segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
É inequívoco que o coronel Luís Cadete não incorre na prosápia de escrever memórias para as candeias da História, o que ele nos lega é uma diversidade de situações que ajudam a iluminar uma importante região da Guiné em guerra, num período que vai de 1966 a 1968. Creio que é a primeira vez que temos uma água-forte de Mejo e a sua importância no chamado corredor de Guileje onde, igualmente, se irá implantar, no final da governação de Schulz, o octógono de Gandembel; dá-nos o conhecimento das etnias ali conviventes, nesta vasta região onde ele fala de Aldeia Formosa, de Fulacunda, de Buba, das operações de reabastecimento e das singularidades do dia-a-dia. Confessa abertamente que nutria um certo desdém por certas chefias, faz brilhar gente valorosa, heróis anónimos, e sabe prender a nossa atenção em descrições manifestamente dolorosas, como veremos mais adiante, com o incêndio de Contabane, não poupa críticas ao então comandante-chefe, Spínola, pelo abandono daquela posição. Ainda há muito mais para dizer. Teimo que este livro merece muito mais do que a curtíssima edição que lhe destinaram.

Um abraço do
Mário



Muita atenção, há aqui páginas que passarão à posteridade, temos Mejo na literatura! (2)

Mário Beja Santos
Coronel Luís Carlos Loureiro Cadete, ontem e hoje

A
obra intitula-se "Noites de Mejo", o autor assina Luís Cadete, viremos a saber que de seu nome completo é Luís Carlos Loureiro Cadete, foi comandante da CCAÇ 1591, a quem também dedicou o livro, conjuntamente com os seus soldados guineenses. Escreveu estas histórias em 2016 e publicou-as em 2022, edição de autor com produção da Âncora Editora. Deu algum trabalho chegar ao livro, que não está no circuito comercial, o que é profundamente de lamentar, há aqui páginas admiráveis, não faltam tiradas bem urdidas de tragicomédia, revelando ternuras da aculturação, a vida dura num dos pontos mais ásperos que a guerra da Guiné ofereceu aos militares portugueses.

São histórias soltas, como diz o autor, “fruto das minhas recordações e de conversas tidas com camaradas em volta da mesa”, e não será por acaso que se cita Eça de Queiroz: “Sobre a nudez forte da verdade o manto diáfano da fantasia”, isto para recordar que nem sempre estamos em Mejo, saltitamos por vários lugares, aliás a estadia em Mejo não chegou aos 9 meses, e vale a pena recordar que muito mais tarde (1988-1991) Luís Cadete desempenhou funções como Adido de Defesa junto das embaixadas de Portugal em Bissau, Dacar e Conacri.

Privilegio algumas das suas descrições, pelo rigor e luminosidade. Um exemplo:
“É Buba uma quase península nas cabeceiras do Rio Grande de Buba, vasta massa de água salgada que ali chega, em sucessivas e intricadas ramificações, vinda do mar.
Sede do comando do Batalhão, tinha anexa uma tabanca com numerosa população que vivia da pesca e de serviços prestados à tropa ali aquartelada.
Militarmente, estava exposta à observação e ao tiro direto do inimigo, facto assombroso que constituía um violentíssimo pontapé nas normais mais elementares da Tática.”


Não esconde juízos implacáveis a comportamentos de seus superiores, como escreve a propósito da visita do General Schulz a Aldeia Formosa, sai do helicóptero e conversa com a figura grada da população civil, o Cherno Rachide Djaló, este apresenta-se imponente na sua elevada estatura, de balandrau e solidéu imaculadamente brancos, o governador pergunta a esta entidade espiritual o que é que o povo da Aldeia Formosa precisa, Rachide Djaló responde em Fula: “Havia aqui, antes da guerra, um posto sanitário e uma maternidade que foram fechados sem o povo perceber qual a causa. Precisamos muito do posto e da maternidade a funcionarem e precisamos também de escola para os meninos. Queremos que nos mandem professores, mas não padres, porque já temos religião. A tropa desta companhia fez um posto médico na tabanca, com camas da tropa, mas não chega; precisamos de médico. É isto que nós precisamos.”

É igualmente preciso a falar da topografia de Mejo e vizinhança:
“Sobe-se para o planalto a partir da bolanha do lado de Mejo, por uma rampa curta, mas íngreme, que dá acesso a uma reta que desemboca diretamente na pista da tabanca e aquartelamento de Guileje.
Daqui desce-se, suavemente para o entroncamento desta estrada com a que vem de Gadamael Porto e segue para a chamada Ponte do Balana, nome do curso superior do rio Cumbijã, a Norte; do topo da pista oposto a Guileje, que se desenvolve num esporão do planalto, desce-se para as numerosas e labirínticas ramificações do rio Cacine de densa vegetação, a Sul; para Norte, coberto de mato denso, estende-se o planalto cortado pelo Cumbijã do qual se sobe, de novo, para outra zona planáltica onde se situam Contabane, Aldeia Formosa (Quebo) e Mampatá.
À esquerda de quem desce para o cruzamento, a cerca de 300 metros, encontra-se uma nascente onde a Companhia de Guileje se abastecia de água e que também dessedentava grupos de terroristas que por ali passavam.”


As suas memórias, inevitavelmente, também se orientam para aqueles episódios burlescos que mais ou menos quem esteve no mato provou, caso do aparecimento repentino da cobra, a bravura anónima de um bazuqueiro, o desespero de se chegar ao quartel e se descobrir que falta uma secção, o caricato de certas reuniões com o corpo do Estado-Maior, com as suas ninharias e inequívoca falta de conhecimento do terreno, a chegada de um oficial do quadro permanente que vinha confortado com gira-discos e canções da moda, os desastres do fornecimento, em que se pedia x de uma quantidade de carne de vaca e apareceram 50 quilos de queijo flamengo, as teimosias do régulo Sambel Baldé, de Mampatá Bacirgo que não tinha problemas de passar a fronteira e punir quem lhe vinha beliscar a vida no regulado. Histórias muito bem contadas que deliciarão não só os antigos combatentes.

Mas vê-se que o autor tende prescrever águas-fortes de locais por onde passou, e dá-nos informações cuidadas, extremamente úteis para quem vier a fazer a historiografia de todos estes locais por onde a guerra grassou e como cada um se posicionou:
“[Quebo] Região eminentemente Fula há vários séculos, nela pontificava o velho régulo Baró Baldé cujo irmão, Leonel, era professor primário, lecionando na residência a expensas suas. Era também sede do chefe espiritual da nação Fula, o famoso e muito respeitado Cherno Rachide Djaló, homem entendido nas coisas do Corão. Quanto mais não fosse, só por isto, Quebo era terra importante, até do ponto de vista estratégico, na guerra que se travava na Guiné.
Naquela vasta e importante região que se estendia, a Sul do rio Corubal, entre os limites ocidentais do regulado de Mampatá e a fronteira com a República da Guiné, vivia-se, nessa altura, em paz. Dizia-se, lá pelos QG de Bissau, e não só, que essa se situação se devia à presença de tão prestigiada figura, mesmo além-fronteiras, como era o Cherno Rachide Djaló. Dizia-se que atuar na citada região seria prejudicial à estratégia do PAIGC. Ou seja, o Cherno era um dos elementos da estratégia do comandante-chefe para a região. Daí, quiçá, os fracos meios atribuídos. De resto, os quadrilheiros do PAIGC só atuavam, ocasionalmente, no regulado de Cumbijã, mais próximo do rio do mesmo nome, a Sul.

Mas nem todos acreditavam naquela interpretação, e com razão como se viu em finais de 1968, durante o consulado do general Spínola. E os primeiros a não acreditarem naquela interpretação eram os régulos, nomeadamente o de Contabane.
E tinham razão para tal.
Como muito bem sabiam as altas-chefias, porquanto as informações fluíam dos régulos e do Cherno para o comando de Companhia e deste para os escalões superiores, há muito que os terroristas, ao mais alto nível político-militar, rondavam a zona para lá da fronteira, reconhecendo o terreno em busca do melhor sítio para se instalarem.”


O autor, quando necessário, não deixa de referir o horror e os padecimento da guerra, caso daquele furriel B, dotado de espírito de missão que fora apanhado em cheio pela deflagração das granadas e projetado de costas alguns metros de distância: “A calote craniana saltara-lhe da cabeça, deixando entrever a massa encefálica; no trono eviscerado, apenas o coração teimava em pulsar pendurado da aorta; dos braços, apenas os úmeros, descarnados, recordavam terem existido ali os membros superiores, enquanto as artérias femorais, meio desbridadas, esguichavam qual repuxo num filme de terror.”


O capitão Nuno Rubim, nosso confrade, comandante de Companhia em Guileje, 1966
Aldeia Formosa em tempos de guerra, com a pista de aviação ao fundo. Com a devida vénia a José da Mota Vieira
Cherno Rachide, Aldeia Formosa, 1973, festa Fula da matança do carneiro, fotografia do nosso estimado confrade Vasco da Gama, ele está perto dessa grande figura espiritual

(continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 26 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23917: Notas de leitura (1536): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)

domingo, 1 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23937: O nosso blogue em números (80): em 2022, publicámos 1068 postes, pouco menos do que em 2021, mas ainda assim na casa dos 3 por dia em média...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

1.  Melhor Ano Novo de 2023, caros/as leitores/as!... Livre das maleitas que, de uma maneira ou doutra, nos têm atingido, individual ou coletivamente,

Aqui vão, logo no primeiro dia do ano, alguns elementos do nosso "relatório & contas"... Fazemo-lo,  não por  imperativo legal (ou até ético), mas apenas pelo gosto de cultivar a nossa "memória".

Estes dados estatísticos, para além da "prestação de contas" (que são devidas aos membros da Tabanca Grande, a quem nos lê, a quem nos comenta, a quem nos escreve, a quem nos divulga, a quem nos segue, a quem nos acarinha...), também servem para memória futura.  

 E começando pelo Gráfico nº 1, vê-se que "ainda continuamos vivos", ao fim de quase 19 anos a "blogar" ... Enfim, e tudo isto apesar dos problemas de saúde de alguns de nós, e do desaparecimento de tantos outros (alguns dos nossos melhores),  
 apesar do cansaço bloguístico, apesar do desfalque da equipa de coeditores (o Jorge Araújo, embora atento e ativo continua longe, nos Emiratos Árabes Unidos), etc., etc.

Recorde-se que o nosso blogue nasceu muito timidamente, e por acaso, em 23/4/2004... E nesse ano só se publicaram... quatro (!) postes. Ninguém, seguramente, previa a sua longevidade: publicar quase 24 mil postes na Net, em  é uma "eternidade... 


2. O número de postes publicados, durante o ano de 2022, foi de 1068, ligeiramente inferior ao de  2021 (n=1140). Houve uma quebra de 6,7%. Acentua-se, todavia,  a tendência descrescente, verificada desde há 8/10 anos, o que faz parte da "ordem natural das coisas"... Grosso modo, estamos a publicar 3 postes por dia...

Como curiosidade, refira-se que o nosso recorde, inultrapassável, foi o ano de 2010, em que atingimos um valor máximo, histórico, de 1955 postes publicados (!)  (cerca de 5,4 postes por dia)...  Mas não estamos aqui para bater recordes...

Como temos dito noutras ocasiões, já não temos a mesma genica, amesma pedalada,  a mesma saúde, a mesma motivação... E muitos de nós já esgotaram as "memórias" do seu baú... 

Enfim, o blogue já não pode ter a mesma frescura, o mesmo encanto, a mesma capacidade de atração  dos melhores anos (grosso modo, até 2014). 

Carlos Vinhal
Neste ano que passou (2022),  também falharam novas entradas, como veremos noutro poste e aumentou a lista dos que "da lei da morte já se libertaram"...

A nossa gratidão vai para quem, em 2022,  alimentou o nosso blogue, mandando-nos material para publicar!... Seria impossível listar todos os "autores" dos 1068 postes publicados. 

E pessoalmente estou também muito grato aos nossos coeditores, com destaque para o incansável e insubstituível Carlos Vinhal  (foto à direira),  bem como colaboradores permanentes, comentadores, leitores... !
(LG)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste anterior da série > 2 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22870: O nosso blogue em números (72): afinal, nem tudo correu mal... Em mais um "annus horribilis", o de 2021, publicámos 1140 postes, o que está dentro da média dos últimos cinco anos...

Guiné 61/74 - P23936: Mi querido blog, por qué no te callas?! (9): O nosso blogue à lupa dos lentes de Coimbra... Pequeno resumo da tese de doutoramento de Verónica Ferreira que nos caracteriza assim, em entrevista à Lusa: (i) uma espécie de comunidade de antigos combatentes à procura de um sentido para a participação na guerra colonial; (ii) com um lado nostálgico de partilha de memórias, mas também de revolta pelo sacrifício inútil e não reconhecido; (iii) com um postura defensiva e uma visão algo lusotropicalista do conflito; e (iv) onde há muitos "pequenos silêncios" e alguns tabus


Uma das imagens ícones (e mais plagiadas) do nosso blogue: o 2º Gr Comb da CCAÇ 12, 1969/71, no subsetor do Xitole do setor L1, Bambadinca, a atravessar uma lala.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.

[Edição e legendagem : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Antigos combatentes criam sentido de comunidade 
em blogues e Facebook, revela estudo

29-12-2022 11:22 | Porto Canal  / Agências (com  a devia vénia...)

Uma investigadora da Universidade de Coimbra analisou a participação em blogues e em grupos de Facebook de antigos combatentes na Guerra Colonial, espaços onde estes homens criam um sentido de comunidade, mesmo que com “silêncios” sobre aquele período.

O tema foi objeto de estudo da tese de doutoramento de Verónica Ferreira, investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, no âmbito do projeto de investigação CROME, que tem como objetivo fazer uma história da memória das guerras coloniais e de libertação combatidas entre o Estado português e os movimentos independentistas africanos.

O doutoramento centrou-se nas narrativas dos antigos combatentes em blogues (com especial foco para o maior blogue de veteranos, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”) e em grupos da rede social Facebook.

Para Verónica Ferreira, a presença dos antigos combatentes em meios digitais espelha a necessidade dos próprios de “formarem uma espécie de comunidade”, de falarem das suas experiências passadas e de lhes darem um sentido.

Apesar de no Facebook e nos blogues a construção de narrativas ser diferente (nos blogues, há uma maior diversidade de relatos, enquanto o Facebook aparece como uma espécie de fórum), há “linhas narrativas transversais”, disse à agência Lusa a investigadora.

Verónica Ferreira nota que, para lá daquilo que é partilhado, das histórias ou experiências, é importante perceber “quais os silêncios que existem”.

“É preciso perceber a história da qual não se fala. Aquilo que se fala é sobretudo de um sentimento de revolta, por não haver reconhecimento do Estado do sacrifício dos combatentes. O silêncio surge em relação à violência perpetrada”, constatou, dando ainda conta de outros “pequenos silêncios”, como a homossexualidade, que não é falada, ao contrário de temas difíceis que acabam por ser abordados como a deserção ou filhos que foram deixados lá.

Segundo a investigadora, a violência cometida na guerra é evitada nos relatos que são partilhados e, no caso da relação com mulheres durante o período em que foram mobilizados, o assunto é “abordado de forma coloquial, em linguagem de caserna, nunca se analisando a violência por de trás dessas relações”.

Para Verónica Ferreira, “há uma postura defensiva” nos antigos combatentes, mesmo que não exista uma “narrativa homogénea”.

“Existem muitos combatentes, com contextos diferentes, com posições ideológicas diferentes, mas há uma linguagem defensiva, mesmo em relação àqueles que se posicionam de forma crítica, porque há sempre uma tentativa de justificar a participação” na Guerra Colonial, vincou.

Para a investigadora, que para além de análise dos blogues e grupos de Facebook também entrevistou colaboradores do blogue “Luís Graça”, há uma “perspetiva de legitimação da guerra”.

“Foram pessoas que viveram a guerra e têm que encontrar algum sentido para aquilo que viveram. Há uma tentativa de encontrar uma linha coerente para contar uma história de vida, que os satisfaça e que faça sentido”, notou.

Para além dessa postura defensiva, há também um lado nostálgico de contar as suas vivências, de reencontrar camaradas e de abordar as memórias de um momento em que “foram protagonistas da História”.

Se o diálogo entre antigos combatentes é sobretudo cordial, surgem, mesmo assim algumas tensões, que acabam por resvalar mais no Facebook, onde “é um pouco mais visível uma secção mais conservadora dos combatentes”.

Para Verónica Ferreira, apesar de ter havido sempre um esforço da extrema-direita para tentar cooptar os antigos combatentes, “nunca foi bem-sucedido”.

Essas tentativas são visíveis no Facebook, havendo inclusive um grupo ligado ao partido Ergue-te (antigo PNR), mas a cooptação “não parece que tenha sido bem-sucedida”, constatou.

Ao mesmo tempo, quer no Facebook quer nos blogues, a visão da Guerra Colonial é uma visão “lusotropicalista”, que olha de forma benevolente para a ocupação portuguesa, mesmo naqueles que se posicionaram contra a guerra.

A investigadora realça ainda a importância de se preservar o material que vai sendo partilhado e publicado nos blogues, especialmente em “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, realçando que aquele espaço “é um manancial imenso de documentação, de relatos, de história oral”.

“Não existem programas que preservem aquela riqueza de material para além do esforço do Luís Graça e dos restantes camaradas. Seria uma perda imensa se o domínio fechasse e deveria haver um esforço para recolher e preservar aquele material de forma mais consistente”,
defendeu.

Notícia do Porto Canal | Agência Lusa, que nos chegou já ao findar do ano de 2022, pela mãos dos nossos camaradas Carlos Pinheiro e Miguel Pessoal. Fica bem na série "Mi querido blog", para inaugurar o ano de 2023  (**)... Fixação de texto / links / negritos: LG.
___________


sábado, 31 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23935: Antologia (88): Cabo Verde: história das suas forças armadas, constituídas a partir de um núcleo de antigos combatentes do PAIGC (excertos de artigo de Pedro dos Reis Brito, "Revista Militar", n.º 2461/2462, de fev / mar 2007)

1 Apesar de tudo, Cabo Verde está também no coração de muitos de nós; os pais de alguns de nós foram lá expedicionários durante a II Grande Guerra; temos camaradas naturais de lá, que estão inscritos na Tabanca Grande; um ou outro dos membros da Tabanca Grande fez lá também a sua comissão de serviço militar,  nalguns casos estiveram lá alguns meses, ou em trânsito para o CTIG, sobretudo no início dos anos 60...  

Cabo Verde é um país da CPLP sobre o qual temos falado pouco... Ou sobre o qual tem havido pouco que falar, aqui no nosso blogue, apesar da presença histórica de Portugal na região e nas ilhas desde meados do séc. XV. E pode vir a ser, num futuro próximo, um parceiro da NATO.

Bem, na realidade temos 470 referências sobre Cabo Verde, o que não é nada mal.  Temos falado pouco de Cabo Verde dos anos 60 para cá, como antiga colónia portuguesa e depois como país lusófono independente.  

Temos falado muito pouco sobretudo da sua discretíssima independência (mas nem por isso "pacífica", dados os interesseses geoestratégicos em jogo, com o PAIGC , pós-Amílcar Cabral, na altura claramente pró-soviético).  

Como temos falado pouco do golpe de estado de 'Nino' Vieira em 14 de novembro de 1980 que deu a machada final no "mito" da unidade Guiné-Bissau / Cabo Verde, tão acarinhado por Amílcar Cabral e um punhado de cabo-verdianos do seu partido e aceite, a contra-gosto, por muitos guineenses (alguns dos quais saudaram efusivamente o golpe, que teve consequências irreversíveis).

Não sou dos saudosistas que pensam que Cabo Verde hoje bem poderia ser uma região autómoma de Portugal  e estar plenamente integrada na União Europeia, tal como as Canárias, os Açores ou a Madeira. A escolha (política) do povo cabo-verdiano é/foi soberana.   

A memória é curta, pelo que é bom recordar  que "a 19 de Dezembro de 1974 foi assinado um acordo entre o PAIGC e Portugal, instaurando-se um governo de transição em Cabo Verde. Este mesmo Governo preparou as eleições para uma Assembleia Nacional Popular que em 5 de julho de 1975 proclamou a independência." (Sítio oficial do Governo de Cabo Verde > O arquipélago > História )

Mas nós aqui temos a natural curiosidade, como antigos combatentes,  em saber o que se passou até à independência, e mesmo depois sob o regime único do PAIGC / PAICV.  E vamos continuar a fazê-lo dentro do respeito do princípio da não-ingerência, dos antigos combatentes da guerra colonial,  na vida interna de Cabo Verde e da Guiné-Bissau (dois países que nos são queridos, além das demais antigas colónias portugueses, hoje países independentes). Além disso, a "morabeza" impõe...


2. Excertos de um artigo publicado na Revista Militar, n.º 2461/2462, fevereiro/março de 2007, "Os Quarenta Anos das Forças Armadas de Cabo Verde", do então tenente-coronel Pedro dos Reis Brito, na reserva, entretanto falecido (1953-2014).

Segundo o semanário Expresso das Ilhas, de 23 de agosto de 2015, este oficial das Forças Armadas de Cabo Verde que atingiria o posto de posto de coronel "entrou para a corporação após ter concluído o estágio de Comissário Político de Companhia, em junho de 1975 em Cuba"... Trata-se, pois, de um dos primeiros elementos a integrar as Forças Armadas da República de Cabo Verde.

Voltando à nossa fonte, "de julho a agosto de 1975, desempenhou as funções de comissário político da Companhia Manuel Monteiro do Comando da Primeira Região Militar, de agosto de 1975 a maio de 1976, desempenhou as funções de comissário político no Centro de Instrução Político Militar do Tarrafal; em 15 de maio de 1976 foi promovido ao posto de segundo-oficial, para a 4 de Janeiro de 1978, ser promovido ao posto de tenente" (...) e em 1995 foi promovido ao posto de capitão, tendo entretanto concluído, em novembro de 1995, "a licenciatura em Economia, por correspondência, na Universidade de Havana, em Cuba".

Era então tenente-coronel quando escreveu este artigo para a "Revista Militar", portuguesa. Desse artigo vamos selecionar com a devida vénia, alguns excertos com factos relevantes para a história das Forças Armadas de Cabo Verde. Vão em itálico e separados por parênteses curvos, os subtítulos são nossos.


As Forças Armadas, uma instituição que orgulha os cabo-verdianos

(...) Celebrar os quarenta anos de existência das Forças Armadas é, de facto, revisitar marcos históricos da Nação Cabo-Verdiana, alguns perdidos no tempo ou nos recônditos da memória, outros mais presentes. Para além da comemoração ser um dever da instituição é, simultaneamente, um tempo de festa - pelas realizações e êxitos conseguidos - e de análise e reflexão com vista a corrigir os erros, projectar melhor o futuro e agir com maior coerência no presente.
 
Trinta e um anos depois da conquista da sua independência, Cabo Verde - este país ilhéu e saheliano do Atlântico médio - deixa o grupo dos PMA (Países Menos Avançados) e ascende à condição de país de desenvolvimento médio. Mérito é, facto, do povo caboverdiano, mérito dos sucessivos governos e mérito das instituições, pequenas e grandes, que enformam o estado e a sociedade. O nível de desenvolvimento atingido nestas dez ilhas é fruto de trabalho árduo e de muitos sacrifícios, (...)


Nesses anos de construção sobressai uma instituição que orgulha os cabo-verdianos e que acaba de completar 40 anos: as Forças Armadas de Cabo Verde. A história das Forças Armadas, assim como a formação da Nação, precede a independência e confunde-se nas trilhas da luta emancipadora com o doloroso, sacrificante e honroso caminhar para a nova aurora.

O Núcleo Fundador das Forças Armadas de Cabo Verde - ver listagem completa no final do artigo - por circunstâncias e vicissitudes diversas - diria, quase, por imponderáveis do tempo histórico - é constituído em meados dos anos sessenta do Século XX e lá do outro lado do oceano.

Realmente, a necessidade de dar inicio à luta armada em Cabo Verde levou a direcção do PAIGC - movimento libertador das Ilhas e da Guiné - no fragor da luta a mobilizar um punhado de jovens de que faziam parte estudantes, camponeses e trabalhadores emigrantes, juntamente com outros militantes anteriormente mobilizados, e enviá-lo a Cuba, onde, em plena clandestinidade e nas montanhas dessa ilha, permanece cerca de dois anos, recebendo preparação militar que seria, posteriormente, continuada na União Soviética.

É a 15 de janeiro de 1967, ainda em Cuba, finda a preparação e em vésperas de partir que, perante Amílcar Cabral, a quase totalidade dos membros do Grupo, individualmente, prestou um juramento solene: “de fidelidade à luta pela independência de Cabo Verde 
[sic 
 ]  fosse em que circunstâncias fosse. Esses jovens, então, afirmaram-se, dispostos para o sacrifício supremo se necessário para se poder alcançar a liberdade da Pátria, mas também pelo seu desenvolvimento e engrandecimento”. (...)

Hoje, é com orgulho que se constata que se cumpriu o Juramento. Por isso, em 1988, o Governo de Cabo Verde no primeiro gesto de reconhecimento da importância deste facto, escolheu e fixou o dia 15 de Janeiro como “Dia das Forças de Cabo Verde” (...)

Em 1975 é nomeado Ministro o Primeiro-Comandante Silvino da Luz e o Primeiro-Comandante Agnelo Dantas nomeado Comandante-Geral das então Forças Armadas Revolucionarias do Povo (FARP).


 Núcleo Fundador das Forças Armadas de Cabo Verde 

Por conseguinte, retomando, a trajectória iniciada nos anos sessenta, feita com perseverança e determinação, pode-se afirmar que, com certeza, se cumpriu, também, o destino. De facto, o Núcleo Fundador das Forças Armadas, após ter-se empenhado duramente em todos os sectores e frentes da luta pela independência, onde alguns dos seus integrantes tombaram no campo da honra, nas vésperas da independência nacional e nos anos que se seguiram, assume activamente a organização das Forças Armadas nacionais, integrando, preparando e dirigindo os jovens voluntários que massivamente se prontificaram em defender o país e prosseguiram edificando as Forças Armadas caboverdianas.

E não se limitaram à esfera militar, tendo-se registado uma vasta e qualitativa participação aos mais altos níveis de actividade do Estado de membros desse Núcleo. Assim, depois da proclamação da Independência Nacional, a Lei de Organização Politica do Estado atribui ao Ministério da Defesa e Segurança - criado pelo Decreto-Lei n.º 4/75 de 23 Julho - a responsabilidade pela defesa da independência, da soberania e integridade territorial, sendo nomeado Ministro o Primeiro-Comandante Silvino da Luz 3 e o Primeiro-Comandante Agnelo Dantas4 nomeado Comandante-Geral das então Forças Armadas Revolucionarias do Povo (FARP).

É o Decreto n.º 26/75 de 20 de Setembro, que cria o Comando-Geral das FARP e Milícias e o Comissariado Político Nacional das FARP, tendo este último à frente o Comandante João José Lopes da Silva. É esta, pois, a liderança - apoiada por vários oficiais, ainda sem postos definidos e sem patentes - que no dia-a-dia vai erigindo o novo “edifício militar” cabo-verdiano, em paralelo com a construção do novo Estado.

(...) Ao longo desses quarenta anos várias foram as gerações de cabo-verdianos que de uma forma ou de outra, viriam a dar o seu indispensável contributo para a formação das Forças Armadas, seguindo as peugadas do Núcleo fundador.  
 
(...) A sua estrutura orgânica sofreu adaptações aos momentos e contextos históricos vividos no país, mas como reestruturação de fundo registam-se: na década de oitenta, a aprovação de legislação estruturante, designadamente a Lei Orgânica, o Estatuto do Oficial e do Sargento, as Normas de Promoção e o Regulamento de Disciplina Militar (RDM); na década de noventa, que começa com introdução de novas missões para as Forças Armadas no quadro da Nova Constituição, a aprovação de leis decisivas destacando-se a Lei das Forças Armadas, a lei que define o estatuto da condição militar, a lei que define a organização global e efectivo das FA, o Estatuto dos Militares, o Estatuto Remuneratório, o Código de Justiça Militar e a revisão de várias outras normas jurídicas, onde sobressai o RDM; no período actual, convencionalmente enquadrado na reforma das Forças Armadas, a elaboração de importantes estudos conceptuais: o Projecto da Reforma das Forças Armadas e o Projecto de Conceito Estratégico da Defesa Nacional; e a adopção de dispositivos conceptuais e legais: as Grandes Opções do Conceito Estratégico da Defesa e Segurança Nacional, a Lei que estabelece o Regime Geral das FA e outros documentos importantes para organização sistémica e integrada da defesa nacional.

Se nos anos noventa se assistiu à criação da Guarda Costeira, composta por Unidades Navais e Unidades Aéreas e à formação da primeira Companhia de Fuzileiros Navais, depois de uma experiência que não vingou em finais dos anos setenta, este período que a instituição vive ressalta a sua reestruturação por forma a poder dar melhor resposta no que respeita, também, à segurança interna.

É assim que surge a Guarda Nacional, que será integrada essencialmente por Unidades de Policia Militar, de Fuzileiros Navais e de Artilharia e a Guarda Costeira, reorientada para os objectivos essenciais da sua constituição que são: a vigilância e fiscalização dos espaços marítimo e aéreo, bem como a sua preparação para acções de busca e salvamento, ao mesmo tempo que se forma a primeira unidade especial de reacção rápida para o enfrentamento das ameaças, sobretudo à segurança interna, de carácter mais violento.

Antes de abordar as realizações de vulto no seio das Forças Armadas, no transcurso de tempo decorrido, importa dizer que a perenidade da instituição deve muito ao seu papel que tem desempenhado e à sua utilidade na sociedade. Realmente, não obstante estar vocacionada e lhe seja cometida pela Constituição a “… defesa militar da república contra qualquer ameaça ou agressão externa.”, e ainda para missões com maior afinidade com a responsabilidade referida, aliás assumida em demais leis que enformam o corpo normativo da instituição, elas têm sabido dar uma contribuição de valor em várias outra frentes do desenvolvimento.

O testemunho da sua presença começa nas campanhas de arborização e protecção do meio ambiente e vai até ao apoio às populações em tempos de crise. No concernente a realizações, propriamente ditas, deve-se registar que o crescimento da instituição castrense cabo-verdiana foi acompanhado de um grande esforço no sector da formação de quadros. Desde o início as Forças Armadas preocuparam-se com a formação dos seus efectivos no domínio técnico-militar e no cultural, independentemente da sua condição de prestação de serviço, visto que a formação do homem é sempre um investimento no desenvolvimento.

É gratificante encontrar pelo país fora, nos mais diversos ramos de actividade, profissionais de níveis e especialidades mais díspares formados pelas Forças Armadas ou graças à sua acção e apoio. Eles são professores e músicos, médicos e enfermeiros, engenheiros e marinheiros, técnicos de construção civil, etc. Dificilmente, o nível de desenvolvimento e o estádio de organização seria atingido se não tivéssemos contado durante esses 40 anos com a colaboração internacional.

Com efeito, o crescimento das Forças Armadas, desde do primeiro instante teve na cooperação técnico-militar um elemento fundamental e o leque de apoiantes é extenso: países como a antiga União Soviética, os Estados Unidos da América, Portugal, a França, a Angola, a Alemanha, China, Cuba e Senegal têm sido excelentes parceiros nas várias etapas da vida das FA, tendo o Governo, através do Ministro da Defesa, na década de noventa do século passado, em sinal de reconhecimentos e agradecimento, agraciado algumas das suas representações aqui no país, com a Medalha Militar de Serviços Relevantes.

Mas a presença internacional das Forças Armadas não se tem limitado à cooperação, no plano operacional as tropas cabo-verdianas, nos últimos anos têm tido uma participação em vários exercícios internacionais, o que evidencia o bom nível de preparação das nossas tropas no total de treze exercícios militares multinacionais, no quadro da CPLP (...).

As Forças Armadas cabo-verdianas completaram, no passado dia 15 de Janeiro 40 anos de existência. A efeméride vem sendo comemorada desde o mês de Novembro, tendo o Programa iniciado com a cerimónia de condecoração de militares e civis que participaram com brilho no Exercício da NATO “STEADFAST JAGUAR 2006”, pela Ministra da Defesa Nacional.

O ponto alto da celebração aconteceu na Cidade da Praia no dia 14 em que foram homenageados os Membros do Núcleo Fundador da instituição. O Acto Central do 40.º aniversário das Forças Armadas de Cabo Verde foi assinalado no passado dia 14 de Janeiro - Domingo, presidido por Sua Excelência o Presidente da República, Pedro Verona Rodrigues Pires. O acto contou, também, com a presença do Primeiro-Ministro, Dr José Maria Pereira Neves.

Durante a cerimónia, carregada de simbolismo e emoção, foi homenageado o Núcleo Fundador das Forças Armadas, que recebeu do Chefe do Estado-Maior das FA a Medalha Estrela de Honra das Forças Armadas. A medalha colectiva foi recebida, em representação do Núcleo, pelo 1.º Comandante Agnelo Dantas, membro do núcleo, em seguida ela foi oferecida às Forças Armadas, sendo colocada no Estandarte das FA pelo Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Pedro Pires, então Líder do Núcleo Fundador.

Os membros do Núcleo presentes (14) receberam as correspondentes insígnias representativas da condecoração colectiva. Usaram da palavra no acto o 1.º Comandante Agnelo Dantas - ex-Chefe do Estado-Maior das FA, em nome do Núcleo para agradecer a homenagem recebida, a Ministra da Defesa Nacional, Dra Cristina Fontes Lima, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Coronel Antero Matos e o Presidente da República, Pedro Pires.

A cerimónia terminou com um desfile das Forças em parada, que integrou a Infantaria da Guarnição do Estado-Maior das FA, a Polícia Militar, a Artilharia de Campanha, a Defesa Aérea e a Banda Militar da terceira Região Militar e os Fuzileiros Navais da Guarda Costeira, num total de 300 militares. 

De ressaltar que enquadrado no Programa de comemorações que se prolongará até 18 de Março - Dia da Unidade “Justino Lopes”, do Comando da 3.ª Região Militar - foram realizados: o Exercício Militar “Zézé Aguiar”, levado a cabo nos Concelhos de Santa Catarina e São Miguel, na ilha de Santiago; os Jogos Militares Nacionais, em que a equipa da 3.ª Região Militar se sagrou vencedora; palestras alusivas à data em vários estabelecimentos de ensino do país; paradas militares nas sedes das 1.ª e 2.ª Regiões Militares; e encontros entre militares no activo e Combatentes da Liberdade da Pátria, na sua maioria militares e/ou Membros do Núcleo Fundador. (...)


MEMBROS DO NÚCLEO FUNDADOR DAS FORÇAS ARMADAS DE CABO VERDE

Primeira Unidade Combatente de Cabo-verdianos

1. Alcides Évora (Batcha)
2. Afonso Gomes*
3. Agnelo Dantas
4. Amâncio Lopes
5. António Leite
6. Armando Fortes
7. Armindo Ferreira
8. Estanislau João Ramos
9. Fernando dos Santos Rosa
10. Honório Chantre
11. Jaime Mota*
12. Joaquim Pedro Silva (Barô)
13. José Anselmo Corsino
14. Júlio César de Carvalho
15. Manuel Jesus Gomes
16. Manuel João Piedade
17. Manuel Maria dos Santos
18. Manuel Monteiro
19. Manuel Pedro dos Santos
20. Maria Ilídia C. Évora
21. Nicolau Pio*
22. Olívio Melício Pires
23. Osvaldo Azevedo
24. Pedro 
[Verona Rodrigues ] Pires**
25. Silvino Manuel da Luz
26. Sotero Nicolau Fortes
27. Wlademiro Carvalho*.

* Já faleceram (até à data da publicação do artigo)

** Líder do Grupo

*** (LG) Falecidos depois da data do artigo (2007): (i) Joaquim Pedro Silva (Baró) (2019)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos / Linsk / Parênteses retos com notas / Subtítulos: LG. ] 

[ Não nos compete contestar ou apoiar a tese do autor, que já é de resto institucional, sobre a data de 15 de janeiro de 1967, em que um punhado de jovens cabo-verdianos jurou lutar pela libertação de Cabo-Verde, na presença de Amílcar Cabral, em Cuba,  no final do seu treimo e formação político-militares. O assunto já é do domínio da história e do seu contraditório, não devendo, por isso,  servir para degradar ainda mais  as relações entre antigos militantes do PAIGC e,  nomeadamente, entre guineenses e cabo-verdianos. ]
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 22 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23905: Antologia (87): Apresentação do livro de Daniel dos Santos, "Amílcar Cabral: um outro olhar", pelo eng.º Armindo Ferreira, na Praia, em 5/9/2014

Vd. também poste de 20 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23899: Antologia (86): Excertos da entrevista de Daniel Santos, ao "Expresso das Ilhas" (15/9/2018): Amílcar Cabral e a "falsificação da história"

Guiné 61/74 - P23934: Os nossos seres, saberes e lazeres (548): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (83): Uma visita ao Ashmolean, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Impensável passar férias no Condado de Oxford sem bater à porta do Ashmolean; em visitas passadas, pré-estabelecia usufruir umas vezes do Mundo Antigo ou subir ao terceiro andar para apreciar pintura de renome mundial; mas não conheço nenhum museu que tenha um espaço como este intitulado "Explorando o passado", é uma pedagogia de mestres para cativar jovens, dando-lhes a perceber a importância de conservar e restaurar, atraí-los para o conhecimento histórico e artístico através da escrita e da sucessão de materiais que levaram até ao livro, a história do dinheiro, é uma vivacíssima viagem através da história material e imaterial como não conheço outra. E aqui fica uma amostra dos tesouros, quem sabe se o leitor não vai um dia destes visitar Oxford, então não perca a oportunidade de conhecer este expoente da museologia e da museografia.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (83):
Uma visita ao Ashmolean, o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade de Oxford

Mário Beja Santos

Com que alegria, com que frenesim e entusiasmo, aqui chego, sabendo antecipadamente que serei surpreendido num dos mais belos museus do mundo, para os britânicos é o seu primeiro museu público, alberga meio milhão de anos de história humana e criatividade, desde a sua monumental representação da história egípcia até à arte moderna. Lord Ashmole tinha um gabinete de curiosidades, foi o ponto de partida para o museu que nasceu em 1683 e que hoje está albergado neste edifício neoclássico que data do final da primeira metade do século XIX. À entrada entregam-nos um folheto com uma proposta de um conjunto de obras para quem vem com o tempo comprimido. Aprendi muito com um incidente que sofri na Galeria dos Ofícios, em Florença. Ia para uma reunião de trabalho, proporcionou-se ir um dia mais cedo, ficava por conta própria, sem ilusões de que ia ver Florença por um canudo. Naquele tempo os museus italianos abriam às 8h30 e fechavam às 14h, uma hora antes já ali estava pespegado, devia ter a presunção que estava capaz de absorver o conteúdo daquele fabuloso museu. Comecei no duecento, depois o trecento, depois o quattrocento, ainda não eram 12h e em frente ao Nascimento de Vénus, de Botticelli, veio-me uma formidável dor de cabeça, ocorreu-me que tinha chegado a minha hora, fui a correr para a pensão, lá sosseguei com dois comprimidos de paracetamol e umas horas de descanso. Agora nunca mais, agarro no mapa e escolho um conjunto de obras, subo e desço airosamente sem me agarrar a cronologias ou movimentos artísticos. O Ashmolean tem uma secção que eu considero das mais pedagógicas em museologia e museografia, dedicada à conservação de objetos, à história dos têxteis, da escrita e da leitura e do dinheiro, é tão cativante que não acredito que os jovens não saiam dali fascinados.
Bom, vou passear-me entre o mundo egeu, o velho Chipre, o Egito antigo, o próximo Oriente, a pintura chinesa, a escultura greco-romana e o mundo grego, a Índia e a Itália antes de Roma vão ficar para outra visita.
O Ashmolean possui belas peças da escultura síria e impressiona-me muito este acervo da cultura cicládica, há mesmo um museu em Atenas só dedicado a esta cultura, é de um valor impressionante, permite-nos conhecer a arte do mediterrâneo oriental naquele berço do comércio marítimo que precede as viagens fenícias.
Continuo no Mundo Antigo e as suas manifestações artística deslumbrantes, temos aqui Cnossos, é um dos momentos gloriosos da arte cretense.
Senti-me tentado a visitar as diferentes salas da escultura greco-romana, fiquei-me por esta com os seus moldes em gesso, dei comigo a imaginar como terá sido deslumbrante aquele centauro à esquerda.
Já cheguei ao século XIX, há uma imensidão de obras para fruir, comecei com aquele esplêndido van Gogh e não resisto a mostrar-vos esta mulher de Manet, cativa-me a depuração nas linhas, a quietude do rosto, ela é figura que o genial pintor escolheu para centrarmos o nosso olhar, o resto é sóbrio, um fundo de encenação que parece projetar a figura para fora do quadro.
Acertei na escolha, gosto dos Pré-Rafaelitas, eles estão presentes em vários lugares do Condado de Oxford, William Morris tinha a sua casa de verão em Kelmscott Manor, Burne-Jones trabalhou em várias localidades, caso dos vitrais na igreja normanda de Eaton Hastings e Buscot Manor. Foram geniais nas artes decorativas, como exemplificam estas duas peças de mobiliário e não resisti a fotografar esta escultura do Diabo, tem uma envolvente original.
Rendo-me a estas atmosferas onde se respira romantismo, naturalismo, há mesmo uma alvorada ténue de realismo e simbolismo. O primeiro quadro é de Turner, impressiona aquele ambiente montanhoso, fixamo-nos na ponte, e fica-nos a questão em aberto de como se pode miniaturar, com tal rigor e precisão, aquele gigantismo alpino; Edward Lear é o autor do quadro de Jerusalém, impressiona como o artista reparte os espaços, o declive agreste e talvez um contemplação de pastores sobre aquela cidade suave onde estão representadas as mais importantes religiões teístas, evola-se daquele branco o sigilo da contemplação divina.
Já chega de emoções, despeço-me com bela azulejaria turca e holandesa, ainda vou cumprimentar o coronel Lawrence da Arábia, embora custe a acreditar que esta era a sua indumentária, foi um construtor de nações e um dos grandes autores de língua inglesa. E agora vou andarilhar por Oxford, a cidade prepara-se para as exéquias de Isabel II.

(continua)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23914: Os nossos seres, saberes e lazeres (547): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (82): Regresso a Inglaterra em plenos funerais de Isabel II (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23933: Parabéns a você (2132): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23923: Parabéns a você (2131): António Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (Bissau, Buba e Pelundo, 1969/71)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23932: Boas festas 2022/23 (13): E o nosso coeditor jubilado Virgínio Briote saiu-se com esta...

1. O Virgílio Briote, nosso querido "coeditor jubilado", um histórico do nosso blogue, para começar bem o ano, e animar a caserna (!), foi desencantar "esta", que eu aceito também como "prova de vida"... 

Ando tão "piurso" e tão desanimado da vida, há 15 dias que não saio de casa com um merda que pode ter muitos nomes (fruta da época, virose, gripe, covid, pêdêi, depressão de natal & fim de ano...), que aceito qualquer "piada" que me faça sorrir, mesmo com meia cara e uma muleta... 

É que nem sequer tenho nada de jeito para publicar no fim do ano... e o balanço do ano é francamente mau: foram mais os que saíram pela lei natural da vida do que os que entraram na Tabanca Grande (tão poucos que se contam pelos dedos!)...

Obrigado, Vb, vou tentar entrar o melhor possível no Novo Ano (já não sei como se faz com as pilhas em baixo, e trocando os pés...), é um ano que será (para mim, para o blogue, para nós, editores, colaboradores permanentes, autores, leitores, comentadores, etc.) um ano de grandes decisões: afinal vamos fazer 19 anos de existência, em 23/4/2023, e a p... da guerra já acabou há muito!... (Ou deveria ter acabado, tenho aqui um garrafa de espumante de Sacavém, que vai passando de ano para ano, à espera que...  a guerra acabe de vez!)...

********************

Data - 30 dez 2022 , 20:17
Anedota - Colegas de escola... !

Entrem bem, não se esqueçam…

Abraço
V. Briote

___________

2. Já lhe aconteceu, ao olhar para pessoas da sua idade,  pensar: "não posso estar assim tão velho(a)?!"... Veja o que me contou uma amiga.

Estava sentada na sala de espera para a minha primeira consulta com um novo dentista, quando observei que o seu diploma estava exposto na parede.

Estava escrito o seu nome e, de repente, recordei-me de um gajo moreno, alto, que tinha esse mesmo nome.

Era da minha turma do Liceu, uns 30 anos atrás (!), e eu perguntei-me: "poderia ser o mesmo rapaz por quem eu tinha tido uma paixoneta na altura?!"

Quando entrei no gabinete, afastei essa ideia. Este homem grisalho, quase calvo, gordo, com um rosto marcado, enrugado... era demasiado velho para ter sido do meu tempo de liceu.

Depois de ele ter examinado o pobre meu dente, perguntei-lhe se tinha estudado no Pedro Nunes.

 − Sim, sim  −  respondeu.

  E quando é que saiu?   − perguntei.

  1985. Por que é que a senhora pergunta?

 − É que... bem... o senhor era da minha turma!

E então, "aquele velho horrível daquele dentista,  cretino, careca, barrigudo, flácido, filho da mãe, lazarento, safado " (!) saiu-me com esta:
 
− A senhora era professora...  de quê?
__________

Guiné 61/74 - P23931: Boas festas 2022/23 (12): Mensagem do nosso camarada António Graça Abreu, com oferta de dois poemas breves, do poeta chinês Su Dongpo (1037-1101)

O escritor e tradutor
António Graça
de Abreu com a esposa,
Hai Yuan

1. Do nosso António Graça de Abreu, que regressou há algumas semanas de um cruxeiro à África do Sul (Durban, Cidade do Cabo...) (vem moderadamemte otimisma sobre a classe média negra que lá, sob o  regime de Mandela,  se está a desenvolver, contrastando com a miséria social que continua por essa África subsariana fora que se libertou do colonialismo há 50/60 anos)... 

Deseja-nos a todos boas festas e as melhoras do editor e fundador do blogue, com a oferta de dois "jueju" do grande poeta chinês Su Dongpo (1037-1101), traduzidos primorosamente por ele:


Data - 29 de dezembro de 2022, 00:59  
Assunto  - Dois jueju, poemas breves, vinte caracteres,  
de Su Dongpo (1037-1101)



Vazio e silêncio


欲令诗语妙

无厌空且静

静故了群动

空故纳万境




Para a maravilha do poema,

o melhor é o vazio e o silêncio.

Em silêncio, floresce tudo o que se move,

o vazio alberga dez mil imagens.




我心空无物

斯文定何间

君看古井水

万象自往还




O meu coração vazio, suportando coisa nenhuma,

não importam as comezinhas coisas do mundo.

Olhem a água de um velho poço,

dez mil imagens aparecem, desaparecem. 
[1]

Nota do tradutor:

[1] A propósito destes versos, do silêncio e da água no velho poço, escreve He Qing, letrado chinês nosso contemporâneo:

Le vide et le silence sont considérés comme le principe premier de la poésie. Plus um poème sonne vide et silencieux, plus il gagne en valeur esthétique.

(…) On peut imaginer ce silence, cette immobilité, cette limpidité, cette fraicheur, cette profondeur temporelle de l’eau d’un puits ancien, et se figurer que cette eau silencieux reflète, sereinement, les vols d’oiseaux, les voyages des nuages. les vibrations de la lumière du soleil, les oscilations des brins d’herbes et des branches des arbres, les mille couleurs de la nature. Dans cette image poétique reside non seulement la plus grande sagesse chinoise, mais aussi l’état ideal de l’ésthétique chinoise: rester ancré dans le silence le plus profund et contempler les mouvements les plus intimes de l’univers…

Tr. do Google, fr / pt (LG):

O vazio e o silêncio são considerados o princípio primordail da poesia. Quanto mais um poema soa a vazio e silêncio, mais ele ganha em valor estético. (…) Pode-se imaginar este silêncio, esta imobilidade, esta limpidez, esta frescura, esta profundidade temporal da água de um velho poço, e imaginar que esta água silenciosa reflite, serenamente, os voos dos pássaros, as viagens das nuvens. as vibrações da luz solar, as oscilações dos fios de ervas e galhos de árvores, as mil cores da natureza. Nesta imagem poética reside não só a maior sabedoria chinesa, mas também o estado ideal da estética chinesa: permanecer ancorado no silêncio mais profundo e contemplar os movimentos mais íntimos do universo

Fonte: He Ding, Images du Silence, Pensée et Art Chinois, Paris, L’Harmattan, 1999, pag. 80.

___________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
O trabalho de investigação de Hurley e Matos, que aqui se condensa, tem, para além do mérito próprio da probidade da avaliação dos factos que fazem, revelar a insídia que se veio a montar acerca dos primeiros líderes militares na Guiné, na eclosão da guerrilha. Louro de Sousa, nomeado comandante-chefe em cima dos acontecimentos, enviou sempre ao Governo relatórios fidedignos da crescente guerrilha, não dispunha de nenhum sistema de informações fiável, deparou-se com a fuga das populações e uma tremenda falta de recursos, nomeadamente terrestres e aéreos para contrariar os efeitos da guerrilha, que se manifestava muito atuante na região Sul, no Corubal e no Morés, principalmente. Não havia informações sobre os efetivos da guerrilha, nem até mesmo das bases de apoio na República da Guiné Conacri. Os efetivos eram tão minguados que quando o capitão Alípio Tomé Pinto chegou a Binta, em 1964, este importante porto estava praticamente cercado por forças e população afeta ao PAIGC. Hurley e Matos diagnosticam aqui as carências de meios aéreos e mostram como Louro de Sousa e a FAP estavam conscientes de que se impunha um abrir mão a meios humanos e materiais de grande envergadura. Era sempre tudo às pinguinhas, a fartura só virá com o superstar Spínola.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10)


Mário Beja Santos
Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Os capítulos subsequentes permitem-nos ter, mediante processo diacrónico, a evolução dos decisores políticos quanto à formação e equipamento da FAP nos diferentes teatros de operações, e depois o trabalho incide sobre a Guiné, os equipamentos existentes no período que precede a eclosão da guerrilha e as sucessivas respostas para permitir à FAP sucesso na multiplicidade dos desempenhos. Estamos agora a acompanhar a evolução dos primeiros anos da guerra e a resposta da FAP.

Como vimos no texto anterior, o General Venâncio Deslandes deslocou-se à Guiné e produziu um relatório alertando para a gravidade da situação, propôs um conjunto de medidas para melhorar a eficácia do aparelho político-administrativo, incluindo a fusão da estrutura do comando militar, recomendação que foi posta em prática no ano seguinte, mas em 1963 a autoridade política e militar permaneceu dividida entre o Governador Vasco Rodrigues e o Comandante-Chefe Louro de Sousa. A falta de entendimento entre os dois oficiais inevitavelmente criou atrito e complexidade desnecessária no planeamento militar. Deslandes recomendou igualmente o emprego de forças de “intervenção” de reação rápida capazes de responder rapidamente a atos hostis que se pudessem desencadear em qualquer ponto do território.

Baseado em parte na insistência de Deslandes, chegaram a Bissalanca em setembro os primeiros helicópteros Alouette II, “emprestados” do Esquadrão 94 em Angola, foram os precursores da frota de helicópteros que irá gradualmente revelando significativa. Um relatório suplementar de 1963, do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo da Secretaria-Geral da Defesa Nacional, deu ênfase às necessidades da FAP na Guiné. O dispositivo aéreo em Bissalanca incluía sete F-86, oito T-6, oito Austers, três C-47, um Broussard, um P2V-5 Neptune (este em alerta na Ilha do Sal). Os aviões Sabre estavam atrasados. Brito e Melo não deixava de sublinhar que “a coordenação ar-terra é deficiente e, portanto, a eficiência da campanha ar-terra é baixa”.

Enquanto Deslandes e Brito e Melo redigiam os seus relatórios, a FAP sofreu as suas primeiras perdas em combate na Guiné. Em 22 de maio de 1963, no decurso da operação Seta, aviões F-86 e T-6 atingiram alvos no reduto da guerrilha na Ilha do Como. O Furriel António Lobato, tendo suspeitado sido atingido por fogo de metralhadora, pediu ao seu asa, Eduardo Casals, que voasse por baixo dele e inspecionasse a parte inferior para avaliar os danos. O T-6 de Casals tocou na hélice de Lobato durante a inspeção, o que causou a queda do avião de Casals e a sua morte (o seu corpo foi recuperado nesse mesmo dia pelas forças portuguesas). Lobato conseguiu direcionar o seu avião danificado para um arrozal, onde foi capturado por militantes do PAIGC, assim começava o cativeiro mais longo da Guiné, ele passaria os próximos sete anos recluso, primeiro na Maison du Force de Kindia e depois na prisão de La Montaigne em Conacri. Foi o único aviador português prisioneiro de guerra.

Apenas nove dias depois de Lobato ter sido capturado, em 31 de maio, dois F-86 pilotados pelo Capitão Fausto Valla e pelo 2.º sargento Manuel Pereira Clemente, enquanto realizavam uma missão de bombardeamento na região de Bedanda, as aeronaves sofreram estilhaços de uma das suas próprias bombas de 250 kg, os pilotos voltaram imediatamente para Bissalanca, mas o F-86 de Fausto Valla incendiou-se, forçando-o a ejetar-se. Pereira Clemente conseguiu aterrar em Bissalanca sem mais incidentes, depois de despejar a sua artilharia no Geba, o jato de Fausto Valla explodiu antes de chegar a Bissalanca. Três meses mais tarde, a FAP sofreu uma das perdas mais mortíferas da guerra quando um Auster caiu após bater numa palmeira quando descolava de Bissalanca, em 4 de setembro. Nenhum dos três aviadores a bordo (Alferes Eduardo Spínola Freitas e José Madureira Nobre e Primeiro-Sargento José Pinheiro Garcia) sobreviveu. No mês seguinte, ãem 14 de outubro, o Capitão João Cardoso Rebelo Valente faleceu quando o seu T-6 se despenhou durante manobras na região de Morés-Olossato.

Os desaires da FAP continuaram quando o único Broussard sofreu um grave acidente, nove meses depois de ter sido introduzido no teatro da guerra; em 4 de dezembro um segundo Auster descolou e caiu, matando o piloto 2.º Sargento André Miranda Farinha e dois meteorologistas da FAP, Tenente Austrelindo Gaspar Dias e o 1.º Sargento Humberto Silva Matos. Em síntese, a FAP perdeu sete aeronaves e sete pilotos (seis mortos e um prisioneiro) devido a acidentes ou fogo hostil durante o primeiro ano de guerra – uma taxa considerada insustentável.

Em setembro de 1963, Louro de Sousa, perante o Conselho Superior da Defesa Nacional, reclama mais aeronaves para apoiarem operações previstas, pediu entre dez e quinze helicópteros Alouette III para substituir os três helicópteros Alouette II; pediu mais doze T-6, nove DO-27 e quatro F-86. Durante a sua exposição, destacou a insuficiente cobertura aérea, a inadequada capacidade de reconhecimento aéreo para assegurar eficiência às suas forças na Guiné. Louro de Sousa, tendo exposto o caráter das operações da guerrilha do PAIGC, apelou ao envio de forças de reação rápida incluindo paraquedistas e transporte aéreo adequado – no fundo, seguia as propostas de Venâncio Deslandes.

A operacionalidade dos meios aéreos disponíveis era um tremendo desafio. De acordo com uma avaliação da 1.ª Região Aérea, elaborada em agosto de 1963, apenas metade dos oito Auster em Bissalanca estava em condições operacionais, os outros em grandes reparações ou a aguardar peças. Um dos quatro DO-27 recém-entregues a Bissalanca já estava inoperável, por falta de peças. A situação complicava-se por falta de mecânicos e pelo uso criterioso de baterias. A eficácia de combate do T-6 estava limitada pela ausência de informações técnicas sobre o uso e manutenção das armas. Três C-47 estavam na revisão periódica nas OGMA, e a falta de peças de substituição era crónica. Na Ilha do Sal, os dois Neptune também se debatiam com limitações operacionais devido à falta de recursos. O relatório da 1.ª Região Aérea avaliou os oito caças Sabre como operacionais, apontava-se para obrigatoriedade de um ciclo periódico de manutenção; considerava-se que o armamento dos F-86 era precário, exigindo substituições nos dispositivos de suporte das bombas. Em agosto de 1963, o Coronel Krus Abecassis, Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea, identificou a necessidade de enviar para Bissalanca oficiais experientes para preencher vagas e alertou para a escassez de especialistas em comunicação. Na já referida reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, Louro de Sousa instou para o reforço dos quadros superiores, era indispensável a presença de dois tenentes-coronéis em Bissalanca.

Por último, havia a necessidade imperiosa de enviar meios financeiros para melhorar as instalações, quartéis, torres de vigilância e iluminação perimetral. Louro de Sousa apelou à introdução de radares e sistemas de comunicação adequados e equipamentos para lidar com qualquer intrusão do espaço aéreo da Guiné. Já ao tempo havia a preocupação dos meios aéreos dos dois vizinhos hostis.

Operações portuguesas de contraguerrilha, 1963
Destroços do T-6 do capitão Rebelo Valente que caiu em outubro de 1963 (Coleção Alberto Grandolini)
Outra imagem da queda do T-6 do capitão Rebelo Valente (Coleção Alberto Grandolini)
Um P2V-5 Neptune na Ilha do Sal, ao lado de um F-86 que esporadicamente era enviado para Cabo Verde para participar na defesa aérea local (Coleção Touricas)

(Continua)

____________

Notas do editor:

Poste anterior de 23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23922: Notas de leitura (1537): Germano Almeida, prémio Camões (2018), filho de pai português e mãe cabo-verdiana, explica a origem mítica de Cabo Verde: uma criação divina, não por maldição... por distração (Luís Graça)