quarta-feira, 7 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22078: Blogoterapia (297): Obrigado, a todos, por se terem lembrado de mim no dia dos meus anos... sozinho em casa, com o computador nos "cuidados intensivos" e agarrado à máscara de oxigénio por causa do pó do Saara... (Valdemar Queiroz, Agualva-Cacém)


Cacém > PC-Doctor > Rua Marquês de Pombal,nº 89, loja, esquerdo... Tem página aqui. (Passe a publicidade, mas é uma informação que pode ser útil para os camaradas da Tabanca da Linha)


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais  de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:


Date: terça, 6/04/2021 à(s) 23:58
Subject: Obrigado, Luís Graça


Luís, muito obrigado pelo teu telefonema.

Já estou um pouco melhor, embora agora com uma ciática (?) numa perna, e deu para ir buscar o meu computador que já está pronto para mais umas viagens.

Embora com algum atraso, já fiz um comentário no post do meu aniversário no nosso blogue. (*)

Teve piada o meu computador ter estado em cuidados intensivos na loja dum PC-Doctor, indicado pelo meu filho por terem sido colegas no Secundário.

E cá vamos andando.
Abraço
Valdemar

PS - Anexo uma foto do consultório do PC-Doctor


2. Comentário do Valdemar Queiroz, no poste P22050 (*)


Obrigado a todos.

Não é por ser meu hábito, mas só agora estou a agradecer a atenção pelo vossos Parabéns no dia do meu 76º. aniversário. Fico muito sensibilizado.

Este atraso de agradecimento deves-se ao facto do meu computador não ter escapado a mais um vírus e ter de ser internado nos cuidados intensivos num PC-Doctor com internamento de 24/03 até 05/4/2021. Afinal não era propriamente um vírus, era mais um problema da idade avançada com necessidade de substituição dumas peças (, afinal até nos humanos assim acontece).

Mas, com a saída,  expus-me às ditas poeiras/areias do Saara e fiquei bastante enrascado com o meu problema DPOC [doença pulmonar obstrutiva crónica] e foram dias seguidos a máscara de oxigénio, incluindo o dia dos meus anos.

Sem o computador que faz de livro, jornal de notícias, sala de cinema e teatro, troca de conversas com familiares, amigos e camaradas da Guiné, e sem poder sair de casa, deu para voltar a ler "Viagem a Portugal", de José Saramago, e reler algumas "Vida Mundial" e uns Suplementos Literários do "Diário de Lisboa" que, com uns filmes do Estúdio do Cinema Império, faziam parte da 'militância de ser culto' para fazer boa figura em tertúlias de mesa de café... naqueles belos anos sessenta.

Obrigado, Cherno Baldé, o que será feito dos outros Embalós?
Obrigado, Luís Lomba, nunca mais voltaremos a passar naquela inesquecível Ponte Caium.
Obrigado, Gaspar, não te esqueças de quem nos lixou aqueles belos anos sessenta.
Obrigado, Luís Graça,  pela amabilidade do teu telefonema.
Obrigado,  Duarte, para o mês de Junho não pode faltar a nossa sardinhada.
Obrigado a todos.
Os meus Parabéns ao António Graça Abreu e à Rosa Serra.
Para o ano há maís.

Abraços
Valdemar Queiroz

6 de abril de 2021 às 23:22

3. Comentário do editor LG:

A gente às vezes pensamos que somos "os mais coitadinhos do mundo"...Basta dar uma vista de olhos pelas salas de espera dos nossos hospitais, centros de saúde, consultórios... Cada um, cada uma, mergulhado/a na "sua dor"... Enfim, basta ouvir as conversas, agora mais mitigadas pelas restrições impostas pelo confinamento: ai a minha perna, ai o meu braço, ai o meu problema de saúde que é muito maior do que o teu, ai os meus medicamentos que são muito mais caros do que os teus... 

Mas adiante, não vim falar de mim... nem do meu umbigo, parafraseando o nosso camarada Alberto Branquinho (que tem andado arredado do nosso blogue). Venho, sim, dizer que fiquei, há dias, sensibilizado com a situação d0 nosso camarada Valdemar Queiroz que vive há anos sozinho na sua casa em Agualva-Cacém, e tem que saber lidar com uma doença crónica tramada, uma DPOC (**)... Foi o Renato Monteiro, outro portador de uma DPOC, que me deu o seu nº de telemóvel. 

Fiquei a saber que o Queiroz divide os 365 dias do ano entre a Holanda (onde tem filho e netos) e Agualva-Cacém... O clima da Holanda é tramado para um portador de DPOC, razão por que passa cá uns meses... E aqui só sai para o estritamente necessário, tem o carro à porta, mas é de uma autonomia impressionante. Está habituado a (e gosta de) cozinhar. E tem um sentido de humor que o ajuda a superar as dificuldades e contrariedades... 

Há dias o seu PC "pifou" e foi preciso ir ao PC-Doctor... Valeu-lhe o filho, na Holanda, que à distância lhe deu umas dicas... Meteu-se o Queiroz ao caminho até ao consultório do PC-Doctor, mas em mau dia, com a atmosfera carregada de pó do Saara... Resultado: teve uma crise dos diabos...

No dia dos anos, não consegui que ele me atendesse. Consegui ontem, e ele ficou sensibiizado. Até o gesto de pegar no telemóvel lhe custa.

Conversámos um pouco, não quis maçar. O meu respeito por ele aumentou. Já estava a ficar mais aliviado, depois de uma crise de vários dias. E estava entusiasmado porque o PC estava pronto e ia buscá-lo. É a sua ligação ao mundo, para mais neste tempo de não-tempo de Covid. 

Fico feliz por saber que ele também já pode voltar ao nosso convívio na Tabanca Grande. E se alguém quiser telefonar-lhe, que me peça o número: dá-lo-ei, com todo o gosto... Sabe tão bem ouvir uma voz amiga quando se está doente e sozinho, em casa!... (***)
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Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

1. A propósito do falecimento de Maria Cristina Allen, acabámos de receber do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) esta sua mensagem:


A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa

Mário Beja Santos

Conheci a Cristina em março de 1968, acabara de chegar de Ponta Delgada, uma prima anunciara-me que constituíra um estupendo grupo que reunia aos sábados, intimava-me a comparecer. Disse que sim, jantei em casa da minha irmã, perto do Largo do Rato, desci depois a Braancamp e entrei num bar do Hotel Flórida e conheci gente que a Teresa Filomena arrebanhara, bem-disposta e coloquial.

Apresentados e conversados, seguimos para o Aeroporto da Portela, o seu bar panorâmico ainda era muito concorrido. Fiquei ao lado de uma jovem pequena e airosa que logo me questionou de que paragens vinha, impressionou-me muito não só pela sua beleza mas pela conversa cativante. Por intermédio da Teresa Filomena lá estabeleci novo encontro fora do grupo, e poucas semanas depois, vindo ao fim da tarde de dar instrução no Regimento de Infantaria N.º 1 (Amadora), a Maria Emília Brederode Santos e o José Manuel Medeiros Ferreira deixavam-me à porta de um café onde passei a namorar com a Cristina. Depois fui apresentado aos pais, a minha futura sogra dispensou-me um formidável acolhimento no período que precedeu a minha saída da força militar onde estava incorporado e a aguardar transporte para a Guiné, em rendição individual. E a 24 de julho desse ano, a assistir ao choro convulsivo dos meus entes queridos, embarquei no Uíge, dado curioso comecei a bordo a encontrar-me com gente do BCAÇ 2852, iremos passar mais de um ano bem próximos, eles em Bambadinca e eu no Cuor. Chegado a Bissau, e assim que me deram o número do SPM (o 3778) telefonei à Cristina. E assim nasceu uma correspondência que foi essencial para escrever os meus dois volumes do Diário da Guiné, tudo lhe contava, ao pormenor, desde os arranjos do quartel, as idas a Mato de Cão, as carências, as flagelações, o trabalho do professor com crianças e graúdos. Todo este volume de correspondência trocada foi entregue ao Luís Graça, ficou como fiel depositário, pedi-lhe que se eu partisse para as estrelinhas entregasse tudo no Arquivo Histórico-Militar. Tomou-se a decisão de casar em Bissau, o que aconteceu em 20 de abril de 1970, dia em que se esbarrondou um sonho de Spínola e que custou a vida a três majores, um alferes e vários guias, barbaramente retalhados numa força do PAIGC, algures entre Pelundo e Jolmete. Conto no segundo volume do meu diário as peripécias que me permitiram casar, o David Payne, então médico do batalhão, combinou com o comandante deste, que eu precisava de ter uma baixa à neuropsiquiatria em Bissau, andei envolvido, nos meses de março e abril, e até 3 dias antes de partir, num conjunto de operações, e meti-me num Dakota em Bafatá com a guia para o HM241, casei, tive uns dias de lua de mel e depois a Cristina passou a visitar-me no hospital, onde se passaram cenas do arco da velha. Ela regressou e montou a nossa casa, conviveu-se com casais amigos ainda em Bissau, foram amizades que permaneceram.
1970 > Cristina Allen em Bissau

A Cristina entrou no blogue quando ambos fomos devastados pela morte da nossa filha mais nova, alguém, a propósito, suscitou um comentário e a Cristina respondeu. Entregava-me as folhas escritas à mão e eu punha tudo no computador e enviava para os editores do blogue. Teve um poder catárquico, este tipo de intervenção.

Nos últimos anos, a saúde da Cristina sofreu um forte abalo. Quando a conheci já ela padecia de lúpus eritematoso sistémico, habituei-me àquelas crises e sobretudo à necessidade quase permanente de muito repouso, não foi fácil, até porque as filhas repontavam, a mãe saía pouco, houve que fazer um esforço de sensibilização às crianças para aquela estranha doença. Surgiu-lhe vasculite, foi um golpe psicológico rude, uma mulher bonita com as pernas inchadas, avermelhadas. Aumentou o consumo de tabaco, isolou-se e em 2019 era percetível que havia um certo transtorno psíquico para além da gravidade do quadro das comorbilidades. A 24 de dezembro de 2019 houve que chamar o INEM, transportada para Santa Maria, ali permaneceu entre a vida e a morte, os problemas respiratórios eram muito graves, um quadro de pneumonia em cima de um enfisema pulmonar. E o transtorno deu em demência, quando teve alta, um mês e meio depois, houve que encontrar a solução de um lar, e ali permaneceu até que em 5 de abril, inopinadamente, o Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, teve uma paragem cardiorrespiratória, nada se pôde fazer.

Haverá velório nesta quarta-feira, entre as 17 e 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande. Quinta-feira, no mesmo local,celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação. Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina, ela nunca esqueceu a Guiné e sentiu-se muito reconfortada no blogue, adorou a sala de conversa.

Um abraço do
Mário

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Nota do editor

Vd. poste de 7 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

Guiné 61/74 - P22076: Antropologia (42): "Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa", por Manuel Belchior (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
A recolha que Manuel Belchior fez no Gabú abre preciosas pistas de trabalho. Recorde-se a importante investigação de Carlos Lopes sobre o Kaabunké, o Império do Cabo tinha vasto território na colónia portuguesa. Há lendas muito antigas que os povos não esqueceram, como Sundjata Keitá, o fundador do Império do Mali, aliás estes trovadores que ao longo de séculos exaltaram estes heróis não circunscrevem o território, tanto podem falar do Sudão como da África do Noroeste, as narrativas precipitam-se para os combates entre Mandingas e Fulas, estamos já no século XIX, estes heróis vão entrar no ocaso com a chegada dos franceses, dos ingleses e dos portugueses no chamado período da ocupação, as três potências coloniais introduziram um enquadramento político-administrativo que desmantelou os velhos poderes. São lendas onde há por vezes sinonímia com os quadros lendários indo-europeus: lealdade e deslealdade; amizade e traição; bravura descomunal... E ficamos a saber como estes reinos viviam em guerras permanentes e se dedicavam ao tráfico de escravos. São linhagens que o povo ao longo dos tempos recordou sempre graças aos trovadores, foram estes artistas que comoveram os povos falando-lhes de uma identidade perdida, nesses tempos remotos de grandeza africana.

Um abraço do
Mário


Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa, por Manuel Belchior (2)

Mário Beja Santos

Manuel Belchior, já aqui abordado a propósito dos seus livros Contos Mandingas e Os Congressos do Povo da Guiné, era funcionário colonial com habilitações superiores, uma longa carreira administrativa no Ultramar Português (de 1938 a 1961), depois foi investigador da Junta de Investigações do Ultramar, em serviço da qual se deslocou à Guiné numa missão que está na base que tornou possível a publicação deste livro. "Grandeza Africana" foi editado pela Mocidade Portuguesa, não se menciona a data. A capa e as belíssimas ilustrações são de José Antunes. No Gabú, contatou o régulo Alarba Embaló, descendente dos Embalocundas, que governaram durante muito tempo o Gabú unificado – o régulo Monjur era descendente desta família. Alarba Embaló deu meios a Manuel Belchior para ir conhecendo narrativas orais transmitidas de geração em geração, neste caso o repertório envolve duas importantes etnias, Fulas e Mandingas.

A recolha de Manuel Belchior permite uma viagem pelo tempo, começando em Sundjata Keitá, fundador do Império do Mali, filho do rei de Mandem, são narrativas de bravura, elegias de fraternidade, trata-se de uma preciosa recolha que permite, a despeito de todas as interrogações que levantam as narrativas orais, não abonadas por documentação factual, entender como se ergueram impérios, como ainda subsistem heróis lendários como Coli Tenguelá, Alfá Moló, figuras de transição de um império em franca decomposição cuja machadada final foi dada pela chegada da potência colonial, que trouxe uma nova organização político-administrativa. Era indispensável, como ponto de referência incontornável, falar da batalha de Cam Salá. Obrigatório é também a canção de Quelé Fabá, como sempre a descrição tem consideráveis semelhanças com a mestiçagem da descrição africana e islâmica, veja-se o caso:

“Quelé Fabá Sané, natural de Badora, era o maior guerreiro das terras de Bafatá e Gabú. Ninguém o igualava em temeridade e destreza. Tão alto subiu a sua fama que vários régulos, quando empenhados em guerras, pediam seu concurso.

Um dia, Demba, senhor de Baria e seu amigo, chamou-o para o auxiliar a combater um chefe vizinho poderoso.

Pôs-se Quelé Fabá a caminho, acompanhado da sua mulher, Fendabá, mas antes de partir jurou na sua tabanca que, nem na guerra, nem tão pouco na viagem, voltaria a cara para trás.
A certa altura necessitaram de atravessar um rio e, na canoa, o herói esqueceu-se do juramento feito. Para melhor conduzir o barco ficou de frente para o ponto de partida. Vendo isto, Fendabá gritou: - Que desgraça! Lembra-te do juramento! Entristeceu Quelé Fabá e disse que o seu esquecimento era presságio de que ia morrer na luta”
.

É bem curioso, como observam investigadores das Literaturas Comparadas, as analogias de temáticas clássicas, a quebra do juramento, o olhar para trás e aparece igualmente no mito órfico.

Pondo termo a estas lendas da Guiné Portuguesa coligidas por Manuel Belchior, recordemos seguidamente Samori Touré, de quem Sékou Touré se dizia descendente, o religioso Fodé Bacar Dumbiá, que tratava as suas duas mulheres desigualmente, ele reparou na injustiça e da relação nasceu Fodé Cabá. 

Tudo se passa no final do século XIX, o Islamismo ia triunfando por todo o imenso Sudão e, de uma maneira geral, em toda a África do Noroeste, Fodé Cabá aplicou-se na conversão dos djolas, povo idólatra que vivia no Baixo Casamansa, criou um reino cujas fronteiras tocaram o de Mussa Moló, rei de Firdu, crescem as tensões e depois a guerra. São, curiosamente, heróis que vão desaparecendo. Associado a esta história de Fodé Cabá temos outra narrativa, o primeiro combate de Demba Agedá, vê-se claramente tratar-se de uma história apologética do triunfo do Islamismo.

Já com relação a uma outra história lendária que envolve o régulo Monjur, do Gabú, temos o cativeiro de Selu Coiada, príncipe Fula-Forro. O rei do Firdu, Mussa Moló, foi visitá-lo, era um cortejo de 300 cavaleiros ricamente vestidos. A alegria do encontro foi turvada quando um dos trovadores sentenciou: Por mais que um Fula-Preto seja rico ou poderoso, nunca o seu valor pode igualar o de um Fula de raça. Da amizade passou-se ao ódio e depois a vingança. 

Manuel Belchior aproveita para fazer alguns comentários. Selu Coiada sucedeu a seus irmãos Alfá Bacar Guidali e Alfá Mamadu Paté no trono do Gabú, que transitou a seu sobrinho Monjur Embaló, falecido em 1926. Os soberanos do Gabú pertenciam à família dos Embalocundas. As autoridades portuguesas da Guiné intercederam junto das autoridades francesas do Senegal para que estas alcançassem de Mussa Moló a liberdade de Selu Coiada. O príncipe Fula-Forro foi entregue ao comandante português de Farim por uma escolta francesa.

História bem curiosa é a narrativa que fala da conquista do Futa-Djalon. O soberano da região, o Almami Abubakar, confiou ao seu parente Alfá Iáiá a chefia dos 666 regulados da região de Labé, por um ano. Alfá recusou-se a entregar o mandato, seguiu-se guerra, o Almami foi vencido, outros intercederam, Alfá também foi vencido. O Almami procurou fazer as pazes com o seu parente. 

Intervêm os franceses, passaram a ser os senhores do Futa-Djalon, onde somente Alfá Iáiá, no Labé, guardaria por pouco tempo uma certa independência. Noutra narrativa, assistimos à deposição de Alfá Iáiá, o último grande senhor do Futa. E termina a obra de Manuel Belchior com a canção de Cherno Rachide, que habitava em Aldeia Formosa ou Quebo, cuja letra é a seguinte:

Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida nos vai dar,
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.

Raparigas sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao seu leito
E a todas as vontades.

A vós rapazes dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, inda mais sábio, Logomane
Que outrora assim falou:

- Deves ter fé em Deus que tudo vê
E tudo pode acerca dos mortais
Trabalha com ardor e serás útil
A ti e aos demais.

- Estuda e elevarás a tua alma
Que os livros te podem ensinar
Muitas coisas formosas deste mundo
E a Deus agradar.

- A palavra, o alimento e o sono
Como remédio deverás tomar:
O bastante p’ra que o corpo não sofra
Mas sem nunca abusar.

- A boca é uma e as orelhas duas
Isso te indica como proceder
Usa o ouvido mais do que o falar
E saberás viver.


- Em três partes o estômago divide
P’ra comida só uma reservar
As outras hão-de ser bem necessárias
P’ra água e para o ar.

- A noite é grande e não deve ser gasta,
Do sol posto a amanhã, toda a dormir,
Destina parte dela à oração,
Terás feliz provir.

- Deves casar p’ra nunca cobiçares
Mulher d’outro. Não nego, o casamento
Terás desgosto profundo.
Mas se a fêmea procura fora dele,
Em vez desse desgosto terás dois
Neste e no outro mundo.

Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há de contar
Satisfações a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 31 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22054: Antropologia (41): "Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa", por Manuel Belchior (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

IN MEMORIAM

Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021)


1. Em mensagem de ontem, 6 de Abril de 2021, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), trouxe até nós a triste notícia do falecimento da sua ex-esposa Maria Cristina, no Lar de Santa Catarina Labouré:

Aos meus amigos,

A Cristina faleceu no Lar de Santa Catarina Labouré, onde vivia desde Fevereiro do ano passado, vítima de paragem cardio-respiratória.

O Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, sofrendo de problemas respiratórios graves, enfisema pulmonar, vasculite, demência.

Haverá velório na quarta-feira entre as 17 e as 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande, quinta-feira, no mesmo local, celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação.

Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina,
Mário


********************

2. Nota dos editores:

Cristina Allen foi esposa do Mário Beja Santos, casaram na Catedral de Bissau no dia 20 de Abril de 1970.

Tiveram duas filhas, a Maria da Glória, que infelizmente já nos deixou,  e a Joana, mãe da pequena Benedita que é alegria do avô Mário.

Cristina Allen, membro de longa data da Tabanca Grande,  tem 15 referências no nosso Blogue, incluindo  um dos postes dedicado à sua filha Maria da Glória (Locas) após o seu prematuro desaparecimento.

Pelos contactos de trabalho, constantes, com o Mário, íamos sabendo da evolução do estado de saúde da Cristina, podendo assim testemunharmos a dedicação dele à sua companheira e mãe de suas filhas.

Porque o Mário é merecedor da nossa maior gratidão pelo muito que tem feito por este Blogue, deixo-lhe, assim como à sua filha Joana, em nome dos editores e da tertúlia, as nossas mais sentidas condolências.

1970 > Cristina Allen em Bissau
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22041: In Memoriam (389): Ilídio Sebastião Vaz (1945/2021), ex-fur mil enf, CCaç 14 (Bolama e Cuntima, 1969/1971): morreu em Havana, Cuba, em sequência da Covid-19 (Eduardo Estrela)

terça-feira, 6 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22074: Manuscrito(s) (Luís Graça) (203): Para a Joana, que hoje faz anos: "E os adultos, esses, já morreram todos. Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer” (Louise Glück | Frederico Pedreira, "Uma Vida de Aldeia", Lisboa, Relógio de Água, 2021, p. 133)


Página do Facebook da Joana Graça / Joana Carneiro... Com a devida vénia...

Joana:

1. Queria-te oferecer, como prendinha de anos, a novela gráfica “Balada para Sophie”, da genial dupla Filipe Melo e Juan Cavia (Lisboa, Tinta da China, setembro de 220, 320 pp). 

Simplesmente,  está esgotada. Mas fica prometido um exemplar da 2ª edição ou reimpressão.

Vê e ouve aqui ao menos a interpretação ao piano da Balada, pelo autor e pianista Filipe Melo (que é amigo do João e a quem dei umas "dicas", há uns anos, para o guião de uma outra BD, também portentosa, "Os Vampiros", cuja história se passa na fronteira da Guiné com o Senegal, em dezembro de 1972). 

[Sinopse: "Guiné, Dezembro de 1972.Em plena guerra colonial, um grupo de soldados portugueses é destacado para uma operação secreta no Senegal. Porém, à medida que vão sendo consumidos pela paranóia e pelo cansaço, esta missão aparentemente simples vai transformar‑se num verdadeiro pesadelo. Embrenhados na selva, estes homens terão de confrontar sucessivos demónios – os da guerra e os que trouxeram consigo."].

2. Em alternativa, trouxe-te um livro de poesia, em edição bilingue, inglês/português. Não conhecia a autora, Louise Glück, Prémio Nobel da Literatura 2020. Nova-iorquina, de ascendência judaico-húngara.

Acho que vais gostar: A Village Life (2009) / Uma Vida de Aldeia, numa belíssima e rigorosa tradução de Frederico Pedreira, também ele poeta. [Edição da regógio d'Água, Lisboa, 2021, 160 pp.]

Lê-se na badana: 

 “Teve uma infância e adolescência difíceis, mas um contacto precoce com autores gregos e latinos permitiu-lhe acolher a herança clássica e escrever uma poesia que , através de imagens universais, aborda a fragilidade essencial dos seres humanos”.

Acho que vais gostar. É o meu “feeling”. E mais: acho que podias escrever poemas quase tão bons como estes,   naqueles “notebooks”, baratuchos,  do Auchan,  que eu te costumo oferecer, e que tu approveitas da primeira à última folha, com notas, pensamentos, poemas, (in)confidências, desenhos, esboços de qualquer coisa… que um podia poderão transformar-se em livro. Tenho sempre a esperança que tenhas mais golpe de asa do que eu. Porque talento, felizmente, não te falta para o desenho e a escrita.


3. Folheando o livro, "Uma Vida de Aldeia", lendo na vertical, destaquei uma meia dúzia de versos:

(...) “Para poder nascer, o nosso corpo faz um pacto com a morte,

e, a partir desse momento, tudo o que tenta é fazer batota”
(p.77)


(...) “Que belas estão as flores – símbolos da resiliência da vida.

Os pássaros aproximam-se vorazes.”
(p. 105).


(...) “Nada prova que estou viva.

Há apenas a chuva, a chuva é infindável”
(p. 117).


(…) “E as pequenas coisas que antes nos

faziam felizes

já não conseguem chegar a nós”
(p.125)


(...) “E os adultos, esses, já morreram todos.

Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer”
(p.133)…


(...) “Corpo meu, (…)

não é da Terra que irei sentir falta,

é de ti que eu irei sentir falta”
(p.137).


Joana, é uma escrita muito feminina, austera, depurada, de alguém que sabe fazer, com as palavras, a necessária logoterapia que transforma a(s) nossa(s) fragilidade(s) em beleza poética. As palavras não servem para mais nada, se não para criar beleza e reordenar a realidade. Sem as palavras, teríamos o caos. 

Que tenhas um lindo dia 6 de abril de 2021

Teu pai e tua mãe (que, todos os anos, por este dia, às 10h30, deixa cair uma lágrima ternurenta  com a memória do teu parto, no Hospital de Santa Maria há 43 anos).

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Nota do editor:

Último post da série > 4 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22066: Manuscrito(s) (Luís Graça (202): A Páscoa: este ano resta-nos a saudade... e as fotografias e os vídeos de antanho. E a Covid-19 que nos confina e nos espreita.

Guiné 61/74 - P22073: Blogoterapia (296): Melancolia - Em dias chatos e aborrecidos, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Miguel Torga

Foto (editada): Com a devida vénia a SAPO Viagens


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 5 de Abril de 2021:

E
m dias chatos, aborrecidos, tramados, nefastos, em que tudo de mau acontece, sem querer especificar, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis. Nessa atmosfera de sons em harmonia, surge a melancolia que é um estado de alma nem alegre nem triste, enfim é uma tristeza suave que ajuda a viver e a suportar a realidade nua e crua das mágoas em ferida que o pessimismo avoluma.

Talvez o meu problema seja a dicotomia de viver entre duas vidas, ou minha falta de jeito para utilizar as palavras adequadas quando me dirijo aos outros, enfim um problema criado pela solidão social e intelectual e no entanto eu valorizo o auxílio que outros com mais poder dialéctico me poderiam trazer.

Fernando Pessoa bebia vinho ou aguardente, bebidas nacionais, no Martinho da Arcada ou na Brasileira e escreveu odes e poemas imortais para a posteridade.

Cafés que Luís de Camões, grande poeta e grande boémio, não frequentou porque no seu tempo não havia, perdia-se por vielas e tabernas com marinheiros e plebeus, e por palácios com reis e nobres ociosos segundo reza a lenda, a arquitectar o grande poema, que escreveu, como um grande hino à Pátria.

Eu como outros amigos com menos talento ficaremos contentes se encontrarmos algum companheiro paciente e lúcido para escutar as nossas lamúrias na esperança de que ele seja um deus que tudo cala e tudo perdoa.


Neste devaneio da memória, surge Miguel Torga, meu ídolo maior, com o rosto farto, seco e rugoso esculpido em granito pelo vento agrestes das montanhas a lembrar o meu velho pai , um homem com raízes fundas também nesse "Reino Maravilhoso" de terras pobres que obrigavam a meditar e marcavam os rostos com rugas acentuadas.

Tão longe tão próximo, uma figura tutelar, outro herói nacional que me acompanha desde a adolescência.

Nos últimos Diários, com a idade a avançar mas com uma lucidez sempre jovem, impressiona-me o pessimismo e a angústia de viver que revela, e de que não dá explicações. Chegado a um alto patamar da vida em prestígio, fama e homenagens, esse grande lutador, destinado a ser lavrador ou pastor, que em ciência e livros se transformou num oráculo amado e admirado por todo um povo. Talvez eu tenha que ler a biografia dele, se a houver, para conseguir interpretar essa tristeza que a mim me contagiava.

O tempo abriu. Está um lindo dia de Primavera. Não há dias felizes, há horas felizes!

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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21085: Blogoterapia (295): O Covid-19 e os mísseis Strela (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI


Foto 1 - Região de Tombali > Evacuação de feridos durante a «Operação Gienah III» realizada em 13/14 de Dezembro de 1967, na península de Pobreza, rio Tombali, pelo DFE 12 [foto publicada em https://blogue.mlemasantos.com/Homenagem_ARebBrito.pdf], com a devida vénia.


Foto 2 - Assistência a ferido. Foto do álbum de Dálio João Gil Carvalho, retirada de https://www.facebook.com/photo?fbid=2566873993323847&set=g.338457706221055, com a devida vénia.


Foto 3 – Região do Óio > Bissorã > “Acto de enfermagem” (prestação de cuidados de saúde realizada pelo camarada Armando Pires). Foto do próprio – ex-fur mil enf da CCS/BCAÇ 2861 (Bula e Bissorã; 1969/70) – P10629, com a devida vénia.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.




 

MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS»


OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE VI

 

► Continuação do P21980 (V) (07.03.21)


1.   - INTRODUÇÃO


Continuamos a partilhar no Fórum os resultados obtidos na investigação acima titulada. Procura-se valorizar, também, através deste estudo, o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local): médicos e enfermeiros/as, na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida, mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais.

Considerando a dimensão global da presente investigação, esta teve de ser dividida em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos e feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", que viram ser-lhes atribuída uma condecoração com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para esse efeito, a principal fonte de informação/ consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


De acordo com a coleta de dados da pesquisa, os "casos do estudo" totalizaram vinte e quatro militares condecorados, no CTIG (1963/1974), com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404.


No gráfico abaixo está representada a população do estudo agrupada pela variável "ano".

 


Gráfico 1 – Representação gráfica dos "casos do estudo" agrupada na variável "ano".

 

3. - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)


3.11 - FRANCISCO PINHO DA COSTA, ALFERES MILICIANO MÉDICO, DA CCAÇ 1439, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima primeira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe – a quarta das distinções contabilizadas durante o ano de 1966, e a única atribuída a um (Oficial) Médico – teve origem no desempenho tido pelo militar em título, quando, em 21 de Agosto de 1966, domingo, a sua viatura, incluída numa coluna que se deslocava em direcção a Porto Gole, accionou um engenho explosivo, seguida de emboscada, tendo provocado alguns feridos com gravidade, sendo ele um destes. 


 Mesmo ferido, não deixou de prestar a assistência da sua especialidade, só pedindo a sua evacuação quando entendeu que tinha concluído a sua missão (infografia abaixo).


► Histórico



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração


▬ O.S. n.º 39, de 29 de Setembro de 1966, do QG/CTIG:


"Condecorado com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, da Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439] – Batalhão de Caçadores 1888, Regimento de Infantaria n.º 1."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, do BCAÇ 1888, prestando serviço na CCAÇ 1439, porque no dia 21Ago66, domingo, fazendo parte de uma coluna que seguia para Porto Gole, a fim de prestar assistência da sua especialidade à guarnição daquele Destacamento, apesar de ferido com gravidade por um engenho explosivo IN, que a viatura em que era transportado accionou, não deu a conhecer o seu estado, tratando os feridos no local de rebentamento e sob o fogo da emboscada IN, revelando uma extraordinária coragem, sangue-frio, desprezo pelo perigo e muita serenidade, só pedindo a sua evacuação após se ter certificado que estava cumprida a sua missão.


O Alferes Miliciano Médico, Francisco Pinho da Costa, com a sua atitude deu um nobre exemplo de carácter, de abnegação e de elevada coragem, demonstrando possuir, no mais elevado grau, espírito de sacrifício e todas as virtudes militares que o distinguem como médico e militar." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 299).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para contextualização da ocorrência que esteve na base da condecoração do Alferes Médico, Francisco Pinho da Costa, socorremo-nos das memórias reproduzidas pelo camarada João Crisóstomo, ex-alf mil inf da mesma unidade, no P19813 (22.05.2019) – Parte III: "a vida em Missirá" – a propósito de uma foto (à civil) com um alferes médico (foto ao lado).

Acrescenta que não se lembra do nome dele. Sabe apenas que era o médico do Batalhão que estava em Bafatá (e do qual a CCAÇ 1439 fazia parte ou a que estava agregada). O médico anterior a ele tinha sido uma das vítimas duma mina com emboscada. O comandante do Batalhão de Bafatá [BCAV 757; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso (?)] fazia parte dessa coluna, mas não estava a comandar. O capitão Pires, cmdt da CCAÇ 1439 tinha-nos dito expressamente que ele não estava como comandante e pertencia-nos a nós "protegê-lo e entregá-lo".


Este (o médico anterior) era um indivíduo mais baixo, também com óculos, cara redonda… Partiu as pernas e foi evacuado na mesma altura para Bissau e nunca mais ouvi falar dele; também não me lembro do nome dele. Vou ver se o Figueiredo se lembra; (se me não engano o Figueiredo era o condutor do Unimog que sofreu a mina; eu ia ao lado dele, fomos os dois projectados cada um para seu lado, mas, com sorte, sem nada quebrado; recordo-me bem de ter sido projectado, e ao aterrar no solo ter encontrado ao meu lado a minha G3 de cano metido na terra; nem de propósito teria sido tão bem "enfiada" no chão…). (…)


Por outro lado, é muito provável que esta ocorrência esteja relacionada com a «Operação Gorro», realizada entre 19 e 24 de Agosto de 1966, onde participaram forças da CCAÇ 1439, CCAÇ 1551 e 1 GC da CCAV 1482. Esta actividade operacional tinha por objectivo realizar uma série de patrulhamentos e emboscadas na região de Colicunda, em exploração de uma notícia que referia que o IN cambava o rio Geba naquela região, transportando material e munições para Jugudul. Ao ser capturado 1 elemento IN, que fazia os reabastecimentos de Lasse para Chubi, foi detectado um acampamento IN, composto por 6 casas de mato, que foi destruído. Foi morto 1 elemento IN. (CECA; 6.º Vol.; p 408).



3.11.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1439

= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA



Mobilizada pelo Batalhão Independente de Infantaria 19 [BII 19], Unidade pertencente à Região Autónoma da Madeira, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Caçadores 1439 [CCAÇ 1439], embarcou no cais do Funchal a 02 de Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», que havia saído de Lisboa a 31 de Julho p.p., sob o comando do Cap Mil Inf Amândio Manuel Pires, tendo chegado a Bissau a 06 do mesmo mês.


3.11.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1439


Apóa sua chegada a Bissau, em 06Ago65, a CCAÇ 1439 seguiu imediatamente para o Xime, a fim de efectuar treino operacional com forças da CCAV 678 [18Jul64-27Abr66; do Cap Cav Juvenal Aníbal Semedo de Albuquerque] e assumiu a responsabilidade do subsector do Xime em substituição da CCAÇ 508 [20Jul63-07Ago65; do Cap Mil Inf João Henriques de Almeida (1.º) e do Cap Inf Francisco Xavier Pinheiro Torres de Meireles (1938-1965) (2.º)], ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 697 [21Jul64-27Abr66; do TCor Inf Mário Serra Dias da Costa Campos], com amissão de intervenção e reserva do sector. 

Em 10Set65, por troca com a CCAV 678 foi deslocada para Bambadinca, onde continuou com a missão de intervenção e reserva do sector e assumiu cumulativamente a responsabilidade do respectivo subsector de Bambadinca. Nestas funções, tomou parte em diversas operações de que se salientam, pelos resultados obtidos, a «Operação Bravura», de 14 a 24Ago65, na região de Galo Corubal e a «Operação Avante», em 29 e 30Ago65, na região do rio Buruntoni. Em 09Out65, por troca com a CCAÇ 556 [10Nov63-28Out65; do Cap Inf José Abílio Lomba Martins (1.º)], assumiu a responsabilidade do subsector de Enxalé, com destacamentos em Missirá e Porto Gole, mantendo-se na dependência do BCAÇ 697 e depois do BCAÇ 1888 [26Abr66-17Jan68; do TCor Inf Adriano Carlos de Aguiar]. 

No período, efectuou várias operações nas regiões de Madina Belel, Missirá e Porto Gole, em que capturou bastante armamento e material. Em 08Abr67, foi rendida no subsector de Enxalé, por troca com a CART 1661 [06Fev67-19Nov68; do Cap Mil Art Luís Vassalo Namorado Rosa (1.º)] e recolheu seguidamente a Fá Mandinga, onde se manteve, temporariamente, como subunidade de reserva do sector. Em 17Abr67, seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu no dia seguinte, a bordo do N/M «UÍGE» (CECA; 7.º Vol.; p 349).


3.12 - ANTÓNIO JOSÉ PAQUETE VIEGAS, SOLDADO AUXILIAR DE ENFERMEIRO, DA CCS/BCAÇ 1877, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 3.ª CLASSE


A décima segunda ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 3.ª Classe - a quinta das distinções contabilizadas no decurso do ano de 1966 - teve origem no desempenho tido pelo militar em título, durante a «Operação Abanão 5», realizada em 06 de Novembro de 1966, domingo, na Região de Teixeira Pinto (hoje Canchungo), quando tomou a iniciativa de, debaixo de fogo, chegar à frente da coluna em que seguia, procurando socorrer os feridos graves provocados por emboscada montada pelo IN (infografia abaixo).


► Histórico



 

◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 02, de 12 de Janeiro de 1967, do QG/CTIG:


"Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 3.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da Companhia de Comando e Serviços/Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], Regimento de Infantaria n.º 15."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvado o Soldado auxiliar de enfermeiro, n.º 2538064, António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, porque na «Operação Abanão 5», em 06 de Novembro de 1966, domingo, durante uma emboscada feita pelo inimigo, debaixo de fogo e revelando valentia, sangue-frio e desprezo pela vida, correu prontamente do meio da coluna, onde se encontrava, para a testa da mesma, a fim de socorrer um ferido grave que se esvaía em sangue.


O Soldado Viegas, indiferente ao perigo, mostrou sempre durante a operação bastante serenidade e compreensão dos seus deveres humanitários, manifestando o maior empenho a todos auxiliar, tendo a sua pronta e rápida acção contribuído para que o ferido grave pudesse ser evacuado em boas condições.


De salientar que foi a primeira vez que tomou parte em operações e se ofereceu voluntariamente para esta operação." (CECA; 5.º Vol.; Tomo IV; p 155).


CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para além dos fundamentos acima expressos, nada mais foi encontrado na bibliografia consultada, impedindo-nos, assim, de descrever, em pormenor, o contexto que determinou o louvor ao Soldado auxiliar de enfermeiro, António José Paquete Viegas, e posterior condecoração.


3.12.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE CAÇADORES 1877
= XIME - BAMBADINCA - ENXALÉ - MISSIRÁ - PORTO GOLE E FÁ MANDINGA


Mobilizado pelo Regimento de Infantaria 15 [RI 15], de Tomar, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, o Batalhão de Caçadores 1877 [BCAÇ 1877], constituído pela CCS e pela CCAÇ 1499, a primeira das três Unidades de Quadrícula, embarcaram no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, em 02 de Fevereiro de 1966, 4.ª feira, a bordo do N/M «UÍGE», sob o comando do TCor Inf Fernando Godofredo da Costa Nogueira de Freitas, tendo desembarcado em Bissau a 8 do mesmo mês. As outras duas Unidades de Quadrícula – a CCAÇ 1500 e a CCAÇ 1501 – haviam embarcado antes, a 20 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, igualmente a bordo do N/M «UÍGE».


3.12.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DO BCAÇ 1877


O BCAÇ 1877 foi, inicialmente, colocado em Bissau na situação de reserva à ordem do Comando-Chefe, sendo as suas subunidades [CCAÇ's 1499; 1500 e 1551] destacadas em reforço de vários sectores. De 28Mai66 a 30Jun66, assumiu a responsabilidade do Sector O1-A, então criado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo as subunidades estacionadas em Teixeira Pinto e Cacheu e seus destacamentos, em área temporariamente retirada ao BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado (1920-2001)], com a finalidade primária de actuar ofensivamente na área do Churo, efectuar o controlo dos itinerários e estabelecer contactos com as populações. 


Em 15Jul66, assumiu, outra vez, a responsabilidade do Sector O1-A, então novamente activado, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo a anterior zona de acção, e a partir de 11Out66, a área de Jolmete, então transferida do BCav 790. Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, emboscadas e de acções ofensivas sobre o inimigo, infligindo-lhe sensíveis baixas, apreensão e destruição de diverso material e dificultando a sua consolidação no terreno. Destaca-se, pelos resultados obtidos a série de operações "Arromba", realizadas na região de Banhinda - Lecache - Peche, entre outras.

Em 07Jan67, o Comando e a CCS (reduzidos) renderam, no Sector L2, o BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], com a sua sede em Bafatá e abrangendo os subsectores de Contuboel, Fajonquito, Geba, Bafatá e Pirada, este retirado à zona de acção em 01Jul67; entretanto o 2.° Cmdt e o resto da CCS mantiveram-se no Sector 01-A, até serem rendidos pelo BCAV 1905 [06Fev67-19Nov68; do TCor Cav Francisco José Falcão e Silva Ramos], em 08Fev67. 

Nesta situação, continuou a desenvolver intensa actividade de patrulhamento e de reconhecimento sobre as linhas de infiltração inimigas, além de garantir a segurança e desenvolvimento socioeconómico das populações. Destacam-se, entre outras, as operações "Inquietar I" e "Inquietar II", realizadas na região de Sare Dicó. Dentre o material capturado mais significativo, no conjunto da actuação nos dois sectores, salienta-se: 1 metralhadora ligeira, 3 pistolas-metralhadoras, 6 espingardas, 1 lança-granadas foguete e 15 granadas de morteiro. Em 24Set67, foi rendido no sector de Bafatá pelo BCAV 1905 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, o qual ocorreu em 06 de Outubro de 1967. (CECA; 7.º Vol.; pp 78-79).

Continua…

► Fontes consultadas:

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo IV; Cruz de Guerra, 1967; Lisboa (1992).

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014)

Ø Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição; Lisboa (2002).

Ø Outras: as referidas em cada caso.

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

09MAR2021

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Nota do editor:


Último poste da série > 7 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21980: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte V

Guiné 61/74 - P22071: Parabéns a você (1948): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3492/BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22065: Parabéns a você (1947): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)