sexta-feira, 9 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22088: Memórias cruzadas da Região Boé: CART 1742: as principais ocorrências em 12 e 13 de janeiro de 1968, entre Canjadude e Cheche: três baixas e um prisioneiro (Jorge Araújo)


Imagem de satélite da região Leste, assinalando-se o itinerário entre Nova Lamego/Ché-Che, percurso de 47.5 km (Google.com,  hoje), ao longo do qual o perigo era uma constante, por efeito da existência de minas a/c e emboscadas, em particular durante a realização de colunas de reabastecimento.




O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo.


MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DO BOÉ

A ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 1742:

 AS PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS EM 12 E 13 DE JANEIRO DE 1968, ENTRE CANJADUDE E CHÉ-CHE

- AS TRÊS BAIXAS E UM PRISIONEIRO DAS NT -

 

1. - INTRODUÇÃO


O presente texto nasce da leitura do P22059 (02Abr2021) e, concomitantemente, do interesse suscitado no seu aprofundamento, em particular os episódios relativos à actividade operacional da CART 1742 (1967-1969), com relevância para as ocorrências registadas na primeira quinzena do mês de Janeiro de 1968, onde perderam a vida, em combate, o Major Luís Vasco da Veiga Ferreira Pedras, da Chefia do Serviço de Material, QG/CTIG, o Fur Mil de Construções e Instalações, Abílio Duarte Jorge, do BENG 447,  e o soldado Saná Quetá, do Pel Mil 161.


Para além desse desiderato é justo deixar expresso os agradecimentos quer ao camarada Virgílio Teixeira, por ter tido a gentileza de partilhar mais algumas memórias da História da sua Unidade: o BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/1969) quer ao camarada Abel Santos, pelas suas (novas) imagens da «Jangada do Ché-Che», «peças» importantes na (para a) reconstrução do «grande puzzle» historiográfico do Blogue, que no dia 23 do corrente comemora o seu 17.º Aniversário.


Voltando à questão de partida, a metodologia que utilizámos na estruturação deste "fragmento" é semelhante às anteriores, tendo procedido à triangulação de conteúdos de várias fontes: oficiais e outras, de ambos os «lados do combate», em especial aqueles que se enquadravam no tema em análise.


2. - CECA - ASPECTOS DA ACTIVIDADE OPERACIONAL > CART 1742


Tendo por base os objectivos indicados na introdução, recorremos à bibliografia Oficial do Estado-Maior do Exército (CECA), «Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África», 6.º Volume, tendo encontrado a seguinte referência:


◙ Zona Leste: «Operação Agora ou Nunca», realizada de 11 a 13 de Janeiro de 1968 (de 5.ª feira a sábado), envolvendo forças da CART 1742 (-), um Gr Comb da CCAÇ 5 e uma Sec/Pel Mil 161, com apoio aéreo, onde executaram no dia 12 [Jan] um patrulhamento de reconhecimento na região de Siai [infografia ao lado]

No decurso da missão, o IN atacou as NT instaladas em Dongol, provocando-lhes oito feridos graves, sete ligeiros e um desaparecido [António de Castro Aguiar; feito prisioneiro]. Na reacção, as NT causaram cinco mortos e muitos feridos em número não estimado. Encontrado um elemento IN ferido que, ao ser intimado a render-se,  abriu fogo e foi, por isso, abatido, apreendendo-se a sua arma, uma "Kalashinkov". (CECA; 6.º Vol., pp 163-164).



2.1 - NARRATIVA DE UM ELEMENTO DA CART 1742

 - O CASO DO "DIÁRIO" DE MÁRIO DOS ANJOS TEIXEIRA ALVES, 1.º CABO CORNETEIRO DA CART 1742 


Para a elaboração deste ponto era importante ter acesso ao histórico das actividades operacionais desenvolvidas pela Unidade em apreço, por considerarmos que a resenha Oficial ficara aquém do que era expectável. 


Da busca realizada, localizamos no P13434 (24Jul2014) uma descrição histórica, designada por «Diário da CART 1742», da autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, ex-1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue, em Julho de 2014, pelo camarada Abel Santos, e que "encaixou" na perfeição.


Assim, sobre as ocorrências em título, citamos o que Mário Alves escreveu:

(…)

Dia 11Jan68 (5.ª feira)


Chegou o nosso capitão [Cap Mil Inf Álvaro Lereno Cohen] a dizer-nos para prepararmos o material, porque iam sair três pelotões às 3h00 da tarde.


Dia 12Jan68 (6.ª feira)


Houve correio para os que estão no destacamento, já os que foram para o mato só o receberão quando chegarem.


Dia 13Jan68(sábado)


Saiu daqui o helicóptero, a avioneta e dois bombardeiros [T6] para irem ter com o nosso pessoal que anda a fazer a operação no Siai.

Às 13 horas chegou o helicóptero com quatro feridos, dois brancos e dois africanos. Diziam que ainda havia mais feridos, por isso, às 14h00 chegou novamente o helicóptero com mais três feridos, e às 16h00 voltou novamente com mais três feridos, estes por uma mina que rebentou na coluna que ia buscar ao Ché-Che o nosso pessoal.

Um dos feridos foi o major do Serviço de Material [Luís Vasco da Veiga Ferreira Pedras] que foi levado directamente para Bissau, e os outros foram de avioneta.

Também ficou lá um furriel morto [Abílio Soares Jorge] e um soldado [Saná Quetá] todos da mesma companhia e ainda alguns feridos menos graves, que por ser já de noite não puderam ir busca-los.


Dia 14Jan68 (domingo) – às 7h00


Já o helicóptero tinha chegado com mais feridos, e às 8h00 chegou ainda com os restantes. Após o almoço chegou um carro da administração com um elemento IN morto, que apanharam em Piche, e a população fez um festival, quanto mais não fosse, para agradar às tropas.

Às 17h00 chegou a companhia e disseram que, quem tinha sido ferido foi o Aníbal enfermeiro e o Martins das transmissões, que foram para Bissau [HM 241], e talvez tenham que ir para a metrópole.

Houve mais oito feridos com menor gravidade, um era o alferes Magalhães e o furriel Amaro, sendo os restantes cabos e soldados, um deles era o Damásio Fonseca.

Também chegou a má notícia que o major faleceu ao chegar a Bissau, o furriel que morreu era da engenharia e o soldado era africano [Saná Quetá, do Pel Mil 161; natural de Ganguiró, Nova Lamego].


Dia 15Jan68 (2.ª feira) – às 7h00


De manhã estivemos a conferir o material que tinha chegado na noite anterior, e também pensávamos no soldado que estava em Bissau ferido, mas afinal estava desaparecido, foi o [António de Castro] Aguiar de "Arrifana".

(…)

3. - O QUE FOI ESCRITO A PROPÓSITO DAS OCORRÊNCIAS ACIMA, POR PARTE DO PAIGC  


Os casos relativos às ocorrências acima, que incluem os episódios de "combate" e o elemento "aprisionado" pertencente à CART 1742, foram analisados pelos responsáveis do PAIGC e publicitados no jornal «Libertação», edição n.º 87, de Fevereiro de 1968, cujo conteúdo se reproduz abaixo:



 


Para além do conteúdo acima, consta na capa desta edição do «Libertação» uma foto com quatro militares das NT feitos prisioneiros, desconhecendo-se os seus nomes. 
Dos quatro, quem será o António de Castro Aguiar, o "Arrifana"? Responda quem souber.

 



Fonte: Citação:
(1968), "Libertação", n.º 87, Ano 1968, Fevereiro de 1968, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44344, com a devida vénia.

 

3.1 - O INTERROGATÓRIO FEITO AO ANTÓNIO DE CASTRO AGUIAR


Na sequência de ter sido aprisionado na região de Siai, pelas forças do PAIGC, por se encontrar ferido, o camarada António de Castro Aguiar foi levado (presume-se!) para o hospital de Boké, onde lhe prestaram, certamente, cuidados de enfermagem, seguindo depois para a prisão de Conacri, passando a ser considerado como "prisioneiro de guerra".


Na condição de "prisioneiro", António de Castro Aguiar é interrogado pelos responsáveis do PAIGC, passando o resultado desse inquérito a fazer parte de uma coletânea, com outros depoimentos sobre o mesmo contexto, designada por «Falam os portugueses prisioneiros de guerra», Caderno n.º 2, cuja capa se reproduz abaixo, bem como as dez questões formuladas e as respectivas respostas dadas pelo camarada "Arrifana". 

 

 


Trata-se de um ublicação da FPLN - FrentePatriótica de Libertação Nacional, sediedade em Argel, reproduzindo declarações de militares portugueses feitos prisioneiros pelo PAIGC. A FPNL operava também a Rádi0 Voz da Liberdade.



Fonte: Citação:
(s.d.), "Guiné. Falam os portugueses prisioneiros de guerra", Fundação Mário Soares / DCN - Documentos Vítor Cabrita Neto, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_152453, com a devida vénia.

 

■ Depois de mais de trinta e quatro meses de cativeiro (correspondente a mais de um milhar de dias), António Aguiar - o "Arrifana" (nome da sua terra natal) - e mais vinte e três outros camaradas seus, conseguem finalmente recuperar a liberdade na sequência da «Operação Mar Verde», levada a cabo em 22 de Novembro de 1970, domingo.


■ Decorridos quarenta e quatro anos após a libertação da prisão do PAIGC, em Conacri, conhecida por "Montanha", eis António de Castro Aguiar (foto 1), ladeado por Abel Santos, à sua direita, e pelo ex-Alf Mil Magalhães, à sua esquerda, durante o Convívio da CART 1742, de 2014, organizado em Leça da Palmeira – P20201 (03Out2019).

 


Foto 1 - António Castro Aguiar, ao centro, durante o Convívio da CART 1742, de 2014, realizado em Leça da Palmeira. Foto do álbum de Abel Santos, com a devida vénia.

 


Foto 2 > CART 1742 > A secção do Abel Santos: Da esquerda para a direita: em cima: Furriel Pontes, já falecido; 1ºs Cabos, Loura e Costa; Soldados Cruz e Abel; Em baixo: Soldados Ferreira; Silva; Miranda; Aguiar ("Arrifana") e Soares, já falecido. (Cortesia de Abel Santos, Poste P20201)



► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª edição, Lisboa (2015).


 

Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07177.087. Título: Libertação. Número 87. Ano: 1968. Data: Fevereiro de 1968. Directores: Amílcar Cabral, Luís Cabral, Vasco Cabral e Dulce Almada. Observações: Órgão do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral. Tipo Documental: IMPRENSA.


 

(2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 02970.001.015. Título: Guiné. Falam os portugueses prisioneiros de guerra. Assunto: Caderno n.º 2, publicação da FPLN, em Argel, reproduzindo declarações de militares portugueses feitos prisioneiros pelo PAIGC – José Neto Vaz, José Manuel Moreira Duarte, José da Silva Morais, António Ângelo Duarte, David Gouveia Pedras, Luís Salvador, Antunes Almeida Vieira, Luís dos Santos Marques, Augusto Dias, Manuel Ferreira, António de Castro Aguiar, José Manuel Alves Vieira, Víctor Manuel Jesus Capítulo -, emitidas pela Rádio Libertação do PAIGC e pela Voz da Liberdade. - Contém ainda lista de prisioneiros do Caderno n.º 1, composta por Rui Rafael Correia, José Maria de M. Medeiros, Manuel da Silva, Agostinho da Silva Duarte, Manuel Augusto Leite da Silva, António Júlio Rosa, Manuel Marques de Oliveira, Geraldino Marques Coutinho. Data: s.d. Fundo: DCN - Documentos Vítor Cabrita Neto. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

04ABR2021

Guiné 61/74 - P22087: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (85): respondendo ao pedido de colaboração da doutoranda Sílva Espírito-Santo, biógrafa de Cecília Supico Pinto (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Foto nº 1 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > O João Crisóstomo  e o Henrique Matos,o primeiro  comandante do Pel Caç Nat 52 (1966/68),  junto ao monumento comemoratvo dos 500 anos da chegada de Diogo Gomes ao Rio Geba


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > 1966 > Visita da Cecília Supico Pinto


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > 1966 >  Local de convívio da companhia: sentada, em segundo plano, a Cecília Supico Pinto; o capelão, de costas, dá-lhe as boas vindas; a sua secretária aparece èm primeiro plano, à esquerda.

 


Foto nº 4A  > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  Aerograma  > Resposta do Movimento Nacional Feminino a um pedido do João Crisóstomo. Tem a data do correio de Lisboa, 18 de novembro de 1965 [?]
 

Foto nº 4B  > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  Excerto do aerograma com resposta a um pedido do João Crisóstimi. Termina assim: "Com as nossas saudações académicas, Pela Secção de Apoio aos Milicianosm Maria do Rosário Domingues".


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Conteúdo do aerograma do MNF, datado de Lisboa, 17 de novembro de 1965



Foto nº 5A> Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Conteúdo do aerograma do MNF, datado de Lisboa, 17 de novembro de 1965. Excerto.



Foto nº 5B > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) > Excerto aerograma do MNF, datado de Lisboa, 17 de novembro de 1965 e assinado por Maria Adelaide Sousa Secção de pedidos individuais.

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Mensagem de João Crisóstomo [, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); é um luso-americano, natural de Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras; vive em Nova Iorque; e é um conhecido ativista de causas que muito nos dizem, a nós, portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes],


Date: domingo, 4/04/2021 à(s) 12:08
Subject: resposta ao pedido da Sílvia Espírito-Santis  a Luís Graça( blogue)
 

Prezada Sílvia,
 
Vi o seu pedido no blogue  e a resposta do Luís Graça (*).

Por razões evidentes  acredito que vai receber mais  respostas do que alguma vez imaginou. Aqui está a minha pequena colaboração. Limito-me a enviar alguma informação, 3 fotos e um documento que, pela suas perguntas,  acho mais pertinentes. 

Quanto às suas perguntas  "o que pensava", "o que sabia",   " como encarou as visitas", "efeitos nos ânimos" etc., deixarei que  outros, com mais facilidade  de expressão,  falem sobre isso, que o poderão fazer bem melhor do que eu.  
 
Eis aqui a minha resposta a algumas das suas questões:

(i) João Crisóstomo, residente em Nova Iorque, desde 1975;

(ii) Idade etc:  76 anos; nasci em Torres Vedras em Junho de 1944.

(iii) Serviço militar  como alferes miliciano. Entrada  em Mafra em 26 de Janeiro de 1964. Graduado  como  aspirante,  fui para  Beja onde preparei um pelotão; depois  fui para Lamego onde frequentei o curso de operações especiais (,tipo "Ranger") ; e daí fui para a Madeira em preparação para o Ultramar. Na ausência temporária do capitão da companhia,  fui eu que em 2 de Agosto de 1965  comandei esta companhia de madeirenses (CCaç 1439 ) na viagem para a Guiné,   aonde chegámos a 6 de Agosto de 1965. Regressámos a 18 de Abril de 1967.

(iv) Chegados a Bissau, fomos directamente para o Xime (agosto de 1965) ; um mês  depois, em Setembro, omos para Bambadinca e logo a seguir em Outubro fomos para Enxalé com os seus   destacamentos de Missirá  e Porto Gole.
 
(v) Em Porto Gole (, local onde os primeiros portugueses chegaram subindo o Rio Geba e onde se encontra um padrão alusivo, na data dos 500 anos da sua chegada, foto nº 1)  e onde estive várias vezes como comandante do destacamento, recebi a visita  [, em 1966,]  de Cecília Supico Pinto e sua assistente, trazida pelos fuzileiros devidamente acompanhada e protegida. Evidentemente que a visita, anunciada com antecedência,  trouxe aí nesse dia o comandante da Companhia, capelão e   médico do batalhão de Bafatá a que pertencíamos  e outros militares conforme foto que junto [, Foto nº 2].

(vi) As fotos nºs 2 e 3 foram dois dos momentos dessa visita. A 3ª foto (uma árvore frondosa, algumas mesas improvisadas, bancos feitos de troncos de cites, as paredes com fotos, recortes de jornais etc.) mostra o nosso local de lazer e diversão habitual ( e por este pode compreender o meu pedido ao movimento , conforme mencionado na resposta recebida, vd. Foto nº 5)  e foi neste local que demos as boas vindas à Supio Pinto( sentada num banco/cibe); a secretária  é a senhora de costas, no lado esquerdo da foto e comitiva.   O Capelão, de pé,  mesmo junto da Supico Pinto,  faz o seu discurso...  
 
 (vii) Consciente do papel  do Movimento,  cheguei mesmo a contactá-lo, pedindo suporte e apoio, na forma de presentes de Natal,  letras e músicas populares para ajudar com os nossos momentos de lazer  (quando os havia!), pois conhecidas canções populares  eram um meio que eu achava eficiente e usei várias vezes para  animar os meus soldados.
 
 Não sei se isto ajuda para o que pretende; espero não seja de todo irrelevante . Muitos outros lhe mandarão muito mais e melhor.

Guiné 61/74 - P22086: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (47): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2021:

Queridos amigos,
É o cerimonial do adeus, foi bem difícil a partida do Cuor, felizmente que na sobreposição se visitou Gambiel, Aldeia do Cuor, as imediações de Missirá, se vasculharam as permanentes necessidades de Finete. Deixaram-se as contas regularizadas, era o mais importante, para não virem mais tarde reclamarem capacetes ou baionetas em falta à carga. A nossa estranhíssima memória das coisas levanta questão labirínticas, no meu caso continuo sem perceber como for possível reproduzir aquela noite com lua em que me despedi de Mato de Cão e arredores, havia maré-cheia ainda noite cerrada e regressou-se ao romper da alva, viveram-se todos os sons que a mata emana, os murmúrios do Geba, a entrada em Missirá em marcha trôpega quando a população civil se entrega às tarefas no sol esplendente do raiar da manhã. Pois assim aconteceu, talvez tenha sido lenitivo para a partida, não se vive impunemente mais de 16 meses sem detença naquele território, convivendo ombro a ombro a vida e a morte com velhos e crianças, gente da nossa idade, situações de perigo ou risco, e se sonha, antes de vir a paz, que as crianças e os adultos aprendam a ler, possam ir ao médico, esperar dias melhores, foi esse o trem da vida, a consigna daquela presença, com os melhores votos de esperança na hora da partida.

Um abraço do
Mário


Rua do Eclipse (47): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Inoubliable Annette, lumière de mon coeur, devido ao período letivo, ao trabalho da Função Pública e aos preparativos da documentação para a próxima Assembleia-Geral da Associação Europeia de Consumidores, não tenho tido parança, às vezes um tanto trôpego ando a catar em velhos dossiês o material remanescente da comissão na Guiné, tenho sido afortunado com elementos que fui enviando na minha correspondência, peço à família e amigos e por isso os posso revelar, às vezes as cópias não são boas, caso destas duas imagens que o meu amigo Sousa Pires me facultou mas que permitem visualizar o interior de Missirá e uma perspetiva da fonte de Cancumba, vital para o nosso fornecimento de águas, para a higiene das mulheres e crianças.

Como cronologicamente estou em vias de abandonar Missirá, caminhamos para 14 de novembro, nesse dia o meu pelotão de caçadores nativos partiu e chegou outro, vou ficar vários dias para ajudar a aclimatar o meu camarada Alves Correia à atmosfera do Cuor.

As impressões que te vou deixar são muito íntimas, nós já temos conversado sobre coisas que aconteceram antes de eu partir para a Guiné, lembra-te daquele caviloso inquérito que me foi instaurado por ter havido informação de que eu era “ideologicamente inapto para a guerra de contraguerrilha, mormente no Ultramar Português”, e que esteve na base de eu ter ido para a Guiné em rendição individual, como me disse o major “Vá lá infetar os pretos com as suas ideias políticas”. Falei-te igualmente das conversas que tive com o meu amigo José Manuel Medeiros Ferreira, pertencíamos à mesma unidade militar, ele sugeriu que eu desertasse com ele, tivemos conversas muito dolorosas, reatámos relações quando ele veio de Genebra, depois do 25 de Abril. Tenho procurado centrar-me só na comissão na Guiné, reconheço que tu tens razão, não se pode concluir esta narrativa no dia em que regressei, em 1970. Havia os sinistrados a viver em Lisboa, com quem convivi. Depois de um mês de férias, fui dar duas recrutas a Mafra, fazia parte de um contrato que estabeleci com o Ministério do Exército para depois ter tempo para acabar rapidamente a licenciatura, como aconteceu, e o ministrar a minha experiência aos soldados-cadetes teve poder catártico, útil para eles se aperceberem da dureza da guerra, útil para mim por transferir a vivência na preparação de quem em breve ia para a guerra. Meu adorado amor, a saída do Cuor desorientava-me profundamente, não era impunemente que ganhara aquelas raízes afetivas, e não tinha qualquer ilusão que a ida para Bambadinca não era uma viagem para as terras de leite e mel. E agora passo ao papel a minha derradeira viagem a Mato de Cão, o que se passar a seguir são atos de acompanhamento, em termos operacionais, da dita aclimatação das tropas do Alves Correia aos territórios do Cuor que percorríamos em permanência.

Saio pela calada da noite pela porta de Sansão, está prevista a passagem de um comboio de embarcações qualquer coisa como as três, quatro da manhã. Temos umas boas horas de marcha e o luar a nosso favor. Anuncia-se a época seca, e vamos a corta-mato pela bolanha entre Caranquecunda e Sansão, sempre a corta-mato descemos até Maná, flanqueia-se a estrada até Canturé, caminha-se sobre a picada até Gambaná, não há perigo de pisar minas, é tudo pedra, até parece lajedo. Com o seu olhar apurado, beneficiando do luar, Cibo Indjai chama-me a atenção para as pegadas de vaca na terra seca. É uma noite muito amena, o ar respira-se sem dificuldade, levamos todos só a camisa de camuflado, o suor evapora-se e logo a seguir emerge um suor oleaginoso. Atravessamos o palmeiral de Chicri, com toda a prudência subimos para o Planalto de Mato de Cão, posicionamo-nos em meia-lua, sempre com dois observadores nos extremos, de pé, só assim será possível detetar possíveis movimentos de aproximação de gente que venha de Madina. E ficamos à espera, ouvindo o Geba caudaloso, o murmúrio das águas já a galgar o tarrafo, prenúncio da maré-cheia, é ela quem vai propiciar a passagem das embarcações civis. Como de costume, ouvem-se os gemidos das hienas, o restolhar dos corpos do mato, o piar das aves noturnas, os estalos do arvoredo. Em plena madrugada, somos despertados pelo ronco dos motores, primeiro um zumbido quase suave e persistente, depois uma zoada sempre em aproximação. É um espetáculo fantasmático, vemos passar as sombras das embarcações, batelões da Casa Gouveia. Acontece que o luar é intenso, metaliza as águas, correm sem estrépito, é uma sonoridade monótona, pressinto que nunca mais viverei tais sensações. Beneficiando agora de um luar mais intenso, volto-me e despeço-me do Planalto de Mato de Cão, vejo à distância o sombreado dos palmares em volta, pergunto-me quantas vezes vim a este local, sempre com o coração contrito, se houve aprendizagem para a prudência que jamais esqueci e nunca tergiversei foi esta aproximação e esta retirada, direi sempre com orgulho que só por bambúrrio da sorte podíamos ter sido emboscados ou sujeitos a mina antipessoal. E olho também lá para o fundo, como se estivesse a ver a estrada que nos leva a Saliquinhé, S. Belchior e até ao Enxalé, sempre a beijar o rio, depois da fronteira do Cuor. E assim regressamos com os primeiros alvores de um vermelho enfarruscado, depois a mata incendeia-se com o súbito aparecimento do sol. Como sempre acontece, o nosso percurso de regresso nunca é igual ao anterior, desta vez descemos até à tabanca abandonada de Mato de Cão, subimos junto a Chicri, vamos a corta-mato até Gã Gémeos, e quando a manhã rompe em todo o seu esplendor entramos aos baldões em Missirá, já mulheres e homens partem para as culturas ou para as lavagens, a vida retoma-se dentro do perímetro vegetal, e quero que tu saibas, minha adorada, que guardo êxtase deste momento, e aquele sentimento contraditório de quem aqui penou e agora parte contristado.

Como vão ser os últimos dias em Missirá, Annette? Efetuou-se toda a operação da transferência, quem entra e quem sai não vai esquecer que houve um cerimonial de curto-fogo por parte de um grupo de guerrilheiros do PAIGC que lançaram morteiradas um pouco abaixo da fonte de Cancumba, parecia uma praxe, mas vinha na sequência de um conjunto de pequenas e quase inócuas flagelações que ocorreram entre outubro e novembro. Desse período de 14 a 19 fico sozinho em Missirá, melhor dito ficou também Ussumane Baldé, o meu guarda-costas interino, que me irá ajudar a arrumar os trastes, a limpar o pó dos discos, a embalar os livros, os meus haveres são de fresca data, tudo quanto trouxe o fogo devorou, são haveres recentes. Bens de valor só os nossos valores, a nossa cultura e o amor de Deus passado aos homens.

À chegada, o Alves Correia dá-me uma informação surpreendente, trazia instruções do major de operações para desencadear, no amanhecer de 16 de novembro, a Operação Truta Vivaz, iria colaborar um grupo de combate da CCAÇ 12, 60 homens iriam fazer um patrulhamento ofensivo percorrendo um bom terço do território do Cuor. À cautela, e com a maior discrição, conversei com o guia Quebá Soncó, o pelotão 54 encontrar-se-ia com a força da CCAÇ 12 em Finete, ao amanhecer do dia 16, olhando para a carta, sugeri o itinerário, um tanto cansativo até à tabanca de Sinchã Corubal, nada de aventuras em direção a Madina, e descer-se-ia em direção a Chicri, lembrei-lhe aquela emboscada noturna em que seguimos exatamente este itinerário, fizemos a vida negra a um grupo que vinha de Madina sabe-se lá se para Mero se para os Nhabijões, e retirando para Chicri. Fiquei em Missirá com o pelotão de milícias. Aproveito para acompanhar umas obras, vou-me despedindo das famílias Soncó e Mané, tomo chá com Lânsana Soncó, falamos nos nomes das árvores, fiquei finalmente a perceber a diferença entre pau-conta e pau-incenso, pau-veludo, pau-bicho, farroba e calabaceira. Convido o régulo para jantarmos em privado, devolvo-lhe o anel de Infali Soncó, só Malã é que tem dignidade para usar este anel, começa por protestar, depois reconsidera, mas não deixa de me recordar que eu passei a ser um Soncó. E iremos os dois pela última vez passar juntos na mesquita.

A Truta Vivaz correu sem incidentes. A 18 vamos até à ponte do rio Gambiel e vistoriámos, o Alves Correia e eu, tudo quanto está no depósito de víveres, lençóis e fronhas, caixas de munições. A 19 bem cedo, fui mostrar-lhe as zonas geminadas e armadilhadas em Morocunda e Mato Madeira, dali seguimos para o último itinerário, a Aldeia do Cuor. Almoçámos muito cedo, a coluna que me leva tem que vir à luz do dia. Aceno a todos a despedida, a miudagem acompanha-me ruidosamente até à Porta de Armas. Vou na caixa da viatura, de pé, quero despedir-me do Cuor, guardar-lhe a essência dos odores, dos tons do arvoredo, do fio da picada que se estende até Canturé, vejo as toranjas no arvoredo frondoso, os imensos morros de bagabaga, guardo a imagem dos limoeiros e dos cajueiros em flor, prossegue a viagem pela imensa linha reta ladeada de belos poilões até à ladeira de Finete. Procuro reter tudo, como se a vista pudesse empapar-se como um mata borrão e até reter a panorâmica na bolanha de Finete, em que se avista lá ao fundo, no alto, Santa Helena. A despedida em Finete também não foi fácil, despeço-me a chorar daquela criança cujo processo acompanhei, Abudu Cassamá, tem as suas costas retalhadas pela explosão de uma granada incendiária. Já chegámos ao rio Geba, despeço-me de todos que me acompanharam, é o último olhar para o Cuor, agora é só voltar as costas, entro na canoa, troco uns arremedos de conversa com Mufali Iafai, subo a rampa de Bambadinca, sei de ciência certa que começa neste exato momento uma nota etapa da minha vida.

Estou a preparar-me para te telefonar amanhã à noite, sei que passas o dia no Luxemburgo. Há dias estranhaste o meu tom de voz, tinha mesmo a voz embargada, é o frémito das saudades, traduz-se nas tremuras da voz, é como se ficasse descompassado, preciso tanto de ti, sei que só me dás alento, temos os nossos projetos em marcha, mas preciso doidamente de ti. E mais não digo. Bisous, Paulo

(continua)

Duas imagens cedidas pelo meu amigo Sousa Pires, furriel em Missirá e um colaborador dileto.
Sem a água da fonte de Cancumba a vida em Missirá era impossível. Todos os dias, no mínimo duas vezes, uma secção ia buscar bidões, jerricãs e garrafões. Na véspera de eu chegar a Missirá (3 de agosto de 1968) veio gente de Madina deixar propaganda e avisos sinistros. Até fins de outubro de 69, registei por seis vezes a presença do inimigo, aqui. Nunca envenenaram a água. Montávamos segurança para as mulheres lavarem a roupa e abastecerem-se. Era ali que elas tomavam banho com as crianças, recusaram sempre o balneário de Missirá.
O grande tormento era quando o Unimog 404 ou o burrinho, o 411, estavam avariados. Então, meia Missirá arrastava os bidões ida e volta, operação penosa só compensada pelo banho frio, muitas vezes a cheirar a petróleo. O Furriel Pires veio à fonte tirar a fotografia para celebrar a cabeça rapada.

O colorido da festa, mulher Futa-Fula exibindo belos adornos
Balantas trabalhando na construção de um orique, imagem publicada no livro Raízes, edição da Fundação Mário Soares, depois da recuperação feita de negativos afetados pelas destruições feitas nas instalações no INEP pelas tropas senegalesas durante a guerra de 1998-99
Azáfama no Cais do Xime, a sua construção revolucionou o abastecimento de toda a região Leste
O Cais do Xime inaugurado em 1969, já em grande fase de degradação, ambas as imagens pertencem ao blogue
Mal chegado a Bambadinca, novembro de 1969, vida nova, mas longe do muitíssimo amado regulado do Cuor
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22060: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (46): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P22085: FAP (124): António Galinha Dias, o ex-fur mil pil, que fez a helievacuação do cap cubano Peralta, em 18 de novembro de 1969 (Miguel Pessoa, cor pilav ref)


Foto nº 1 A > Mira-Sintra / Meleças > 2018 > O ex-fur mil pil António Galinha Dias, BA 12, Bissalanca, 1968/70. É hoje sócio-gerente da firma Agroar - Trabalhos Aéreos Lda. com sede em Évora.


Foto nº 1 >  Mira-Sintra / Meleças > 2018 > Convívio de pessoal da FAP que voou na Guiné. O segundo a contar da esquerda é  ex-fur mil pil António Galinha Dias, que fez a helievacuação do cap cubano Pedro Rpodriguez Peralta, em 18 de novembro de 1969, sendo a enfermeira paarquedista a Maria Zulmira.

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do Miguel Pessoa, herói dos céus da Guiné, ferido em combate por um míssil Strela, ex-ten pilav, BA12, Bissalanca, 1972-74, hoje cor pilav ref, com mais de 2 centenas de referências no nosso blogue:

Date: quinta, 8/04/2021 à(s) 14:50
Subject: Piloto do heli que evacuou o Peralta (*)

Olá, Luís.

Encontrei esta foto do Galinha Dias,  tirada num convívio de pessoal que voou na Guiné, realizado em 2018. 

O Galinha Dias é o 2º da esquerda, de blusão cor de tijolo [. Foto nº 1, acima]

Abraço.  Miguel
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Guiné 61/74 - P22084: Parabéns a você (1949): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) e Cor PilAv Ref Miguel Pessoa, ex-Ten PilAv da Esquadra 121/GO 1201/BA 12 (Bissau, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22071: Parabéns a você (1948): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3492/BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22083: Listagem de postes do nosso blogue com o(s) descritor(es)... (1): "Cristina Allen"... (uma das "nossas mulheres" que, de uma maneira ou doutra, "foram à guerra", e que era de uma viva inteligência, grande cultura e sentido de humor mordaz: deixou-nos no passado dia 5 de abril)

 

Peça de artesanato guineense que a Cristina Allen ofereceu, em 2009, com muito carinho,  ao blogue, na pessoa do seu editor,  num gesto de apreço pela nossa homenagem à memória da sua filha, mais nova, Maria da Glória (Locas) (1976-2009). 

A peça,  de olaria, devia ter originalmente alguma funcionalidade, que desconhecemos, e que na altura não me foi explicado pela Cristina: tem 4 orifícios no bojo, na parte inferior, e dois, muito mais pequenos, na parte superior (, possivelmente  para entrada de água e saída de vapor)... Seria uma queimador de ervas aromáticas ?... Não, diz o Fernando Gouveia, que conhece muito bem o artesanato guineense: "É uma bilha de Teixeira Pinto!"... Obrigado, Fernando e Regina Gouveia (Vd. poste P4670,  de 11 de julho de 2009).




Lisboa > Adro da Igreja do Campo Grande > 8 de Julho de 2009 > c. 19h30 > A Cristina Allen, tal como a conheci,  na missa do 7º dia por alma de sua querida Locas... Uma grande dignidade na dor e no luto... E sempre de perto acompanhada pela sua filha, mais velha,  Joana, que é psicóloga  na Guarda Nacional Republicana.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2009 /2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].






1. A Cristina Allen, membro da nossa Tabanca Grande,  desde novembro de 2008. deixou-nos passado dia 5, aos 78 anos (*).  Os últimos 12 anos da sua existència foram assombrados pelo desgosto de perder uma filha, e depois pela sua doença crónica degenerativa, 

Mulher crente, esperemos que tenha encontrado agora os caminhos da paz eterna.  A sua passagem pelo nosso blogue foi episódica (tem menos de duas dezenas de referências), mas deixou-nos alguns textos, fortes e desassombrados, e nomeadamente a evocação que fez, com ternura e humor,  dos seus 53 dias de "lua de mel", algo rocambolescos,  passados em Bissau ( cidadezinha pela qual, apesar de tudo, conseguiu apaixonar-se).

Poucas mulheres, como ela, aceitariam ir casar-se em Bissau, em plena guerra, em situação penúria e desconforto, com o noivo em véspera de ser hospitalizado. E, para mais,  voltar sozinha a casa, em Lisboa. Ao marido (, impossibilitado de ir de férias, por razões disciplinares,)  ainda lhe faltavam alguns meses de comissão de serviço militar. Ficam aqui, à nossa disposição, estes textos, que são de antologia, e que nos permitem, de algum modo, colmatar o vazio da sua ausência.  

Por outro lado, poucos de nós conviveram com ela, tirando o Beja Santos, o Jorge Cabral e poucos mais. Os membros mais recentes da Tabanca Grande nunca tiveram, por certo, a oportunidade de ler nenhum destes postes (, perdidos entre mais de 22 mil).  

Conhecia-a pessoalmente em circunstâncias muito tristes (em 8 de julho de 2009), antes tínhamos falado uma ou outra vez ao telefone.  Quero recordá-la aqui como uma grande senhora e "uma das nossas mulheres" que, de uma maneira ou de outra, "foram à guerra".

Era natural de Aljustrel. Foi professora de liceu. Deixa uma filha, Joana, e uma neta, Benedita. E um grande saudade aos amigos que com ela tiveram o privilégio de conviver.

Sobre ela escrevi em 9/1/2009: 

(,,,) Sentiu-se útil e acarinhada por todos nós, ao apreciarmos o seu gesto (generoso e corajoso) de facultar ao seu ex-marido as cartas e aerogramas que ele lhe escreveu durante dois anos de comissão militar na Guiné. E não foram poucas: algumas centenas...

Quem já leu os dois volumes do "Diário da Guiné", do nosso camarada e amigo Beja Santos, sabe quão preciosas foram, para ele (e nós, seus leitores em primeira mão), essas cartas e aerogramas, como fonte de informação minuciosa sobre a actividade diária, operacional e não operacional, primeiro em Missirá e depois em Bambadinca, à frente do Pel Caç Nat 52, entre meados de 1968 e meados de 1970.

A Cristina Allen (...) é uma mulher, de inteligência viva, de grande cultura e com um sentido de humor mordaz... É um privilégio, para nós, ela querer partilhar as emoções que sentiu e as experiências por que passou no curto espaço de tempo (53 dias) que (sobre)viveu em Bissau, entre Abril e Junho de 1970.

"Dias de brasa", chamei-lhe eu, com alguma propriedade. A Cristina não nos pediu, mas isso está implícito: "Meus bravos, saibam-me ler, nas linhas e entrelinhas"... A Cristina não é nossa camarada, mas é doravante uma amiga nossa (e da Guiné). Precisa também do nosso afecto e carinho, na véspera de uma intervenção cirúrgica a que vai ser submetida. Vamos desejar-lhe que tudo corra bem. E que volte rápido e bem, e sempre que o desejar, ao nosso convívio.

Já agora deixem-me, como leitor, dizer que este pedaço de prosa é de antologia. O próximo biógrafo de Spínola não o poderá ignorar. Ora releiam o modo como a Cristina, em duas pinceladas de mestre, fez um soberbo retrato-robô do nosso Com-Chefe: 

(...) "Havia um toque (A recolher? Por causa dele? Nunca perguntei). Mas via aquele homem passar para a mão esquerda o pingalim, encostá-lo firmemente à perna, pôr-se em sentido, crescer, enchendo o peito de ar, o ventre liso, o braço direito, o cotovelo, a mão, na mais perfeita continência que jamais vi. Ficava desmesuradamente imenso, desmesuradamente rígido, só o monóculo coruscava.

"Estarrecida, não sabia que fazer dos pés, das mãos, da mala, da mini-saia, parava, cruzava as mãos, endireitava-me (postura por postura, não baixaria a cabeça, olhava-o nos olhos, ou, melhor dizendo, no olho e no monóculo). Acudiam-me ideias bizarras – que o meu avô materno fora lanceiro e, certamente, teria sabido fazer aquilo mesmo; que ele, Spínola, escorregara em Missirá, numas cascas de batata e fora ao chão, pose, pingalim, monóculo e tudo, soltando palavrões… que aquele homem era o… 'Caco Baldé'!

"Apertava os lábios para não me rir: este é o Caco, 'Caco Baldé'" (...)

Enfim, era uma mulher de grande nobreza e sensibilidade, capaz de escrever, em público, estas palavras extraordinárias:

(...) Caro Luís Graça, as histórias de amor a que alude , morrem, por vezes, mas de nada me arrependo. Ainda hoje voltaria a subir as escadas da pequena Catedral de Bissau, mesmo que fosse, apenas, para viver o primeiro dia da “estação das chuvas”. Um trovão enorme e seco, torrentes de água lavando tudo e, à noite, a visão transcendental e única de um céu riscado de relâmpagos, na luz azul-turquesa, feérica e metálica, como se um deus antigo revelasse a sua ira e escrevesse “basta!” na caligrafia da natureza, solta em fúria. (...) 


2. Listagem de postes do nosso blogue com o descritor "Cristina Allen":

24/12/2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (5): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)

(...) Na cidade, a vida aparentemente almofadada e facilitada por amigos do Mário e também meus, nada podia ocultar os abafados ruídos de combate a quinze quilómetros de distância, nem a visão dos feridos e emocionalmente perturbados no Hospital Militar.

Na companhia do Mário ou sem ele (internado ou já em Bambadinca), andava em bolandas, com as malas, de casa de amigos para o hotel; do hotel para a casa de amigos. Repito que não foi fácil ter vivido em Bissau. A noiva radiante, que o Mário descreve no segundo volume do seu Diário da Guiné, depressa murcharia. Permitiu a sorte que se formasse, como reduto de consolo, uma tabancazinha de gente amiga, em passagem ou residente, militar e civil. Relembro esses amigos (...)

9/1/2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...

(...) Cheguei a Bissau a 15 de Abril, casei a 16, parti para Lisboa a 8 de Junho. Cinquenta e três dias. Se achar interesse a isto que escrevo, pode editar, pois já esclareci com o Mário esta questão. Terá havido uma semana e poucos dias de alegria e em todos os restantes, a quotidiana eternidade de desespero controlado. O meu marido sofria do que hoje chamamos, sem complexos, “stress de guerra”. E um súbito muro se atravessava entre nós. Não sei se o escreveu, mas, de olhos desmesuradamente abertos, mandava-me embora e dizia que queria morrer e ser enterrado em Missirá. Pior ainda, eu obrigara-o a casar e o nosso casamento não era válido porque não estava consciente. Doença de guerra, pura e dura.

Levei-o ao Padre. Experiente conhecedor de almas, o Padre Afonso, muito calmo, tinha ali o livro de registos e foi dizendo que, se ele queria ir morrer a Missirá, que fosse. E, quanto ao casamento, abrira uma folha nova nos assentos, bastava arrancá-la… o nosso “Tigre” deu um salto, eu temi pelo Padre, mas tudo se acalmou. “Vão lá almoçar”, disse. Porém, discretamente, fez-me um gesto e percebi que ia telefonar. (...)

8/2/2009 > Guiné 63/74 - P3850: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (2): Quarto, precisa-se, por favor!

(...) Nessa manhã em que seria hospitalizado, o Mário e eu faríamos as malas e procuraríamos outro quarto, na “Berta”. Estava ali um espaço fresco e sombrio, com uma larga cama. Sem desfazer as malas, desci para o almoço e deparei com uma execrável salada de feijão-frade com atum. Os feijões, minúsculos e mal cozidos, o atum, na prática inexistente, cebola avonde, a gritar pela intervenção rápida da escova e pasta de dentes! Pousei ainda os talheres, mas (“saco limpo cá tá firma!”) enfrentei o questionável cozinhado.

Uma mãozinha leve tocou-me no ombro. Era a Berta, untuosa, que me perguntava se gostara do almoço (“sim.”), se o meu marido vinha almoçar (“não, foi hospitalizado.”), por quanto tempo (“não sei”) e, por fim, o tiro certeiro: num quarto de casal, eu não podia ficar, seria perder dinheiro com uma pessoa que ocupava um quarto de duas… mas ela conhecia uma senhora que alugava quartos, pessoa muito decente, e eu poderia ir comer ali as refeições (“é o vais!”,  pensei…). (...)

19/2/2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?

(...) A poucos dias do seu aniversário (31 de Maio), consegui, por intermédio de um vizinho, bacalhau. E foi, enquanto preparava o enorme pirex de arroz, receita longa e complicada, que, súbita, irrompeu a estação das chuvas. O Mário não estava.

Chovia em catadupas. Corri para a rua, molhei-me toda, voltei ao forno, a roupa a secar-se-me no corpo.

Trinta e um de Maio de 1970. Quanta chuva, Mário? Vinte e cinco.

Um dia, dois dias, quantos, antes que ele partisse? Não recordo. Na sua ausência, um outro amor crescera – Bissau, a suja, colorida, mal crescida cidade africana, o cinzento opaco do Geba, junto ao cais, o céu atravessado de helicópteros, suspensas notícias, indo e vindo, silêncio povoado pelo longínquo matraquear do medo.

Nela aprendi que o belo não é o perfeito, que o belo pode ser, também, o feio em ignota desmesura, estado de alma, inquieta quietude, inesperada transigência. (...)
te cantarei bela
em cada esquina.
Bissau, como te vi,
luzeiro e sombra densa,
Bissau da paz
e luta ardente,
Bissau benvinda,
oculta para sempre. (...)

Outros postes:

7/4/2021 > Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

6/7/2017 > Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)

9/1/2013  > Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)

1/10/2009 > Guiné 63/74 - P5038: História de vida (23): Maria da Glória, uma saudosa filha com um dom especial para o fado (Cristina Allen)

23/7/2009 > Guiné 63/74 - P4726: In Memoriam (28): Saudades da nossa Locas (1976-2009): com a dor e o riso também se faz o luto... (Cristina Allen)

9/7/2009 >Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)

6/7/2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

25/12/2008 > Guiné 63/74 - P3668: (Ex)citações (9): Obrigado, Cristina, por esta doce e terna prenda de Natal (Torcato Mendonça / Hélder Sousa)

8/11/2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue

11/07/2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis

28/03/2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970

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Nota do editor:

(*) Vd. postes  de:

  7/4/ 2021 > Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)

7 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)

Guiné 61/74 - P22082: Em busca de... (312): Camaradas do ex-Fur Mil Art Vítor Manuel de Almeida Santos do GA 7, Buruntuma e Dara, 1972/74(?)

1. Mensagem de 6 de Abril de 2021, de Paulo Jorge Santos, filho do nosso camarada Vítor Manuel de Almeida Santos, ex-Fur Mil Art do GA 7, Buruntuma e Dara, 1972/74 (data estimada pelo editor), procurando camaradas de seu pai:

Prezados Senhores
Estou à procura de informações sobre o serviço do meu pai na Guiné.

VÍTOR MANUEL DE ALMEIDA SANTOS

Ele ainda está vivo mas intelectualmente e fisicamente diminuído após um AVC, vive en França.
Ele fez a sua formação no RAL1 em Lisboa (tenho uma placa que lhe foi dada pelo seu peleton, mas não sei porquê)

Foi então mobilizado na artillería en Guiné como Furriel Miliciano
A única coisa de que se lembra é que serviu no GAC 7 em Buruntuma e depois em Dara.

O seu matriculo era: 16187671 o 16187670 (ele hesita no último número)

Agradeço-lhe por qualquer elemento ou ligação que me possa fornecer.

Desculpo-me pelos erros portugueses, porque infelizmente nasci em França e tenho muitas dificuldades em escrever português.

Obrigado
Paul Jorge Santos


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Nota do editor

Último poste da série de 6 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21976: Em busca de... (311): Ex-Soldados Instruendos do CSM - 3.º Turno de 1971, RI 5 - Caldas da Rainha, Luís Filipe Calado José da Costa e Luís Alberto Costa Pereira do 2.º Pelotão/5.ª Companhia (Carlos Jorge Pereira, ex-Fur Mil IOI)

Guiné 61/74 - P22081: (In)citações (184): O martirológio do Boé - Ainda a propósito da(s) jangada(s) do Cheche e dos mártires do Boé: o Major Luís Vasco Pedras, da Chefia do Serviço de Material e o Fur Mil Abílio Jorge, do BENG 447 (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 7 de Abril de 2021:


O martirológio do Boé

I - Acabo de ler no poste P22059 do Virgílio Teixeira o que escreveu sobre a temática da jangada do Cheche e a actividade da minha CART 1742.

Para que não sejam terceiras pessoas a falar sem terem conhecimento da actividade da companhia de que fiz parte, com muita honra, e que defendo com todo o fervor, começo por apresentar a CART e a síntese da sua actividade operacional, embora faltem alguns elementos à História da Unidade. 
Envio mapa do sector Leste com sede em Nova Lamego, que está representado com a cor laranja, o terreno que a companhia calcorreou.

Janeiro

Vamos a factos.
Foto 1 - Jangada de três canoas com pessoal da 1742, que passo a identificar. Da da esquerda para a direita: Sousa, Maurício, Neto, furriel Viola, Fonseca e Clérigo. Há mais elementos mas já não recordo os seus nomes.
Foto 2 - Neto e Fonseca puxando a jangada a braço, era assim que a travessia era feita por não haver motor auxiliar. Reporta-se a terça-feira, 17 de Janeiro de 1968, aquando da escolta à CCAÇ 1790 do Capitão Aparício que foi para Madina render a CCAÇ 1589 que tinha acabado a sua comissão.

Fevereiro

Dia 07 - Mais uma viagem a Béli, a jangada era a mesma.
Dia 29 - Mais uma viagem a Madina, a jangada era a mesma.

Março

Dia 20 - Mais uma viagem a Béli, a jangada continua a ser a mesma.

Esta é a verdade dos factos, a CART 1742 fez a travessia do rio Corubal quatro vezes, ida e volta, sempre na mesma jangada de três canoas, que transportava viaturas e pessoas, nunca vez alguma houve jangada só para transporte de pessoas. Quanto à jangada de duas canoas, nunca a vi.

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II - Emboscada entre Canjadude e Piche

A emboscada foi no 4.º trimestre de 1967 muito próximo do Natal, dia 14 de Dezembro, na qual morreram, o Alferes Gamboa,  da CCAÇ 1586,  e o 1.º Cabo Radiotelegrafista José Alves,  do EREC 1578, tendo ainda ficado ferido um soldado. 

O Alferes Gamboa ficou sem um dos galões e ao 1.º Cabo Alves foi-lhe retirada a correspondência que levava, para enviar à família quando chegassem a Bissau, já que a sua unidade estava a poucas semanas de regressar à metrópole. Essa correspondência foi lida aos microfones da rádio da libertação em Argel, que comoveu e revoltou quem a escutou.
 
O socorro foi feito por dois pelotões da CART 1742 que, chegados ao loca,  nada puderam fazer por aqueles camaradas que perderam a vida no fim da comissão de serviço.

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III - Emboscada a caminho do Cheche

A 24 de Janeiro de 1968 uma coluna que se dirigia ao Cheche com abastecimento para a malta lá instalada, um dos produtos transportados eram bidões de combustível, foi emboscada a meio caminho entre esta localidade e Canjadude, o que causou muitos feridos e a morte a 6 militares, dois continentais e quatro africanos, que morreram carbonizados junto das viaturas em chamas, quando rebentaram os bidões  durante a flagelação do IN.

A CART 1742, às 4.30 horas do dia 25, com dois pelotões, foi em socorro dos camaradas, onde foram encontrar um cenário dantesco, pessoal gritando, outros gemendo, viaturas queimadas. O nosso pessoal necessitou de colocar lenços no rosto devido ao cheiro a carne queimada, mas apesar de tudo que vimos, e como soldados que somos, reagimos, começando organizar a retirada do local para sairmos daquele inferno, rumando a Nova Lamego, onde chegamos dia 26 pelas 16 horas com um espólio macabro.

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IV - A morte do major Pedras

Aquando de uma operação que a CART 1742 fez ao Monte Siai no dia 12 de Janeiro, com contacto com o IN, e que provocou alguns feridos graves nas NT, entre eles o Alferes Magalhães, o Enfermeiro Aníbal, o Martins de transmissões e o Aguiar, conhecido por Arrifana (por ser natural desta freguesia do concelho de S. João da Madeira), que foi ferido e apanhado pelo IN. (Levado para Conakry, foi um dos camaradas libertados na Operação Mar Verde.)
 
Após termos repelido o ataque de que fomos alvo, deslocamo-nos para o aquartelamento do Cheche, local de reunião estabelecido pelas chefias militares, e já muito próximo do ponto de reunião ouvimos o som de rebentamentos, no lado contrário do Monte Siai, rebentamentos esses que foram provocados pela primeira viatura da coluna que vinha evacuar a companhia para Nova Lamego.

O Major Pedras, que pertencia ao Serviço de Material do QG, vinha nessa coluna assim como o Furriel Jorge que pertencia ao BENG 447, e que na altura se encontravam em Nova Lamego, onde aproveitaram a “boleia” para verificarem as instalações do aquartelamento, em especial a célebre jangada que ainda hoje provoca opiniões divergentes. 

Essa coluna caiu num campo de minas AC/AP do IN, instalado a pouca distância do quartel. O Major Pedras seguia sentado ao lado do condutor e o Furriel Jorge na caixa de carga da GMC, que estava equipada como rebenta-minas com materiais pesados e sacos de areia.
 
A mina foi acionada pelo rodado da frente da viatura, do lado do condutor que pertencia à CART 1742, que foi ejectado da mesma e caiu no meio do mato sem ferimentos, já o Major após o sopro, bateu com as pernas na parte interior do habitáculo da GMC de onde foi retirado para evacuação. O Furriel Jorge e um soldado africano foram cuspidos, caindo no meio do campo de minas e armadilhas, tendo ambos ali mesmo falecido.
Eu junto da GMC da CART 1742 que acionou a mina AC que vitimou o Major Pedras, o Furriel Jorge e um soldado guineense.

Aproveito para rectificar duas afirmações do Virgílio Teixeira. Diz ele que o Major Pedras foi morto por uma bazucada mas não é verdade, como acima digo, foi vitimado pelo rebentamento da mina, tendo falecido no dia 15 de Janeiro no HM 241.
 
Também diz que um soldado condutor que passou várias vezes naquele local e que assistiu a tudo, lhe contou que ajudou a transportar o Major Pedras para o héli. Como foi isto possível se após algum rebentamento toda a coluna pára e quem está para trás não avança? Ninguém saía do sítio em que se encontrava, fico admirado com o Virgílio por corroborar com tais afirmações.