quarta-feira, 4 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname


Guiné > Região de Tombali > Posição relativa de Cacine, Gadamael e Guileje, na bacia hidrográfica do Rio Cacine, junto à fronteira sul com a Guiné-Concacri (pormenor). Topónimos assinalados a verde.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Cacine > Simpósio Internacional de Guileje > Visita dos participantes ao Cantanhez > 2 de Março de 2008 > Cais de Cacine, ao fim da tarde... Cacine é hoje uma povoação decadente... Por aqui passaram importantes contingentes das tropas portugueses, e nomeadamente tropas especiais, como os fuzileiros e os pára-quedistas, nomedamente em Maio, Junho e Julho de 1973, quando o PAIGC lançou uma grande ofensiva contra as nossas posições no sul, em especial no corredor de Guileje: Iemberém, Guileje, Gadamael...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Capa do livro de Carmo Vicente - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. 110 pp. Prefácio de Manuel Geraldo (*).

Foto: © Jorge Santos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Leopoldo Amado, datada de 7 de Abril de 2008:

Lendo hoje algo sobre Gadamael, apressei-me a reencaminhar-vos o texto de Vicente Carmo que em tempos enviei ao Pepito e que penso que deve ser publicado, pelo menos rcialmente, no nosso blogue, pois dá uma ideia do que foi Gadamael, depois de Guiledje. Leopoldo Amado



2. Mensagem de Leopoldo Amado, de 17 de Outubro de 2007, enviado ao Pepito:


Assunto: Gadamael, de Carmo Vicente

Caro Pepito,

Segue em anexo o prometido texto de Carmo Vicente,  inquestionavelmente, dos autores mais ousados da grande gama de literatura de guerra existente sobre a Guiné. Ainda há dias, li uma outra coisa dele sobre os crimes de guerra e fiquei estarrecido.

O texto dele traz-nos inclusivamente alguns nomes que nos são familiares como o do nosso compatriota D... (provavelmente parente do jovem sportinguista e Director da Escola de Formação Profissional da AD, esqueço-me do nome) e ainda do nosso Coutinho e Lima [ex-comandante do COP3, à data do abandono de Guiledje, em 22 de Maio de 1973].

Lamento não o conhecer pessoalmente o Carmo Vicente, pois seria uma presença necessária no Simpósio [Internacional de Guiledje], até pela sua frontalidade e sensatez.

Tentei em vão pôr-me em contacto com ele e descobri, através de uma pequena pesquisa na NET, que o homem é agora empresário do sector da construção civil, possuindo, inclusivamente, uma ou várias empresas que laboram no sector do fornecimento de pedras diversas.

Para além de ser extremamente factual, o texto que agora envio é de tal acutilância que também dá uma ideia aproximada da determinação com que o PAIGC, no Sul, teria conduzido o processo que visava desalojar o Exército português de todo o corredor fronteiriço com a República da Guiné.

Não seria provavelmente má ideia colocar este no blogue [Luís Graça & Camaradas da Guiné] e ficar a espera de reacções que certamente enriqueceriam ainda mais os testemunhos sobre o Sul em geral e sobre Guiledje, Balana e Balana Cinho, em particular.

Talvez devêssemos e pudéssemos criar no site do Simpósio uma secção com textos afins, à semelhança, por exemplo, de alguns outros de Idálio Reis, e a transcrição da entrevista de um ou outro ex-combatente do PAIGC (Umaro Djalo, por exemplo), os quais poderiam ir ajudando a balizar as intervenções, tornando-as mais ricas, na medida em que, a partir daí, certamente os intervenientes teriam de fazer um maior esforço para se distanciarem das evidências e dos lugares-comuns.

Abraço,
Leopoldo Amado



3.  1. Extracto de VICENTE, Carmo - Gadamael. Cacém: Edições Ró. 1982, 1ª ed.,  pp. 97-105. .

Excerto enviado pelo historiador Leopoldo Amado. De acordo com a nossa orientação editorial, optámos por não publicar as passagens em que o autor faz críticas ao comportamento humano, disciplinar ou operacional de camaradas seus, incluindo superiores hierárquicos. As passagens omitidas (incluindo aquelas em que o autor indentifica pelo apelido camaradas que têm direito à reserva de privacidade e ao anonimato] vêm assinaladas com parênteses rectos: [...].


Com devida vénia ao autor e à editora. Revisão e fixação do texto, comentários e subtítulos: LG.


Aviso à navegação:

Chega-nos às mãos, graças ao nosso historiador e amigo Leopoldo Amado, mais uma peça para o dossiê Gadamael... Temos aqui falado muito de Guileje e até de Guidaje, mas pouco de
Gadamael

É sabido que estes três G estão associados à escalada da guerra, que se seguiu ao assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973 e precedeu a declaração (unilateral) de independência da Guiné-Bissau em 24 de Setembro de 1973. 

Maio, Junho e Julho de 1973 foram três meses terríveis para as NT, cercadas em Guidaje, Guileje e Gadamael (**).

Este testemunho sobre os acontecimentos de Gadamael são de um 1º sargento paraquedista, Vicente Carmo, da CCP 122/BCP 12 (Guiné, Bissalanca, 1972/74). 

O Vicente Carmo era(é) amigo do Manuel Rebocho, sargento pára-quedista da CCP 123. E é conhecido do Victor Tavares, ex-1º Cabo da CCP 121, que também esteve em Gadamael, entre Junho e Julho de 1973. O Manuel Rebocho (CCP 123) e Victor Tavares (CCP 121) são membros da nossa tertúlia e já aqui nos deixaram testemunhos dramáticos da sua actividade operacional. Parte dos seus depoimentos, relativamente a Gadamael, podem ser cotejados com os do Carmo Vicente (CCP 122). Todo o batalhão, o BCP 12, esteve envolvido na batalha de Gadamael (entre 2 de junho e 17 de julho de 1973).

Ainda não tive acesso ao livro do Vicente Carmo, Gadamael - Memórias da guerra colonial. A última edição, a 2ª, é de 1985 (Editora Caso, Lisboa). Não faço, por isso, uma recensão do livro que não li, limito-me apenas a rever e a fixar o texto que me chegou, e a torná-la mais legível, através da inserção de subtítulos.


 Agradeço ao Leopoldo Amado a sugestão bibliográfica. Devo apenas corrigir uma informação (errónea) que ele nos transmite: a empresa Carmo Vicente Lda, com sede no concelho de Santarém, não tem naada a ver com o nosso camarada paraquedista, cujo paradeiro desconheço. Sei que é DFA. Conforme confirmei pessoalmente, o fundador e sócio-gerente desta firma é um homem muito mais novo (na casa dos 40), que nunca esteve na Guiné e muito menos nos paraquedistas.

O testemunho do Carmo Vicente deve ser lido como mais um contributo, em primeira mão, para o conhecimento de um dos momentos cruciais da Guerra na Guiné, a ofensiva do PAIGC contra o corredor de Guileje, e que começou com a Op Amílcar Cabral, levando à retirada de Guileje pelas NT em 22 de maio de 1973.

Gadamael (bem como Guidaje, a norte) vergaram, mas não caíram. É nosso dever lembrar aqui os combatentes, de um lado e de outro, que morreram nestes ferozes combates... A defesa de Gadamael terá custado cerca de meia centena de mortos, para além de dezenas feridos.

Recorde-se o que na badana do livro, acima citado, se pode ler (*):

"Carmo Vicente é [era em 1985] 1º sargento pára-quedista, tem 38 anos, e participou em 3 comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique. Gadamael é uma narrativa apaixonada, mas profundamente crítica, dessa experiência, constituindo mais uma achega importante para a construção histórica do itinerário colonial de parte significativa da juventude portuguesa, entre 1961 e 1975.

"Sobre Carmo Vicente escreve em prefácio Manuel Geraldo: Ao contrário de vários autores que até agora se debruçaram sobre o mesmo tema, Carmo Vicente possui a vantagem de ter sido mobilizado pela 1ª vez como soldado, acabando por chegar a 1973 na situação de 1º sargento, no comando de um pelotão, precisamente em Gadamael. Logo, viveu o conflito em toda a sua plenitude, como 'actor' em escalões progressivos e com graus de sensibilidade diversa. Embarcado para a Guiné em 1966, com a mentalidade de 'cruzado', Carmo Vicente acabaria por descobrir a verdadeira face dos interesses em jogo e do papel que lhe tinham reservado no palco das operações".
.



Na página não oficial do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 12 – Unidade e Luta (que ironia: era uma expressão muito querida a Amílcar Cabral...), pode entretanto ler-se o seguinte excerto relativamente à actividade operacional das três CCP, no sul da Guiné, no período em referência:


(...) "Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje, obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas.

"A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá, tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5.

"A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu.

"A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado" (...).


Neste excerto sobre Gadamael, da autoria de Carmo Vicente, fala-se também das misérias e grandezas dos nossos paraquedistas... que não eram deuses nem super-homens, eram apenas homens com o resto das NT (os arre-machos, a tropa-macaca...) e os guerrilheiros do PAIGC. Noutro poste publicaremos algumas mensagens, sobre o livro e o seu autor, que nos mandaram alguns dos nossos camaradas da Tabanca Grande (a começar pelos ex-paraquedistas do BCP 12, o Victor Tavares e o Manuel Rebocho), a quem pedi conselho nestes termos:


"Junto vos envio um excerto do livro do Vicente Carmo sobre Gadamael. É já antigo, esse livro. Chegou-me às mãos, ou melhor, foi-me enviado por e-mail pelo Leopoldo Amado, com a sugestão de ser publicado, no todo ou em parte, no nosso blogue... Acontece que tenho reservas, devido à críticas, muito pessoais, que o autor faz ao comandante do seu batalhão (BCP 12) e a alguns dos seus camaradas... Não sei se são justas ou não... Mas vão contra o espírito do nosso blogue.

"Não conheço o livro nem o autor (de quem já publicámos em 11 de Fevereiro de 2007 uma versão sobre os distúrbios ocorridos em Bissau, em Janeiro de 1968). Gostava de ouvir a opinião dos nossos páras, o Victor e o Rebocho, nossos camaradas do BCP 12 (o Vicente era sargento da CCP 122), mas também daqueles que conheceram, de perto, Gadamael, na época em causa (Maio/Julho de 1973): caso do Casimiro Carvalho, do Jorge Canhão, do Hugo Guerra, do Coutinho e Lima... Mas também do Pedro Lauret... Enfim, também solicito o parecer do A. Marques Lopes e do Nuno Rubim, nossos assessores, bem como do Leopoldo, e dos meus queridos co-editores.

"Interessa-me sobretudo o relato (objectivo, isento ?...) sobre os acontecimentos de Gadamael, e não propriamente os juízos de valor sobre os homens... Podem-me dar-me uma ajuda ?"

Acabei por decidir publicar este excerto, em duas partes, omitindo apenas os nomes dos camaradas (do BCP 12) que são alvo de crítica do autor. Segui, no essencial, os preciosos conselhos dos camaradas a quem pedi opinião (incluindo o Victor Tavares e o Manuel Rebocho, que pertenceram a essa unidade e foram dois valorosos combatentes e orgulhosos pára-quedistas).

O depoimento de Carmo Vicente, em livro sob a forma memorialística, é demasiado precioso e importante para ficar por aí, perdido, nas prateleiras de algumas bibliotecas públicas ou nos armazéns dos alfarrabistas. Divulgando este pequeno excerto, homenagemos o autor, os paraquedistas e os demais combatentes, de um lado e de outro, que estiveram na batalha de Gadamael. E sobretudo os mortos, todos os militares e civis que lá perderam a vida, portugueses e guineenses...

Espero que o autor e o editor sejam condescentes connosco e que aceitem a nossa sugestão de uma nova edição. A 2ª edição remonta a 1985. Sugere-se uma 3ª edição, revista e melhorada. A 1º edição tinha diversos erros e gralhas, por falta de um bom revisor de texto. Gralhas, erros ortográficos e pontuação foram agora corrigidos, nesta versão bloguística (mais uma vez, com a devida vénia...). Uma 3ª edição teria seguramente o apoio do nosso blogue.

Segundo o Victor Tavares, o Carmo Vicente terá sido ferido em Gadamael. Ele leu o livro, mas não conheceu operacionalmente o seu camarada, que pertencia a outra companhia do batalhão (a CCP 122). Não estiveram juntos em Gadamael na mesma altura [a CCP 122 e a CCP 123 foram a 2 de Junho de 1973, partindo de Cacine; a CCP 121 foi mais tarde, a 13; e possivelmente cada companhia do BCP 12 ia com missões distintas]. 

Por seu turno, o Hugo Guerra (que também passou por Guileje e Gadaamel) diz que só conheceu o Carmo Vicente, em Lisboa, na ADFA. "Acho que partiu as duas pernas ao saltar dum heli e é DFA". 

O Manuel Rebocho, por sua vez, diz que é amigo do Carmo Vicente, não leu o livro e está em desacordo com ele em relação a críticas que faz aos seus comandantes.

Se alguém souber do paradeiro do Carmo Vicente, que nos contacte.


GADAMAEL PORTO -Parte I, por Carmo Vicente 

(Com a devida vénia ao autor e à editora)
Ficha do livro:

Titulo do livro: Gadamael
Autor: Carmo Vicente
Editora: Edições Ró
Ano de Publicação: 1982
Local de publicação: Cacém
Páginas referentes ao extracto (I e II Partes), enviado pelo Leopoldo Amado.: pp. 97 à 105.



Gadamael (**) era uma pequena aldeia, situada ao sul da Guiné-Bissau, entre Cacine e Guileje, a escassos três quilómetros da fronteira com a Guiné Conacri. Todo o aldeamento era fortificado. Fora construído pelas forças ocupantes, com a finalidade de controlar a população que, assim, ficava a fazer parte do quartel e sujeita a um regulamento rigoroso, quase militar.

À noite, ninguém podia sair ou entrar no aldeamento. O recolher obrigatório era permanente e começava ao anoitecer, para só acabar com a manhã. Nesse espaço de tempo, quem se aproximasse, podia ser morto, por ser considerado inimigo.

Era, por assim dizer, uma população resignada à sua sorte. Permanecia ali, porque sabia por experiência própria que a vida lhes era mais fácil apesar de tudo, ali do que no mato, onde toda a gente era considerada inimigo, sujeitando-se a ver destruídos os seus haveres, ou ser queimada pelo napalm, que os aviões despejavam todos os dias, sobre a terra mártir da Guiné.

Para além disso, se caíssem prisioneiros, iam sem dúvida parar as mãos da PIDE, coisa nada agradável, pois o tratamento dado por aquela polícia aos prisioneiros era simplesmente brutal.

O facto de se sujeitarem à protecção da tropa, não os transformava contudo em gente dócil e de maneira nenhuma conivente com ela. E muitas vezes era através da população civil que o PAIGC tomava conhecimento de todos os nossos movimentos: saídas para patrulhamentos, efectivos existentes, armamento usado, nomes dos militares mais graduados e por vezes, até, a sua situação familiar.


(i) CCP 122/BCP 12: Os pára-quedistas na segurança da nova estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém


Quando em abril  de 1973
 [lapso de memória do autor, deve ser junho de 1973]   cheguei a Gadamael, integrado na Companhia de Caçadores Paraquedistas n.º 122, toda a população tinha fugido para o mato ou talvez, e isso é o mais plausível, para a vizinha Guiné, abandonando o aldeamento-quartel, devido aos bombardeamentos constantes do PAIGC. No quartel haviam ficado apenas os militares que constituíam o batalhão ali destacado: uns duzentos homens, entre combatentes e pessoal dos serviços.

Era assim Gadamael Porto. Um local nada agradável, onde eu e mais algumas centenas de camaradas passámos os quarenta mais longos dias, das nossas vidas. Onde muitos caíram para nunca mais se levantarem e outros se estropiaram física e moralmente para o resto dos seus dias.

A minha companhia tinha regressado de uma missão de combate que durara três meses. Em Cabochanque e Cadique tínhamos sofrido alguns mortos e feridos enquanto fazíamos a protecção dos trabalhadores que construíam a nova estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém. Uma distância de pouco mais de treze quilómetros que nos ficou à razão de um morto por quilómetro. Ali, vários bons camaradas pagaram, com a vida, aquela obra de fachada estratégica mais que duvidosa, de Spínola.

Entre os mortos, contava-se o meu amigo Teixeira, de Carrazedo de Montenegro [ Valpaços, Vila Real] [...] (***).


(ii) Ordem para partir para Gadamael

Encontrávamo-nos terrivelmente cansados, depois daqueles três meses de mato e como seria lógico iríamos descansar. Era o que nós pensávamos. Porém, não era o que pensava o nosso comandante de Batalhão [...].

 Quando chegamos a Bissau, encontramos o comandante à nossa espera. Disse-nos sem grandes rodeios, que nos preparássemos para ir imediatamente para Gadamael Porto. A tropa ali estacionada precisava de nós e não podíamos, nem devíamos, regatear essa ajuda.


(iii) Sabíamos que Guileje tinha caído


Sabíamos o que se estava a passar em Gadamael Porto. Depois da queda da nossa posição fortificada de Guileje, o PAIGC, explorava agora aquele ponto, tentando varrer-nos progressivamente daquela zona que considerava libertada.

Sabíamos que Guileje tinha caído. Nem um só dos nossos homens o ignorava, apesar das informações nesse sentido serem o mais camufladas possível. Sabíamos que o major [ Coutinho e Lima,] que comandava a força ali estacionada, depois de várias apelos a Spínola para lhe mandar ajuda e ter recebido deste, apenas negativas e porque verificou que se ficasse mais um dia que fosse, naquele local, seria massacrado inutilmente, resolveu por sua conta e risco poupar a vida dos seus homens e a sua, abandonando aquela zona, transportando consigo apenas o material de guerra que uma tropa arrasada física e moralmente podia humanamente transportar, através de uma mata rasteira e extremamente cerrada.

Todos os militares que na Guiné davam o corpo ao manifesto apoiaram moralmente a atitude corajosa do comandante do aquartelamento do Guileje. No entanto, Spínola parece não ter sido da mesma opinião, ao mandar prender aquele militar que mais não fez do que livrar de morte certa ou do aprisionamento os militares que comandava, não os deixando morrer pela pátria, nem entrar na galeria dos heróis mortos e esquecidos.


Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d [anterior ou posterior a Maio/Junho/Julho de 1973 ? ] > Tabanca, reordenada pelas NT.

Foto: Autores desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: ©
AD -Acção para o Desenvolvimento (2007).


(iv) Bico calado: tínhamos mais medo da prisão do que dos guerrilheiros do PAIGC


Era realmente necessário, ajudar de qualquer maneira, os nossos camaradas de Gadamael. Tinham sofrido já vários mortos e feridos que era preciso evacuar o mais rápido possível. Nós sabíamos tudo isso e não podíamos, como militares e combatentes que éramos, negar-lhes essa ajuda. [...]

 Ninguém de entre nós, estava esclarecido politicamente, o estritamente necessário, para esboçar sequer o mais leve indício de recusa. Todos os camaradas tinham mais medo da prisão do que dos guerrilheiros do PAIGC. Apesar de com estes terem mais probabilidades de morrer, havia sempre a possibilidade de escapar e com a PIDE, nunca se sabia, o que poderia acontecer. Era deste medo colectivo, de desobedecer a uma hierarquia retrógrada, que os grandes senhores se iam governando. Aumentando louvores e galões de mistura com cruzes de guerra e torres espadas, que ultimamente eram distribuídas a indivíduos que nunca tinham posto uma mochila às costas e nunca saíram do ar condicionado dos quartéis-generais.


Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha (zebros) dos Fuzileiros... "Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atingida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier" (MLS).

Foto e legendas: ©
Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


(v) De noite, de LDG, de Bissau a Cacine com 30 salgadeiras a bordo…


Saímos de Bissau, numa lancha de desembarque grande (LDG) com rumo a Cacine. Levámos connosco apenas o equipamento necessário para quatro dias. Tempo previsto para a operação que, segundo nos informaram à partida, se destinava a evacuação de toda a tropa e equipamento existente em Gadamael Porto. Tínhamos, segundo a voz do comando, que aguentar a segurança do aquartelamento até a completa retirada do último soldado do Exército. Findo esse trabalho, regressaríamos a Bissau e poderíamos então descansar.

Poucos de nós, acreditavam ainda, nas lindas promessas que nos vinham de cima e na parte que me toca, confesso, que não acreditava mesmo nada.  [...] Por isso também daquela vez, não acreditei que a estadia em Gadamael iria ser tão curta como nos queriam fazer crer.

O trajecto entre Bissau e Cacine, foi feito de noite, com todas as luzes apagadas para maior segurança. Os ânimos iam bastante exaltados. Talvez contribuísse para isso a proximidade de três dúzias de salgadeiras (urnas funerárias) que, sem nenhuma preocupação para ocultar a sua presença, viajavam, silenciosamente macabras, no mesmo transporte e apenas a alguns passos de nós. As urnas, ali naquele local e em tão grande quantidade, constituíam a prova irrefutável que as coisas em Gadamael Porto, estavam mesmo feias, levando alguns de nós, se não todos, a pensar que dentro de poucos dias ou até horas poderiam ir ocupar tão sinistras habitações.


(vi) Perdida a ilusão da superioridade de se ser pára-quedista


Ainda durante a viagem, começaram os protestos dos soldados, por não lhes ter sido dado tempo de descanso prometido. Na sua esmagadora maioria, estavam-se absolutamente nas tintas para a vitória ou a derrota de uma guerra onde tinham sido integrados contra a sua vontade e não lhes interessava mais do que safar a pele, o mais inteira possível. Estavam-se nas tintas para as condecorações e louvores. Foram voluntários para os pára-quedistas, porque lá na aldeia onde sempre viveram lhes tinham dito que lá é que era bom. Que havia boa comida e que teriam uma farda muito bonita e uma boina verde. Que saltariam de paraquedas e que as raparigas se pelavam pelos páras. 

Agora, porém, perdida a ilusão da superioridade (alimentada por vezes, até ao ridículo, pela hierarquia) em relação aos seus camaradas das outras armas a quem chamavam arre-machos, arrependiam-se de não ter optado pela farda verde azeitona e pela boina castanha dos homens do Exército. Se ainda lutavam, era simplesmente animado pelo afã de não morrer. Borrifavam-se nos amores pátrios e para uma guerra que não sentiam como sua, feita numa terra estranha que não tinha nada a ver com a sua verdadeira Pátria.

Nos últimos anos de guerra, deram-se condecorações e louvores, a combatentes e não combatentes e forjaram-se, criaram-se inventaram-se heróis. A Ditadura estava aflita e as medalhas eram o material mais barato para comprar o sangue e as consciências. E houve tantos que venderam a consciência e o sangue dos outros por um miserável pedaço de metal ou mais uma estrela, ou mais um risquinho amarelo nos ombros...


(vii) De Cacine para Gadamael, em LDM e zebros, e de capacete!


Depois de várias horas de LDG, chegamos a Cacine e ai começámos a aperceber-nos do perigo real que nos esperava no local para onde inexoravelmente nos estavam a empurrar. Ouvia-se nitidamente, o bombardeamento a que Gadamael estava a ser sujeito, provocado pelas armas pesadas que o PAIGC possuía em abundância. Ao ouvir aqueles rebentamentos, que nos soavam aos ouvidos de forma quase ininterrupta, os soldados vinham perguntar-me:
- Meu sargento, acha que este fogo é nosso, ou dos turras?

À esta pergunta eu dava invariavelmente a mesma resposta, dizendo que não, que aqueles rebentamentos, não eram provocados pelos turras, mas por nós, que eram os nossos obuses 14 em acção. Eu sabia que estava a mentir. Mas que podia eu responder àqueles homens assustados, se lhes dissesse o que pensava daquela situação? Ficariam de certo ainda mais aterrorizados.

Eram aproximadamente dez horas da manha quando saímos de Cacine com rumo a Gadamael. Desta vez o transporte foi feito em LDM (lancha de desembarque médio), que por serem mais pequenas eram mais facilmente manobráveis no rio que ia estreitando à medida que penetrava em terra. Conforme nos aproximávamos ia-se também acentuando o nosso nervosismo que, em alguns de nós, era já perfeitamente visível. Levaríamos connosco, o equipamento necessário para dois dias. Tudo o resto ficou nas LDM.

A quatro ou cinco quilómetros de Gadamael Porto, passamos ordenadamente das LDM para os Zebros (botes de borracha com motor fora de borda) dos fuzileiros. A partir dali, era extremamente perigoso continuar nas lanchas. Os Zebros, muito mais pequenos e de fácil manobra, permitiam-nos um desembarque rápido debaixo de fogo.

Pela primeira vez, desde há muitos anos, foi ordenado o uso do capacete, que apenas tinha sido usado nos primeiros meses da guerra em Angola. Fiquei irritado com esta ordem. O capacete é, neste estilo de luta, um apêndice que não se justifica de modo nenhum e que não compensa o esforço que o combatente despende para o aguentar. Pensei, com uma certa dose de humor negro, que a ordem para usar capacete mais não servia senão para nos dar um aspecto mais viril e mais guerreiro, frente aos militares que em Gadamael, perfeitamente desorganizados, corriam em todas as direcções e tentavam meter-se à força nos barcos que nos levavam a nós.


(viii) Gadamael parecia um filme do Vietname, com o aquartelamento e a tabanca praticamente destruídos


Chegámos ao cais uns atrás dos outros, e desembarcámos debaixo de uma saraivada de morteirada de cento e vinte milímetros, correndo sempre em direcção às valas que circundavam o quartel que, apesar de mal feitas e pouco profundas, sempre ofereciam mais abrigo do que o terreno plano junto ao cais.

De relance analisei a situação: todo o quartel e aldeamento circundante estavam praticamente destruídos. As granadas de morteiro de cento e vinte milímetros, os foguetões de cento e vinte e dois, que continuavam a explodir por todo o lado tinham dado ao quartel um aspecto quase lunar com crateras por todos os lados. Das instalações do quartel, apenas um ou dois edifícios ainda se mantinha teimosamente de pé, apesar de muito danificados. O que vi nos primeiros minutos deixou-me impressionado. Nunca até aí eu vira nada semelhante, nem sonhara sequer que aquilo fosse possível, naquele tipo de guerra. Parecia um filme rodado no Vietname.

Entretanto, os bombardeamentos continuavam sempre com redobrada intensidade, obrigando-nos a permanecer na vala, quase sem hipótese de pôr a cabeça de fora sem correr o risco de a perder. A experiência que já tinha de situações anteriores dava-me a certeza de que tínhamos ali uma bota difícil senão impossível de descalçar.

Os soldados estavam aterrorizados e só poucos ainda mantinham um certo sangue-frio, frente a situação. A contestação era geral. Não contra os guerrilheiros que nos combatiam, mas sim contra quem nos tinha metido naquela embrulhada. Contra os que tinham ficado em Bissau na sombra agradável dos gabinetes, indiferentes à nossa sorte. Contra os que diziam que uma guerra não pode ser feita sem baixas esquecendo-se que se na realidade nas guerras tem que morrer soldados, sargentos e capitães, também logicamente terão de morrer coronéis e generais. Naquela, infelizmente isso não acontecia e só por essa razão durava já havia doze longos anos.

Os soldados perguntavam o que faziam ali, numa guerra estúpida, lutando contra um inimigo que nunca viam e nem sequer odiavam. Não obtinham resposta. Aqueles que lhe podiam responder, tinham ficado na retaguarda como abutres a espera de poder saborear os louros da vitória ou enjeitar a derrota. Culpando-nos, se a última acontecesse, de falta de combatividade, de coragem, ou eu sei lá que mais para assim poderem fugir aos fracassos de operações mal planeadas.

Que poderiam perceber de contra-guerrilha, homens que nunca tinham posto os pés no mato e cuja teoria e táctica da mesma não ia além da aprendida num casarão da Gomes Freire ou da Amadora ou ainda em alguns manuais feitos pelos generais da brigada do reumático, agarrados possivelmente a normas antigas de fazer a guerra que pouco tinham evoluído desde a batalha do Buçaco. É que muito possivelmente nem saberiam distinguir muito bem, entre o efeito destruidor de uma bomba de foguete desses utilizados nas romarias e uma granada de morteiro de cento e vinte milímetros? E para que haviam os nossos generais-guerrilheiros-improvisados responder a um simples soldado que, apesar de contestatário, lá ia combatendo, dando a vida para que eles pudessem comprar mais um automóvel de luxo e as mulheres e amantes pudessem continuar nas canastradas com as mulheres e amantes dos ministros e outros quejandos?


(Continua > Gadamael - Parte II >
________________


Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)

(...) "1º Sargento Paraquedista Carmo Vicente (...) participou em três comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique.

"O testemunho do Sargento Carmo Vicente [sobre os tristes acontecimentos de Bissau, em Janeiro de 1968,] consta na obra Gadamael de sua autoria, das Edições Caso (2ª edição), de Julho de 1985 (páginas 25 a 30).

"Para além da referida obra, Carmo Vicente é também autor de Grades de Novembro, Gritos de Guerra, A Sentença, Era uma vez... 3 guerras em África, entre outras.


(**) Sobre Gadamael, vd. os seguintes postes:

2 de Julho de 2005 >
Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

2 de Dezembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

15 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

(...) Trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso (Público, 26 de Junho de 2005) (...)

(...) A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (...)

...) "Seriam uma oito da manhã de 2 de Junho [de 1973] quando a Orion chegou ao largo de Cacine. Foi a essa hora que também chegaram as notícias dos acontecimentos que tinham estado na origem daquela missão.

(...) "O major Pessoa, do batalhão de pára-quedistas [BCP 12] que se encontrava em Cacine, subiu a bordo da Orion e explicou o que se estava a passar: a guarnição de Guileje, um quartel situado numa zona próxima da fronteira com a Guiné-Conakri, tinha sido alvo de ataques fortíssimos e o comandante da unidade, [major] Coutinho e Lima, sem reforços, sem apoio de tropas especiais, sem meios de evacuação de feridos e mortos, decidira retirar do quartel e evacuar todo o pessoal para Gadamael. Foi imediatamente preso e enviado para Bissau às ordens de Spínola. Gadamael estava agora debaixo de fogo intenso e de alta precisão.

"O retrato da situação em Gadamael feita pelo major Pessoa era caótico. 'As últimas indicações indicavam que de um conjunto de efectivos de quase três companhias, só se encontravam no quartel a defender aquela posição cerca de 30 homens. Os restantes e a população encontravam-se em fuga pelas margens do rio', recorda Pedro Lauret.

"A reacção de Spínola à deserção anunciava-se tremenda. O major Pessoa informou então os comandantes do Orion que tinha estado de manhã em Cacine e Gadamael por brevíssimos instantes e tinha proibido o socorro a quaisquer militares em fuga, considerando-os 'uns cobardes'.

(...) "Apesar das ordens de Spínola, a disposição do major Pessoa era outra. 'Informou-nos da urgência de ir socorrer esse pessoal devido ao elevadíssimo risco em que se encontravam. Frisou-nos que se não estivéssemos dispostos a ir contra a determinação do general ele próprio tentaria recuperar os militares, nem que fosse em canoas', afirma Lauret.

"A determinação do major Pessoa, que volvidos trinta e dois anos não quer falar sobre os acontecimentos de Gadamael, percorreu todo o navio. O Orion partiu de imediato em auxílio das tropas fugitivas e nada comunicou ao Comando da Defesa Marítima " (...).

15 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

(...) Um momento alto do encontro do nosso 1º encontro na Ameira [em 2006] foi a evocação da LFG Orion por parte do ranger Casimiro Carvalho: foi através do nosso blogue que ele soube, trinta e três anos depois, que, além dos pára-quedistas [do BCP 12], houve outros anjos da guarda no princípio do mês de Junho de 1973, a guarnição da LFG Orion, representada na nossa tertúlia e no encontro da Ameira pelo comandante Pedro Lauret, na altura oficial imediato do navio (...).

(...) "Quem deu algum ânimo aos poucos que estavam foi desde logo o 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, que se voluntariou para fazer o arriscadíssimo trajecto até ao paiol. Enfiou-se numa Berliet e foi buscar munições debaixo de fogo intenso. Gadamael estava cercado, sem artilharia, sem apoio aéreo, sem capitães, sem médico, sem rádio, sem munições de morteiro 81, tinha por companhia apenas três ou quatro militares na linha da frente.

"A bravura do cabo Raposo e do furriel Carvalho, porém, foi um encorajamento para todos. Com o morteiro 81 municiado pelas granadas trazidas na Berliet, com uma metralhadora que conseguiram montar e os tais três ou quatro militares passaram o resto da noite de 1 para 2 de Junho a lançar umas morteiradas e umas rajadas de metralhadora de tempos a tempos. Só no dia 2 de Junho é que se apercebeu que uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca, se tinha deslocado com a população para junto do rio Cacine" (...).


5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

19 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(...) "Depois de regressada do inferno de Guidaje, a CCP 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca, gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

"Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

"Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, lá chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

(...) "No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os pára-quedistas da CCP122, aonde iriam recuperar durante um curto período" (...).

25 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

18 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

25 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

27 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

7 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

30 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2801: Fotos e relatos de Gadamael, Maio / Julho de 1973, precisam-se (Nuno Rubim)

(...) "Como estou, como é vulgo dizer com a mão na massa, também penso realizar algumas pequenas pesquisas sobre outra saga, desta vez Gadamael.

"Já tenho o levantamento de todas as unidades que por lá passaram, mas naturalmente o que mais me vai ocupar é o período de Maio a Julho de 1973.

"Também seria muito interessante tentar fazer um esboço do que teria sido o aquartelamento nessa altura, sem abrigos blindados como os que houve em Guileje e Gadembel ...Só valas e trincheiras a céu aberto !" (...)

(***) David Ferreira Teixeira, Sold Pára-quedista, da CCP 123/BCP 12, morto em 14 de Abril de 1973.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2914: Em busca de...(28): Quem conheceu o Inissa Cassamá, Soldado Enfermeiro, natural de Sangonhá? (Famara Cassamá, irmão)

Famara Cassamá entrou recentemente em contacto connosco, através do Nelson Herbert (da Voz da América, já aqui apresentado como um guineense da diáspora), pedindo informações sobre o paradeiro de alguns militares ou ex-militares dos tempos em que ele era um menino em Sangonhã.

1. O Nelson Herbert dava-lhe uma ajuda, informando-o de que:

"Entretanto tomei a iniciativa de reencaminhar o teu email à atenção de dois dos responsáveis pelo blogue.

Quem sabe, atraves do blogue chegues às pessoas que procuras. São milhares de antigos soldados e oficiais da tropa portuguesa, que diariamente nele se cruzam e, nisso de reencontros e localizacões, pelo que tenho seguido a distância, tem havido 'milagres'".

Nelson Herbert
Journalist-Editor
Voice of America
Washington DC, USA
__________

2. A seguir a esta mensagem, Famara Cassamá (mailto:famaracassama@yahoo.com.br)escreveu ao Nelson Herbert, em 26 de Maio, dando-lhe conta dos progressos:

"Olá, Prezado Nelson,

O digníssimo Coronel Nuno Rubim já me indicou esse blogue, só que não consegui ainda localizar nenhum deles.

Vou continuando a tentar. Aliás, já disponho do nº de telefone do Cap. Leandro, que é agora General reformado.

O meu interesse por eles é que estou a escrever um livro da minha infância. Eles estiveram na Guiné quando eu era criança.
Reencontrá-los, mesmo que através de fotos, é uma sede belamente aliviada.

Fique bem,

Famará"
___________

3. E o nosso Correspondente na América, o Nelson Herbert, em 23 de Maio de 2008 dava-lhe indicações mais precisas:


"Caro Famara,

Visita igualmente este outro blogue, que paralelamente ao do Didinho, quem sabe te faça chegar a essas pessoas...blogueforanadaevaotres.blogspot.com "
(...)

__________

4. Em 27 de Maio, Famara Cassama apresenta-se:

Olá, Prezado Briote,

Olha, o meu interesse pelo General Leandro tem, é certo, alguma dose de 'matar saudade' mesmo que através de uma foto dele, mas certo também, é que estou escrevendo uma memória sobre essa guerra colonial que portugueses e guineenses viveram sem o quererem.

Ainda, antes de vir a publicar o aludido livro de memória, eu gostaria de lho enviar para ele poder opinar, e, quem sabe, o prefaciar.

A minha memória nele jamais se apagará.

Fique bem, Prezado Virgínio Briote,

Famará
__________

5. Hoje, 3 de Junho de 2008, Famara faz outro apelo à Tertúlia. Seu irmão Inissa Cassamá foi militar do Exército Português. Quem o conhece e/ou quem conhece o então Capitão Vaz Pinto Monteiro, o ex-Furriel Mil Loureiro e o 1º Cabo Enfº Amorim?

Bom dia, sr. Briote,

Antes de tudo, peço-lhe desculpa pela forma como me introduzi no blog. É pela seguinte razão: tenho um irmão que vive em Cacine, uma área da Guiné que não possui internet. Ele gostaria de reencontrar velhos camaradas seus de arma durante a guerra colonial. Eis seus dados, cuja inserção no seu blog ele pede:

- Sou Inissa Cassamá, fui soldado Nº 82180069, recrutado na aldeia de Sangonhá, sul da então Província da Guiné Portuguesa.

- Especializei-me como Soldado Maqueiro no Hospital Militar de Bissau.

- Em 1970, fui transferido para o C.I.M. de Bolama.

- Em 1972 fui de novo transferido para o Hospital Militar de Bissau, onde, após especialização, passei a Soldado Enfermeiro Auxiliar.

- No final da especialização (formação), fui transferido para o Batalhão Nº 4513, da então Aldeia Formosa, mas servindo na Companhia Nº 4513, em Buba, cujo comandante (salvo erro!), era o Capitão Vaz Pinto Monteiro, até o cessar-fogo em 1974.

- Eu pertencia ao 4º Pelotão em Buba e tinha como colegas o Furriel Loureiro, o 1º Cabo Enfermeiro Amorim, natural de Porto e o meu íntimo amigo, Paulino.

Reajam Camaradas! Quero matar saudades.

Nestes contactos:

Famaracassama@yahoo.com.br
cassama@un.org

Com a devida vénia,

Inissa Cassamá (ex-soldado enfermeiro)

___________

O editor, Virgínio Briote

Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): O meu ponto de vista (Henrique Cerqueira)

Escreveu Mário Beja Santos, em 31 de Março deste ano, em ( P2706) Notas de leitura (5) sobre " Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros", do Cor M. Amaro Bernardo:
(...) A reunião de Spínola com Senghor, em 1972, em que o governador da Guiné propõe uma autonomia a dez anos, tem que ser encarada como uma proposta que seria liminarmente rejeitada, isto quando o PAIGC já tinha conseguido acantonar as forças armadas portuguesas nos quartéis, reduzindo-lhes drasticamente o espaço de manobra. Acresce que o autor refere os acontecimentos de 1973 e 1974, quando a Força Aérea perdeu capacidade de actuação com a chegada dos mísseis terra-ar e o PAIGC passou a ter a total iniciativa entre o Norte e o Leste, em todo o espaço fronteiriço com a Guiné-Conakry. Ou seja, o PAIGC ganhara uma capacidade ofensiva indiscutível, as nossas forças podiam ir esporadicamente às suas bases e acampamentos, havia mortes e feridos, mas logo tudo ficava na mesma. A partir de 1973, a solução militar estava irremediavelmente perdida. (...)


Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra, respondeu o António Graça de Abreu

A partir desta nota têm surgido, quase todos os dias, os mais variados comentários, uns manifestando acordo, outros negando a opinião do Beja Santos.
Uma boa polémica, saudável e correcta, em que a unanimidade parece surgir quando o António Graça de Abreu diz que estávamos realmente fartos da guerra.

vb


__________


A Guerra Estava Militarmente Perdida?




Mensagem de 28 de Maio, do Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72

3.ª Companhia, Biambe

4.º Gr Comb, CCAÇ 13, Bissorã



Olá Amigos e Camaradas da Guiné

Hoje resolvi escrever alguma coisa na tentativa de opinar sobre o assunto posto muito inteligentemente à disposição para que possamos dizer alguma coisa sobre o dito.

Eu fui Furriel Miliciano em Bissorã entre 1972 e 1974 e, por mero acaso, até tive o privilégio de ser o primeiro graduado a ter o primeiro contacto com as tropas do PAIGC no ponto de encontro entre Bissorã e Olossato, durante uma picagem para colunas de reabastecimento para o Olossato. Isto claro está no após 25 de Abril e que, salvo erro, foi em finais de Maio ou por aí.
Bom no entanto o assunto é no que se refere "À Guerra Perdida".

No meu entender a guerra ser perdida militarmente, seria muitíssimo improvável. Até porque para os Senhores da Guerra (Donos de grandes empresas que alimentavam toda a logística e outros) não iriam permitir que tal acontecesse, pois que tinham toda a segurança, tanto militar como política, assegurada por baixíssimo preço, pois que até nem os mortos enviavam para as suas terras de origem, o que aliás se veio a verificar ainda hoje, tal como tem sido provado por inúmeros documentos tanto escritos como visuais (Tvs, rádios, Simpósios e muitos outros).

Há, no entanto, um facto muito importante a referir nesta minha singela opinião e que os "Famigerados Senhores da Guerra" desprezaram: é que a grande maioria dos militares estava na guerra obrigado e como tal por mais Nacionalismo que existisse em nós, o desinteresse pela guerra era mais que latente e cada vês era maior a resistência a essa Guerra pela parte dos Portugueses na ex-Metrópole e não só: é que eu tive a oportunidade de, quando tive o primeiro encontro com os guerrilheiros do PAIGC, falar com um dos comandantes desse dia, que por sinal falava o Português corrente (tinha tirado o curso de Regente Agriculta em Santarém), e o mesmo me disse na altura que todos estavam fartos de guerra e a mesma só continuaria se Portugal assim o quisesse.

Lamento não me lembrar nem de nomes nem de datas precisas. Mas com certeza se alguém da CCAÇ13 ou da CCS do Bat 4610/72 ler estas linhas poderá confirmar ou até rectificar alguma imprecisão minha, pois que eu, desse dia, só tenho documentado com algumas fotos que pouco provam em termos de datas e acontecimento.

Quero ainda e uma vez mais deixar aqui escrito o seguinte: nós os Furriéis, Cabos e Soldados assim como a maioria dos Alferes, não tínhamos de certeza absoluta nenhuma noção se a guerra estava a ser perdida ou não, pois que a informação que nos era transmitida era sempre tão precária que a única motivação que todos tínhamos era o contar dos dias para nos virmos embora para casa e venha o mais pintado dizer o contrário que eu "acredito".

Para concluir, continuo ainda hoje a achar que nem perdíamos a Guerra nem a ganharíamos, só que felizmente os ditos senhores "DONOS DA GUERRA" desprezaram a capacidade dos OPRIMIDOS e aí sim começaram a perder a Guerra o que veio a acontecer com o dia mais maravilhoso da minha vida que foi o 25 de Abril.

Acho que, de certo modo, descrevi um pouco o meu parecer em relação ao tema, claro que será muito discutível a minha opinião, mas reparem É TÃO BOM ESTAR AQUI A DIZER O QUE SE PENSA. É ou não???
E o pior que me pode acontecer é o ser "criticado", o que me dará ainda maior prazer visto que as "Porradas e Ameaças"já nada valem não é "Senhores da Guerra?"

Um grande abraço a todos os tertulianos e em especial para aqueles que levantaram este tema para a discussão.

Henrique Cerqueira

Nota: A minha referência aos "Senhores da Guerra"não tem absolutamente nada de crítico em relação aos militares profissionais ou de carreira que na época faziam parte das nossas Forças Armadas. Vejo-me obrigado a fazer esta nota porque, embora eu nunca tenha tido o espírito militar, sempre respeitei todos os que fizeram dessa vida a sua vida profissional desde que os mesmos me respeitassem como Homem e como militar de obrigação, o que na generalidade veio a acontecer.
Fica assim uma nota de Respeito para todos os ex e actuais Militares Profissionais.

__________

Notas:

1. adaptação dos textos da responsabilidade de vb.

2. artigos relacionados em

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.


28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)


27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)


25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)


22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu


15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)


13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)


30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)


17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)


3. Apresentação do Henrique Cerqueira em 18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2549: Blogoterapia (42): 34 anos depois (Henrique Cerqueira)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)


José Colaço
Soldado de TRMS
CCAÇ 557
Cachil, Bissau e Bafatá
1963/65





1. Em 1 de Junho de 2008, recebemos deste novo camarada a seguinte mensagem:

Nome: José Botelho Colaço
Morador no Bairro da Castelhana - São João da Talha
Posto militar: ex-Soldado de Transmissões
Unidade: CCAÇ 557 (1963/65)

Embarquei para a Guiné em 27 de Novembro de 1963 e cheguei a Bissau a 3 de Dezembro.

Em 15 de Janeiro de 1964, após o almoço embarquei num batelão rumo a Catió

No dia 23 de Janeiro desembarquei numa LDM e quase toda a Companhia, para a mata do Cachil, Ilha do Como, para participarmos na Operação Tridente (1).

Saímos do Cachil no dia 27 de Novembro de 1964 rumo a Bissau onde permanecemos cerca 3 meses.

O resto da comissão foi em Bafatá de onde saímos em 27 de Outubro de 1965

Desembarcamos em Lisboa a 3 de Novembro.

A minha profissão foi Técnico Metalúrgico, actualmente estou reformado.


2. Caro José, bem-vindo à Tabanca Grande.

Terás algumas estórias interessantes para contar, nomeadamente sobre a Operação Tridente, que aqui já foi tratada por camaradas que, como tu, nela participaram.

Cada um de nós vive e sente estas situações de modo diferente, pelo que o teu ponto de vista sobre aquela Operação será útil e oportuno.

Em nome dos Editores e da restante Tertúlia recebe um abraço.
´
Carlos Vinhal
_____________

Nota de CV:

(1) - Vd. postes de:

28 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2892: A verdade e a ficção (2): Ilha do Como, Op Tridente: Queres vender a tua água ? Dou-te 100, dou-te 200 pesos (Anónimo)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2889: A verdade e a ficção (1): Op Tridente, Ilha do Como, Jan / Mar 1964 (Mário Dias)

23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira, CCAV 489/BCAV 490)

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)

17 de Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como

de 12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

de 1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Fur Mil Simões a refrescar-se no Corubal (1); de costas, o Alf Mil Farinha lia o jornal e alguém se preparava para mergulhar do tronco; ao alto umas pernas de alguém sentado num ramo, roubando o trono ao macaco rei do local".


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Eu e o Carvalho, Fur MIl Enfermeiro, depois de atingirmos o cume de uma das únicas montanhas que vi na Guiné, os BAGA-BAGA. À falta de melhor, dava para matar saudades do Marão" (1).

Fotos e legendas: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.


2. Mais um dos poemas do dia, escritos pelo José Manuel Lopes, de uma colecção de meia centena que resistiram à fúria do tempo e ao severo exame de auto-crítica do poeta (2).

Recorde-se que ele foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, com o curso de Op Esp e a especialidade de Minas e Armadilhas, esteve na CART 6250, em Mampatá, entre 1972 e 1974. Foi mobilizado já com 18 meses de tropa, em rendição individual. Teve conhecimento do nosso blogue, através do programa Câmara Clara, da RTP Dois, da Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial.

Depois de um longo silêncio, de muitos anos, hoje fala da Guiné com a mesma paixão com que fala do seu Douro e do seu Marão, das suas vinhas e do seu vinho, da sua família e da sua quinta, da sua Régua natal (donde nunca mais saiu, desde que regressou, em Agosto de 1974, com quase quatro anos de tropa) (3)...

Conmheci-o no nosso III Encontro Nacional. Por outro lado, tem aparecido nos almoços de 4ª feira da tertúlia de Matosinhos, na Casa Teresa, e é pessoa de uma grande sensibilidade, generosidade e hospitalidade. Na véspera do feriado do 25 de Abril último, escreveu-me:

"Se vieres neste fim de semana [, cá acima], na Sexta às 8 horas estou a iniciar uma caminhada da Régua ao Marão, com mais 130 caminheiros que acaba num almoço lá na serra, hoje mesmo vou fazer o reconhecimento do percurso, que é duma beleza e paz impressionantes. O resto do fim de semana estou em casa, o meu contacto é 916651640. Um abraço, José Manuel".

Ele autoriza-me que divulgue o seu número de telemóvel, para os camaradas e amigos que passem pela Régua o poderem contactar, conhecerem a sua quinta e provarem os seus vinhos... (LG)


Seria bom esquecer
a nós mesmos perdoar
pelas balas disparadas
pelas minas plantadas
hoje
vejo o mundo pelo avesso
tudo me parece cinzento
oh
que saudades eu tenho
daquele miúdo travesso
pelas vinhas a correr
com os cabelos ao vento
nos carros de bois pendurado
a sair do nosso rio
com o cabelo molhado.

Mampatá 1974
josema

__________

Notas de L.G.:

(1) O Rio Douro e a Serra do Marão eram duas referências constantes do poeta e do combatente, perdido em Mampatá, no sul da Guiné, nas proximidades da margem esquerda do Rio Corubal...

Vd. postes de:

21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel

28 de Março de 2008 >
Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...(...)

(2) Vd. os últimos seis postes desta série >

25 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

(3) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

domingo, 1 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2910: Estórias de Juvenal Amado (10): A patrulha nocturna (Juvenal Amado)



Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor,
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro,
1972/74



Galomaro> Juvenal Amado equipado para qualquer eventualidade, mesmo para uma emboscada nocturna de castigo.
Foto: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados.



Mais uma narrativa da série Estórias do Juvenal Amado (1).
Desta vez uma emboscada nocturna, de castigo, com um grande susto à mistura.

A patrulha nocturna
por Juvenal Amado

Deitado na escuridão perto de mim o Silvestre, tomava posição à minha esquerda.
Para os meus camaradas, já tão habituados, era mais uma patrulha nocturna. Para mim que tantas vezes os levei para essas mesmas patrulhas, era a primeira vez.

Era uma noite particularmente escura. O silêncio total ampliava os sons da natureza selvagem. Qualquer ruído era motivo de sobressalto e da máxima atenção. Meditava no que me tinha levado, a fazer aquela patrulha nocturna por castigo.

As colunas a Bafatá tinham sempre muitos voluntários. No início do mês com o pré fresco no bolso, era uma corrida para ver quem ia. À medida que o mês avançava, ia diminuindo a oferta mas sempre se arranjava malta, para coluna que trazia o correio.

O furriel Claudino era o responsável pela coluna. Entre outros iam o Caramba, Ivo, Silva, Aljustrel, etc.

No restaurante do Libanês na rua principal, comemos febras de porco batatas fritas e ovo a cavalo, bebemos uma garrafa cada um de Dão branco muito fresco. Como um prato tão simples nos transportava para casa e para outra época, em que não comíamos com a espingarda e um monte de granadas, penduradas nas costas da cadeira.

Rematamos com um charuto e whisky, oferta da casa. Antes já tínhamos bebido umas cervejas. Tudo isto se passava entre as 10 e as 11, 30 horas da manhã.

Uma coluna de Canquelifá, também lá estava nesse dia e como de costume, eram bem regadas as visitas a Bafatá.

Bem bebidos, foi uma carga de trabalhos, para juntar o pessoal e regressar a Galomaro. Quem guiava era o meu condutor periquito.

Quando chegámos, fora de horas, ao entrarmos na porta de armas, demos de trombas com o Comandante, que de cara carrancuda e bengalim na mão, ficou a ver o espectáculo que foi o furriel cair da Berliet abaixo, quando tentava manter algum aprumo. O Silva a arrastar a espingarda pela bandoleira parada fora, como se um cão se tratasse e todos muito entornados. Era na verdade um espectáculo deplorável, aquele que nós apresentávamos.

Aí está o Tenente Raposo de papel na mão, para recolher os números de ordem. Íamos levar uma porrada. E logo no fim da comissão.

Apanhámos todos vários castigos. Reforços no quartel, nos postos avançados e alguns de nós, também apanhámos patrulhas nocturnas, mas o pior de todos foi a proibição, de voltarmos a Bafatá até ao fim da comissão.

A coisa só ficou por ali, porque o capelão em regresso de Bissau, vinha integrado na coluna e intercedeu por nós, dizendo que não nos tinha visto fazer má figura na cidade.

E ali estava eu na escuridão, emboscado entre Campata (*) e Cansamba na direcção do Dulombi, com dez ou doze quilómetros, para fazer a pé até ao Quartel.

Havia um trilho e o pelotão do Pel Rec estava posicionado em “L" mais aberto, aproveitando uma curva. São talvez 20 horas.

Deitado de bruços com a G3 apoiada à minha frente não via hora de regressar ao quartel tomar um banho e deitar-me.

O Comandante do Batalhão de Bafatá tinha telefonado ao nosso, contando-lhe que a malta da CCS do BCAÇ 3872 andava de rastos a correr todos os sítios onde houvesse de beber. Na verdade os gajos de Canquelifá, também andavam bem tratados e a figura deles não era melhor que a nossa. Só que eles não tinham lá o Castro e Lemos.

Nisto fico com o sangue gelado. Há movimento no trilho. Ouvem-se distintamente os passos de vários pessoas a caminhar. Ninguém se mexe. Os homens da frente deixaram passar, ouvimos vozes de crianças. Era um homem e duas mulheres com duas ou três crianças que regressavam a uma aldeia próxima.

Não fizeram ideia de que passaram tão perto da morte. Ali ficámos uma hora ou mais, estava cada vez mais escuro. O Furriel Castro deu a ordem de regresso.

Agora é que ia ser o bom e bonito. Não via nada, o Ivo ia à minha frente no seu caminhar bamboleante, de quem estava habituado a caminhar no mato, com o peso das granadas e cartucheiras. Ao passar afastava o ramos que por sua vez, me vinham bater na cara. Aqui caio e ali me levanto, esta marcha está a ser um tormento. Estou mesmo com medo de me perder, tal é a escuridão.

Como solução o Ivo, desengata a bandoleira da G3, estende-ma e é assim comigo atrelado, que chegamos perto de Galomaro.

Vê-se as luzes do arame farpado. São praticamente 11 horas e 30 minutos quando retirámos a bala da câmara e entrámos no destacamento.

À nossa espera está um banho e a bianda com estilhaços que é o prato mais famoso do restaurante da Morte Lenta.

Já estou com saudade do restaurante do Libanês. O pior do castigo, é mesmo não poder integrar, mais nenhuma coluna a Bafatá.

Efectivamente voltei a Bafatá, integrado em colunas de Cancolim, mas muitos dos que estavam comigo naquele dia, nunca mais lá voltaram e assim se cumpriu a proibição.

Juvenal Amado

Anotação de Juvenal Amado

(*) Campata era uma aldeia com autodefesa feita por milícias oriundos da população.

Uma das particularidades deste grupo armado, treinado e pago por nós, era o de ser comandado por um chefe fula, que estava em permanente litigio com o chefe religioso da povoação, porque bebia cerveja e comia carne de porco. Todos nós sabemos que são duas coisas, completamente proibidas pela sua religião.

Esta aldeia foi atacada violentamente, originando muitos feridos na população.
Os tectos a arder, caíram sobre quem dormia dentro das casas e queimaduras graves, em alguns habitantes foi o resultado. Entre os queimados, estava um menino chamado Mamadu, que ficou com as costas, um braço parte da barriga e peito, numa chaga.

Também foi um dia negro para a guerrilha, pois deixou seis mortos no terreno. Fomos com as viaturas até perto das Duas Fontes, sem luz e lentamente aproximamo-nos da aldeia. Regressamos de madrugada com os feridos e um guerrilheiro, que veio a falecer pois estava gravemente ferido.

O Mamadu sofreu muito, embora tratado pelo dr Pereira Coelho, o furriel enfermeiro Graça e o enfermeiro Catroga, com o máximo de cuidado. Todos os dias eram mudadas as compressas e os gritos do menino, eram atrozes. Ficou a viver no quartel quase dois anos. Bastante deformado, voltou para Campata quando tudo estava cicatrizado.
A aldeia também foi reconstruída, seguindo os mesmos processos que relatei sobre Bangacia (2).
_________________

Notas de CV:

(1) - Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2882: Estórias de Juvenal Amado (9): Há dias de sorte

(2) - Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2575: Estórias do Juvenal Amado (4): A pequena e adorável Mariama que eu conheci no reordenamento de Bengacia (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P2909: Convívios (62): Encontro do BCav 490 (Valentim Oliveira)

Convívio do BCav 490

Mensagem do Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490:

Amigo Virgínio,

Mais uma vez me dirijo á Tabanca Grande, para comunicar que o Convívio do Batalhão de Cavalaria 490 se realizou ontem, 31 de Maio 2008, em Vendas Novas.
Foi um convívio feliz pelo encontro de velhos Camaradas, que, muitos de nós só nestas alturas se encontram.

Para o ano de 2009, mais precisamente no último sábado do mês de Maio, o convívio vai ser em Viseu na "Quinta dos Compadres"- Restaurante bem conhecido no país inteiro.
Aproveito, desde já, para te convidar bem como a outros Camaradas (que tenham convivido com o Batalhão de Cavalaria 490, nos anos 64 e 65 na Guiné.
Junto envio algumas fotos do convívio realizado ontem em Vendas Novas.
Um abraço para ti e para todos os que lêem e fazem parte da Tabanca Grande.
Até breve,

Valentim Oliveira

__________

Imagens e texto do Valentim Oliveira.




Bolo com o emblema do Batalhão de Cavalaria 490





A mesa onde eu me encontrava. Do lado esquerdo o meu colega Luís Coimbra e do meu lado direito a minha esposa...





Linda paisagem em frente ao quartel de Vendas Novas.





Eu e o meu colega Luís Coimbra, que era também da CCav 489 (que esteve estacionada em Cuntima até Agosto de 1965).

__________

Notas de vb:

1. Caro Valentim,

Tenho pena de não ter tido conhecimento. Era com muito gosto que gostaria de rever os Camaradas que conheci em Farim, Cuntima e Jumbembem, entre Janeiro e Maio de 1965.

Apesar de não ter estado com o pessoal do BCav 490 mais que cinco meses foi com muito orgulho que fiz parte de tal gente.
Se tiveres mais fotos do encontro agradeço que mas envies, com a identificação possível.

Um abraço,
vb

2. artigos relacionados em

23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira, CCAV 489/BCAV 490)

13 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2756: Tabanca Grande (62): 14 de Abril de 1965, domingo de Páscoa em Farim (Valentim Oliveira, CCAV 489 / BCAV 490, 1963/65)

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2745: Tabanca Grande (61): Apresenta-se o Valentim Oliveira da CCAV 489 / BCAV 490 (1963/65)

Guiné 63/74 - P2908: (Ex)citações (2): Conto histórias da vida, o que foi, o que será, sou 'kora djalô', tocador de kora (José Galissa)


José Galissa, Guiné-Bissau, tocador de kora, contador de histórias, 43 anos: declarações recolhidas por Ana Sofia Fonseca, Única, Expresso, nº 1857, de 31 de Maio de 2008:

"Sou tocador, não poderia ser outra coisa. Meu pai, meus onze tios - todos tecem música (...).

"No meu crioulo - sou mandinga - dizem 'kora djalô'. Tocador de kora (...).

"A história da Guiné conta-se com o indicador e o polegar (...). Sempre que entrego os meus dedos às cordas, a Guiné desfila perante mim. Vèm de longe, as raízes deste país (...)

"Antigamente, era o 'kora djalô' quem levava as mensagens país adiante (...).

"[Canto] a guerra tribal entre mandinas e fulas. A origem e a vida de cada nome (...).

"[A memória que conservo mais viva foi] a do dia da independêncioa. Estava na escola quando a professora apareceu a sorrir: 'Meninos, a guerra acabou'. Foi festa, paz a moldar sorrisos. Sem guerra, há alegria. Quando as balas andam à solta, as noites são mais escuras (...)

"[Venho] de Gabu, a muitos quilómetros de Bissau. É uma terra plana, bonita. Falta-lhe mar, sobeja-lhe ribeiro (...). Gosto de Gabu, é cidade de muitos encontros (...)"

sábado, 31 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.


Pombal , 28 de Abril de 2007. No decorrer do nosso IIº Encontro, o Vitor Junqueira, o Luís Graça e o Ten Cor A. Marques Lopes (em 2º plano).

"Num gesto de grande simbolismo e beleza, o Vitor - verdadeira caixinha de surpresas - fez questão de ser condecorado por dois dos seus camaradas de Guiné: o A. Marques Lopes, o mais graduado de todos nós, coronel DFA na reforma, e que foi gravemente ferido em combate na zona leste; e eu, próprio, Luís Graça, na qualidade de fundador e editor do blogue...

A condecoração, sobre a qual ele foi lacónico, teria a ver com a sua brilhante folha de serviços como militar, ou seja, como oficial miliciano. Foi-lhe atribuído, segundo percebi, pelo Chefe do Estado Maior do Exército e era para lhe ser entregue no 10 de Junho de 1974, não fora o conflito com outra data, o 25 de Abril de 1974, que veio mudar o curso dos acontecimentos.A cerimónia acabou por ser adiada trinta e três anos... Simbolicamente, a medalha por bons serviços foi-lhe entregue no dia 28 de Abril de 2007, por dois camaradas seus, na sua terra, na terra que ele muito ama... Um gesto bonito num dia bonito, em que realizámos, mais uma vez, o sentido da palavra camarada... Estes fotos, mandou-mas o Xico Allen. Estavam à espera de uma boa oportunidade para aparecerem no blogue (que nem sempre é do nosso contentamento)... Vitor, sei que as vai pôr no teu álbum, com muito orgulho. Obrigado, Xico, pelo teu gesto.


Luís Graça.
Fotos: © Xico Allen (2007). Direitos reservados.

__________


Mensagem do Vítor Junqueira, de 28 de Maio

Amigos Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote,


Espero que estejam a passar uma boa noite, caso ainda estejam acordados e ao computador! Se não for esse o caso, então a noite até pode estar a ser excelente ...Mando-vos mais um escrito que gostaria de ver publicado, logo que possível para não se perder o contexto.


Obrigado e um abraço,
Vítor Junqueira

A guerra (na Guiné) estava militarmente perdida?



Cap. I



Um pouco de verdade, um pouco de especulação, um pouco de história ou como se misturam alhos com bugalhos …


I - "Quem vai à guerra dá e leva" (pop.).
Mas atenção, eu não quero bulhas com ninguém! Não desejo controvérsias nem tão pouco contribuir para alimentar uma "boa polémica" (post 2872).

Bem sei que palavra puxa palavra e, quando se contestam teorias enraizadas, há sempre o risco de ferir orgulhos e vaidades. Assim se pode resvalar para uma espécie de guerrilha de pontos de vista, sempre desagradável, senão mesmo nefasta para a saúde. Vejam o que esteve para acontecer ao Galileo! E se não está no meu íntimo fugir a uma galharda discussão, façam-me o favor de acreditar que de momento não estou para aí inclinado. Quanto a outras guerras … depois de eu abraçar e ter sido abraçado por quem me quis limpar o sebo, vou agora pelejar com quem?

À tertúlia, ofereço este (desa) bafo, gizado em tarde chuvosa, a puxar para a melancolia e lanzeirice (não está no dicionário).

Após leitura atenta do último post da autoria do Graça Abreu, dei comigo a assobiar aquela cantiga que todos conhecem:

Eu gosto muito de ouvir cantar a quem aprendeu, se houvera quem me ensinara quem aprendia era eu.

Fiquei a matutar na coisa … se houvera quem me ensinara, quem aprendia era eu! Esclarecer os ignorantes é mandamento cristão. Quem quererá ensinar-me? Mas por amor de Deus, não me mandem estudar! Já vivi o tempo suficiente para saber que burro velho não toma ensino e o papel de que são feitos os livros, aceita o que nele quiserem pôr. E o que poderia eu aprender através de uma certa produção literária e artística, prolixa e bem ao jeito do status quo, daqueles que descobriram o eldorado da guerra colonial para fazer umas massitas, esquecendo-se de convidar para a mesa de trabalho, a verdade e o rigor histórico dos factos como parece demonstrar o post nº2889, da autoria do Mário Dias?

Jornalistas, políticos, diplomatas, embaixadores e outros doutores, há-os sérios e escrupulosos. Sem dúvida. Mas são tantos aqueles que a quatro mil e quinhentos quilómetros de distância continuam a discorrer sobre a guerra e seus horrores, sem nada saberem daquilo que se passava no terreno! Ou sabem, por ouvir dizer, mas a quem? Aos do costume, naturalmente. Porque quem não se apresenta inequivocamente como curador do sistema ou não age como tal, não encontra audiência em lado nenhum. Essa é que é a verdade desde há pelo menos oitenta e dois anos (48+34).

O pobre do ouvinte, leitor ou espectador comum, não tendo parâmetros para avaliar a credibilidade da informação que lhe é oferecida, que em muitos casos não vale o peido de um caracol, está tramado. E lá vai mais um para o rebanho!
Falando de credibilidade, quem não se lembra de um alto responsável doméstico (ou domesticado?), afirmar a pés juntos que tinha visto com os próprios olhos, documentação que comprovava a existência de armas de destruição massiva no Iraque, e que não tinha dúvidas sobre as ligações de Saddam Hussein à Al-Qaeda? Repetia acriticamente, como um papagaio, a argumentação do seu master. Por mera ingenuidade? Quis ou conveio-lhe ser enganado?
E porque hão-de merecer mais crédito aqueles que há perto de quarenta anos se dedicavam em ou a partir de Lisboa, à proveitosa arte da manigância política, do golpe conspirativo, da boataria mesquinha?

Na minha opinião, nem mais nem menos. São peixe da mesma canastra. Para nós, desvalidos peões, torna-se vital exercer sobre estes passarocos apertada vigilância e sobretudo, nunca abdicar do princípio da dúvida sistemática quanto ao que fazem, dizem ou escrevem. Para não voltarmos a ser intrujados.
E já agora, permitam-me os camaradas introduzir aqui um texto recente de Mário Soares, que muitos consideram o pai da democracia portuguesa:

"O tempo passa a correr … Há cinco anos … realizou-se nos Açores a chamada Cimeira da Vergonha, em que … o homem mais poderoso da terra e três primeiros ministros europeus … decidiram unilateralmente, com falsos argumentos, intencionalmente forjados, invadir o Iraque … Porque razão – ou razões – o fizeram? A história está por fazer. Mas será feita … Quanto aos europeus, o que os moveu foi principalmente a subserviência perante o patrão americano e o deslumbramento … Mas para que lhe serviu? Que respondam os mortos no seu silêncio … e os vivos que aí estão para contar, os crimes, os assassinatos, a tortura as destruições, as pilhagens, os atentados aos Direitos Humanos, que se fizeram à sombra da arrogância e da ganância … Talvez um dia – quem sabe? – o Tribunal Penal Internacional, se lembre de os julgar pelo mal que fizeram à Humanidade."

In “cinco anos depois”, textos de Mário Soares, Lisboa, 14 de Março de 2008.

A este resumo acrescento eu um pequeno léxico:

1 – Guantanamo

2 – Abu Grahib

3 – Rendição de prisioneiros

4 – Guerra preventiva

5 – Prisões secretas

6 – Voos secretos

7 – Harsh interrogations

8 – Waterboarding

9 – Eixo do Mal

10 – Danos colaterais

…e é melhor ficar-me por aqui, porque como diz a publicidade os acidentes são reais!

A reflexão do Dr. M. Soares suscita-me outras questões.


Pergunto:

- Quem foram os grandes mentores de Saddam e dos estudantes corânicos?

- Quem armou e guiou a mão do UÇK com o objectivo último de encontrar um pretexto para intervir, arrasar e desmembrar a Jugoslávia?

- Quem bombardeou escolas, pontes, infantários, maternidades, estações de televisão, comboios, colunas de autocarros e tractores apinhados com camponeses em fuga, arraiais, festas de casamento e funerais?

Os aviões e os canhões da gloriosa Nato, claro!

Tem sido assim, já lá vai quase uma década. No Iraque, no Afeganistão, nos Balcãs.
E é a estas bandalheiras dos grandes do mundo, que as forças armadas do Portugal democrático estão a dar cobertura!?
Ou não estarão a sancionar com a sua presença, como quem assina de cruz, alguns dos crimes mais bárbaros e hediondos cometidos contra seres humanos, desde que a humanidade existe? Partem por consciência do dever, apenas, ou porque existe, dizem, um forte estímulo financeiro?

É que já me contaram algo que só pode ser boato: a primeira comissão daria uma boa entrada para um apartamento, a segunda, paga os tarecos e a terceira o automóvel. Será que a tal História de que fala Mário Soares, os vai contemplar também? Tantas dúvidas.

Ou, de outra maneira, o burro sou eu?

E que diferença de tratamento camaradas, relativamente aos ex combatentes do ultramar! Enquanto sobre os expedicionários dos tempos modernos assentam os holofotes encomiantes da comunicação social e as palmadinhas nas costas das altas patentes, alguns (muitos?) dos nossos, os mais vulneráveis, vão tentando sobreviver a todos os tipos de desprezo a que foram votados por quem pode e manda. Para já não falar de campanhas mais ou menos encapotadas, visando a honra e dignidade daqueles que serviram a Pátria nas ex-colónias.
Chegaram a ser olhados com suspeição, quase como um perigo para a estabilidade da democracia.
Perderam os apparatchiks, porque ainda que tarde, a verdade e a justiça sempre prevalecem.

Os ex-combatentes não querem mordomias, apenas exigem ser tratados com o respeito que lhes é devido, inclusive, por aqueles que dizem ter sido seus camaradas de armas. E não me acusem de ser demagogo, porque não tenho estudos para isso!


II - Diz o pagode que quem sabe da tenda é o tendeiro.

O camarada António Graça Abreu, não só sabe da tenda, como parece disposto a ensinar a quem quiser aprender. Não me repugnaria nada reconhecer a outros, uma visão igualmente abrangente e fundamentada da situação militar – capacidade operacional, êxitos no terreno, etc. – das forças em confronto no CTI da Guiné nos já longínquos anos da década de setenta.

Mas, como já disse e até o escrevi neste Blog, dadas as funções que desempenhou nos CAOPs (norte, centro e sul), parece-me razoável considerar o Graça Abreu, um profundo conhecedor nesta matéria.
Não ouso por isso acrescentar ou retirar um ponto que seja ao que escreveu. E também não me parece que entre os Tertulianos venha a perfilar-se alguém com mais autoridade do que ele para se pronunciar sobre factos. Porque em matéria de pressupostos, suposições, conjecturas e arte de adivinhação, não faltam ingenhêros.
Mas se existe por aí alguém com mais bagagem, faça o favor de dar o marcial passo em frente.
No entanto, acho que seria bem mais interessante e certamente esclarecedora, uma apreciação pessoal sobre a tese da guerra militarmente perdida feita pelas centenas de camaradas que compõem este operacionalíssimo Comando Bloggista!

E como na carta de princípios desta comunidade se pode ler "Não deixes que sejam outros a contar por ti, a tua história", torna-se imperativo, acho eu, que todos contribuam com a sua perspectiva para que se faça luz sobre esta matéria, e acima de tudo, que a mesma seja menos monocromática e mais do tipo caleidoscópico.

Se cada um de nós se pronunciar sobre a situação concreta na ZA da respectiva unidade e, existindo no nosso seio elementos representativos da dispersão das forças portuguesas por todo o TO da Guiné, como eu julgo, devemos ter uma visão global do que lá se passava.

Fica aqui o desafio.
Formulo a seguir algumas hipóteses de trabalho, frisando bem que não se trata de nenhum questionário. São meros exemplos das questões que cada um poderá colocar a si próprio.

- É verdade ou não que existiam áreas libertadas, verdadeiros santuários do PAIGC, onde a tropa portuguesa não conseguia entrar?


- Tens conhecimento de alguma aldeia, lugar ou sítio que o PAIGC tenha subtraído militarmente ao controlo das NT?


- Na tua zona, a actuação das forças inimigas indiciava qualquer estratégia de controlo territorial ou era mais do tipo bate-e-foge para a segurança das linhas de fronteira?

- Nas operações em que participaste, a força a que pertencias foi alguma vez obrigada a retirar antes de iniciar, ou sem concluir a missão?

- Nas acções da iniciativa do IN, tipo emboscada, quem retirava e quem explorava o êxito, o adversário ou a tua força?
- Como se manifestava no terreno a (propalada) superioridade armamentista das forças inimigas?


- É verdade que os guerrilheiros se apresentavam de uma maneira geral mais bem treinados e aguerridos do que as NT?

- As flagelações ao teu aquartelamento produziram estragos e perdas humanas importantes do nosso lado (mortos, feridos), ou eram na maioria das vezes aleatórias e inconsequentes?

- Durante a tua comissão houve alguma tentativa do In para tomar de assalto as instalações da tua unidade?

- Ouviste dizer que tenha havido alguma, antes ou depois de teres passado à peluda?
- Tiveste problemas com os reabastecimentos, recolha de lenha, abastecimento de água etc. devido ao aumento da pressão do In sobre o itinerário das colunas?

- No período em que permaneceste no mato, qual é o teu sentimento quanto à situação das NT no terreno: evoluiu para melhor, piorou ou manteve-se inalterada?

III - E para exemplificar, vou abrir estas pacíficas hostilidades relatando o ocorrido na área que foi adjudicada à minha Compª, à qual foi determinada, como a tantas outras, a obrigação de "eliminar ou pelo menos expulsar da sua zona de acção qualquer elemento do IN …etc., etc.", isto é: manter a casa limpa e arrumada.

Trata-se de um modesto testemunho, restrito no espaço (Mansabá, Bironque, Madina Fula, K3 e regiões limítrofes), e limitado no tempo (1970 a 1972).
Fiquem os camaradas descansados que não vou aborrecer-vos com a descrição de operações com nomes exóticos.

Sou um homem de coração mole, não gosto que me falem de mortos e feridos, emboscadas explosões e ferros, comandantes espavoridos aos berros, relatadas ao pormenor, como um jogo de futebol.
Estava então em curso, a reabertura de uma importante via de comunicação que ligava a capital ao norte do Território (e não Província, para que não dê um treco nos mais puristas).


A estrada Mansabá-Farim em Fev. 1971.
Foto de Carlos Vinhal.

Segundo ouvi da boca dos altos responsáveis militares daquela altura com quem tive o privilégio de dialogar, ir de Mansabá a Farim por via terrestre, era coisa que não acontecia havia pelo menos uns cinco anos. E não vale a pena contrariarem-me, porque o que encontrei comprova-o. Da estrada, apenas existiam escassos vestígios, já que a mesma havia sido totalmente engolida pela floresta.

Minada e sob a mira constante das armas do IN que por ali possuía alguns coutos mais ou menos permanentes e certo controlo sobre populações dispersas pelo mato, era impraticável para as nossas FA. A seu lado, corriam os trilhos logísticos que dando seguimento aos carreiros de Sitató e Lamel, permitiam a ligação entre as bases do PAIGC situadas no sul do Senegal e as dos meus vizinhos do Oio e do Morés.

Pois bem, entre Novembro de 1970 e Março de 71, a estrada foi reconstruída, devidamente asfaltada ainda hoje lá está que se pode ver. Nos meses seguintes, a região foi limpa no que se refere a estruturas permanentes do IN, e a circulação rodoviária começou a fazer-se com todo o conforto e segurança entre Bissau e Farim. As populações passaram a deslocar-se sempre que o desejavam …

E a tropa beneficiou também, com uma qualidade de vida quase faustosa, já que as colunas de reabastecimento deixaram de ser problema. Aquilo não era o paraíso mas andava lá perto. (Piada!)
Quanto aos papões do Oio e Morés, só posso dizer-vos que os comandos africanos iam lá sempre que desejável, geralmente apoiados pela nossa tropa mais especializada mas, os "arre-macho" também participavam, chegava para todos. Invariavelmente, o resultado era manga de ronco.
Este vosso amigo passeou-se lá pelas barbas e teve oportunidade de fazer uns trabalhitos com sucesso. E assim foi aumentando o nosso grau de confiança (e segurança …) até ao adeus às armas em Julho de 1972.

Eis a minha história, em tamanho reduzido, da qual cada um extrairá as conclusões que lhe aprouver. Fico a aguardar impacientemente que a vossa chegue na volta do correio. Isto é como nos casamentos, quem quiser falar que o faça agora ou cale-se para sempre! (mais uma laracha)

Cap. II

"A guerra não estava militarmente perdida, a rapaziada é que estava farta daquilo"

Apesar da busca exaustiva a que me entreguei, não consegui identificar o autor destas palavras que li há poucos dias no Blog.

Acho que quando passei os olhos por cima da frase não a valorizei como devia, certamente por achar óbvio o seu significado. Hoje venho reconhecer que são palavras sábias que dizem muito mais do que a semântica pode exprimir. Elas são o retrato a muitos milhões de pixéis de um estado de alma generalizado.

Em "a rapaziada é que estava farta daquilo"… está tudo dito.

Nesta reflexão tão simples e ao mesmo tempo tão profunda, podemos encontrar a resposta à polémica questão de saber para qual dos lados os ventos da guerra sopravam de feição.

E quem era a rapaziada?

1
- Em primeiro lugar, parece-me de elementar justiça citar sem contudo nomear ninguém em particular, muita gente honesta e inteligente que no regime pré-democrático serviu o Pais da forma que pôde e o melhor que soube, e nunca se serviu do regime em proveito próprio como viria a torna-se moda. Alguns ainda hoje estão entre nós, felizmente, prestando relevantes serviços à Nação. Eram gente culta e politicamente bem formada, que foi capaz de antecipar a tomada de consciência colectiva de que descolonizar era preciso. Tinham plena consciência de que perigoso seria continuar a navegar a contra-corrente da História.

Imagino que tenham utilizado toda a sua capacidade de persuasão e ascendente sobre os timoneiros no sentido de os levar a mudar de rumo.

Ora, como é sabido, a teimosia de uns é o desespero de outros e estas pessoas que estavam verdadeiramente na cabeça do boi, e como tal, fartas de levar cornadas dos seus homólogos nas instâncias internacionais, mais não podiam fazer do que limitar os danos.

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– Os militares do QP. Dissipados os fervores patrióticos dos primeiros anos da guerra do ultramar (ou colonial, como vos aprouver…), alguns já iam na enésima expedição a África; muitos com família a reboque e filhos em idade escolar, saltitavam de comissão em comissão, e o fadário não tinha fim à vista.
A título de exemplo, Manuel Monge já ia na quarta comissão! Estavam fartos! Sinal do mal estar que grassava no seu seio, foi o protesto em Maio de 73 contra o apoio das FA ao governo através do Congresso dos Combatentes realizado no Porto entre os dias 1 e 3 de Junho do mesmo ano.

Fartérrimos ficaram, quando em 13/7/1973 é publicado o D.L. nº 353/73 – que permite aos oficiais do Quadro Especial de Oficiais e outros oficiais oriundos do Quadro de Complemento o acesso ao Quadro Permanente após um curso intensivo de dois semestres lectivos consecutivos na Academia Militar, em condições substancialmente diferentes das que até então regiam esse acesso.
Permite, além disso, rever o posicionamento na escala de antiguidades de oficiais oriundos do Quadro de Complemento já com o curso da Academia Militar e, portanto, oficiais do Quadro Permanente. (Centro de documentação 25 de Abril).

Aí, a malta do QP de origem não gostou nada de ser passada para trás por estes paisanos fardados. E ainda bem, porque este descontentamento irá dar origem à primeira reunião clandestina, realizada a 20/7/1973 em Bissau, embrião do que viria a ser o:Movimento dos Capitães – Movimento surgido em Agosto de 1973 no seio das Forças Armadas e protagonizado pelos oficiais intermédios e subalternos que visava inicialmente a mera satisfação de reivindicações de carácter corporativo.
Em breve se transformou num movimento de clara contestação política que culminou com o derrube do regime em 25 de Abril de 1974. (Wikipédia).
Foi o percursor do MFA, nascido de gestação a termo a 9/7/1973 no Monte Sobral – Alcáçovas e do cortejo de coisas boas (e algumas menos boas) que nos trouxe.

3 – Fartíssimos estavam os oficiais e sargentos milicianos. Oriundos na sua maioria da pequena burguesia nacional (que tinha meios para lhes pagar os estudos), imagine-se o que é que sentiam quando viam o seu nome no edital da senhora câmara ou junta de freguesia a convocá-los para irem batê-las!

Lá estava a indicação da data e local de incorporação, instruções quanto a guias de transporte etc., tudo bem explicadinho. Deixavam para trás um certo dolce far niente próprio da vida académica, o bem-bom da casa paterna ou a alcova da namorada e, os mais afortunados, o carocha ou spitfire, as romagens à Foz ou ao Guincho para assistir ao pôr do sol (e não só …), a frequência de lugares idílicos como Galeto, Portugália, Past. Ceuta e outros de que só ouvi falar quando já era Zé cadete.

Os estudos, na melhor das hipóteses, ficavam adiados, porque a possibilidade de apanhar um balázio e assim terminar precocemente a licenciatura, era bem real.
Note-se que os stocks de pessoal do quadro se encontravam completamente exauridos dado que, das centenas de admissões anuais à Academia Militar, se passou para as poucas dezenas no princípio da década de setenta.

Pelo que, o fardo das operações de combate recaía em grande parte sobre estes militares. Não obstante o esforço que todos fizemos para conservar o pêlo e a pele, o facto é que muitos, "velhas mulas" (mulicianos), fortemente endoutrinados por ideologias de esquerda que floresciam nas escolas como cogumelos, combatiam numa guerra que no fundo não desejavam vencer. Há que reconhecê-lo.

4 – Soldados e cabos, o povo fardado.

De tão fartos que estavam, começaram a dar sinais de congestão! Prova disso, foram as manifestações populares contra "a guerra colonial" ocorridas em Lisboa a 21de Janeiro de 1973.

Vaga após vaga, tinham sido já centenas de milhar os jovens retirados às famílias de que eram o único amparo, alguns casados e com filhos. Imolava-se a economia familiar num país pobre, essencialmente rural, onde uma agricultura atrasada a exigir o labor de muitos braços, se ressentia fortemente.
Partiam para as Áfricas para combater numa guerra que ao fim de 13 anos lhes era completamente alheia, tanto ao coração como à razão.

Se a guerra tem durado mais três ou quatro anos, a Pátria teria assistido à mobilização dos filhos dos veteranos mais antigos.


Não haveria povo que aguentasse por muito mais tempo tal provação, digo eu, em total sintonia com o pensamento de Vasco Gonçalves* quando afirma: "Os militares aperceberam-se que nem eles nem o povo português queriam a continuação da guerra" (O Militante nº 239), mesmo sabendo que "Não há sucesso sem grandes privações", (Sófocles, (496 – 406 aC).

*Força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço…, cantou Carlos Alberto Moniz.


5 - Significa isto que a guerra estava militarmente perdida ou que estaríamos à beira de uma derrota militar, como gostam de apregoar os propagandistas do sistema?

Não, de maneira nenhuma. Eu voto no empate técnico! Reconhecendo contudo, que uma derrota política é sempre muito mais gravosa do que uma derrota militar.

E a derrota política, essa sim, estava em vias de consumar-se, mas aqui em casa, mais precisamente na capital do império, onde um clima de permanente guerrilha conspirativa ao mais alto nível do poder político-militar, as bem orquestradas campanhas de desinformação e contra-informação, a mesquinhês de gente pequena de uma sociedade aburguesada e corporativista, levaram Mário Soares a prever numa prosa que enviou para o "Le Monde" que há "algo de novo em Portugal e que a guerra está em risco de se perder na própria Metrópole".

Ainda que o ouçamos frequentemente defender a tese, derrotista a meu ver, da guerra militarmente perdida. Sobre este tema, conto apresentar no próximo capítulo as minhas alegações finais, se para tal me for dada a oportunidade.

Até lá, cordiais saudações para toda a Tertúlia,

Vitor Junqueira

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Notas:

1. adaptação dos textos da responsabilidada de vb.
2. Artigos relacionados em

28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)