargalhada, sem cair na alarvice, e dizer mal de si próprio e da sua gente. Usand0 de preferênica o humor subtil, a ironia fina, o registo pícaro... (Recorde-se que o escritor é filho de pai português e mãe cabo-verdiana

Veja-se, por exemplo, logo nesta primeira estória em que ele regresse às suas memórias de infância na ilha da Boavista e a propósito do epitáfio de uma jovem inglesa, morta aos 20 anos devido à epidemia de febre amarela, em 1845, a reelaboração da versão mítica sobre a origem do arquipélago natal: desabitadas até 1460, data da chegada dos colonizadores lusitanos àquele território, a existência das ilhas de Cabo Verde  só poderia ser atribuída a   uma simples distração do Criador (pp. 13/14):

(...) Conta-se que Deus já tinha acabado de fazer o mundo e distribuído as riquezas que deveriam alimentar os seus filhos que nele ia colocando, negros na África, brancos na Europa, amarelos nas Ásias e Américas, quando reparou nas suas mãos, ainda sujas de restos de barro. Sacudiu-se ao acaso no espaço, mas, pouco depois, viu pequenas ilhas brotando algures perto da África. (....)

Mas faltava gente e riqueza para para que essas fossem algum dia... terra de gente... O que Deus não contava é que os portugueses acabassem um dia por  aportar às ilhas e transformá-las em entreposto de escravos. Mais tarde,  o negócio deixou de ser rendoso, as ilhas foram entregues a donatários, mas já povoadas pelas mais desvairada gentes, de África e de Portugal... A a pequena grande distração divina  (mais do que uma maldição) confirmou-se: Cabo Verde continuou condenada à sua sorte, ao seu isolamemnto, às secas periódicas, à fome...

E aqui o escrit0r é subtilmente irónico, parodiando a teoria do luso-tropicalismo do Gilberto Freyre (1900-1987),  inicialmente rejeitada e só tardiamente adotada  pelo Estado Novo:

(...) Mas também é muito natural que Deus tivesse tido em vista um outro projeto bem mais complexo e de que de imediato não quis revelar aos seus colaboradores: criara um loboratório experimental de miscigenação de raças e culturas e ver o que dessa miscelânea poderia sair. E saiu o homem cabo-verdiano.  (...) (pág. 15).

Um país que conta, na diáspora com mais do dobro da sua população interna, poderia facilmente sofrer "efeitos erosivos catastróficos a nível cultural e de identidade". Mas, não, o cabo-verdiano continua  carregando consigo a sua cultura, vivendo nas setes partidas a cachupa, o grogue,  a morna" (pág,  15), isso explica, só por si, que a ideia (tonta) do projeto político de unidade  Guiné-Bissau / Cabo Verde, propugnada por Amílcar  Cabral, estava desde logo condenada ao fracasso...


3. Germano Almeida nasceu na ilha da Boa Vista em 1945. Fez o serviço militar em Angola, 1965, em Maquela do Zombo, província do Uíge,  foi lá que começou a escrever "A Ilha Fantástica" (1994), com memórias da sua infância. Licenciou-se em Direito na Universidade Clássica de Lisboa, graças a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, Vive em São Vicente, no Mindelo, onde, desde 1979, exerce a profissão de advogado.

Publicou as primeiras estórias na revista "Ponto & Vírgula", assinadas com o pseudónimo de Romualdo Cruz. Essas estórias foram publicadas em 1994 com o título "A Ilha Fantástica", que, juntamente com "A Família Trago" (1998) recriam os anos de infância e o ambiente social e familiar na ilha da Boa Vista.

Mas o seu primeiro romance foi "O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo" (1989) que marca a" rutura com os tradicionais temas cabo-verdianos." Segundo Ana Cordeiro, responsável pela nota biográfica que vem na badana dos seus livros, "O Meu Poeta" (1990), Estórias de Dentro de Casa (1996), "A Morte do Meu Poeta" (1998", "As Memórias de Um Espírito" (2001) e "O Mar na Lajinha" (2004) formam o que se pode considerar "o ciclo mindelense da obra do autor".

Tem obras publicadas em mais de uma dúzia de países estrangeiros. O seu editor em Portugal é a editorial Caminho (Grupo Leya). (**)

(Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22679: Notas de leitura (1391): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (3) (Mário Beja Santos)

(**) Último poste da série > 26 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23921: (In)citações (227): As cheias, estas e as outras (Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)




Cheias de 1967 - Vila Franca de Xira - Rua Serpa Pinto

1.
Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS, TSF  (Piche e Bissau, 1970/72), com data de 24 de Dezembro de 2022, a propósito das últimas cheias em Lisboa e não só:



AS CHEIAS (estas e as outras)

Há alguns dias atrás, ocorreram o que agora se designam por “fenómenos extremos” originando, principalmente na zona de Lisboa (mas não só) um conjunto de circunstâncias das quais resultaram avultados estragos em estabelecimentos comerciais, em elevados prejuízos económicos, resultando ainda na morte de uma senhora.

Tudo isto é lamentável, e uma morte que seja, é sempre uma vida humana que se perde estupidamente.

Muito se falou. As televisões dedicaram largos períodos do seu dia a fazerem reportagens sobre as diversas peripécias dos acontecimentos, onde não faltarem as arengas dos “especialistas de tudo” que agora aparecem em todos os canais.

Foi tudo abordado: a construção em leitos de cheias, a impermeabilização dos solos, a falta de limpeza das sarjetas (claro que ninguém se responsabilizou pelo lixo que faz e deita para a rua), a falta de meios de intervenção (com o costumeiro “aqui ninguém apareceu”), o atraso ou ausência de informação sobre a possibilidade de chuvadas fortes (normalmente ninguém liga seriamente aos “avisos laranjas” e outros), etc..

Aqui e ali, de fugida, ainda houve algumas referências às “cheias de Novembro de 1967” mas rapidamente isso foi ultrapassado, diria submergido, pelo imediatismo do dia e pela publicidade das medidas previstas e já em curso, para a construção de túneis e reservatórios tendo em vista resolver, ou pelo menos minorar significativamente, a questão dos problemas de Lisboa. Passou-se então a discutir a paternidade e a antiguidade das soluções e o resto foi-se diluindo, tal qual a água foi vazando….

Aguardo com interesse o que se começará a dizer quando for mais conhecida a origem da tuneladora adquirida para os trabalhos de perfuração do solo com vista à construção dos tais túneis… é que os preconceitos com o material chinês devem dar para inúmeras reportagens!

Entretanto, uma foto dum artigo que um amigo me enviou, despertou a minha atenção e as recordações desses dias, começados a 26 de Novembro de 1967, assaltaram-me novamente.

Essa foto encabeça um artigo da “NiT” (que reproduzo com a devida vénia), a propósito dessas cheias de 67 e mostra a Rua Serpa Pinto, em Vila Franca de Xira. Essa rua era onde o meu pai e o sócio tinham o seu comércio/oficina de mobílias (nesse tempo alguns móveis ainda vinham “em branco”, sendo necessário trabalhá-los) e foi aí que que os “meus trabalhos” começaram. A loja ficava do lado direito, na foto, no piso térreo, onde se vêm pessoas numa varanda, e não posso garantir que o vulto que se vê, empurrando detritos, seja eu, mas também não desminto.

A manhã desse sábado apareceu chuvosa, aquela chuva miudinha, embora persistente e apanhei o comboio para Lisboa bem cedinho, pois tinha aulas às 08:00 da manhã.

A chuvinha continuava, umas vezes mais forte outras mais branda, mas sempre presente. Da parte da tarde começou a engrossar e quando regressei a casa, a Vila Franca, cerca das 19:00, estava desconfortável, foi só tomar banho para aquecer, jantar e, ao contrário do que era habitual, já não saí, indo para a cama muito mais cedo do que o costume.

Cerca das 5 da manhã de domingo tocam insistentemente à campainha a avisar que havia enxurradas, que as ruas eram um mar de água, lama e em alguns sítios com coisas a boiar (automóveis, caixotes, etc.), que a água saía das sarjetas pois a maré estava alta e, salvo erro, eram “águas grandes”. Na Serpa Pinto já tinham subido bastante e estavam a entrar para os estabelecimentos.

Claro que fomos logo para lá, tentar evitar o mais possível os estragos. Na foto já era de dia, o pior já tinha passado, já se estava, naquele local, no “rescaldo” mas, entretanto, começam a chegar as notícias do drama e do desastre (catástrofe) humanitário que tinha assolado a aldeia das Quintas, povoação que viu mais de metade dos seus habitantes perecerem, 89 de 150. Os corpos, resgatados pelos bombeiros foram sendo depositados nas capelas de Vila Franca e da Castanheira e começaram depois a surgir notícias de outros locais.

No dia seguinte, segunda-feira, fui para Alhandra dar apoio a colegas e seus familiares, para ajudar a limpar toda aquela desgraça de que foram alvo. Ali, em Alhandra, a desgraça, em termos de vítimas, não atingiu as proporções que eventualmente poderiam ter acontecido, devido a uma composição ferroviária de mercadorias estar estacionada onde a enxurrada investiu, vinda de São João dos Montes, evitando que tudo aquilo entrasse de supetão pelas ruas e casas da então vila. A atriz e encenadora Maria João Luís estava lá na ocasião, em casa de familiares, e ainda não deixa de ser com um frémito de emoção que exterioriza quando recorda esse episódio.

Durante essa 2.ª feira, o Movimento Estudantil de Lisboa, mobiliza-se para criar brigadas de apoio aos vários locais sinistrados nos concelhos de Vila Franca, Loures, Carenque e zonas de Lisboa, protagonizando (principalmente os alunos de Medicina) uma campanha de vacinação contra o tétano e outras possíveis infeções. Tal voluntarismo naturalmente que não foi bem aceite pelos poderes de então, pois não só lhes fugiu ao controlo como também permitiu um maior conhecimento das realidades, da tragédia em si, dos números das vítimas (coisa que o poder procurou minimizar), das condições de vida de largas franjas da população e foi um motor para a tomada de consciência da necessidade de mudança de muitos jovens de classes menos desfavorecidas que, até aí, estavam a “salvo” desses problemas.

Não é correto comparar coisas apenas parcialmente comparáveis. Tanto naquela altura como agora, choveu muito. A precipitação não foi igual mas, ainda assim, originou muitos problemas. Em termos de prejuízos materiais também há semelhanças. As causas foram diferentes, em alguns aspetos, mas muitos outros houve em que os velhos e eternos problemas estiveram presentes. A maior e principal diferença foi o número de vítimas mortais: 1 agora e mais de 700 então.

Já as questões sociais, não sendo iguais, também refletem semelhanças. Naqueles dias, passei uma noite com outros dois colegas, a imprimir uns panfletos onde se procurava demonstrar causas para a desgraça ocorrida e a apontar responsabilidades e, por via disso e para fazer chegar à população tal documento, saí de madrugada, de camioneta da carreira para Alenquer, onde fui fazendo a distribuição até já ser dia e perceber que a GNR estava a montar cerco para chegar ao autor da distribuição. Tendo percebido isso, tomei precauções, passei sem percalço pela barreira formada, tomei a camioneta de regresso a Vila Franca e essa aventura terminou sem consequências.

Portanto, o que se passou há 55 anos foi, em termos de vítimas, muito mais grave do que agora mas não se deve menorizar os atuais acontecimentos pois eles refletem a inércia das autoridades, dos poderes instituídos, a incapacidade ou falta de vontade política de enfrentar e resolver os problemas.

Por isso aqui deixo estas reflexões (e informações) que espero não sejam passíveis de repetição daqui a algum tempo (porventura pouco), devido à maior frequência e amplitude com que alguns “fenómenos extremos” vêm ocorrendo.

Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23916: (In)citações (226): "O pedinte da berma da estrada" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P23920: Parabéns a você (2130): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745/73 (Binta, Jugudul e Mansoa, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23910: Parabéns a você (2129): Fernando de Jesus Sousa, DFA, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/71

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23919: Facebook... ando (70): A Op Grande Empresa (reocupação do mítico Cantanhez) foi há 50 anos (Victor Tavares, ex-1º cabo ap MG 42, CCP 121/BCP 12, 1972/74)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cumbijã > Proximidades de Caboxanque (?) > Op Grande Empresa (que começou em 11 e 12 de dezembro de 1972) LDM > Imagens do 1º cabo apontador de MG 42, Victor Tavares, CCP 121 / BCP 12, 

Foto (e legenda): © Victor  Tavares (2022).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Escreveu o Victor Tavares, na sua página do Facebook, em 25 de dezembro de 2022, às 22:48:

Faz hoje 50 anos que a CCP 121 e o BCP 12, estavam envolvidos numa das mais arriscadas e perigosas operações executada nos trez Teatros de Operações em Africa... Operação entregue à responsabilidade do Comandante do BCP 12, Tenente Coronel Paraquedista Araujo e Sá, com dois nomes de código: "Grande Empresa", este dado pelo Comandante-Chefe, e "Tigre Perigoso", pelo BCP 12. Reocupação do Cantanhez, onde participaram outras forças do Exército, da Marinha e da Força Aérea. A mesma teve início a 12 de dezembro de 1972... E no dia de Natal comeu-se a primeira refeição quente. O pão foi substituído por bolachas de água e sal... Outros tempos, outras guerras, que alguns poucos recordam.

2. Comentário do editor LG:

Victor, há natais que nunca mais se esquecem. E menos ainda as guerras por onde andámos.  Em março de 2008 tive ocasião de conhecer o que restava do Cantanhez do teu tempo. Um verdadeiro inferno verde. Deslumbrante mas onde havia marcas de guerra. Tudo nos falavava da guerra que por ali passara, há 40 an0s, mesmo no mais recôndito da floresta onde se escondiam os irãs dos nalus... O silêncio da floresta não conseguia abafar os muitos anos de guerra e as bombas que lá foram largadas, incluindo napalm... A Op Grande Empresa foi um duríssimo golpe para o PAIGC e o orgulho de Amílcar Cabral.  Caía por terra o último dos mitos, o dos dois terços de território libertado... É claro que neste tipo de território, de extensa floresta-galeria, cruzada por míríades de cursos de água, não há áreas controladas nem libertadas... Mas a resposta do PAIGC foi a do costume: fugir para se reagrupar... A resistência das suas tropas foi fraca, não foi capaz sequer de defender a sua população... Mas também é verdade que Spínola estava a gastar os seus últimos cartuchos... E um mês depois Amílcar Cabral seria abatido como um cão pelos seus homens...  

E tudo isto, para quê, Victor? Nada disto valeu a pena, incluindo o sacrifício inútil de milhares de jovens combatentes de ambos os lados, das dezenas de milhares de mulheres, crianças e velhos da população civil, afinal as grandes vítimas do conflito... Nada, de resto, que tirasse o sono ao Amílcar Cabral ou ao Spínola ou ao Marcello Caetano...

Entende isto, Victor, como uma "reflexão de paz natalícia", e que não pretende de modo algum pôr em causa a qualidade excecional da tua subunidade (CCP 121) e da sua unidade (BCP 12) nem muito menos o grande combatente, de corpo inteiro, de grande coragem e estofo moral que tu foste. Aproveito também para fazer a "tua prova de vida"...  Quando publicares coisas do teu facebook que interessem também ao blogue, dá uma apitadela!... Um melhor ano de 2023, para ti e toda a família. Luís.
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Guiné 61/74 - P23918: In Memoriam (466): O Coronel Coutinho e Lima voltou para a sua terra Natal (Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), com data de 23 de Dezembro de 2022:


Coronel Coutinho e Lima voltou para a sua terra Natal

No passado dia 23 de Dezembro de 2022 foi a enterrar na sua terra natal, Vila Fria – Viana do Castelo, Alexandre da Costa Coutinho e Lima, Coronel de Artilharia na reforma. Nasceu em 1935 e faleceu no dia 19 de Dezembro 2022.

Nomeado em janeiro de 1973 pelo sr. General António de Spínola, CMDT do COP 5 sediado em Guilege - Guiné.

Depois da missa de corpo presente, em homenagem, procedeu-se a uma salva de tiros por uma Secção da Escola de Serviços, Unidade do Exército aquartelada em Beiriz na Póvoa de Varzim, seguindo o féretro para a sua última morada.

Apresentámos condolências à sua esposa D. Isabel, quer em meu nome pessoal como também em nome da tertúlia da Tabanca Grande.

Vila Fria, 23 de dezembro 2023
A. Sousa de Castro



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Quem foi o Cor. Art.ª Ref. Coutinho e Lima:

Alexandre da Costa Coutinho e Lima nasceu em Vila Fria (Viana do Castelo), em 1935. Frequentou a Escola do Exército (hoje Academia Militar) sendo Oficial da Arma de Artilharia desde 1957, com a especialização de Observador Aéreo.
Como Capitão, fez duas comissões de serviço na Guiné:
- de JUL63 a AGO65, como Comandante de Companhia Operacional, em Gadamael (primeira tropa a ocupar esta localidade;
- de JUL68 a JUL70, como Adjunto da Repartição de Operações do Comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, sendo Governador e Comandante-Chefe o sr. General António de Spínola.
Promovido a Major, iniciou a sua terceira comissão, de novo na Guiné, em SET72. Em JAN73 foi nomeado, pelo Sr. General Spínola, Comandante do COP 5 (Comando Operacional n.º 5, com sede em Guilege. Na sequência dos acontecimentos narrados neste livro [A Retirada de Guileje - 22 Maio 1973 - A Verdade dos Factos], tomou a decisão de retirar de Guilege, o que resultou, sob o ponto de vista pessoal, na sua prisão preventiva durante um ano (menos 10 dias) e Auto de Corpo de Delito, que poderia terminar no seu julgamento em Tribunal Militar. Como consequência do 25 de Abril de 1974, os “crimes”, que supostamente tinha cometido, foram amnistiados pelo Dec. Lei nº. 19/74 da Junta de Salvação Nacional; os autos foram arquivados, não tendo, por isso, sido submetido a julgamento. Este livro constitui o esclarecimento objectivo e relata A VERDADE DOS FACTOS, até agora em ingrato esquecimento.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23901: In Memoriam (465): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022) - Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil)

Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Ficarei imensamente grato a quem me puder ajudar com informações sobre a CCAÇ 1591 e Mejo. Quando li "Vindimas no Capim", escrito pelo nosso confrade José Brás, encontrei algumas referências a Mejo, mas fiquei-me por aqui. É uma grande surpresas, esta literatura memorial do Coronel Luís Cadete, chegou à Guiné ainda tenente, aqui foi promovida a capitão, vê-se à vista desarmada que aquela terra vermelha se tornou inesquecível, como aliás ele escreve na introdução:
"Mejo foi, no fim de contas, o nosso primeiro amor na Guiné e ainda hoje temos saudades dele, pois puxou por tudo quanto tínhamos de melhor para ultrapassarmos as dificuldades inerentes a uma situação de campanha."
É um livro que não merece ficar confinado a uma pequena edição, não é justo. Há por vezes ressaibos, ajusta contas com a sua própria instituição militar, maldiz a incompetência, mas até apetece recordar a frase icónica de Álvaro Guerra de que aquela terra foi um permanente avolumar de dores e inquietações, mas foi ali que se selou a nossa têmpera pelos anos vindouros.

Um abraço do
Mário



Muita atenção, há aqui páginas que passarão à posteridade, temos Mejo na literatura! (1)

Mário Beja Santos

Coronel Luís Carlos Loureiro Cadete, ontem e hoje

A obra intitula-se "Noites de Mejo", o autor assina Luís Cadete, viremos a saber que de seu nome completo é Luís Carlos Loureiro Cadete, foi comandante da CCAÇ 1591, a quem também dedicou o livro, conjuntamente com os seus soldados guineenses. Escreveu estas histórias em 2016 e publicou-as em 2022, edição de autor com produção da Âncora Editora. Deu algum trabalho chegar ao livro, que não está no circuito comercial, o que é profundamente de lamentar, há aqui páginas admiráveis, não faltam tiradas bem urdidas de tragicomédia, revelando ternuras da aculturação, a vida dura num dos pontos mais ásperos que a guerra da Guiné ofereceu aos militares portugueses. Nunca li uma introdução a um ambiente tão poderosa e tão viva como Luís Cadete faz de Mejo, a ninguém pode deixar indiferente prosa tão precisa, uma demonstração de um olhar tão fecundo, lembra um geógrafo, um antropólogo, um etnólogo:
“A tabanca que dava pelo nome de Mejo situava-se, sensivelmente, a 9 quilómetros de Guileje, na estrada para Bedanda, na bifurcação para Salancaur Fula, colina com cerca de 110 metros de altitude com o cume em forma de tampo de mesa ligeiramente inclinado para Nascente, com o ponto mais elevado a Poente.
Esta colina, restos de formação rochosa de maior vulto dissolvida pelas chuvas diluvianas e ácidas do Pluvial, há vários milhões de anos, domina vasta extensão do rio Cumbijã que lhe corre a Norte. Com as encostas cobertas de grandes poilões e mato rasteiro, é um ponto de referência importante num território predominantemente plano. A vastíssima bolanha do Cumbijã dava arroz em quantidade que, antes da guerra, quer a Casa Gouveia, representante da CUF no território, quer a Sociedade Comercial Ultramarina, vinham comprar, na época própria, ao cais existente na margem direita, isto é, fronteiro a Salancaur e do outro lado do rio.”


Manifesta o autor a preocupação de que o leitor se insira naquele espaço e até naquele tempo, é um observador cuidado, quer manifestamente que o leitor ponhas os pés naquela terra de combate e em voo picado estamos em Mejo:
“Do ponto de vista militar, Mejo era um retângulo de 100 por 110 metros de lado que dependia da companhia de Guileje que aqui tinha um pelotão para garantir um mínimo de proteção à população regressada. A CCAÇ 1591 foi a primeira a estanciar por lá por 8 meses e meio. Sem instalações para alojar o efetivo da companhia mais os do pelotão destacado de Guileje, os primeiros meses foram vividos em tendas cónicas carcomidas pelo sol e pelas chuvas da Guiné. Os buracos eram tapados por rolhões de capim enquanto se trabalhava no fabrico artesanal de tijolos para a construção de casernas. Quando a CCAÇ 1591 arribou a Mejo, cuja má fama corria infrene por todos os cantos da Guiné, só se via capim verde e alto como um homem de pé, não só no exterior, mas também no interior da posição. Embora pareça inconcebível, aqui andava-se por trilhos ladeados de capim!”.

Segue-se a descrição da população civil e do armamento rudimentar da unidade dependente do comando de batalhão de Buba, ficamos a saber que a população de Mejo era da subetnia Futa-fula, mas não faltavam Fulas-forros.
Não se compadece, tem comprovadamente a memória bem acerada, com as jigajogas do decisor militar e muito menos com as manhosices burocráticas. Qual a importância de Mejo? Fazia parte de um plano de operações que tinha como objetivo principal a ocupação da colina de Salancaur, plano que se iniciara alguns meses antes da chegada de Schultz, concebido pelo comandante militar, pois a primeira medida de Schultz foi cancelar toda a atividade operacional determinada por este comandante. “A ordem alcançou a tropa quando esta já marchava rumo a Salancaur com o Pelotão de Reconhecimento Fox de Guileje a abrir a progressão, nunca mais se pensando em acabar algo que fora bem pensado.”

Mesmo a descrição da chegada da CCAÇ 1591 tem toques de originalidade, houve para ali umas trocas a baldrocas no quartel-general, estavam à espera de outra unidade, o Tenente Luís Cadete é mal recebido por aquela burocracia que tinha a inteligência de uma porta ondulada, lá vão para Brá, metidos numa caverna devoluta sem camas, andaram a fazer carreira de tiro em Prábis e depois metidos na LDG Montante, rumo a Fulacunda. Vão agora começar histórias galhardas, pícaras, de entremeio com lembranças afetuosas, algumas delas, garanto a pés juntos, merecia ser reproduzidas aqui por inteiro. Convém que o leitor não se esqueça que estamos em 1966, o corredor de Guileje ainda não assumira a dimensão infernal com que hoje é por muitos lembrado.

No pórtico das lembranças temos a paixão de Mariama, a bajuda mais bela da tabanca, Luís Cadete burila a quintessência da beleza:
“O corpo era escultural, de fazer inveja à estatuária da Antiguidade Clássica. Tinha um par de pernas deslumbrante, bem torneadas e esguias e a mama alta, firme, delicadamente cheia, como eu nunca vira nem voltei a ver outra e que, conforme à tradição, trazia em liberdade franca; a pele escura de tom avermelhado era acetinada, quente e glabra sem imperfeições. Quando ela passava no seu passo elástico e elegante a caminho da Fonte das Mocinhas – nome pelo qual era conhecida a nascente permanente situada a Sul da estrada para Buba e à entrada da tabanca –, sorrindo de olhos baixos aos piropos do pessoal, ninguém havia na Companhia que se não virasse para a ver passar.”

Mariama apaixonou-se pelo soldado D, rapaz sossegado, disciplinado e respeitador, nado e criado lá para as bandas da Lousã. E era correspondida. E não falta uma pitada forte de romantismo para adubar o romance:
“A Mariama e o D namoravam ao arame farpado e era um regalo vê-los conversando horas a fio sem que se descortinasse o que tanto tinham para segredar um ao outro. Dos olhos da Mariama, a ternura daqueles momentos via-se escorrer ao acariciar o rosto do D. E eu, romântico contumaz, nunca fui capaz de proibir aquelas manifestações de um amor impossível, dadas as circunstâncias.
E, durante cerca de quatro meses, aquele amor entre os dois encheu de ternura quantos viam o D e a Mariama no seu enlevo casto e puro ao arame farpado.”

Vieram os comentários libidinosos, nosso capitão não estava ali para os ajustes, lembrou a Mariama aquela evidência de que qualquer dia o D se ia embora sem consequências, era melhor que ela se protegesse para o futuro, e o final deste episódio é mesmo inesquecível:
“Olhou-me com um certo ar de desafio como quem sabe muito bem o que fazer e enquanto uma lágrima teimosa lhe corria pela cara abaixo respondeu-me, fitando-me nos olhos com o seu quê de desafio:
- Hora di D bai, nó na dita i n’bai faziu sabi toc i D cá esquíci Mariama (quando o D se for embora, vamo-nos deitar e fá-lo-emos e o D nunca esquecerá a Mariama).
Foi assim?
Só eles o saberão.”


Prepare-se o leitor para muito mais.

Aquartelamento de Mejo, imagem de Alberto Pires, com a devida vénia
Outra imagem de Mejo, também de Alberto Pires

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

domingo, 25 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23916: (In)citações (226): "O pedinte da berma da estrada" (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

"O PEDINTE DA BERMA DA ESTRADA"

adão cruz

Lá estava o seu rosto velho e sulcado, arranhado do mundo e da vida, meio escondido na barba espessa e negra que o ninho havia impregnado de pequenas arestas de palha. Já quase não vivia, no magro sentido biológico. Apenas pensava. Por isso algumas vezes o julgaram morto quando ele verdadeiramente vivia. Outros apelidaram-no de filósofo.

Os olhos esquecidos por detrás das pálpebras negras e sujas não paravam nem por escassos instantes no rosto de alguém. Apenas um relance veloz como o raio constituía a única manifestação vital desse corpo, quando, frente a ele, alguém detinha ou abrandava o passo.

Todas as vezes que o vi me pareceu ver o meu retrato, mas sempre muito distante, muito longe. Um capote gasto e roto como a pouca vida que o mantinha ainda à flor da terra caía-lhe dos ombros magros como uma cruzeta. Há anos, muitos anos, que tal veste fora nova e de um castanho torrado como o cair da folha. Nunca deixara de cobrir aquele corpo, pois a ele o haviam cosido as mãos da miséria.

O próprio cachorro, cuja idade lhe comia no lombo grandes tufos de pelo, não reconheceria o dono sem capote, o dono cindido em dois. Cão e mendigo, esqueléticos e mudos, parados como um pântano, posavam para o mundo, para a grande tela da vida. Constituíam os dois uma só peça, uma única escultura cinzelada numa só pedra.

Não falavam. Apenas de hora a hora gemiam. Se era a goela a queixar-se, mexia-se a mão apergaminhada e ossuda do velho a acariciar-lhe tremulamente o focinho esguio. Se o gemido nascia do peito humano, brandamente o cachorro se aconchegava a ele, lambendo-lhe os olhos e a boca, como se quisesse mostrar-lhe quanto valia o amor de um cão perante a pobreza do mundo. E o coração do pobre velho sorria sobre um mar de tristeza.

Muita gente vinda da feira passava na estrada de regresso a casa. Todos recordavam esse capote de corte fino e um cachorro felpudo de raça. Mas todos passavam. Do grande homem de outrora nada existia, além de uma recordação que a palavra louco viera definhando com o decorrer dos anos.

Todos passavam. Alguns, ao vê-lo, contorciam a boca, na impossibilidade de compreenderem o negro decalque do presente sobre a luminosa gravura do passado. Outros nem um olhar gastavam. Era a humanidade que assim seguia, apática e obtusa, incapaz de perceber que um pobre velho sempre a lastimara e jamais lhe invejara a sorte e os bens.

Eu havia acabado, para esse dia, o meu trabalho. Como sempre, ao dirigir-me a casa, parei frente ao pedinte da berma da estrada. Sim, parei junto àquele que fora nos meus tempos de criança o grande empreiteiro. Um relance de olhos ao chapéu meio podre pousado na berma poeirenta mostrou-me algumas moedas de cobre, negras e tristes como a miséria daquele velho e daquele cão. O rosto cavado e dorido notou-me e espremeu uma lágrima. O cachorro gemeu, esticando as patas finas numa languidez de velhice. Que tristeza me tomou!

Ali me detive, na ânsia de ouvir daquela boca seca um sopro que fosse, da voz longínqua que nunca se apagara da minha mente. Mas essa voz morrera e da loquacidade de outrora nada existia. Negava-se a língua a articular qualquer sílaba, do mesmo modo que as pernas anquilosadas se negavam empreender qualquer movimento. Senti o coração mergulhar num vazio pesado. Pobre homem!

De repente, os anos palpitantes da meninice afloraram ao meu espírito como estrelas brilhantes e inquietas num céu sedoso e longínquo. Como eu os senti, como eu rapidamente os revivi nesse encontro com o pedinte da berma da estrada! Era como se um lírio murcho reabrisse as pétalas ao mais fraco lampejo de sol primaveril. Os meus olhos perderam-se num mundo de sonho que ficava para além da esquelética face do pobre velho.

Tudo corria dentro de mim num fluir delicioso e colorido de imagem em bola de cristal. E eu via-o, via-o no centro de tudo, indelével em todos esses quadros mágicos, como se formasse o fundo imóvel da torrente do passado. Ele era a esse tempo a pessoa mais importante das redondezas.

Já a noite caía sobre as copas negras das árvores quando dei por mim. Um poente que mais parecia uma fogueira pintava a orla marítima do céu, e um vento leve e frio, nascido do anoitecer da serra, fazia tremer. Fitei o rosto do infeliz no qual buliam alguns pelos da barba e pensei: como dorme! Era tão grande e resplandecente a paz daquela face amachucada que eu quase senti, ao olhá-la, um sagrado respeito.

O frio de que o cair da noite se envolveu tornou-se tão cortante, que me obrigou a ceder à ideia de levar o velho pedinte a algum abrigo. Quantas vezes eu pensara arranjar àquele homem o pão e a cama dos derradeiros dias. Mas havia sempre um resto de orgulho a impedi-lo de abrir a mão ao meu auxílio. E como me doía matar esse bocadinho de orgulho que o aquecia ainda como a frouxa chama de uma vela.

Nesse dia não podia deixá-lo. Toquei-lhe as mãos pálidas e estremeci. Estavam geladas como pedra sepulcral. Palpei-lhe nervosamente o rosto e a barba que mais me pareceu uma mão cheia de palha seca. Subi-lhe as pálpebras mas já não havia luz que me permitisse enxergar-lhe os olhos. Tentei convencer-me de que respirava, mas nem o respirar dos anjos era mais leve. De repente, ouvi por sobre o coração pancadas tão fortes que me pareceram arrancadas de um tambor. Em breve percebi que não passavam de silêncio, do mais profundo silêncio.

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23731: (In)citações (225): As questões éticas nos cuidados de saúde (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P23915: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XIV: O Oio, sempre o Oio, na cabeça do alferes... "Porra, que guerra de merda! Guerra de mulheres", gritou o Cruz, abanando a cabeça.


Guiné > Região de Oio > Bissorã > Vista aérea >  s/d > Era uma das "portas de entrada" para o Oio. Foto do blogue, sem autor para já conhecido.

Foto (e legenda): © . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais um excerto das memórias do nosso camarada Amadu Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), membro da nossa Tabanca Grande desde 2010, autor do livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.).(*)

O Virgínio Briote, nosso coeditor jubilado (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) disponibilizou-nos o manuscrito, em formato digital.Çembremos que, durante cerca de um ano, com infinita paciência, generosidade, rigor e saber, ele exerceu as funções de "copydesk" (editor literário) do livro do Amadu Djaló, ajudando-o a reescrever o livro, a partir dos seus rascunhos e da sua prodigiosa memória.



Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue >
20 de Junho de 2009... O Virgínio Briote e o Amadu.   

Foto: LG (2010)



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.


A edição de 2010, da Associação de Comandos, com o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está infelizmente há muito esgotada. E não é previsível que haja, em breve, uma segunda edição, revista e melhorada. Entretanto, muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.

Recorde-se, aqui, o último poste desta série (*): O Grupo de Comandos "Fantasmas", da Companhia de Comandos do CTIG, comandado pelo alf mil 'comando' Maurício Saraiva, nascido em Angola,  e 
agora já com 18 operacionais, incluindo o João Parreira (entradao em fevereiro desse ano) tinha  passado vinte dias em Catió, Cachil e Como, no princípio de 1965... 

O Amadu de tirou de memória todas estas peripécias. Há pormenores factuais que falham (e que tanto o Virgínio Briote como eu temos hoje dificuldade em recuperar): por exemplo, datas e locais precisos, nome das operações, outras subunidades que particparam com o Gr Comandos "Fantasmas" (que se vai dissolver me meados de 1965, ou pelo menos nessa data o Amadu sai). 

Nos excertos a seguir (duas curtas operações), o Amadu volta ao Oio,  região já fortemente dominada pelo PAIGC:  "o Oio, sempre o Oio, na cabeça do alferes", praguejava ele... Deve ter ocorrido em finais do 1º trimestre de 1965, fevereiro ou março.  O Grupo estava destacado em Brá e deslocava-se de viatura até a um dos quarteis principais: neste caso, Bissorã, entrada no Oio.

Mais uma vez dá para perceber que: 

(i) ele tende a tomar, nas acões em território IN, o partido dos mais fracos: crianças, mulheres, velhos, doentes, prisioneiros  (no mímino, não lhes fazendo mal ou até protegendo-os, de acordo com as orientações superiores); 

(ii) é coerente com os valores islâmicos e cristãos que aprendeu na infância, em Bafatá, na escola corânica e na escola dos missionários italianos: por exemplo, é "objetor de consciência" na matança de vacas, ele e o Braima... Um caso que ainda mais o eleva na nossa consideração.

Infelizmente é mais um episódio das suas memórias, com cenas de violência, de guerra suja, de contra-guerrilha, que eu gostaria de não publicar no dia de Natal... Mas não tinha mais nada para "tapar o buraco" do dia... 

Que seja ao mesmo  também um convite à reflexão sobre a extensão e a inutilidade da violência, da morte, do sofrimento, dos traumas que ambos causámos,  nós e o PAIGC do Amílcar Cabral, à pobre da população civil guineense apanhada "entre dois fogos" (o que até nem era verdade, a população que estava "do lado do PAIGC" não tinha muitas vezes alternativas, pelo menos nesta altura, e em regiões como o Oio que tinha já um historial de terror, quem não se lembrava do capitão-diabo ?!).

E,  depois,  Amílcar Cabral tinha pressa em chegar ao poder em Bissau e na Praia e transformar-se num líder, quiçá panafricano. (Infelizmente, fez mal as contas e terá subestimado tanto os seus inimigos internos como externos.).  Acrescentou-se, em abono da verdade, que ele, do lado português (ou seja, do regime colonialista que ele combatia), nunca encontrou interlocutores e negociadores políticos que o tivessem levado a série (a não ser talvez, tardiamente Spínola). 



 O Oio, sempre o Oio, na cabeça do alferez... "Porra, que guerra de merda! Guerra de mulheres", gritou o Cruz, abanando a cabeça (pp. 112 /114)

por Amadu Dajaló

Depois de três dias de repouso, quando entrei em Brá, soube que tínhamos que nos preparar para sair. Eu estava com a farda de terylene, tinha deixado o camuflado em casa. Assim, tive que o ir buscar rapidamente e quando regressei ao quartel, já todo o grupo estava na parada com o alferes Saraiva à minha espera.

Na reunião do grupo ficámos a saber o que se estava a passar. Um elemento do PAIGC, que ocupava um lugar de chefia, tinha-se apresentado e não se podia perder tempo, se os quiséssemos apanhar.

Saímos de Bissau em direcção a Mansoa, onde nos esperava uma coluna para Bissorã.

Quando chegámos, ficámos a descansar um pouco até à hora de jantar. Depois, começámos os preparativos para a saída. Iam connosco, um pelotão de europeus e um pelotão de milícias, com a missão de nos darem apoio no caso de ser necessário.

Por volta das 20h00 começámos a marcha em direcção a Gharon e aí pelas 24h00, mais ou menos, avistámos uma tabanca. Levados pelo guia, rodeámo-la de longe, mas,  apesar das precauções que tomámos, não conseguimos surpreender os cães, que não paravam de ladrar. 

Continuámos a andar até que, por volta das duas horas, passámos por outra tabanca, onde deixámos os pelotões e nós prosseguimos em direcção ao objectivo. A certa altura, o guia avisou que o acampamento estava ali à nossa frente. Passo a passo, entrámos nas barracas. Tudo abandonado, nem pessoal, nem nada que se aproveitasse.

Então, o guia disse ao alferes que alguns dormiam, às vezes, na tabanca com as suas mulheres. Logo, o alferes disse:

 − Rápido, vamos!

Lá chegados, sempre com os cães a ladrarem, a surpresa já tinha deixado de o ser, há muito que sabiam que tinham visitas. Cercámos a tabanca, em meia-lua, e o alferes, eu e o guia dirigimo-nos à barraca mais próxima. Estavam lá três homens e duas mulheres. Primeiro deixámos sair as mulheres e, quando os homens estavam cá fora, rompeu um tiroteio, que não foi aberto por nós. Nós respondemos e as rajadas sucederam-se durante algum tempo.

Quando o fogo abrandou, corremos para as casas e numa vimos vários corpos espalhados, de homens e mulheres.

−  Porra, que guerra de merda! Guerra de mulheres, gritou o Cruz, com a cabeça a abanar.

A fumarada era cada vez mais densa dentro dessa casa. Quando saímos vi uma mulher idosa, paralítica, a gatinhar no chão e a pedir para não a matarmos. Falou que não podia andar em quatro dialectos, balanta, mansoanca, mandinga e crioulo. Eu e o Cruz ajudámo-la e dissemos-lhe para não sair daquele esconderijo.

Entretanto, apareceu o alferes, com mais elementos do grupo, a dizer que numa cerca, bem escondida na mata, estava uma manada de umas trinta a quarenta cabeças de gado. Deu-nos ordem, a todos, para as abatermos. O Braima Bá e eu não disparámos. A nossa crença não me permitia tal acto.

Saímos da área em direcção a Bissorã e,  antes ainda do meio-dia, apanhámos a coluna que nos transportou para Mansoa. Aqui, só o alferes saiu da viatura, enquanto nós ficámos à espera.

Oio, sempre o Oio na cabeça do alferes.
Como habitualmente, saímos de Bissau em viaturas, directos a Mansoa, onde chegámos por volta do meio-dia. Depois de comermos alguma coisa, tomámos lugar na coluna que nos levou até ao cruzamento de Inchula, onde nos apeámos.

Levávamos um guia da zona, de nome Amadú Camará [1].

Do cruzamento, partimos em direcção ao objectivo. De vez em quando, abandonávamos o carreiro e entrávamos no mato, tentando evitar as sentinelas, que nos tinham avisado ficarem a guardar os trilhos em certos locais.

Segundo o guia,  as barracas do acampamento inimigo estavam muito perto. O Aquino tinha-se constipado durante a noite e, de vez em quando, tentava abafar a tosse. Andávamos um por um, primeiro, o guia, depois eu, a seguir o alferes e, quando este estava a chegar junto de nós, o Aquino não conseguiu aguentar e espirrou. O alferes disse “porra”, voltou para trás e deu-lhe duas ou três pancadas na cabeça e,  depois ficou debruçado em cima do Aquino, para aí dois ou três minutos.

Regressou para junto de nós e o Aquino, não aguentou, começou outra vez a tossir. Nesta altura, estávamos numa situação delicada, o amanhecer estava quase a surgir e nós ainda nos encontrávamos numa zona sem árvores que nos servissem de abrigo.

Neste instante avistámos um vulto a urinar e ficámos a aguardar que ele acabasse e entrasse na casa de mato, para então lhes batermos à porta. Só que o vulto também nos viu e arrancou a correr, acordando o pessoal das barracas. Caímos em cima deles, abatemos um e caçámos-lhe a arma.

(Coninua)
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Nota do editor:

[1] Devido a uma armadilha, foi-lhe amputada uma perna. Vive em Portugal.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG]
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sábado, 24 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23914: Os nossos seres, saberes e lazeres (547): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Foi um dia em cheio, o do regresso a este ponto do condado de Oxford, que não se visitava depois da pandemia. Deu para recordar e anotar diferenças, os velhos bares afundaram-se , a taxa sob bebidas alcóolicas e o confinamento levaram ao encerramento de casas históricas; o comércio local também vai mudando de natureza, são as cadeias de grande distribuição que presidem agora ao abastecimento, até as caixas de multibanco se sumiram, a entrega do correio faz-se numa loja de jornais, revistas e bombons. É uma zona cada vez mais residencial, faz parte da lógica do viver britânico, estar perto do campo, não viver em prédios; a natureza mantém-se acolhedora, vê-se à vista desarmada que as condições de vida e o poder de compra já não são o que eram, cada conversa desliza rapidamente para o preço do gás e da eletricidade, há quem tema mudanças no aquecimento das casa, fazem-me perguntas, olham-me surpreendidos quando lhes respondo que reforço a vestimenta em casa, aliás dou-me mal com o aquecimento.E agora há que contar o bem que me soube voltar a Oxford, onde as diferenças também são muito grandes, deu-se uma relativa pulverização das lojas de livros e de música, lê-se de outro modo e arrenda-se a música para 3 dias. Aconteceu visitar a cidade em dia de solenes exéquias da rainha, inadvertidamente apanhei um concerto de truz em magnificência de catedral. Eu depois conto.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82):
Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2)


Mário Beja Santos

Prometera dar-vos conta de uma visita a Oxford, venho atrás com a minha palavra, com a pressa de alinhar as imagens esqueci outras lembranças de Faringdon, vividas no primeiro dia. A Oxford e ao seu portentoso museu de arte e arqueologia iremos logo a seguir.
A primeira imagem de hoje é de quem foi ao posto de turismo, onde agora se situa o museu local e que no passado era a casa da bomba de água, chegou a ser hospital, tornou-se depois propriedade de Lorde Faringdon que a cedeu à autarquia, é aqui que se pode visitar o museu a que fizemos referência no número anterior. Em frente está uma bomba manual, serviu de fonte, terá sido construída no século XVI e reconstruída no século XVIII, adicionaram-lhe duas lâmpadas de gás. Felizmente que a deixaram de pé, é talvez o melhor agradecimento que se pode fazer àquela que foi ao tempo a principal reserva de água para abastecimento público.

Pump House e o que resta da velha fonte de abastecimento público

Uma das visitas obrigatórias em Faringdon dá pelo nome da igreja All Saints Church, faz parte da história local, Faringdon está perto do Vale do Cavalo Branco, conserva um celeiro do século XIII, ocupou uma posição estratégica durante a guerra civil do século XVII, os fiéis de Carlos I aqui se confrontaram com as forças parlamentares, os adeptos de Oliver Cromwell lançaram umas bombardas para a torre, e o resultado está à vista, ficou uma torre minguada. All Saints Church assenta numa antiga igreja do tempo saxão, a sua nave é tipicamente normanda, obviamente com alterações introduzidas no período gótico, a sua porta é uma preciosidade. Não é a primeira vez que vos falo deste assunto, mas apraz-me frequentar este espaço cemiterial, nada tem de medonho, é uma bela evocação da serenidade que julgo necessária para rememorar entes queridos que nos ficam para trás. Vejam as imagens, não há nada de tétrico, que os mortos estejam em paz neste coberto florestal.
Uma bela porta ao gosto normando
Faringdon foi até ao século XIX uma importante encruzilhada de caminhos, não é por acaso que esta rua de chama London Street, hoje é uma área residencial, está nas rotas do turismo interno devido às suas atrações periféricas (Vale do Cavalo Branco, Buscot Park e Buscot Manor, cuja visita aqui se registará e Kelmscott Manor, casa de verão de um genial artista, William Morris, ligado ao movimento Art and Crafts, algo como a arte nova decorativa britânica). Não esqueço a primeira visita que fiz a Faringdon, e logo aqui fiz referência, um celeiro que dá pelo nome de Great Coxwell Barn, fazia parte de uma abadia, foi construído no século XIV, Morris chamava-lhe uma das mais belas peças da arquitetura inglesa.
Interior do celeiro do século XIV, impecavelmente restaurado
O passeio até à torre Folly é uma exigência para abarcar uma vastíssima panorâmica deste belo ponto do condado de Oxford. Foi-se por esta vereda até se avistar a construção de 1935 proporcionada por Lorde Berners. Toca-nos pela sua elegância, pelo gesto humanitário que lhe está subjacente (ajudar gente desempregada), o edifício tem pouquíssima aplicação, há para ali umas reuniões anuais, mas diga-se o que se disser é o ícone de Faringdon, se o Lorde era excêntrico extravasou na perfeição para o empreendimento a que nenhum turista se furta, e a compensação do desfrute é sempre muito elevada.
Todos os passeios pedestres em tarde ensoleirada maravilham quem gosta de contemplar a natureza. Foi o que se fez, caminhando à margem da estrada que leve a Lechdale, um calor inusitado para a estação, mas aqui também a meteorologia anda às avessas, é um verde sempre muito lavado pelos orvalhos bem gotejantes, os caminhos bem tratados, a natureza pródiga, foi um passeio que deixou saudades.
É aqui que me encontro aboletado, com direito a tratamento familiar, o que se vê desta janela é uma paisagem deslumbrante, sentado olhei para aqueles inesperados reflexos da luz na parede, dou-vos a minha palavra que me pareceu um quadro, foi só puxar pela câmara, creio que resultou, ao leitor cabe decidir.
Aqui se deixa o prenúncio da visita a Oxford, o Museu Ashmolean é uma atração irresistível, espraia-se por cave, subcave e três andares, lá em baixo é o ponto de eleição para levar a miudagem, tem uma organização profundamente didática para ensinar a explorar o passado, a explicar o que é a conservação de um objeto de arte, mostra as sucessivas etapas do dinheiro, da leitura e da escrita e dos têxteis. Sobe-se umas escadarias e entra-se no mundo egeu, no Egito, na Mesopotâmia, na China, na Pré-História europeia, na escultura greco-romana, na Índia primitiva, na Itália antes de Roma e nas artes do império romano. E não digo mais para vos falar a seguir das minhas escolhas. Antes da fachada do Ashmolean que aqui se vê, temos a imagem de uma época de intolerância, no reinado de Maria a Sangrenta esta mandou para a fogueira recalcitrantes religiosos, aqui fica a lembrança de que não se deve brincar com o fogo que é a fé de cada um.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23888: Os nossos seres, saberes e lazeres (546): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (81): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23913: Boas festas 2022/2023 (10): Mensagem dos nossos amigos nova-iorquinos Vilma e João Crisóstomo


Nova Iorque > Queens > Dezembro de 2022 >  A primeira coisa que fiz ao voltar de Portugal foi dar os devidos "ares de Natal” à minha casa. As luzes são menos este ano, excepto na entrada que está mais ou menos como em anos anteriores.


Nova Iorque > Dezembro de 2022 > Depois dum concerto de  Natal no ‘Carnegie Hall,  fomos ver a árvore de natal no “Rockefeller Center”. "Boas Festas”...



Newark, New Jersey > Dezembro de 2022 > cidade que conheço bem e onde ainda vou de vez em quando, especialmente para me fornecer de coisas portuguesas, como sucedeu na semana passada num dia das compras para o Natal: bacalhau, bolos-reis (para nós e presentes para os amigos),  azeite, vinho verde e tantas coisas que nos ajudam a matar saudades Na foto, a Vilma,  a minha filha Cristina e o meu neto Caton no meio da secção de bacalhau…

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo  (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas de Guiné]


1. Mensagem do João Crisóstomo, Nova Iorque, com data de hoje, às 14;44:


Caríssimo Luís Graça e Alice

Era minha intenção telefonar-vos hoje dia 24 (são agora 06.00 AM aqui, mas os fusos horários fazem uma hora já avançada para vocês), mas resolvi antes mandar este E mail.

Ontem ao deitar dei uma olhada pelo Blogue para ver se haviam mensagens de boas festas dos nossos camaradas . Últimamnente tenho andado mesmo ocupado e já há tempos que não tenho visitado o blogue.

E logo deparei com algo que me chamou a atenção e curiosidade : Um conto de natal em que um pobre (Um tal Garrinchas, criado pelo nosso grande Miguel Torga) consoou com a Nossa Senhora e o Menino Jesus). Que coisa linda de ler! Só mesmo um Miguel Torga! E só mesmo um Luís Graca para lembrar, encontrar e ter a ideia de nos enviar um presente destes como presente de natal . Obrigado meu caro. Com certeza muitos outros ( mesmo que não façam comentários) vão sentir o que eu senti. E só por isso já valeu bem o tempo que te levou a escrever este post de natal.(*=

E logo me lembrei que tenho de telefonar ao António Luís Malhado. O Peixeira tinha-me pedido para o contactar, pois não conseguia falar com ele já há bastante tempo. E fui a descobrir que este nosso "camarada da Guiné" vive relativamente perto de mim, em Newark, New Jersey, cidade que conheço bem e onde ainda vou de vez em quando, especialmente para me fornecer de coisas portuguesas, como sucedeu na semana passada num dia das compras para o Natal… (Ver foto: a Vilma , a minha filha Cristina e o meu neto Caton no meio da secção de bacalhau…) 

 Ele, como o meu primo Germano, era do pelotão do Joaquim Peixeira. Gostei de falar com ele e até ficamos de nos encontrar logo que possível. Porque ele usa computador,  vou tentar "aliciá-lo” para entrar para a Nossa Tabanca. Vamos a ver. Entusiasmos e situações semelhantes anteriores não levaram a sucesso. Oxalá neste caso tenha mais sucesso .

Mas o sono não vinha e logo decidi ver mais alguns posts recentes. E vi então muitas mensagens de Natal de camaradas nossos: joaquim Alves, Beja Santos, António Ramalho, Ramiro Jesus e Valdemar Queiroz. 

Mas aos Valdemar Queiroz e Beja Santos, de quem tenho os contactos telefónicos, vou logo que me for possível tentar chamar directamente. A todos os outros, mencionados ou não, que enviaram a sua amizade e saudações — e também outros como o Abel Rei que o fizeram no facebook, == de que tive conhecimento pela minha Vilma que frequenta essas paragens —  o meu Muito Obrigado com a certeza dos meus votos de Boas Festas e a minha amizade também. (**)

A minha “navegação”pelo blogue levou-me ao teu “Arquivo.pt” onde , entre muitas outras coisas fui deparar com muitas fotos, descrições de lugares que "foram meus" antes de "serem teus", como os casos de Bambadinca, Bafatá, Xime, etc, que,  embora na maioria dos casos já tenha visto em posts e ocasiões anteriores, me veio proporcionar relembrar divagar e sonhar uma vez mais nesta "quase véspera" de Natal de 2022/23…

E decidi ler alguns dos comentários aos blogues mais recentes para descobrir entre os comentários ao post P 23905, que "eu este ano, estou como o condenado à morte, da cama para o corredor para a cama, com uma escapadela (temerária) ao portátil, na mesa de trabalho... Apanhei /apanhámos uma virose ou uma gripe daquelas de caixão à cova... E coitadinha da neta que andou a espalhar os vírus, não sei como ela vai conseguir esta noite ir no 'avião grande« para a «Madeira Grande«... Por mim e pela a Alice, o Natal está feito...Faz-me tristemente lembrar as tristes crises palúdicas da Guiné"---

E eu que raramente rogo pragas (mas faço-o quase sem dar por isso quando as razões são fortes) dei comigo a acordar a Vilma e a praguejar contra mim mesmo… "Como é possível passarmos tanto tempo sem telefonar que o pobre do Luís Graca e a Alice estão doentes e nós nem sabemos nada?”

Bom meu caros…mea culpa, mea culpa… Very very sorry to hear this. Oxalá essa virose ou gripe malvada passe depressa. Ficamos “torcendo”,”rezando” ou o que quer que seja seja mais forte e dê mais resultados. Estamos com vocês. Com muita saudade e muita amizade,

João e Vilma
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Guiné 61/74 - P23912: Boas festas 2022/2023 (9): Mensagens dos nossos camaradas e amigos: Hélder V. Sousa, ex-Fur Mil TRMS; Joaquim Costa, ex-Fur Mil API; José Câmara, ex-Fur Mil Inf; João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil e Idálio Reis, ex-Alf Mil Inf

BOAS FESTAS DOS NOSSOS CAMARADAS


1. Mensagem natalícia do nosso camarada Hélder Sousa, (ex-Fur Mil TRMS, TSF - Piche e Bissau, 1970/72)

Meus caros amigos e camaradas (e outros)
Com estas expressões acima, procuro que as mesmas sejam inclusivas para os "amigos" de diversos graus, ou seja de profundidade de interação, desde os superficiais aos mais profícuos, e também para os "camaradas", sejam os das Transmissões, os de Piche, os de Bissau, os que de mais perto ou de menos perto comungam pontos de vista próximos.
Claro que nesta época de grandes desejos de felicidade, e tendo em conta o meu cognome de "conciliador-mor" pressurosamente colocado faz tempo, não poderia deixar de incluir nestas palavras "os outros", aqueles que não se enquadram nas duas categorias anteriores.
Em épocas recentes acabava sempre por fazer um ou outro "escrito" marcado pela dor do falecimento da minha mãe no dia do Natal de 2012. Agora, passados 10 anos, embora ao chegar "a data" ainda mexa comigo, já consigo o distanciamento suficiente para vos desejar umas "Festas Felizes", ou seja, um "Bom Natal", comemorando o nascimento de Jesus que, embora parecendo um acontecimento intrínseco apenas à Fé Católica, na realidade se trata de algo que veio dar ao Mundo uma nova esperança de vida e de relacionamento entre pessoas, e também um "Feliz Ano Novo", embora se saiba que se trata apenas de um simples desejo, já que tudo indica que não será bem assim.

Então... para todos, "Festas Felizes"!
Hélder Sousa


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2. Mensagem natalícia do nosso camarada Joaquim Costa, ex-Fur Mil Armas Pesadas de Inf da CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74):


Para o Administrador, Editores e toda a "comandita" do nosso Blogue, um SANTO NATAL e um entrada à P**** em 2023.

São os votos deste sempre Periquito
Joaquim Costa



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3. Mensagem natalícia do nosso camarada José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73):

Caro amigo,
Que o Natal seja passado com muita paz e saúde, sem dúvida a melhor prenda que o Menino nos pode trazer, no seio da família.
Boas Festas e Bons Anos.

Abraço transatlântico.
José Câmara


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4. Mensagem natalícia do nosso camarada João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, CMDT do Pelotão de Transportes Especiais (BENG 447, 1968/71):
Bom dia,
Venho desejar-te os melhores votos de Feliz Natal por email pois perdi o meu telemóvel com todos os contactos.
Continuo porém a acompanhar e ler todos os dias o "nosso" blog.

Até breve,
Um abraço
João Rodrigues Lobo


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5. Mensagem natalícia do nosso camarada Idálio Reis, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Gandembel, Ponte Balana e Nova Lamego, 1968/69):

Festas Natalícias felizes e um próximo Ano vivido em pleno no seio de toda a família.

Calorosamente,
Idálio Reis

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23908: Boas Festas 2022/23 (8): Relembrando a nossa partida para o CTIG, em 22/12/1971, recordando os mortos e desejando melhores dias para os vivos (António Duarte, ex-fur mil at inf, CART 3493/BART 3873, e CCAÇ 12, Mansambo, Bambadinca e Xitole, 1972/74)