quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23831: Historiografia da presença portuguesa em África (345): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2022:

Queridos amigos,
Temos três versões documentais, René Pélissier consultou os arquivos franceses, o Capitão Velez Caroço elaborou relatórios sobre as suas idas e vindas acompanhando uma Comissão Franco-Portuguesa à cata de provas de que o avião francês aterrara em solo da colónia portuguesa, e temos as cartas do chefe do BNU de Bissau para a administração em Lisboa. O historiador francês sobrecarrega de pormenores as peripécias das missões vindas do Senegal à Guiné portuguesa e a brutalidade dos interrogatórios aos Felupes para apurar se efetivamente o avião desaparecido caíra em chão Felupe, esta etnia que dava sobejas provas de revolta, vendo tanta intimidação, desataram a fugir para os pântanos e para a colónia francesa; o Capitão Velez Caroço desmonta a argumentação de que o avião francês pudesse ter aterrado em solo da colónia portuguesa, e chegamos à tragicomédia de se percorrer os Bijagós para saber se os alemães tinham raptado os franceses...; o gerente do BNU revela sobretudo a preocupação de que era indispensável pôr cobro aos desmandos dos Felupes, declaradamente insubmissos, a verdade é que findo este período de revoltas dever-se-á ter chegado a um acordo tácito de que eles jamais provocariam as autoridades coloniais, ficando num discreto regime de uma quase auto-gestão, como se comprovou com o seu procedimento durante o período da luta armada.

Um abraço do
Mário



L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (3)

Mário Beja Santos

Aquele ano de 1933 em que ocorreu o desaparecimento do avião do piloto Gaté foi praticamente dominado pela chamada revolta dos Felupes. Na investigação a que procedi no então Arquivo Histórico do BNU, encontrei um telegrama datado de 10 de novembro desse ano, provém da administração em Lisboa, com o seguinte teor: “Este telegrama é absolutamente confidencial e só poderá ser decifrado pelo gerente devendo na sua ausência ser devolvido indecifrado ao expedidor – telegrafe-se se o gentio se revoltou – telegrafe-se se ordem restabelecida quem como foi sufocada a alteração. Telegrafe as notícias que puder pormenorizando. Este telegrama é absolutamente confidencial para toda e qualquer pessoa seja qual for a sua categoria”.
No dia 13, o gerente de Bissau envia carta detalhada ao administrador do BNU:
“Há cerca de 3 meses levantou voo de Dacar, com destino a Ziguinchor, um avião francês tripulado pelo aviador Gatti (na verdade, o seu nome era Gaté) acompanhado de um observador. Por qualquer razão desconhecida – diz-se que fugindo a um tornado, o avião desviou-se da sua rota e presume-se que por falta de gasolina tenha caído em território desta colónia, a uns 40 ou 50 quilómetros da fronteira Norte, na região dos Felupes, área do posto civil de Susana, circunscrição de Canchungo.
O governo francês, supondo que o avião tenha de facto caído nesta região, solicitou do nosso que mandasse proceder às necessárias pesquisas. Diz-se que essas pesquisas foram efetuadas sem resultado. Há 20 dias, pouco mais ou menos, apareceram na área do posto de Susana a mulher do aviador desaparecido e uma outra senhora francesa acompanhada de um sargento aviador francês e ainda de um outro indivíduo que se dizia comerciante de Dacar, para fazerem por sua vez, novas pesquisas.

O administrador da circunscrição não consentiu nessas diligências sem autorização superior, essa equipa francesa foi a Bolama conferenciar com o governador, regressando ao posto de Susana acompanhada pelo ajudante de campo deste.
Em breve começaram a circular boatos sobre o aparecimento de vestígios do avião e dois ou três dias depois seguia também para Susana o Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, capitão Velez Caroço. Afirma-se que este oficial, depois de iniciadas novas pesquisas, notando certo retraimento do gentio, receando qualquer agressão dos Felupes que desde sempre se têm mantido mais ou menos rebeldes, pagando o imposto positivamente quando e como quer, sem que lhes tenha sido aplicado o corretivo necessário por falta de recursos, cobardia ou desleixo, resolveu, de acordo com o governador, não continuar as suas diligências sem se fazer acompanhar de uma pequena força militar.

No dia seguinte ao da ida daqueles oficiais a Bolama, regressaram a Bissau com um pequeno contingente, e daqui partiram de novo para Susana, armados e municiados. Os Felupes receberam-nos hostilmente, travando-se um combate em que morreram dois soldados, ficando vários feridos. O facto foi comunicado ao governador, seguindo imediatamente para o local, com reforços, o Capitão Sinel de Cordes, Comandante da Polícia. Chegado este a Susana, e posto ocorrente do que se tinha passado, entendeu, e muitíssimo bem, que era preciso castigar energicamente os revoltosos, tanto mais que já no ano passado, na mesma região, tinham cortado a cabeça a cinco soldados”
.

O relatório do chefe da delegação em Bissau do BNU é bastante minucioso, convocam-se Fulas para coadjuvarem as tropas regulares, dirigem-se a Jufunco, a povoação revoltada, aguardam-se ainda centenas de Fulas vindos de Bambadinca. Os rumores eram os mais desencontrados: que aos aviadores desaparecidos tinham sido cortadas as cabeças, por exemplo. Iniciada a batida, os revoltosos refugiavam-se nos pântanos, o governador seguiu para o campo de operações, voltou dias depois a Bissau, o chefe da delegação falou com ele, ficou informado que o gentio se tinha posto em fuga e que o governador tinha dado por fim a operação, deixando apenas na região uma pequena força para policiamento.

O chefe da delegação mostra-se contrariado coma decisão do governador, a região dos Felupes era uma verdadeira dor de cabeça. “A ação das nossas tropas está longe, muito longe mesmo, segundo as informações que temos, de se poder considerar decisiva. Ainda nos últimos dias foi assaltada pelos rebeldes uma camioneta que conduzia auxiliares, escapando, por milagre, o condutor do carro; aos outros foi a todos cortada a cabeça e membros e os troncos decapitados deixados na estrada alinhados, numa demonstração de ameaça e requintada selvajaria. Não desejamos comentar a medida governamental, porque isso não está na nossa índole, nem temos fundamento bastante para considerar desastrosa a ordem de retirada. A saída das nossas tropas da região revoltada sem terem infligido um exemplar castigo aos revoltosos é desprestigiante e será mal interpretada pelos vizinhos franceses, que estabeleceram postos militares ao longo da nossa fronteira.
Sabe-se que em Ziguinchor um francês que acompanhou as duas senhoras a que atrás fizemos menção ao referir-se a nossa ação nas pesquisas do avião desaparecido nos alcunhou de cobardes. Talvez tenha sido por isso que o Capitão Sinel de Cordes, calmo e sereno, mas decidido, tivesse a intenção de acabar de vez com a lenda dos Felupes, lenda que tem custado a vida a soldados e auxiliares indígenas”
.

Mais tarde, o gerente de Bissau volta a escrever uma carta para Lisboa, informando que se encontra na região dos Felupes apenas um oficial, o Tenente Dores Santos à frente de um destacamento, não se tinham registado até então novos atos de insubordinação ativa. “Consta que os chefes revoltosos – Alfredo e Coelho – das tabancas de Jufunco e Egine, respetivamente, se refugiaram com parte da sua gente no território francês, sendo ambos presos pelas autoridades respetivas. Iniciaram-se diligências oficiosas junto daquelas autoridades para que, às nossas, esses chefes fossem entregues”.

E mais não sabemos, jamais se voltará a encontrar documentação sobre o desaparecimento do avião, fica-se com um quadro claro de que no início da década de 1930 a região Felupe dava provas evidentes de insubmissão, tudo aponta para declarações forjadas de que o avião francês viera aterrar em território da Guiné portuguesa, no decurso do envio de tropas terá havido interrogatórios cruéis e altamente intimidantes, no somatório de todas estas rebeliões os Felupes entenderam que não possuíam capacidade para ripostar contra a autoridade colonial, terá sido essa a razão do chamado ensimesmamento dos Felupes, para lhes ser reconhecida a sua autonomia nem com o PAIGC pactuaram, mantiveram-se à margem, salvo exceções no período da luta armada. Assim se põe termo a este episódio rocambolesco de um avião desaparecido em território insubmisso.

Imagem do BNU em Bolama, ao tempo do desaparecimento do avião do piloto Gaté
Avião Potez-Salmson
Dança do choro, Susana, década de 1960
Dacar, Senegal, anos 1930
Uma mais que colorida festa Felupe, imagem de Eta Oliveira (do Wattpad), com a devida vénia
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Nota do editor

Postes anteriores da série de:

16 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23789: Historiografia da presença portuguesa em África (343): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (1) (Mário Beja Santos)
e
23 DE NOVEMBRO DE 2022 Guiné 61/74 - P23808: Historiografia da presença portuguesa em África (344): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23830: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (54): A nossa geração que foi "a salto" para a França, nas aldeias da raia d' Espanha


Antº Rosinha, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande,Pombal, 2007.
Foto: LG
 1. Mensagem de António Rosinha, o "nosso mais velho", "colon" em Angola (desde os anos 50, e onde fez a tropa e a guerra, em 1961/62), "retornado" em 1975, emigrante no Brasil, cooperante na Guiné-Bissau (como topógrafo da TECNIL, em 1987/93), um dos últimos dos nossos "africanistas",  membro da Tabanca Grande desde 29/11/2006 (ou seja, "um senhor senador"):

Data - 28 nov 2022 17:32  

Assunto - A nossa geração que foi "a salto" para a França, nas aldeias da raia d'Espanha


Desde os anos 50 até 1961 já havia "passadores" para a França, em todas as fronteiras da Beira Alta, Trás-os-Montes e Alto Douro.

Em alguns concelhos mais que noutros, logo a seguir à I Grande Guerra, já se ia para a França pelo processo do "a salto"..

Só que, a partir de 1961  acelerou essa actividade, e talvez, mesmo sem estatísticas, se possa dizer sem exagero que 50% de jovens entre os 18 e os 20 anos foi para a França, nas inúmeras aldeias, hoje desertificadas em maioria, dessas regiões do interior Beirão e Transmontano.

Será que a Guerra do Ultramar não podia mesmo dispensar aquela quantidade de soldados?

Era já um hábito muito enraizado, semi-clandestino, bem junto às fronteiras espanholas, a ida para a França..

Já era a alternativa ao Brasil e outras Américas a ida "a salto"  para a França ou nos porões da CNN (Compamhia Nacional de Navegação)  e CCN (Companhia Colonial de Navegaçãpo) para Angola e Moçambique e mesmo para África do Sul e Congo Belga..

As nossas velhas aldeias do interior, onde podia haver muita "carne para canhão", para a Guerra do Ultramar, 3, 4, e mais, filhos varões por família, na inspecção anual,  que podiam ser 20 ou 30 por aldeia, por ano,.uma grande parte ia para a França, por meio de "passadores", muitíssimo pouco clandestinos, pois eram figuras bem públicas nas regiões fronteiriças.

Como a partir de 61 tudo era apto para a guerra, ao fim de 13 anos, exceptuando amparos de família, e não sobrepondo dois ou mais irmãos, qualquer aldeia do interior poderia ter fornecido média de 20 por ano vezes 13 anos eram 260.

Só em fardamento, G3 e viagens, reduzindo para metade (praças havia muitas), era uma boa poupança..
Havia escassez era de capitães, não de praças.

Se de 260, 130 fossem para a França, farda, viagens sem custos para o Estado, e envio de remessas mensais, continhas à Salazar...será que os "passadores" não mereciam uma condecoração ou um prémio? Aliás, eles pagavam-se bem sem correr riscos cá em Portugal, e na fronteira francesa os riscos eram apenas para os emigrantes.

São muitos milhares das fronteiras beirãs e transmontanas que hoje, já reformados da França, a maioria com reformas completas, eles e as esposas também, são eles que dinamizam um pouco as velhas aldeias, pelo verão, pelos finados, Natal e Páscoa, aquelas aldeias desertificadas.

E ainda fazem um esforço enorme para entusiasmar os filhos e netos, alguns já franceses, a virem a terrinha dos pais, adquirindo apartamentos e casas junto às praias, que é mais convidativo para os jovens.

Vêm mais assiduamente os emigrantes reformados da França às suas aldeias,do que aqueles que foram à guerra e fizeram a vida em Lisboa ou Porto, como que são emigrantes também.

Foi com muito esforço que estes "franceses" fizeram a sua vida na França, não só pela língua, a maioria sem estudos, máximo a velha 4ª classe, e sujeitos, como qualquer emigrante, a trabalhos que o cidadão natural rejeita.

Salário, evidentemente o mínimo, a não ser quando adquiria alguma especialização.

Era à base de privações que conseguiram grande parte das economias para construir casa nova na aldeia, aldrabados muitas vezes por empreiteiros sem escrúpulos, fazer alguns depósitos bancários, aldrabados muitas vezes também por banqueiros e gerentes sem escrúpulos. e vivendo em condições degradadas em França para evitar pagar renda de casa.

Provavelmente todos os concelhos ao longo das fronteiras beirãs e transmontanas têm o seu monumento, pequeno ou mais vistoso com a lista por aldeias, dos seus filhos que morreram na Guerra do Ultramar.

Dalgumas aldeias talvez não tenha morrido ninguém em África, pois foi mais provável um ou outro terem morrido nas estradas de Espanha, pelas vacances, lançados em grandes carros, para matar saudades.

Estes jovens refratários, ou desertores ou que simplesmente já estavam para lá antes das inspecções, e não regressaram, fariam mesmo falta naquela guerra? Será que se notou a falta de soldados rasos?

Sim,  rasos, atendendo que a maioria dos jovens de que falo, "a salto", andaram apenas na escola primária, os que os pais dispensavam da vida do campo, nem todos souberam o que era a reguada do professor.

Lembro que, embora o pessoal saísse à socapa para a França, não iam avisar no Edital à porta da igreja ao Domingo, evidentemente, a sua partida, mas aquela clandestinidade era muito mal disfarçada, daí, até desde o regedor, o presidente da freguesia e algum da União Nacional desde o "passador",  indivíduo grandemente bem relacionado, até a algum bufo da PIDE, era tudo mais ou menos conivente.

Com mais todos esses mancebos em África, o resultado final da guerra era o mesmo que foi.

Embora este êxodo tenha ajudado à desertificação,  esta era tão inevitável que, mesmo com o fim da guerra, continuou, em quase todas as velhas aldeias daquelas regiões. São raríssimas as excepções em que a desertificação não acontece.

Mas,  se muitos os sexagenários e septuagenários reformados, não regressam definitivamente ás suas aldeias, deve-se a algumas explicações que eles dão:

  • Uma, são os filhos e netos já radicados definitivamente na França;
  • Outra explicação deles, é que em Portugal é tudo muito complicado.

Eu compreendo-os na perfeição nestas duas explicações.

E é uma pena que existam estas duas razões para eles não regressarem, principalmente a segunda. que é "estupidamente" verdadeira e real para esta gente, eu próprio senti ao fim de 5 anos no Brasil e um ou outro na Guiné.

Para tratar qualquer coisa (Registos, procurações, Câmaras, passaportes, saúde, etc.) em curto espaço das férias, só à base de "cunha", a velha corrupçãozinha. (Parece que actualmente alguma coisa terá melhorado, a anti-cunha.)

Quando se põe a questão da imigração/emigração actual no mundo, principalmente a clandestina como foi o caso desta que falo para a França, a única clandestina, costuma-se fazer comparações, e até semelhanças. Mas as semelhanças são muito ténues.

Era bom que o português não precisasse mais de emigrar, embora muitas vezes já seja por "tradição".

Antº Rosinha

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23703: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): A Sebastiana Valadas (1º episódio da série da SIC, "Despojos de Guerra") e os "cantineiros do mato" em Angola

Guiné 61/74 - P23829: Tabanca dos Emiratos (11): Longe e perto de nós... Afinal, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (Jorge Araújo, Abu Dhabi)





Emiratos Árabes Unidos > Abu Dhabi > 2022 > Mercado do Peixe > Uma banca de "encher o olho... e o estômago",,,


Fotos (e legenda): © Jorge Araújo (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor, a viver neste momento em Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos. Tem mais  de 320 referências no nosso blogue. É autor de várias séries: "Tabanca dos Emiratos", "Memórias cruzadas...", "(D)o outro lado combate"...


1. Mensagem de Jorge Araújo, que fez anos no dia 10 do corrente, e que felizmente está ao pé da sua querida Maria, mas infelizmente a 6 mil quilómetros de nós ("by air"), mesmo que ele não se esqueça da malta da Tabanca Grande (aqui está ao alcance de um clique):


Data - segunda, 7/11/2022, 10:45

Assunto . Publicação da série "Enfermeiros... Com Cruz de Guerra"... Parte IX 


Caro Luís, bom dia desde o deserto (*).

Em primeiro lugar, espero que continues a recuperar da tua saúde física e que uma melhor mobilidade te dê mais conforto no teu quotidiano.

Em segundo lugar, dar-te conta de que esta outra (e nova) "comissão de serviço" está a ser diferente das anteriores, uma vez que já não existem impedimentos de circular por efeito da pandemia. Esta situação em muito tem contribuído para a inexistência de um plano de actividades, uma vez que a cultura (a que aqui predomina) é que tudo pode mudar de um momento para outro.

Em terceiro lugar, aproveito para te enviar mais um fragmento - o IX - da série dos "Enfermeiros", concluído ontem entre o almoço no "Mercado do Peixe", em Abu Dhabi, e o Jantar mais aligeirado, como manda a minha nutricionista.

Fica bem, e até breve.

Com um grande abraço de amizade,
Jorge Araújo + Maria João.

2. Nova menssagem, com data de hoje, às 7h12:


Já vi o poste que publicaste hoje relacionado com as minhas novas experiências... Obrigado.

Porque as duas fotos dizem pouco sobre o que é o novo Mercado do Peixe de Abu Dhabi, inaugurado no passado dia 26 de Julho de 2022, portanto há quatro meses, tomei a iniciativa de te enviar mais algumas, caso queiras incluí-las nesse texto.

É de referir que esse novo Mercado tem 44 bancas de venda e limpeza do peixe, onde em cada uma existe uma vasta montra de espécies, como se pode confirmar nas imagens anexas, e que ocupam todo o espaço central do edifício. 

O pescado/marisco pode ser adquirido directamente pelo consumidor ou, em alternativa, pode escolher um dos oito restaurantes existentes ao seu redor, que o prepara ao gosto de cada um. Quer isto dizer que cada restaurante serve o pescado/marisco existente no mercado que, depois, é grelhado em espaços próprios existentes no complexo. Cada utente/consumidor pode, ainda, comprar o peixe/marisco e mandá-lo grelhar nos locais reservados para esse efeito.

Boa semana para todos, com saúde. Jorge Araújo.









EAU > Abu Dhabi > Mercado de peixe...


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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 13 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23612: Tabanca dos Emiratos (10): regresso às aulas e retoma dos trabalhos (es)forçados... (Jorge Araújo, Abu Dhabi)

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23828: Notas de leitura (1525): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte V: VPV: "O grande significado do livro, de Spínola, Portugal e o Futuro, era vir a público dizer que a guerra estava perdida"...


1. Vasco Pulido Valente não gostava dos militares, nem dos capitães de Abril, nem muito menos do general Spínola. (Quanto aos antigos combatentes, ignorava-os, pura e simplesmente.) 

Nas entrevistas que dá ao jornalista João Céu e Silva não trata bem nem uns nem outros. Referimo-nos ao livro "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente" (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp.), de que já fizemos cinco notas de leitura (com esta) (*)

Algumas das suas declarações, que ficam agora para a posteridade, mostram como ele tinha tendência, apesar da sua formação académica (e científica), para usar e  abusar do cliché, do estereótipo, do juízo algo sumário. Talvez defeito da sua prática jornalistíca, da "escola de O Independente" (onde fez tandem com Paulo Portas, Miguel Esteves Cardoso e outros)  , do gosto pela parangona,  o "título de caixa alta",  a frase bombástica, as letras garrafais...  Panfletário, afinal, coisa que não deve ser um historiador.

Veja-se o que ele diz sobre o Spínola (mais o político do que o militar, e muito menos o comandante-chefe e governador-geral da Guiné): "o homem era muito estúpido, mesmo bronco" (pág. 184). (Provavelmente, ainda há hoje portugueses que  pensam assim, num juizo a preto e branco, mesmo que publicamente não o manifestem; VPM tinha fama de dizer em voz alto aquilo que alguns ou até muitos pensavam em voz baixa, da nossa elite dirigente, política, de Spínola a Cavaco, de Otelo a Cunhal, mas também social, económica e cultural).

Não tenho ideia de, ao longo do livro, ele citar outros historiadores que estudaram ou analisaram o mesmo período (o fim do marcelismo e o 25 de Abril) ou as mesmas figuras (como o Spínola e o Costa Gomes, de que há já biografias "académicas" e livros de memórias)... 

No caso do Spínola, por exemplo, poderíamos citar o Carlos Alexandre Morais, que foi seu íntimo colaborador na Guiné ("António de Spínola. O Homem. Lisboa, Editorial Estampa, 2007) (**) ou o seu biógrafo, Luís Nuno Rodrigues ("Spínola: biografia". Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010) (***).

Em suma, VPM não parecia gostar do contraditório e tinha tendência para desvalorizar o trabalho de outros historiadores, seus colegas, de "outras escolas" (teóricas ou institucionais): afinal ele vinha de Oxford ...Para ele, os historiadores portugueses, mesmo os bons, eram "amadores" e a universidade portuguesa não lhes oferecia as necessárias condições para trabalhar a sério: a biografia de Salazar, por exemplo,  para ser um trabalho sério, teria que levar uns bons... quinze anos, uma vida!...

Mas VPM não dizia sempre mal dos militares: afinal, pagavam bem quando estes o convidavam, no pós-25 de Abril. para fazer conferências (por ex., no Instituto de Altos Estudos Militares), tinham sítios seletos onde não entravam "saias",  com bares bem  recheados e requintados...

2. Vejamos então o que VPV (em final de vida, ele devia ter consciência disso, do seu "prognóstico reservado"...)  disse ao João Céu e Silva sobre Spínola e o seu livro ("Portugal e o Futuro", lançado em fevereiro de 1974),  além do seu papel no "fim do regime" e no pós-25 de Abril..

(Confesso que também li o livro, na altura, sem entender grande coisa da "solução política" que o autor propunha para as colónias..., mas tive logo a sensação  que era, pelo menos, uma pedrada no charco do marcelismo; devo tê-lo, ao livro, algures guardado no sótão, já roído pelos ratos... Sim, como diz o VPV, toda a gente foi comprar e ler o livro, sem entender patavina do que o homem dizia e sobretudo do que iria acontecer a seguir...)

Spínola e O Spínola que eu conheci são dois descritores do nosso blogue: temos cerca de 450 referências, o que é obra... Apesar de ser (ou ter sido) uma figura controversa como militar e como político.

 

(i) Spínola, Portugal e o Futuro  (1974) 




P- O livro de Spínola, Portugal e o Futuro, foi a machada final no regime ?


R- Sim, porque se o vice-comandante das Forças Armadas em todos os territórios em que se está em conflito vem a público dizer que a guerra está perdida, então a guerra está mesmo perdia.

Foi isso que Spínola fez, esse é o grande significado do livro Portugal e o Futuro [lançado a 22/2/1974] e não o que lá estava escrito, que era uma quantidade de dislates que não convenciam (pág. 150) ninguém. 

O livro não tem qualquer importância e é um dislate, pois defendia uma comunidade de estados portugueses em África governada por um centralismo democrático!

(…) Fazia-se uma federação com todas as colónias e depois, para evitar que houvesse negros independentistas nas assembleias, governava-se aquilo com centralismo democrático. Isto são ideias de um partido estalinista, à PCP.

O verdadeiro significado do livro, no entanto, era o de que a guerra estava perdida e essa verdade simples era dita pelo vice-chefe do Estado-Maior – General das Forças Armadas – portanto, estava perdida” (pág. 181).(… )

Ficou marcada a posição de Spínola, que resultou depois na presidência da Junta de Salvação Nacional – foram buscar Spínola por causa do livro. (pág. 183).

 Spínola: imagem à direita,  retirada da capa do livro de Luís Nuno Rodrigues, "Spínola: biografia",(Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010), com a devida vénia...



(ii) E depois,  o  Mário Soares ainda lhe dará uma comenda...


(…) A PIDE sabia disto tudo [a preparação do 25 de Abril] e, segundo Otelo, não investigou nada, não os seguiu, não atrapalhou a conspiração, porque, se não tinham medo dos civis, já dos militares tinham e muito, e também não sabiam como é que estes iriam reagir. Sabiam de tudo mas não tocaram em nada (pág. 183).

(…) As tropas milicianas mercenárias eram uns tipos que estavam aparafusados a nada senão a um regime que lhes pagava para combater, não eram as Forças Armadas de Portugal. Estas tinham uma legitimidade e um sentido que os milicianos nunca poderiam ter.

O Spínola é a peça principal para o fim do regime mas não tem o poder. Esse está nas mãos dos capitães desde o princípio.

(…) Os golpes do Spínola [depois do 25 de Abril] têm aquele ar de touradas: “Eu sou muito valente, eu é que pego o touro”. Foi assim no 28 de Setembro e foi assim no 11 de Março, uma exibição do marialvismo português. Eu li um relato de um capitão que lá esteve e que conta esses episódios de Spínola: “Vou eu,vou eu” (pag. 184)

(…) Aquilo era uma coisa totalmente improvisada, o homem era muito estúpido, mesmo bronco, e não havia qualquer organização… (pág. 184)

(…) Os capitães [conseguem toureá-lo], coletivamente, são mais espertos do que ele. O homem não via realmente o que estava a fazer. Pode-se dizer que ele era um exemplar que vinha de um regime caduco e que não estava no seu tempo” (pág. 185)

(…) [Soares ainda lhe deu uma comenda] , mas foi por outras razões. Quando Soares quis elimibar o poder militar que havia em Portugal, ou seja, o Conselho da Revolução, pediu ajuda aa Spínola para ver se provocava os capitães, e pô-lo nos festejos de abril. Foi a provocação máxima que se podia fazer aos capitães. (pág. 183)

João Céu e Silva recorda um escrito de VPV de 1993 (sem citar a referência bibliográfica):

(…) Quando entrei no Instituto Superior de Economia para dar umas vaguíssimas aulas no outono de 1973, compreendi, aliás sem dar grande importância à coisa, que o homem [Marcello Caetano,] estava perdido.

O retrato de Amílcar Cabral ornamentava a cantina, os “exames” consistiam em trabalhos coletivos, os professores eram marxistas-leninistas e a classe média explorava, com aplicação, os prazeres do sexo

O mundo autoritário e austero do Estado Novo morrera e com ele a guerra colonial. (pág. 185).

 [Seleção / Revisão e fixação de texto / Parênteses retos / Negritos e itálicos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de novembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23825: Notas de leitura (1524): "Por Cabral, Sempre - Forum Amícar Cabral 2013 - Comunicações e discursos"; organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Sobre o VPV, vd a última notas de leitura de LG:


(***) Vd. poste de  6 de maio de  2010 > Guiné 63/74 - P6329: Notas de leitura (101): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23827: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte III - Abrantes e Santa Margarida; três dias de detenção e, o Rosa e o Cunha


1. Continuação da publicação de um excerto do livro "Um Olhar Retrospectivo", de Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 - Gadamael e Quinhamel, 1970/72), parte que diz respeito à sua vida militar.


III - abrantes e santa margarida…

Chegado ao RI 2 (regimento de infantaria), Abrantes, apresento-me ao oficial de dia, um tenente, que logo reage:
- Mas…, de onde vem?! Leiria?!... Então, em Leiria anda fardado dessa maneira?!’
- Não, propriamente, mas o calor...
- Olhe, fica registada a sua apresentação, mas eu não o vi! Deixe-me cá ver a que companhia pertence... Pois é, a 2796 formou e já saiu daqui há muitos dias, rumo ao campo militar de Santa Margarida, para o IAO...

Agradeci e parti para Santa Margarida, onde me esperava a Companhia de Caçadores Independente 2796.

Chegado, ainda passei um certo tempo até encontrar o local onde a companhia estava instalada, uma vez que o campo militar é bastante grande e ‘abriga’ muitas companhias, das diversas armas.
Apresentei-me ao comandante, o tenente Assunção e Silva e restantes companheiros de missão, após o que me informaram que ficaria integrado no 4º grupo de combate.

Na altura, o efectivo da companhia ainda não estava completo, pois ainda faltavam alguns elementos, graduados, 1ºs cabos e soldados, segundo informação, que iriam ter connosco à Guiné, em rendição individual.
Na altura, recordo-me dos graduados que já se tinham apresentado, Ponte, comandante do 1º grupo de combate, Manso, comandante do 2º grupo, Campinho, comandante do 3º grupo, e Rodrigues, comandante do 4º grupo, 1º sargento Moreira e 2º sargento Baptista, furriéis Magalhães, Ferreira, Neves, Amaral, Fernandes, Rosa, Cunha, Chaves, Silva, Oliveira, Coelho, Fabrício, Anjos.
Mais tarde, já em missão, na Guiné, para complemento do efectivo, por falhas ao embarque, casos do Rosa e Cunha, ou por baixas, recebemos o Tristão, o Esteves, o Pereira, o Queiroz, o Guimarães, o Vilas Boas e o Matias.

Normalmente, o IAO, instrução de aperfeiçoamento operacional, era feito em mês e meio, mas o nosso levaria três meses, pelas nossas contas.
Tudo foi correndo dentro do estabelecido e normal, com os fins-de-semana na Figueira da Foz ou em Lisboa, com saída do campo militar à quinta-feira, final da tarde, e regresso segunda-feira, às oito da manhã.
Nos intervalos das operações, aproveitei para experimentar vários tipos de viaturas militares, como o Jeep Willys, os Unimog 411 e 404, a Mercedes, a Berliet.
Descubro um amigo de cavalaria, de Coimbra, que me dá a oportunidade de experimentar um M47, o tradicional tanque de guerra, complicado de manobrar, primeiro, pelo reduzido espaço do habitáculo do condutor, depois, pelos instrumentos de manobra que requerem concentração e prática.


três dias de detenção!

E já estava um pouco saturado e cansado daquele cenário, apesar de enorme, em dimensão, mas que se tornava um pouco claustrofóbico!
A vontade irresistível de sair dali, nem que fosse por uns momentos, tomou conta dos meus sentidos e levou-me a pegar num Unimog 411 e partir por aí fora.
Comigo, foi um enfermeiro de uma outra companhia que eu tinha conhecido nas Caldas da Rainha.
Partimos do campo militar cerca das nove da noite e, depois de quilómetros e quilómetros de maluquices, regressámos ao campo militar, pelas seis da manhã.
Antes de lá chegarmos, perdemo-nos um pouco, tendo ido dar a uma herdade, aguardando que alguém aparecesse, pois o ladrar dos cães acordaria qualquer um, num raio alargado.
Acendem-se luzes e aparece um senhor, em roupão, a quem perguntámos como chegar ao campo militar.
Olha para nós, com ar de reprovação, e diz-nos para irmos sempre em frente, até chegarmos às traseiras da capela.
Mais tarde, viemos a saber que se tratava de um coronel de cavalaria do campo militar, já com uns anos a viver ali.

Quando chegámos ao campo militar, só tive tempo de estacionar o Unimog e ir às instalações preparar-me para a formatura, pois tínhamos mais um treino militar.
O sargento Moreira chama-me, a pedido do tenente Fernando Assunção e Silva, nosso comandante de companhia, que me diz terem dado como desviado aquele Unimog, sem outra explicação, e lamenta ter de me punir pelo acto, tanto mais que não tinha carta de condução militar.
Respondi que tinha toda a razão e direito de me punir.
Acrescentou que seria para exemplo da companhia.
E, assim, levei três dias de detenção, correspondendo ao período do fim-de-semana, coisa a que já estava habituado, de certa forma, de experiências anteriores...
Mas esta punição já não podia ser apagada por ninguém, como foram as anteriores, pelo sargento-ajudante de Leiria, como lhe contei.

E confirmei isto, trinta e cinco anos mais tarde, quando tratei do meu processo para o estatuto de pensionista, em que era necessário apresentar a caderneta militar.
Fui aos serviços do exército, na Av de Berna e em Chelas, onde me disseram que não podiam dar-me a caderneta, pois tinha levado o mesmo caminho de algumas outras...
Perguntei o que queriam dizer com aquilo e acabaram por dizer-me que todas as que estavam um pouco ‘sujas’ foram destruídas, para bem dos seus proprietários...
Claro que entendi...
Mas deram-me um papel com o resumo do meu currículo militar, que ainda guardo, e lá constam os tais três dias de detenção, de Santa Margarida, ‘porrada’ que já ninguém pôde ‘limpar’...

Passar o fim de semana, em serviços, dentro do campo militar, era uma tortura.
Depois de todos terem saído, peguei nas minhas coisinhas e ala para a Figueira da Foz, final da tarde de quinta-feira.
Sábado, final da manhã, telefonei para o campo militar e falei com um elemento do meu grupo que logo me diz que as coisas não estavam bem - anda tudo ‘à porrada’ nos refeitórios - o que deu origem a queixas ao responsável pelos refeitórios e messes.
Eu pedi-lhe para falar com os nossos e tentar controlar a coisa, pois só poderia regressar na segunda de manhã.

Na segunda feira, o tenente Assunção e Silva pergunta-me:
- Então, Cruz, correu tudo bem?
- Sim, tudo bem!
- Tem a certeza?...
- Sim, tudo controlado!

Ele já sabia que eu me tinha pirado... Mas, que castigo pior do que ir para a Guiné?...
- Realmente, o Adolfo parece que nasceu para infringir regras...

Pois, uma espécie de instinto a atirar para o lado errado...
Entretanto, recebo um aerograma do meu irmão, ainda em Moçambique, que me fala em qualquer coisa relacionada com uma Guiomar, um conhecimento das suas férias à Metrópole, cerca de um ano antes, pedindo-me que, se ela aparecesse a querer aproximar-se, eu tratasse do assunto, como entendesse.
Mas ninguém apareceu nem ouvi nada que se relacionasse com o assunto, pensando que tudo estaria resolvido, sem que necessitasse da minha intervenção.
Se algo acontecesse, eu não estaria na Figueira da Foz, pois estava de partida para a Guiné.
E achei melhor nem falar em nada aos meus pais e irmã.
No entanto, isto seria o inicio de mais um problema...


o rosa e o cunha...

Dentro deste cenário do Campo Militar de Santa Margarida, alguns graduados eram notados com uma forte cumplicidade: o Rosa, o Cunha, o Neves, o Cruz (nomes de guerra).
Neste contexto, não é difícil imaginar que algo poderia acontecer, com prejuízo para a companhia, claro.
E, quem estivesse bem atento, reparava no temperamento e postura particulares daqueles graduados, além do facto de que o Cruz tinha sido punido pelo tenente Assunção e Silva.
Melhor dizendo, poderiam pensar na eventualidade daqueles graduados faltarem ao embarque para a Guiné, o que piorava a situação da companhia, que estava desfalcada de alguns elementos, esperado aparecerem em rendição individual.
E a suspeição deu sinais, pelas conversas entre o tenente Assunção e Silva e o alferes Ponte, comandante do 1º grupo.

"Pois, Adolfo, era mais um caso a juntar aos muitos que aconteciam, desde o início da guerra do ultramar - dar o salto para o estrangeiro..."

Entretanto, recebo mais uma boa notícia: nasceu a minha primita Filipa, a segunda filha da minha prima Lena, e a alegria aumentou e abraçou a família, restando-me esperar a oportunidade de uma visita para conhecer e dar as boas vindas à Filipa.

Finais de Outubro e dão-nos umas massas para comprarmos algumas roupas específicas, antes do embarque, o que faríamos no Casão Militar, Lisboa, o tal local já muito bem conhecido do Daniel...

Dia vinte e sete, vou à Figueira da Foz e fico para o dia seguinte, dia do aniversário da minha mãe.
Com beijos apertados, dou os parabéns à minha mãe e despeço-me, sem conseguir dizer mais nada...

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior de 27 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23821: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte II - Tavira e Leiria

Guiné 61/74 - P23826: Humor de caserna (57): O anedotário da Spinolândia (VIII): "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe" (Gen Spínola, abril de 1972, quando o seu heli terá aterrado, por engano, numa clareira do mato, cercada de "turras", confundidos com comandos africanos)

Guiné > Algures > s/d (c. 1969) > O alf mil pil heli Al III Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o gen Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)...  O Jorge Félix terá sido um dos pilotos de heli, com quem o general mais terá gostado de voar...   E com ele não nenhum susto como o de abril de 1972, uma história insólita contada neste poste...

Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro do Rui Alexandrino Ferreira, "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.).


1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a  tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).

Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola,  no CTIG, muitas vezes se mistura(va)  ficção e realidade.  Daí esta história  vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli  é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...

A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022),  "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima. 

Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).

O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em  "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).

Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).

Decorreu durante 12 dias e envolveu forças  da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial  do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.


2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...

por Horácio Malheiro

(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes  para embarcar nos helis, que  estavam estacionados  na pista,  e seria já no voo que teria conhecimento do destino  e missão.

Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos  para descolar, soube nessa altura  que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado  pelo IN quando o seu heli  teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.

Na altura da descolagem,  o meu piloto, comandante da  esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.

Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.

O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.

Já no bar,  em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou  militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.

Quando aterrou e apeou,  foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN,  que mal adivinhava  que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe  [do Exército Português] " (pp. 192/193).

[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23825: Notas de leitura (1524): "Por Cabral, Sempre - Forum Amícar Cabral 2013 - Comunicações e discursos"; organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Após percorrer as cerca de quinhentas páginas de comunicações, discursos e mensagens do Fórum Amílcar Cabral 2013, tinha como consigna apreciar o pensamento revolucionário do líder do PAIGC na contemporaneidade, fica-nos um ressaibo de mágoa pelas oportunidades perdidas de lançar um olhar mais aprofundado como esse pensamento, depois de gerar duas independências, falhou rotundamente por falta de aplicação, por incapacidade dos seguidores e, quanto aos dias de hoje, discernir como esse pensamento não pode ser usado por elites políticas gananciosas e sem perspetiva. E que o pensamento de Cabral foi e é marcante atesta-o a investigação feita por dois sociólogos na Guiné e em Cabo Verde, nessa expressão musical e popular que é o rap entoa-se o nome de Cabral para reivindicar sentido da História e para ter esperança no futuro. Quantas outras investigações originais como esta poderiam ter sido convocadas num fórum designado Amílcar Cabral onde a generalidade das intervenções são boas para deitar para o lixo, é duro de dizer mas temos que nos apegar à verdade do que se leu, uma sensaboria.

Um abraço do
Mário



Cabral, o pensamento revolucionário no mundo contemporâneo (2)

Mário Beja Santos

Por Cabral, Sempre, comunicações e discursos apresentados no Fórum Internacional Amílcar Cabral, em janeiro de 2013, na Praia, com organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016, tinha como tema central a leitura do pensamento de Amílcar Cabral à luz da contemporaneidade. Depois de tudo lido, o primeiro comentário é de desapontamento. 

Tirando um escasso número de intervenções que trazem um novo olhar seja sobre o pensamento revolucionário de Amílcar Cabral, seja pela atualidade que uma boa parte do seu pensamento comporta, há para ali muito salamaleque e vacuidade, muito mais do mesmo, até uma certa farronca de alegados investigadores que pegaram noutros escritos e apresentam o fruto do seu trabalho como um acontecimento. 

No texto anterior, fez-se referência a duas comunicações substantivas, resta-nos uma incursão pelo trabalho de Miguel de Barros e de Redy Wilson Lima dedicado ao pan-africanismo de Cabral na música de intervenção juvenil na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, investigação séria que apraz saudar. E também uma pequena alusão à mensagem do embaixador finlandês Mikko Pyhälä, que nos fala da ajuda escandinava antes da independência da Guiné-Bissau.

O resumo do trabalho sobre a música de intervenção é bem sugestiva para o desenvolvimento da comunicação, como consta:

“Nos anos de 1990, com a vaga de democratização na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, quer o PAIGC, quer o PAICV, partidos tidos como ‘força, luz e guia do povo’, perdem esse estatuto, pondo fim simultaneamente à cadeia de domesticação dos espíritos, precipitando uma descoletivização social das organizações juvenis sob o prisma comunista. Isto fez com que os jovens reinventassem formas de sociabilidade no seio dos grupos de pares, num contexto marcado pela globalização e afro-americanização do mundo, em que a cultura hip-hop, através do seu elemento oral, o rap, aparece como veículo da libertação de expressão e protesto dos grupos urbanos, em situação de maior precariedade. Pretende-se aqui analisar de que forma os jovens guineenses e cabo-verdianos recontextualizaram através do rap, na nova conjuntura dos dois países, o discurso pan-africanista e nacionalista de Amílcar Cabral, tendo em conta o risco de branqueamento da memória coletiva e histórica; a suposta traição dos seus ideais pelos atuais políticos e dirigentes; a necessidade de o resgatar enquanto guia do povo, e de representá-lo como um MC (mensageiro da verdade).

Proceda-se a uma síntese. O apelo ao rap parece residir na sua própria acessibilidade e na facilidade de utilização pela maioria dos jovens com escassos recursos, económicos e culturais. A vaga de democratização, o abrir das portas à liberalização política e o contemporâneo da desideologização do debate público e político, ganhou relevo o rap e o recurso simbólico global no fomento de identidades locais. Para os jovens o recurso à memória de Cabral é uma exteriorização pela insatisfação dos sonhos perdidos e dos planos de desenvolvimento que não tiveram seguimento. O rap tornou-se um instrumento para exteriorizar a crítica e acenar para um futuro mais promissor. Os dois autores falam das realidades socioeconómicas e culturais dos dois países e assim se chega à presença de Cabral na música rap. Das recolhas feitas, em ambos os países avultam quatro aspetos fundamentais: preocupação em manter Cabral como referência face ao risco de branqueamento da memória; crítica aos políticos por se terem alheado do pensamento de Cabral; utilização de Cabral como portador de esperança; Cabral referenciado como mensageiro da verdade. Há quem em mensagem rap refira que a geração mais nova duvida da sua própria história, a imagem de Cabral já não se encontra nos livros da escolaridade básica e os mais novos não conhecem a história dos seus heróis. De uma forma global, a preocupação com a manutenção e atualização da memória viva de Cabral está mais presente nas narrativas dos rappers cabo-verdianos do que guineenses. Este facto pode ser entendido na medida em que a luta pela independência dos dois países não teve como teatro de operações Cabo-Verde, vivenciando assim Cabral quase de uma forma espiritual. É um trabalho de grande sugestão, com diferentes e elucidativos exemplos, bom seria que esta investigação tivesse ampla publicidade. Os mesmos autores abordam a questão do pan-africanismo tratado nesta corrente musical. Concluem referindo o ímpeto que estas mensagens acarretam no espaço público pelo seu vigor reivindicativo. Consideram que há dois elementos que concorrem para maior uso e apropriação do rap como forma da prática de ideologia de libertação: o crioulo enquanto instrumento e a rádio como veículo de comunicação. “Cabral é ainda a principal referência da juventude e fonte de inspiração para as forças progressistas de uma mudança significativa em toda a África tendo em conta a sua eficaz visão de liderança, num continente caraterizado pela liderança deficiente e a necessidade de encontrar líderes comprometidos com a prosperidade das suas sociedades.

Da mensagem do embaixador Mikko Pyhälä parece do maior interesse destacar o papel que tiveram as sociais-democracias nórdicas na ajuda à luta da Guiné-Bissau, fala de Kalvi Sorja, que foi primeiro-ministro da Finlândia, e de outro primeiro-ministro finlandês, Paavo Lipponen, da social-democrata Birgitta Dahl, viria a ser presidente do parlamento sueco, a referência maior cabe a Olof Palme. “Muitos afirmaram que o sucesso da luta deveu-se em absoluto ao carisma e génio de Amílcar Cabral que na análise da sociedade e da opressão coloniais foi mais profundo do que Frantz Fanon e que como estudioso da liberdade e como estratega foi mais claro do que Che Guevara. Afirmou-se que Cabral conseguiu integrar valores africanos e europeus, e que com o amplo conhecimento do país que obteve quando realizou o recenseamento agrícola passou a conhecer o potencial dos vários grupos étnicos e sociais para a revolução. Para o êxito desta revolução era necessário uma aliança entre os cabo-verdianos e os guineenses. Cabral não sobrevalorizou a espontaneidade dos camponeses como fez Che Guevara. Para Cabral, a atividade militar só era possível com base num longo e paciente trabalho político e, embora insistisse que os guerrilheiros fossem militantes armados, nunca promoveu o militarismo. O sociólogo finlandês Juhani Koponen escreveu que Cabral foi o mais brilhante pensador da jovem África. Para o escritor sueco Per Wästberg, Cabral foi o mais brilhante dos líderes que as lutas africanas pela independência produziram e a sua perda foi irreparável”.

Amílcar Cabral na Guiné com a sua primeira mulher, Maria Helena Vilhena Rodrigues
Miguel de Barros, sociólogo guineense
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Notas do editor

Poste anterior de 21 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23801: Notas de leitura (1520): "Por Cabral, Sempre - Forum Amícar Cabral 2013 - Comunicações e discursos"; organização de Luís Fonseca, Olívio Pires e Rolando Martins, Fundação Amílcar Cabral, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23820: Notas de leitura (1523): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte IV “Devo à Providência a graça de ser pobre” (Salazar, Braga, 1936)

Guiné 61/74 - P23824: Ser solidário (251): Divulgação da campanha de fundos que visa ajudar o luso-guineense Mamadu Baio, músico de Tabatô, a publicar o seu primeiro CD em Portugal onde vive há 10 anos... Ponto da situação: 33 doadores (cinco do blogue), num total de 1800 euros (1/3 da meta)...Camaradas e amigos, ainda podem fazer uma pequena doação até ao dia 4 de dezembro

      



Estamos a organizar um crowdfunding para financiar o próximo disco em https://gofund.me/2efcdc4a 

Ululalo é um tema do próximo disco de Mamadu Baio. Este concerto aconteceu no Camones, em Lisboa, a 4 de junho de 2022. João Graça (violino), Avito Nanque (guitarra eléctrica), Mamadu Baio (voz e guitarra) e Sanassi di Gongoma (percussão e voz). Imagens captadas e misturadas por Juan Ferracioli. Um agradecimento especial à Cláudia Loureiro, que tem dado um apoio inestimável ao projecto. 


1. Mensagem de Mamadu Baio e João Graça, músicos, membros da nossa Tabanca Grande:

Data - domingo, 27/11/2022, 18:56 

Assunto - apoio à divulgação - novo disco de Mamadu Baio

Olá, amigos da Guiné:

Estamos a organizar uma recolha de fundos para a gravação do novo disco de Mamadu Baio (https://gofund.me/2efcdc4a), que terminará no dia 4 de dezembro.

É muito importante para nós conseguirmos chegar a mais pessoas, e imaginámos que o vosso/nosso  blogue nos poderia trazer isso - um público mais alargado de pessoas que gostam de música africana, em geral, e guineense, em particular..

As músicas do disco estão prontas, só falta mesmo é conseguirmos os fundos a que nos propusemos. Neste momento estamos a 30% do objectivo (que são dos 5 mil euros).

Obrigado pela vossa atenção a este email, tudo de bom.

João Graça e Mamadu Baio



Lisboa > O Mamadu Baio e alguns dos músicos com que toca, em Lisboa, incluindo o João Graça


Foto (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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2. Lista dos 33 doadores (cinco, dos que deram o nome, são do nosso blogue, e os seus nomes vêm a negrito)


Anônimo | €10 |Nhá 6 horas

Rafael Filipe Neto | €20 | há um mês

Frederico Silva | €50 | há um mês

Anônimo | €80 | há um mês
  
Anônimo | €50 | há um mês

Anônimo | €40 | há um mês

Anônimo | €100 | há 2 meses

Rebecca Turner | €50 | há 2 meses

James Lumley-Savile | €30 | há 2 meses

Jaime Silva | €40 | há 2 meses

Jorge Ferreira ! €50 | há 2 meses

Pablo Durán | €30  há 2 meses

Catarina Neves ! €100 | há 2 meses

Simon Potts | €200 | há 2 meses

Cristina Roça | €100 | há 2 meses

Paulo Franco | €20 | há 2 meses

Anônimo |  €20 | há 3 meses

Will Samson ! €30 ! há 3 meses

Ernestino Caniço | €40 | há 3 meses

Estela Louçã | €50 | há 3 meses

Virgílio Valente  | €50 | há 3 meses

Jose Barbedo | €100 | há 3 meses

Ana Teresa Klut | €20 | há 3 meses

Nuno Conceicao | €60 | há 3 meses

Ana Fonseca | €30 | há 3 meses

Diogo Cabral | €150 | há 3 meses

Cláudia Loureiro | €20 | há 3 meses

Sílvia Roque | €50 | há 3 meses

Nuno Macedo | €20 | há 3 meses

Anônimo | €100 | há 3 meses

Anônimo | €30 | há 3 meses

Anônimo | €30 | há 3 meses

João Graça | €30 | há 3 meses

Total: 1.800 euros


3. Mensagem de João Graça:

[A campanha está a terminar, dia 4 de dezembro é a nossa meta! Por isso quem se quiser juntar, é agora.]

Caros amigos,

O Mamadu Baio é um grande ser humano, sábio, generoso... e músico guineense absolutamente singular e original, radicado em Portugal há cerca de 10 anos.

Ele vem de uma aldeia da Guiné-Bissau, Tabatô, onde todos os seus habitantes são músicos. Uma das funções dos músicos griots (ou djidius, em crioulo) é precisamente tocar para os régulos (chefes tribais) quando há uma ameaça de conflito entre etnias, para prevenir a violência e promover a paz.

Também são eles quem, em sociedades sem escrita, transmitem as notícias e divulgam as lendas e as narrativas, dando variados conselhos sobre os relacionamentos interpessoais, baseados no respeito e dignidade humana. Valores esses que são uma preocupação reflectida nas letras deste artista.

Conheci o Mamadu em Bissau, em 2009, numa noite que não irei esquecer. A nossa amizade aprofundou-se, tocámos juntos, visitei a sua aldeia, num dos momentos mais belos da minha existência. De volta a Portugal a música uniu-nos novamente, e juntei-me ao Mamadu no violino em variados concertos.

O projecto, composto por músicas autorais e inspiradas na fusão de diferentes sonoridades, desde o jazz, afrobeat, desert blues e reggae, ganhou maturidade, e está pronto a dar o salto para um disco, que queremos que seja uma celebração, com a dignidade que merece.

Um disco precisa de recursos financeiros para pagar o estúdio de gravação, as cópias, a promoção, os videoclipes de divulgação, enfim todo um processo moroso e oneroso que colocará a música do Mamadu no lugar onde merece estar.

Para isso contamos com o teu precioso apoio financeiro para tornar esta utopia possível. Pode ser pouco mas é valioso, como a gota de água que se transforma em ribeiro.

Muito obrigado,
João Graça

PS - Em alternativa à plataforma (que aceita google pay e cartão) podes fazer a doação através de transferência bancária - LT14 3250 0134 8530 2306 - enviando nome e email; que me comprometo a colocá-la na plataforma

___________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 22 de agosto de 2022 > Guiné 61/74 - P23546: Ser solidário (250): Divulgação de uma campanha de fundos que visa ajudar o luso-guineense Mamadu Baio, músico de Tabatô, a publicar o seu primeiro CD em Portugal onde vive há 10 anos (João Graça, médico e músico)

Guiné 61/74 - P23823: (De) Caras (190): Vitor Amaro dos Santos (Lousã, 1944 - Coimbra, 2014), o primeiro comandante´da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970 /72): continuamos a honrar a sua memória


Foto: Cortesia de Benjamim Durães (2019)


1. Não se pode falar desta efeméride, a trágica data de 26 de novembro de 1970(*), sem evocar e honrar aqui a memória do cor art ref, DFA, Vitor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 1944 - Coimbra, 2014), membro da nossa Tabanca Grande, nº 781 (**)

Quando ainda era vivo, telefonou-me, de Coimbra, a dizer que tinha tentado deixar um comentário no poste P9335, de 9 de janeiro de 2012 (***)... O que escreveu teria acabado por se perder...

Tentei reconstituir o essencial da nossa longa conversa ao telefone, nessa noite do dia 12 de janeiro de 2012. Uma primeira versão saiu como comentário a esse poste (***):

(i) Segundo a explicação que me foi dada pelo antigo comandante da CART 2715 / BARY 2917 (Xime, 1970/72), o relatório (de que foi publicado um excerto, em 11 de maio de 2010, sob o poste P6368) (****), embora assinado por Spínola, seria uma peça "burocrática", que valia o que valia...

Não era um documento apócrifo, mas ele sentia que as críticas que eram dirigidas ao comandante da companhia, na ocasião da Op Abencerragem Candente, eram injustas e omitiam o contexto em que fora decida e imposta pelo comandante (interino) do BART 2917, contra as "mais elementares regras de segurança" (sic)...

(ii) Se não vejamos: a operação era conhecida (e falada) por toda a gente (até em Bafatá!), e portanto o PAIGC teve todas as condições, 4 dias depois da invasão de Conacri (Op Mar Verde), para palnear e montar uma emboscada (em L), pensando em massacrar as nossas tropas a caminho da famigerada Ponta do Inglês;

(iii) Segundo ele, na emboscada do dia 26/11/1970, haveria uma poderosa força de 200 homens do PAIGC, enquadrada por 10 cubanos (!) (o que me pareceu manifestamente exagerado, embora o emquadramento cubano seja verosímil)...

(iv) O cap art Amaro dos Santos seria obrigado a deixar o comando da CART 2715 em janeiro de 1971, por imperiosas razões de saúde; contou-me a sua versão deos acontecimentos (dramática, e ainda então sofrida, mesmo passados tantos anos) , e queria um dia ainda poder publicá-la no nosso blogue...

(v) Tinha do gen Spínola as melhores impressões: no dia seguinte, 27, ele estava lá no Xime para lhe dar um abraço de consolo e de solidariedade!... O Amaro dos Santos explicou-lhe o sucedido!... E o Com-Chefe terá depois tomado as suas decisões...

(vi) Fiz questão de dizer-lhe que ele, Amaro dos Santos, como comandante operacional, era um camarada nosso, e como tal estava acima de qualquer crítica (neste blogue)... Tinha direito ao seu bom nome, razão porque não faziasentido o seu nome completo figurar, entre parênteis retos, no poste P6368 (****)... (Fora já retirado, não vinha aliás no documento original, onde o capitão era referido apenas como o comandante da CART 2715)...

(vii) Por outro lado, convidei-o para integrar a nossa Tabanca Grande (convite que fazia todo o sentido, e que ele terá recebido com agrado, embora não me tendo dado logo o seu OK):

(viii Ficou surpreendido, isso sim, por ele lhe dizer... que eu também estivera là!, na Op Abencerragem Candente... E que fui um dos homens da CCAÇ 12 que foi à frente da coluna - eramos mais de 250 homens em pleno mato, dois agrupamentos - resgatar os corpos dos nossos infelizes camaradas, o Cunha e mais cinco;

(ix) Um dos nossos homens trouxe o cadáver do Cunha às costas (!), durante quilómetros até ao Xime (os feridos graves foram helievacuados em Madina Colhido), o nosso "bom gigante" Abibo Jau, que viria a ser fuzilado pelo PAIGC, logo a seguir à independência - creio que em 11 de Março de 1975, se não erro -, juntamente com o comandante da CCAÇ 21, o ten Comando graduado Jamanca...

(x) Corria ainda o boato, entre os homens da CART 2715, que os "pretos" da CCAÇ 12 se haviam recusado a a socorrer os "tugas" da CART 2715, o que é falso, garanti eu ao cap Amaro dos Satis; eu fui um dos "pretos" que estive na testa da coluna, logo que acabou o fogo, a socorrer os feridos e a transportar os mortos...

Despedi-me, ao telefone, com um alfabravo, do cor Amaro dos Santos... camarada que nunca mais vi desde esse fatídico dia 26/11/1970 e em que ele teve um comportamento heróico! (Esta conversa ao telefone ocorreu dois anos e um mês antes da sua morte, prematura, em Coimbra, a 28/2/2014, com 69 anos). (*****)

2. Outro comentário ao poste P9335, por parte do editor LG:


Há um ponto em que temos de chegar a acordo - por mor da verdade! - que é a data em que o gen Spínola "decapita" o BART 2917  ( a expressão é do Amaro dos Santos)...

O Amaro dos Santos diz que foi após o regresso de férias, logo a seguir à fatídica operação no Xime, planeada pelo 2º comandante, e pensada em termos da sua glória e honra... Que teria sido a 27 que o gen Spínola teria demitido o ten cor Domingos Magalhães Filipe...

A memória (ou a amargura) podia estar aqui a atraiçoar o Amaro dos Santos...

Não se sabe das razões por que o ten cor art Domingos Magalhães Filipe foi substituído (aliás, mais tarde, pelo ten cor inf Polidoro Monteiro)... Vem na História da Unidade, ou pelo menos nos anexos elaborados pelo Benjamim Durães (ex- fur mil op esp, CSS/BART 2917) a seguinte informação lacónica:

"Apresentação compulsiva no Quartel-General em Bissau, em 12/11/70, deixando o Comando do BART 2917"...

Se foi a 12 de novembro de 1970, então isto não tem nada a ver com a Op Abencerragem Candente (que foi planeada para se realizar três dias depois da Op Mar Verde, e acabou por levar dois dias, 25 e 26/11/1970, com as consequências trágicas que conhecemos).

Por que razão é que o gen Spínola não afastou também o 2º comandante, o major art Anjos de Carvalho, como aconteceu ao batalhão anterior, o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) ?

Isso é outra história: dizia-se, em Bambadinca, no meu tempo, por se tratar de um antigo professor da Academia Militar... Só ? Ou só por isso?

3. Comentário do "ex-cap Amaro Santos" (sic) ao poste P6368 (***):

Camaradas Luis Graça e Benjamim Durães:

A postagem, nesta página, de um documento, no mínimo "Confidencial", por revelar nome completo, posto, sub-unidade operacional e localidade onde estava sediada, Xime, por si só, não é relevante. O que sobressai é o seu significado!

Não consigo o "politicamente correcto"... Desculpem-me, porque sou um fã do blogue !

Uma pergunta...Quando se fala na Op Aberração [Abencerragem] Candente, nome meu, a propósito dos 6 mortos e 9 feridos graves, sofridos pelas NT, ao escolher-se um documento tão importante (bloguismo de investigação, parece, né !?), acaba por se " denunciar" a 3 milhões de internautas que o capitão, "com precária preparação táctica para conduzir a sua subunidade no mato... sem noções elementares de segurança...por não se ter deslocado em adequado dispositivo..." é obviamente o " culpado" pelas baixas havidas!?

Onde está a recusa de julgar os combatentes, o direito ao bom nome, as regras ou os valores éticos... blá, blá, blá !

Isto é cruel, falso (existe uma outra verdade... ) mas, pior, é perverso pelas consequências...

Não brinquem, camaradas, são seis almas boas, heróis que a Pátria h0nra. Ponto final.

Ex-Cap. Amaro dos Santos, Cmdt da Cart 2715. 

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23818: Efemérides (376): foi há 52 anos, a carnificina da Op Abencerragem Candente, 26/11/1970, subsector do Xime..."Choro para uma morte anuncidada" (poema de Luís Graça)

(**) Vd. poste de 26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19235: Tabanca Grande (470): Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, cmtd da CART 2715 (Xime, 1970/72), senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 781, no dia em que se comemoram os 48 anos da Op Abencerrragem Candente, em que as NT tiveram 6 mortos e 9 feridos graves na antiga picada da Ponta do Inglês

(***) Vd. poste de 9 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9335: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Baixas: mortos e feridos (Benjamim Durães)

(****) Vd. poste de 11 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6368: O Spínola que eu conheci (20): "Erros graves cometidos do ponto de vista de segurança explicam o êxito da emboscada do IN, em 26/11/1970, na região Xime-Ponta do Inglês [, Op Abencerragem Candente] " (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

(*****) Último poste da série > 7 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23822: (De)Caras (189): Joaquim de Araújo Cunha, ex-fur mil mec auto, CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72), natural de Barcelos, morto em combate, em 26/11/1970, no decurso da Op Abencerragem Candente