quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22452: (D)o outro lado do combate (67): Empresas capitalistas estrangeiras (portuguesas e não portuguesas) com interesses na Guiné e Cabo Verde: documento do PAIGC, de setembro de 1966: só há referência a 3 empresas madeireiras


BNU - Banco Nacional Ultramarino, um dos grupos económicos com maior peso na econmia da Guiné antes da independência, com destaque para a Sociedade Comercial Ultramarina, concorrente da Casa Gouveia, do grupo CUF. O BNU era, além disso, o emissor do "patacão"...














Citação:

(1966), "PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84092 (2021-8-12) (Reprodução das páginas de 1 a 5, Com a devida vénia...)

Portal: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04340.003.011

Título: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Assunto: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Documentação económica. Principais empresas na Guiné:  (...) . Ligações empresas na Guiné a trusts internacionais. Principais empresas estrangeiras - portuguesas e não portuguesas - exercendo a sua actividade em Cabo Verde. Desenvolvimento da luta armada na Guiné cria situação nova, do ponto de vista económico. | 

Data: Setembro de 1966 | Observações: Última página deste documento tem SET.1965 e não SET.1966, como figura na primeira. | 
Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade (...)


1. Este documento, dactilografado, de 16 páginas (capa incluida), tem a chancela do PAIGC, e destinava-se a dar a conhecer (e a combater) "os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde" (sic). (*)

No final, na página 16, faz-se um balanço, a título meramente exemplificativo, dos resultados da luta armada, afectando directa ou indirectamente esses interesses das grandes empresas e de alguns comerciantes importantes: destruição de armazéns do Pinho Brandão na ilha do Como; apreensão de barcos de carga e respectivas mercadorias, pertencentes à CUF (Casa Gouveia) e à Sociedade Comercial Ultramarina (ligada ao BNU); encerramento de diversas lojas de comerciantes e empresas, etc.

No ponto XII, há referências aos "madeireiros", mas as empresas são apenas três, e nenhuma delas nossa conhecida... Omite-se, por outro lado, a referência ao madeireiro Fausto da Silva Teixeira, considerado "simpatisante" da causa nacionalista, bem como ao outro madeireiro, Manuel Ribeiro de Carvalho, que seria, em meados da década de 1950,  o maior exportador de madeira da Guiné (publicidade àparte). (**)
 
Em relação à fonte da informação documental, no essencial, e tendo em conta o detalhe dos dados, parece-nos ser de origem portuguesa, fornecida pelos meios oposicionistas que então combatiam o regime de Salazar. 

__________

Notas dos editor:

(*) Último poste da série > 17 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22208: (D)o outro lado do combate (66): As sabotagens do PAIGC, em Bissau, no início de 1974 (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2021  > Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (26): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau

Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (27): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau





Dois anúncios de empresas madeireiras da então província portuguesa da Guiné, talvez duas das maiores, existentes no território em meados de 1950, possuindo ambas "serrações mecânicas". Imagens reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).



1. Comentários a propósito da "bela e intermável praia de Varela" (**) e das mudanças climáticas que nos ameaçam a todos, Portugal, a Guiné-Bissau e o resto da nossa casa comum:

(i) Tabanca Grande Luís Graça:

Patrício Ribeiro; Oxalá/Enxalé/Inshallah o teu neto ainda possa passar uns belos dias na tua casa de Varela...

A "bela e interminável praia de Varela" corre um sério risco, tal como grande parte da Guiné-Bissau, a começar pelos Bijagós, de desaparecer, tal como muitas das nossas "belas e intermináveis" praias ...

Patrício, temos que pôr na nossa agenda (e, portanto, das nossoas preocupações, decisões e ações de cada dia) o problema (fundamental) das alterações climáticas... E temos que combater o "negacionismo" neste domínio... Há demasiada gente, nos nossos países, a "assobiar para o lado"...

Os antigos combatentes também têm um papel a desempenhar nesta matéria. Nrm negacionismo nem catrastofismo...

(..:) Más práticas ambientais que vieram do passado (colonial) e que se têm vindo a agravar desde a independência: desflorestação, destruição das florestas antigas e sagradas (Cantanhez), queimadas, agricultura extensiva, pastorícia, monocultura do caju, erosão dos solos, sobrecaça, sobrepesca, desertificação do interior, urbanização, etc. Todos temos que fazer a nossa parte. Fala- se cada vez mais de agricultura regenerativa...

(ii) António Rosinha;

Pode-se culpar de (alguma) escravatura na Guiné, o colon português, mas não se deve culpar o colon de exploração de madeiras, desflorestação, queimadas nem de outros crimes ambientais. 

O colon até para fazer estradas era uma desmatação bem reduzida, ou nem fazia estrada nenhuma. Apenas nos anos de guerra alargava um pouco a limpeza junto às picadas. 

Após a independência é que se aproveitou para abusar. Os madeireiros coloniais não recebiam subsídios para adquirir máquinas modernas, viviam à rasquinha.

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

Rosinha, seria interessante comparar os metros cúbicos de madeira que foram exportados antes e depois da independência... É verdade que não havia serras mecânicas. Nem muito menos máquinas, capazes de só num dia arrazar muitos campos de futebol de floresta... Os nossos aquartelamentos no mato foram construídos a catana, serra,  enxada, pá e pica, sangue, suor e lágrimas...

Só conheci um madeireiro, em Contuboel. Com a guerra fugiram todos, oa poucos que haviam... Com os reordenamentos houve grande abate de palmeiras (cibe). Mantenhas.

(iv) Patrício Ribeiro:

Amigos, em outros tempos, quem cortava uma árvore era obrigado a plantar outra.

Conheci alguns viveiros de árvores florestais do Estado, que vinham desde a época colonial: como Gambiel e Nova…Imbonhe /Bissorã, onde tenho feito trabalhos. Mas que,  com as privatizações,  alguns deles já desapareceram.

O nosso Amigo Pepito / AD, criou viveiros em Coli/Quebo, Guiledje, Varela, grandes plantações de tarrafe no norte do Cacheu, etc.

Agora corta, nada planta, será que os Chineses não as sabem plantar ?...Mas quem as corta são os Senegaleses e Gambianos.

Os ambientalistas, biólogos e outros estudiosos sobre o assunto, tem a informação de quantos milhares de contentores já saíram carregados para a China e continuam a sair, embora seja proibido por lei, mas não pelas armas, que o diga a nossa amiga Pepas Silva…

(v) C. Martins:

Qual ecologia..???

Após a independência os russos raparam o fundo oceânico da Guiné com os arrastões. Agora foram os chineses que limparam todas as árvores de mogno existentes, grandes e pequenas ... todas ou quase.

As elites africanas estão a vender África a pataco aos chineses, em que qualquer comparação com os antigos colonos europeus é mera coincidência, Para estes não existem direitos humanos, direito internacional, princípios éticos..  Nada de nada, só lhes interessa explorar os recursos existentes de forma a obter o maior lucro possível.

Trocam matérias primas por serviços prestados, assim vai a coisa até ao esgotamento total.

Ecologia ? Qual ecologia ?!

(vi) António Rosinha:

Ecologia? C. Martins, foi a China, foi a Shell, a Total,  etc, os pescadores russos e japoneses, estes são doidos por atum, e até mirones das Nações Unidas a assistir, etc. Foi tudo um regabofe a gozar com aquele continente.

Foi tudo a comprar uns tantos dirigentes e a espalhar uns míseros dólares e uns donativos para ajudar a calar o povo.

A Europa colonial, impotente, tenta esquecer África, mas os africanos não deixam.

2. Comentário do editor LG:

(Re)publicamos, acima, alguns anúncios dos  madeireiros que existiam na Guiné em meados  dos anos 50. A fonte são anúncios de casas comerciais, da então província portuguesa da Guiné, inseridos em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


O Manuel Ribeiro de Carvalho seria em 1956, antes da guerra, "o maior exportador de madeiras da Guiné"; tendo serração mecânica em Binta, Farim. O Fausto da Silva Teixeira também seria outro madeireiro importante, com estabelecimento principal em Bafatá. Tem uma dezena de referências no nosso blogue.

Recorde-se que o Fausto Teixeira foi um dos primeiros militantes comunistas [segundo reivindicação do PCP],  a ser deportado para a Guiné, logo em 1925, com 20/25 anos, ainda no tempo da I República; era dono, em novembro de 1938, de "a mais apetrechada de todas as Serrações existente nesta Colónia". segundo o anúncio que se reproduz à direita.

E o anúncio acrescenta:

 "Em 'stock' sempre as mais raras madeiras. Preços especiais a revendedores. Agentes em Bolama, Bissau e nos principais centros comerciais da Guiné"... 

(Fonte: Câmara Municipal de Lisboa > Hemeroteca Digital > Jornal programa, editado pelo Sport Lisboa e Bolama, novembro de 1938, p. 7, com a devida vénia. (***)

Na altura a sede ou o estabelecimento principal era no Xitole... Foi expandindo a sua rede de serrações pelo território: Fá Mandinga, Bafatá, Banjara... Era exportador de madeiras tropicais, colono próspero e figura respeitável na colónia em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960... Naturalmente, sempre vigiado pela PIDE... 

Alguém se lembra destas duas empresas e dos seus donos ? Ainda conheci, em Contuboel, um madeireiro!....A serração do Albano ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969), quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12. A malta da CART 2479 / CART 11 deve-se lembrar bem do Albano.

A guerra deu cabo destes negócios, nomeadamente o da exploração e da exportação de madeira.

Sabemos que o aproveitamento da "fileira florestal" vai se intensificar durante a II Guerra Mundial, na sequência do aumento das cotações da madeira. As florestas do Cacheu, ricas em bissilião, vão ser duramente castigadas. A exportação de madeira, da província, passa dumas míseras 131 toneladas (32 contos), em 1931-35, para 24 vezes mais, em 1946-50: 3133 toneladas (2514 contos).

A maior parte da madeira era exportada em toros. As serrações eram poucas e arcaicas. Com o início da guerra, em 1963, as exportações rapidamente entraram em declínio: 
  • 13551 t (6734 contos), em 1960; 
  • 18322 t (6630 contos), em 1961;
  • 17117 t (8241 contos), em 1962;
  • 17253 t (7919 contos), em 1963;
  • 3618 t (1164 contos), em 1964;
  • 3406 t (1848 contos), em 1965. 
A quebra mais acenuada, nessa década, é a partir de 1963, onde o volume das exportações ainda ultrapassou as 17250 toneladas (e os 7900 contos).

A madeira em bruto representava 78% do total em 1963 (e apenas 47% em 1965). O "bissilão", seguido do "mandobe", era a madeira mais exportada. A então metrópole absorvia então cerca de 90% das exportações, cabendo a Cabo Verde uma pequena quantidade. 

As práticas das populações locais e dos madeireiros eram já apontadas na época, em meados de 1960, como lesivas desta potencial riqueza económica da Guiné. Outro problema grave era a falta de comunicações e de transportes. 

A peso da peso da madeira e seus derivados era residual no conjunto dos produtos de exportação da colónia: basta comparar as oleaginosas, o amendoim ou mancarra  (40 mil toneladas e 126 mil contos, em 1961) e o coconote (c. de 16,7 toneladas e 47,7 mil contos, em 1961). Em 1965, a mancarra e o coconote representavam, em 1965, 61% e 28% do total das exportações, respetivamente. 

 (Fonte: Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1966, pp. 32/34).

Da revista Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2, extraímos os seguintes recortes,que mostram que a madeira e seus derivados ainda não figuravam nas lista dos cinco produtos mais exportados, com referência ao período de 1941-1950 (Produção e exportação em toneladas e em contos, valores médios):





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Notas do editor:

(*) Vd. postes de

22 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan ElAwar e irmão 9 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22443: Memória dos lugares (424): a bela e interminável praia de Varela, a 5 horas de Bissau... (Patrício Ribeiro)

5 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14221: Historiografia da presença portuguesa em África (58): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IX (Mário Vasconcelos): o madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta, Farim) e a carpintaria mecânica de Humberto Félix da Silva (Bissau)

 
(**) Último poste da série > 2 de agosto de  2021 > Guiné 61/74 - P22423: Casos: a verdade sobre... (26): Forças Armadas Portuguesas, 1961/74: Nº de desertores, refractários e faltosos

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22450: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIV: Havana, Cuba, 2018



Foto nº1 


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6

Cuba > Havana > 2018 >

Texto e fotos recebidos em 31/7/2021


1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros. É membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de 280 referências no blogue.


Havana, Cuba, 2018


Chego a Cuba, cento e cinquenta anos depois de Eça de Queirós [ Foto nº 6 ]. O nosso romancista foi cônsul em Havana em 1872, por aqui defendeu, como pôde, os direitos dos culies, trabalhadores vindos da China através de Macau com documentos portugueses, quase reduzidos a escravos, impiedosamente explorados por fazendeiros cubanos nas plantações de cana-do-açúcar.

Estamos agora em 2018 , tenho apenas onze dias para me embeber nos fascínios da ilha caribenha [ Foto nº 4 ]. Nos Jardines de la Tropical, pétalas humedecidas por lágrimas de orvalho. Na Plaza de la Revolucion, memórias difusas de recuados tempos, Che Guevara [ Foto nº 1 ], Fidel, o vazio e espinhos à solta.

Foi lindo, trágico, heróico o início da revolução, mas hoje, passados tantos anos, vejo o povo cubano abúlico e entristecido. Ah, mas haverá um fogo lento, cadeias a rebentar, Cuba Libre, a pátria e a liberdade. Hasta la victoria, siempre|


Julián Moreno, meu motorista de táxi -- um carro apanhado ao acaso na rua [ Foto nº 2 ].--, não pára de falar, de me contar histórias. A sua esposa, psicóloga, ganha 25 euros por mês, o cunhado, médico enviado para o Brasil, deve entregar grande parte do salário pago pelos brasileiros ao Estado socialista cubano, ele próprio -- Julián a quem foi distribuído este táxi, um Lada com dez anos, made in Polónia --, quanto a receitas, necessita de fazer balanços diárias e semanais com o organismo estatal dos táxis, o que acontece falsificando dados, para seu proveito e proveito de todos.

Com o acenar dos dólares obtidos com os turistas, alguns dinheiros deslizam também, de forma subreptícia, para os bolsos dos funcionários estatais que controlam o seu trabalho de taxista. Na conversa, o rapaz não é assim tão explícito, mas as meias palavras explicam tudo. Ai, o socialismo, ai o velho Marx!

Julián Moreno leva-me à casa de Ernest Hemingway [ Foto nº 5 ] , a Finca La Vigia, num alto sobranceiro a Havana, com vista sobre a cidade, comprada pelo escritor norte-americano em 1939. Hemingway aqui viveu, intermitentemente, até 1959 e adorava Cuba. Nesta casa escreveu O Velho e o Mar. Todos os espaços, os quartos, a biblioteca, a cozinha estão bem conservados e consegue-se adivinhar, pairando no ar, a imponente figura de Hemingway. Gostava de ter tido a sorte de o encontrar, mas o escritor partiu em 1961, suicidando-se com um tiro na cabeça, desgostoso com a vida e com o mundo.

[ Imagem à esquerda, capa de  O velho e o mar / Ernest Hemingway ; trad. e pref. Jorge de Sena ; il. Bernardo Marques ; rev. Arnaldo de Carvalho. - Carnaxide : Livros do Brasil, 2013. - 108 p. ; 21 cm. - Tít. orig.: The old man and the sea. - ISBN 978-989-711-003-0].  [ Fonte: Porbase, com a devida vénia]. 


Depois a Habana Vieja, delapidada pela passagem de tempos atribulados. Fantástica cidade, com um extraordinário recheio de edifícios antigos, igrejas, teatros, palácios, alguns restaurados, outros degradados, a cair. As gentes afáveis e simpáticas inventando mil artifícios para ganhar alguns dólares e sobreviver, teatro de rua, saltimbancos e palhaços, pinturas naif e artesanato, a Bodeguita del Medio para beber um mojito, os coloridos carros antigos, presos por arames, atilhos e cordéis, os Buicks, os Dodges, os Studbakers, os Chevrolets, os Pontiacs dos anos cinquenta do século passado para passear ao ritmo da salsa cubana.

Não muito interessante o Malecon, ainda por cima à chuva. Uma longa marginal atlântica sem graça, a cidade maltratada junto ao mar, com imensos edifícios abandonados há décadas, tudo a precisar de reconstrução, reordenamento urbano, de mais cor e alegria.

No meu terceiro dia em Havana, Julián, o rapaz do táxi, leva-me para a praia de Santa Maria del Mar [ Foto nº 4 ], numa viagem curta, uns trinta quilómetros desde a capital. Vou ao banho nas águas quentes dos mares cubanos. Depois, tosto-me ao sol, de papo para o ar. 

Aparece uma mulher jovem, de curvas ondulantes, bonita, anicha-se na areia, senta-se ao meu lado. Pergunta-me: Como te llamas? Respondo em português: Meu nome é ninguém. Adios, Señora! 

Dama de pouca virtude, a mulher descruza as pernas, alteia ainda os seios avantajados num biquíni reduzido, sorri e continua a sua caminhada. Adeus, princesa cubana!

No vazio da tarde, vou com a espuma do mar e o voo dos pássaros.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22449: Historiografia da presença portuguesa em África (275): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Dando sequência à bibliografia complementar sobre o processo fundacional da Sociedade de Geografia, aqui se refere o estranho livro de António Ferrão, de que se desconhece a data de publicação e que foi publicado incompleto, em vez dos 50 anos ficámos entre 1875 e 1890. Seja como for, o autor faz um levantamento merecedor de leitura: contextualiza o que se passava na Europa nessa contemporaneidade após o Congresso de Viena e como surgiram as ambições imperiais, nomeadamente em África. Faz-se um registo das denúncias de atos infames praticados por outras potências coloniais, é digno de leitura.
E vamos continuar.


Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (12)

Mário Beja Santos

O mínimo que se pode dizer da edição desta obra é que foi acidentada, tem alguns pontos de interrogação, não se sabe quando foi editada e quando foi editada todas as cópias apareceram incompletas. Seja como for, este membro da Academia das Ciências, António Ferrão, esforçou-se por nos dar uma narrativa consequente, só temos conhecimento até aos primórdios do Ultimatum. Tudo muito estranho, paciência, é sobre o que foi publicado que se pode escrever, e é manifestamente digno de atenção.

Começa por contextualizar a contemporaneidade depois do Congresso de Viena (1815), tempos pautados pela tensão entre a luta baseada no princípio do equilíbrio europeu (as conveniências das cinco grandes potências de então) e o princípio das nacionalidades emergentes (caso do estabelecimento da Checoslováquia e a unificação da Polónia). Irão arrancar os impérios continentais, como o alemão, consagram-se novas nacionalidades, como a Bélgica, a Itália, a Alemanha, a Hungria, a Grécia, a Roménia, a Sérvia e a Bulgária. Chegada a paz à Europa, enceta-se um período febril de explorações ditas científicas e a colonização de regiões extraeuropeias, África é o polo da cobiça. António Ferrão faz um curto historial das colónias existentes e remete-nos depois para a História de Portugal, pontuando momentos importantes como as invasões napoleónicas, a guerra civil e a chegada da Regeneração. Enuncia graves contenciosos com Inglaterra, a propósito da abolição da escravatura e da proteção dada pelo Estado português da Índia a insurretos da Índia inglesa. Regista os ideais da Regeneração (renovação económica, progresso material, etc.) e alude ao interesse em promover a vida no império, na pasta do Ultramar está o Visconde Sá da Bandeira, ele mostra como claramente houve projetos de investigação, entre outras iniciativas.

É no período em que Andrade Corvo é Ministro da Marinha e do Ultramar que se funda a Sociedade de Geografia. Houvera, em 1868, a ideia da criação de um museu colonial, não passou de um projeto. Faz-se uma resenha das expedições de caráter científico através de África, no século XIX, e o autor preocupa-se em expor o estado das ciências geográficas no terceiro quartel do século XIX, e dá-nos também um quadro referente aos progressos das ciências geográficas. Dentro desta moldura, estamos chegados às causas e origens da Sociedade de Geografia, parece que tudo condicionava, em 1875, ao aparecimento de uma instituição eminentemente científica e dedicadamente patriótica. Dá-nos também um quadro das ambições internacionais sobre as colónias portuguesas e seguidamente, de uma forma calendarizada, vai referindo a atividade da Sociedade desde o seu primeiro período (1876-1880). À semelhança da obra anteriormente recensionada, da autoria de Ângela Guimarães, ele também alude às tensões entre a recém-criada Comissão Central Permanente de Geografia, dentro dos quadros do Estado, e a Sociedade de Geografia. Curiosa é a definição que ele nos dá desta Comissão Central Permanente: “Composta de pessoas que, pelos seus variados conhecimentos científicos, possam cooperar para o progressivo desenvolvimento e aperfeiçoamento da Geografia, da História Etnológica, da Arqueologia e das Ciências Naturais em relação ao território português, mormente das possessões do Ultramar”. Esta comissão produziu trabalhos, e o autor enumera-os.

Mas continua por esclarecer o desprendimento do Governo com a Sociedade de Geografia, composta, como se viu, por figuras da elite, e sobre o patrono régio e a quase duplicação de atividades entre o Estado e a sociedade civil. A Sociedade de Geografia vivia com inúmeras dificuldades, era obrigada a alugar sedes modestas, pôde contar com generosidades como a de um filantropo que pagou à sua custa a composição e impressão do boletim da Sociedade. E o autor enumera os primeiros assuntos versados, caso do ensino da geografia do país, as propostas de Luciano Cordeiro para a realização de conferências sobre os diversos ramos da Geografia, a reação firme do protesto à falta de convite a Portugal para estar presente na Conferência de Bruxelas, organizada pelo Rei Leopoldo, tanto mais escandaloso que o tema principal era o de estudar os problemas da exploração científica do continente africano. É nesta fase que se vão iniciar as explorações africanas e os seus protagonistas serão tratados como heróis nacionais: Serpa Pinto, Capelo e Ivens. A proteção real saldou-se numa enorme credibilidade da Sociedade, a sua Comissão Africana emitia pareceres que em muitos casos chegavam ao Governo, insistia-se desde a primeira hora que era indispensável criar um ensino colonial a sério, formar uma administração colonial capaz, e o autor dá-nos os antecedentes da Escola Colonial de 1906, e relata o que era o curso colonial português.

Talvez por desatenção, não havia referência que na sessão de 1 de abril de 1878 se fizera uma proposta ao governo para subsidiar uma expedição geográfica e comercial à Guiné Portuguesa e outra ao rio Cunene, que não teve seguimento.

Há outros dados ainda a ter em conta neste trabalho de levantamento: o acolhimento triunfal de Serpa Pinto, Capelo e Ivens; o centenário de Camões; o estudo científico da Serra da Estrela. E no período que antecede o Ultimatum o autor repertoria os trabalhos feitos sobre os caminhos-de-ferro para Angola e Moçambique, o Centenário do Marquês de Pombal, o fim da questão do Zaire e a realização da Conferência Internacional de Berlim. E num dado momento entende desenvolver as denúncias das ameaças inglesas e outras, com o epíteto de que se trata de uma campanha de descrédito contra a nossa dominação, o que se pretendia era criarmos um ambiente internacional desfavorável e que lhes permitisse o golpe de mão sobre as nossas colónias, escreve a seguinte intervenção bombástica:
“Numa exposição elaborada por peritos portugueses em resposta às ineptas acusações feitas a Portugal por causa da mão-de-obra indígena em Angola, encontramos um curioso estudo comparativo entre a nossa maneira de cuidar os aborígenes das nossas colónias e a forma como são tratados os indígenas das outras nações. É estranho – diz-se nesse relatório – que esses fementidos homens de coração, esses hipócritas filantropos, nunca protestassem quando, há anos, por ocasião da grande revolta da Índia contra o domínio britânico, a Inglaterra cometeu as barbaridades que a imprensa da época noticiou, chegando a revista inglesa The Illustrated London News a reproduzir em gravuras algumas delas, como a de prender os rebeldes às bocas de peças para, descarregando estas, os fazerem voar aos pedaços, devendo notar-se que só num dia tiveram esta horrorosa morte quarenta sipaios, além de doze que foram enforcados. Pois essa mesma revista a justificar tais factos escreve: ‘Seja o que for que em Inglaterra se pense acerca deste género de castigo, é sabido, por aqueles que conhecem bem o caráter asiático, que é absolutamente necessário numa crise como a atual na Índia. Horrível é decerto este castigo, mas não esqueçamos o horror das circunstâncias que fizeram um dever da sua aplicação, e não esqueçamos também, o que é certamente verdade, que a aplicação deste castigo é fiscalizado por homens justos e que não são menos, recordemo-lo, porque o rigor tem agora de se aliar à justiça’. Eis, pois, o quilate dos tais homens justos e de sentimentos humanitários que de tempos a tempos erguem gritos de censura, de vitupério, contra nós.

Mas não é tudo. Naquela mesma revolta, em certa ocasião meteram tal número de rebeldes na prisão, sem ar bastante, que na manhã seguinte todos haviam morrido.

Mais tarde, na luta contra os bóeres, no Transval, os ingleses faziam saltar com dinamite, nas cavernas do Indomo, centenas de mulheres e de crianças, sem falar na famosa e humanitária diversão de o espetar porcos aplicado aos bóeres.

Coisa idêntica já haviam feito os franceses, em 1845, nas campanhas da Argélia, acendendo grandes fogueiras à entrada de grutas onde havia centenas de homens, mulheres e crianças.

Quanto à maneira dos alemães considerarem os pretos, lá diria certo viajante germânico: ‘Não vamos a África para fazer caretas filantrópicas. A raça branca deve suplantar a raça negra e o modo mais prático de conseguir este resultado consiste no extermínio do preto: os povos negros não têm direito algum a existir’. Outro alemão escrevia: ‘A caça aos negros é um desporto muito agradável’.

E é sabido que os franceses têm-se farto de fazer escravatura do Sudão e os belgas no seu Congo.

Quanto ao humanitarismo dos norte-americanos são conhecidos muitos atos contra os negros.

Acerca de moralização e morigeração de costumes dos indígenas tem-se criticado a deportação de criminosos para as nossas colónias, como se a França e a própria Inglaterra não fizessem o mesmo, devendo-se acrescentar que o nosso deportado se porta, geralmente, muito melhor que o condenado das colónias penais inglesas da Australásia. Já Livingston se admirava como em Luanda os 16 mil habitantes iam todas as noites sossegadamente, não obstante saberem que as cidadelas e as armas da cidade estavam nas mãos de deportados.

Quanto à moralização dos aborígenes, conta H. Johnston, em The Colonisation of Africa que certa companhia inglesa, a quem estava entregue determinado território da Serra Leoa, com o fim de aumentar ali a população, tomou uma medida muito simples: mandou ir 60 prostitutas de Londres ‘para casarem com os pretos e fazerem-se mulheres honestas’.”


Pena tratar-se de um livro truncado, seja como for é obra elementar no contexto do estudo sobre o pensamento imperial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22432: Historiografia da presença portuguesa em África (274): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (11) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22448: In Memoriam (403): João Dinis (1941-2021), ex-sold cond auto, CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65), e empresário em Bafatá, há mais de meio século... Morreu ontem de Covid-19, em Bissau (Patrício Ribeiro).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > Outubro de 2015 > A nossa amiga e grã-tabanqueira Adelaide Barata Carrêlo com o João Dinis, empresário, antigo militar português, da CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65), integrada no BCAÇ 513 (com sede em Buba). Vivia na Guiné desde 1963. Natural de Alvorninha, Caldas da Rainha (conterrâneo do cardeal José Policarpo, 1936-2014), casou em janeiro de 1972, aos 31 anos, com a Célia, de 18 anos de idade. O casal teve 3 filhos (um rapaz, falecido aos 25 anos, e duas raparigas mais velhas a viver em Portugal).


Foto (e legenda): © Adelaide Carrêlo (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 15 de dezembro de 2009 > 15h13 > O João Graça, médico e músico, fotografado com a Célia Dinis e o filho, Bruno, no seu estabelecimento, o restaurante "Ponto de Encontro".  O filho, que vivia com o casal, viria a morrer, prematuramente, aos 25 anos, por volta de 2013,
  vítima de acidente. Morreu no avião que o transportava para Portugal para receber tratamento. Ironicamente, o João  Dinis more em Bissau por falta de recursos hospitalares para tratar a Covid-19.

Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá >   Agosto de 2016 >  O casal Célia e João Dinis, portugueses das Caldas da Rainha e proprietários do restaurante “Ponte de Encontro”,num almoço em que participou o Patrício Ribeiro, cliente frequente da casa. Aliás,  os principais clientes eram portugueses e outros estrangeiros ligados à ONG ou  empresas com proprojectos  na 
Gurine Bissau. Era uma figura muito popular. Tinha umais sacola de condução automóvel em Bafatá desde 1968.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá >  4 de abril de 2017 > Os camaradas Monteiro e Cancela, com o casal Célia e João Dinis, portugueses das Caldas da Rainha e proprietários do restaurante “Ponte de Encontro”, onde almoçámos.

Foto (e legenda): © A. Acílio Azevedo (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > Fevereiro de 2017 > O casal João & Célia Dinis. Fotogramas do vídeo "O que é feito da Guiné-Bissau ?", que passou na  TVI, mo Jornal das 8, em 25 e 26 de fevereiro de 2017.( Reproduzido com a devida vénia. )



1. Mensagem do Patrício Ribeiro (português, natural de Águeda (1947), criado e casado em Nova Lisboa (hoje Huambo), Angola,  ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande, com mais de uma centena de referências no blogue):


Date: terça, 10/08/2021 à(s) 19:05
Subject: Dinis, morador em Bafatá, já foi.
 
Luís,

O Dinis de Bafatá, (residente em Bafatá há muitas décadas) faleceu hoje no hospital Simão Mendes em Bissau (Hospital Central), com Covid-19. (*)

Vai ser transladado para o Cemitério de Bafatá.

Existem diversas referências a ele, no blogue. (**)

Natural de perto das Caldas da Rainha, foi para a Guiné como militar e por lá ficou até hoje. Estava na casa dos 80 anos. Estive há pouco mais de 2 semanas com ele em Bafatá. Almoçamos e jantamos juntos durante 3 dias.

Tinha fugido da pandemia em Portugal para a Guiné, há poucos meses, onde tinha estado algum tempo em exames médicos. Como em Portugal não tinha recursos financeiros, dizia que nunca recebeu um cêntimo do Estado Português. Diziam-lhe, na Segurança Social que,  como era residente na Guiné, não tinha direito, nem ele nem sua mulher.

Voltou para a sua escola de condução e o seu pequeno restaurante em Bafatá, gerido pela sua mulher, Célia.

Estava cheio de projetos: pertencia à direção da Associação dos Antigos Combatentes Portugueses da Guiné, que continuam a lutar por aquilo que acham que têm direito. Recebeu um abraço do Marcelo em Maio último, quando da sua visita a Bissau.

Como militar, esteve muito tempo na zona de Cacine, pois era condutor e andava com o seu Unimog e com o guincho, rebocando as árvores da estrada, que os outros cortavam durante a noite, na estrada de Cacine para Guiledje.

Falei com eles, assim como com outros, por todo o lado, que havia Covid que deviam usar máscara e distanciamento, mas parecia que eu andava a pregar para as matas de cajueiros que não nos ouvem.

P.S. Neste ano de pandemia, é o quinto português antigo e amigos, dos residentes na Guiné que lá ficam.

Um abraço á família

Patrício Ribeiro

impar_bissau@hotmail.com



2. Comentário do editor LG:

Ficamos sempre sem palavras quando morre alguém nosso conhecido, amigo e/ou camarada. Foi, de resto,o que escrevi no poste P16428, de 28 de agosto de 2016, quando apresentou o João e a Célia Dinis à Tabanca Grande:

(...) Ficamos sem palavras... A milhares de quilómetros de Portugal, essa é seguramente uma "casa portuguesa"... E de repente salta-nos à mente a letra e a música da Amália, tão "maltratadas" antes do 25 de abril... No fundo, podia parecer que esse famoso fado, da Amália, era o elogio, miserabilista, da pobreza honrada associada ideologicamente ao Estado Novo...

Camarada e amigo Patrício Ribeiro, diz ao nosso camarada João Dinis e à sua companheira Célia que eles já ganharam o direito de figurar, a partir de hoje, e com todo o mérito, no quadro de honra da Tabanca Grande, passando a ser os grã-tabanqueiros nºs 724 e 725. 

Diz-lhes que é a nossa singela homenagem, a do blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, não só ao seu portuguesismo como também à sua grande capacidade de trilhar as duras picadas da vida, e de sobreviver as todas as minas e armadilhas. O seu exemplo comove-nos e honra-nos... 

Um abraço fraterno para todos os demais "tugas" de Bafatá. Um xicoração para ti, que és o "pai dos tugas" da Guiné-Bissau" (...)

Para a Célia, filhas e demais família do nosso camarada João Dinis vai um grande abraço solidário nesta hora difícil. O João e a Célia eram um caso extraordinário de resiliência e de amor à Guiné-Bissau, terra que fizeram sua.

3. Os "últimos tugas" de Bafatá > João e Célia Dinis: “Portugal era um atraso de vida em comparação com a Guiné” (Excerto do "Público", de 13/4/2013)

(...) Na casa de João e de Célia nunca faltava fruta enlatada, vinho Casal Garcia e pelo menos dez garrafas de whisky “do bom” para receber as visitas. Durante anos, puderam ter na Guiné-Bissau uma série de luxos que na chamada "metrópole" eram ainda uma miragem. Esses foram outros tempos. Hoje todos os gastos são controlados. Bebem vinho do mais barato e só comem bacalhau ou queijo quando algum amigo os visita. A vida obrigou-os a uma cambalhota do 80 para o oito, mas nem por isso deixam de falar com alegria, com um brilho nos olhos e esperança no futuro. A bola é para chutar para a frente e apesar de Célia ter 58 anos e João 71, não duvidam que ainda vão conseguir marcar golo.

João e Célia Dinis são dos portugueses que há mais tempo vivem na Guiné, chegaram numa altura em que “tudo era bonito, não havia falta de trabalho e tinham uma vida mais que boa”. João foi o primeiro. Chegou em 1963 como militar. Gostou tanto que ficou e já como funcionário da administração do porto de Bissau acenou aos colegas da Companhia [de Artilharia] 496 [Cacine e Cameconde, 1963/65] , Batalhão  [de Caçadores] 513, que viu partir num navio . “Não troque os números, são muito importantes para se algum amigo dessa altura me quiser telefonar”, pede ao PÚBLICO.

Só voltaria a Portugal em Setembro de 1971. “Estava há nove anos sozinho e ia com o objectivo de casar, mas não podia ficar muito tempo. Tinha de resolver o problema rapidamente e graças a Deus consegui”. Conheceu Célia num baile e meteu logo conversa. “Ó menina, não se importa que a gente vá bailar um bocadinho? Mas olhe que eu vivo em África há muitos anos, já não sei bem dançar as músicas de cá...”, perguntou-lhe. A resposta foi afirmativa. Casaram no dia 9 de Janeiro 
[de 1972] e dia 20 vieram juntos para a Guiné. Célia tinha 18 anos e Dinis 31.

Nessa altura, tudo lhes corria bem. Dinis era dono de duas escolas de condução e, alguns anos mais tarde, Célia decidiu abrir o restaurante Ponto de Encontro, que mantém até hoje em Bafatá (no centro-norte do país). “Era uma cidade espectacular, estava tudo pintadinho, arranjadinho. Se vissem esta avenida e aquela ali em baixo. Lindas, lindas. As pessoas juntavam-se para fazer piqueniques, remo, ir ao cinema. E as lojas? Tinhas de entrar só para ver, mesmo que não comprasses. Era uma coisa que atraía. Portugal era um atraso de vida em comparação com a Guiné”, descreve Célia.

O Ponto de Encontro servia mais de 70 almoços por dia e Célia chegou a ter de pedir aos tropas para tomarem conta da filha enquanto despachava o mais depressa possível os almoços. Não tinha mãos a medir. Agora há dias em que não faz cinco mil francos CFA (7,50 euros). De 17 empregados passou para dois e mesmo assim queixa-se que a receita não cobre as despesas. Podiam-se ter ido embora depois do 25 de Abril de 1974. Chegaram a vender tudo, mas os guineenses não os deixaram partir: "Não, não se vão embora porque ninguém vos vai fazer mal. Vocês também não fizeram mal a ninguém.”

“Se eu tenho ido depois da independência, era um senhor em Portugal. O meu cunhado ainda me disse para montarmos uma escola de condução, se eu o tenho ouvido... Teria muito mais dinheiro, mas não tinha esta terra”, projecta Dinis. É um apaixonado pela Guiné. Quando ia a Portugal de férias, não queria ficar mais de 15 dias, “chegava para ver a família”. “Só desejava voltar àquelas pessoas que me conheciam e, do mais pequeno ao maior, me chamavam pelo nome. Nem sequer consigo dizer o que menos gosto neste país porque gosto de tudo. Até das faltas, fomo-nos habituando a elas”.

Foi depois de 1974 que tudo piorou. Durante dez anos ainda viveram bem mas, pouco a pouco, as coisas começaram a escassear. Primeiro faltaram o queijo, as batatas e os chocolates. Até que acabou tudo. “Foi um processo: apetecia-me beber uma garrafa de vinho Casal Garcia e não havia, mas ainda se podia comprar Dão. Quando o Dão acabou, tínhamos o Pias...”, recorda Dinis.

Às vezes perguntam-lhe como consegue viver assim. Ri-se e responde: “Tu também cá estarias se tivesses vivido o que eu vivi. Tínhamos uma vida mesmo bonita. Luz 24 horas por dia, boas estradas, tudo limpo. Onde é que os portugueses comiam pêra enlatada? A nossa bebida era whisky com água das pedras, a cerveja era só para acompanhar as ostras e os camarões”.

A Guerra Civil, em 1998, foi o golpe fatal para a Guiné: “Foi desde aí que deixámos de viver como portugueses na Guiné e passámos a ter condições de vida semelhantes à de um guineense: a ter de carregar água, andar a pé...”, conta Célia.

Apesar do Ponto de Encontro estar quase sempre vazio e dos poucos alunos da escola de condução demorarem mais de dois anos a pagar (a carta custa menos de 150 euros), apesar de dizer que agora já estava na altura de voltar a Portugal, não é isso que Dinis sente. Quando fala das suas dezenas de projectos, quando diz que as coisas vão melhorar – e di-lo muitas vezes como se a sua vida pudesse durar o dobro da do comum dos mortais –, a Guiné é sempre o palco principal da sua felicidade.

As saudades das duas filhas são mesmo o que mais pesa a Célia e Dinis. Há oito anos que não as vêem e há netos que ainda nem conhecem. Mas já lá vai o tempo em que uma viagem a Portugal custava cinco mil francos CFA e a família se juntava toda para passar as férias grandes.

Custas-lhes terem trabalhado a vida toda e não terem nada. “Nem cá nem lá”. Entregaram-se à Guiné e é a ela que pertencem. Por isso, sempre que pensam regressar perguntam “para fazer o quê". “Tenho direito à reforma porque fui militar e funcionário público de Bissau, mas na altura que a porta estava aberta não pude ir a Lisboa e agora está fechada a cadeado. Lá as pessoas vivem lado a lado, mas não se conhecem. Aqui sou o professor, dou cartas de condução desde 1968, ensinei pessoas que já morreram”, gaba-se Dinis.

Célia também tem medo do regresso mas confessa já estar cansada de levar a casa e o restaurante às costas. “Dizem que Portugal está mau mas para nós é um mundo de rosas. Não há dinheiro, é verdade, mas aqui também não há. Lá não se compra mais, compra-se menos, mas não sentes saudades de comer. Abres a torneira e tomas banho de chuveiro. E aquelas auto-estradas todas direitinhas? É uma alegria”, diz num português que já mistura com sotaque crioulo.

Por agora, só têm uma solução: aguentar. “Ando há muitos anos com a palavra esperança na ponta da língua mas ainda não a encontrei. Penso vir a ter uma vida boa na Guiné. Hoje não temos, não saímos de Bafatá há anos. Mas se calhar ainda vamos conseguir ter um carrinho melhor para ir a Bissau dar o nosso passeio. Dançamos, ao toque da música. Se a música saltar, também saltamos. E bem alto”, deseja Dinis. (...)


Fonte: Sofia da Palma Rodrigues > Guiné: entre o paraíso e as saudades de Portugal > Público, 13/04/2013 - 08:02 (Excerto reproduzido com a devida vénia)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 3 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22429: In Memoriam (402): 1.º Cabo Miliciano Fernando Pacheco dos Santos, da CART 2673, caído em combate, em Empada, no dia 7 de Julho de 1970 (Juvenal Danado, ex-Fur Mil Sapador Inf)

(**) Vd. postes sobre o João & Célia Dinis (Bafatá):

5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14120: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Notas à margem do documentário de Silas Tiny, "Bafatá Filme Clube", com direção de fotografia da Marta Pessoa (Portugal e Guiné-Bissau, 2012, 78')

30 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16431: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte VIII: Bafatá, o restaurante "Ponto de Encontro", da Célia e do João Dinis, os nossos mais recentes grã-tabanqueiros

27 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16423: Recortes de imprensa (80): Os "últimos tugas" de Bafatá: João e Célia Dinis, entrevistados pelo "Público", em 13/4/2013... O nosso camarada João Dinis, hoje empresário, vive na Guiné desde 1963. Pertenceu à CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65)

29 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16428: Convívios (766): Os "tugas" de Bafatá... Agosto de 2016, restaurante "Ponto de Encontro", do casal Célia e João Dinis a quem prestamos uma emocionada homenagem (Patrício Ribeiro, Impar Lda)

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22447: Efemérides (351): Ainda e sempre o naufrágio no rio Geba, em 10/8/1972, em que perdemos três camaradas (Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/1974; agora em férias prolongadas nas "Arábias")


 

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).





1. Mensagem enviada hoje, às 9h09, pelo nosso coeditor Jorge Araújo  (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), e agora de férias prolongadas nas "Arábias" 


 

Caros Camaradas,

Os meus Bons Dias desde as «Arábias».

Faz hoje quarenta e nove anos (1972.08.10-2021.08.10) que vários elementos do contingente militar da CART 3494, a terceira unidade de quadrícula do BART 3873, tiveram de “mergulhar”, sem o desejarem, nas águas revoltas, escuras e lodosas do Rio Geba, na região do Xime/Bambadinca (Sector L1), 
onde, por efeito da falta de bom senso mesclado com alguma improvisação, perderam a vida três jovens milicianos, naquele que ficou gravado como o «Naufrágio do Geba».

Ao recuperar esta horrenda efeméride que a todos marcou, naturalmente mais aos que viveram e sobreviveram à experiência, quero prestar a minha sentida homenagem aos que pereceram naquele acidente náutico: 

José Maria da Silva Sousa
Manuel Salgado Antunes
Abraão Moreira Rosa.

Para compreender a trágica ocorrência devem-se ler os postes:

Com um abraço de amizade e muita saúde,
Jorge Araújo

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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22421: Efemérides (350): Fez 55 anos, em 30/7/1966, que parti para o CTIG, no T/T Uíge, para ir formar em Bolama o Pel Caç Nat 54... Estive depois em Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas (José António Viegas, fur mil art, 30/7/1966 - 22/9/1968)

Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)


1. Mensagem de , Lucinda Aranha (, nossa amiga e grã-tabanqueira, escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, autora de uma biografia ficcionada do pai, a que chamou "romance":  "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim", Alcochete, Alfarroba, 2018, 165 pp.; tem página no Facebook, Lucinda Aranha - Andanças na Escrita.

É também autora do livro "No Reino das Orelhas de Burro", recheado de histórias e memórias dos tempos em que o seu pai viveu, em Cabo Verde e na Guiné, desde os anos 30 até 1972. Tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue e integra a Tabanca Grande desde 15 /4/2014 (Vd. poste P12991).

Data - terça, 3/08, 12:29
Assunto - Desafio aos/às nossos/as escritores/as: a fábula da cabra Joana e do cão Tigre


Luís, tudo bem?

Recebi o teu repto e estive para não responder por dois motivos. O primeiro respeita à fase horrível por que estou a passar, desde Março perdi três irmãs, um sobrinho por afinidade ( nenhum com Covid) e uma outra irmã fracturou um joelho e o colo do fémur. O segundo porque não me via a fazer pesquisa pelo Boletim Cultural da Guiné para me inspirar nos hábitos dos animais africanos.

Finalmente e até para tentar arejar a cabeça lembrei-me de escrever um pequeno texto que, embora passado em Portugal, pode, penso eu, ser entendido como uma metáfora das relações coloniais entre Portugal e a Guiné. Tens toda a liberdade, não me ofenderei se entenderes que não cabe no Luís Graça & Camaradas da Guine.

Enfim, foi o que saiu. Tu dirás de tua justiça  
Beijos saudosos e até um dia destes. Lucinda Aranha


A cabra Joana e o cão Tigre

por Lucinda Aranha


Matreiro, o Tigrado estava de tocaia à presa, a atrevida cabra Joana, uma pérfida dada ao latrocínio.

Quando lhe dava na real gana, lá vinha ela numa expedição de saque,  atacando a propriedade dos donos de que ele, cão cumpridor, se via como fiel guardador. Invariavelmente impunha-lhe pesadas derrotas com os seus ataques de supetão, de bate e foge.

Mas hoje não o havia de fintar. Estava preparado para dar uma lição àquela guerrilheira lusitana. Hoje é que iam ser elas : a grande gulosa havia de ver as verdes e tenras alfaces da Florinda por um canudo. Hoje é que havia de provar no corpo os seus dentes afiados, quais bisarmas. E com os olhos semicerrados, antevia com deleite o momento em que a poria definitivamente KO. Ela havia de saber o que era a paz tigre à romana.

Nestas cogitações, salta do nada a cabra Joana para a surtida habitual. O Tigrado investe e, num segundo, as suas expectativas de vitória saem goradas. Como sempre, ela finta-o, pula pelas serras e montes, arrastando-o, cego de fúria, numa corrida feita de trambolhões até o fazer dar com os costados num baixio onde cai feito prisioneiro.

– Com que então vais pelas nossas galinhas todo ancho como se fosses o pai da tua dona nas caçadas pelos matos da Guiné! – invetiva-o a Joana, enquanto o Tigrado tentava em vão saltar da sua prisão. – Aprende: todos temos de ser respeitados e termos a liberdade de fazermos o que queremos e como queremos. Muitas galinhas pagaram os teus donos aos meus e nem por isso eles te perseguem. Não dão eles volta e meia aos teus donos boas tronchas e até uns anhos? Porque és tão ganancioso?

Em transe tão aflitivo, o pobre cão cai em si.
– Tens razão, Joana, agora enxergo a minha soberba, realmente eu era um egoísta. Só via os meus interesses e os dos meus donos, achava que os dos outros não contavam.

Com dois coices, a cabra rebentou a cancela escancarando-lhe o portão da prisão e lá foram os dois serra acima, uma cabriolando, o outro correndo em grande companheirismo e cumplicidade.

Lucinda Aranha

2. Comentário do editor LG:

Querida amiga Lucinda:

Antes de mais, a minha solidariedade na dor pela perda dos teus entes queridos, as tuas manas cujas pequenas grandes vidas tu evocaste, com tanto talento e fina ironia no teu livro "O homem do cinema". 

A capacidade de fazer o luto faz parte da nossa condição humana. Desde que nascemos e temos consciência de nós e dos outros, aprendemos a lidar com a perda (, de que a morte é a mais dolorosa e irrversível). 

Quanto à versão que me mandaste, da fábula da Cabra Joana e do Cão Tigre, não podia ser mais original. Estou-te grato, em meu nome e em nome da Tabanca Grande. Espero que os nossos leitores a saibam ler e queiram comentar. 

Por outro lado, é bom saber de ti, depois de tantos meses de silêncio, em grande parte imposto pelas contingências da pandemia de Covid-19 (, que não nos deixou, por exemplo, concretizar a ideia de poderes vir à Lourinhã falar do teu livro e das memórias do teu pai).

Recorde-se o ponto de partida, real: A cabra Joana de Nhacobá foi apanhada pelo pessoal da CCAV 8351, justamente em Nhacobá, tabanca até então controlada pelo PAIGC, no "corredor de Guileje", no decurso da Op Balanço Final (17-23 de maio de 1973). Nhacobá era um lugar de importância estratégica para ambos os contendores. Foi levada, a Joana, para Cumbijã, sendo obrigada a coexistir, pacificamente, com o cão rafeiro, o "Tigre de Cumbijã", mascote do pessoal. 

Não sabemos como esta história acabou, a pequena, insignificante, história destes dois animais domésticos, só sabemos, pelo Joaquim Costa,  que estavam vivos quando o aquartelamento de Cumbijã foi entregue ao PAIGC, em 7 de agosto de 1974. Em todo o caso,  sabemos também que não fazem parte da História com H Grande. (**)
Vd. também: 

1 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22422: Passatempos de Verão (24): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 2: "Ao que parece, nem os macacos se salvaram" (Joaquim Costa)

31 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22420: Passatempos de Verão (23): A cabra Joana de Nhacobá e o cão rafeiro Tigre de Cumbijã: fábula 1: "Não se pode servir dois senhores ao mesmo tempo" (Luís Graça)

30 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22417: Passatempos de verão (22): A fábula da cabra Joana de Nhacobá e do cão rafeiro Tigre do Cumbijã, obrigados a coexistir pacificamente até ao final da guerra

(**) Vd. poste de 29 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22413: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XIII: O Dia Mais Negro: o segundo murro no estômago (Op Balanço Final)

Guiné 61/74 - P22445: Notas de leitura (1370): Prefácio de Ricardo Figueiredo ao livro "Um caminho a quatro passos", de António Carvalho


Capa do livro do António Carvalho, 
"Um caminho de quatro passos" (2021)



Prefácio

por Ricardo Figueiredo



Num final de tarde, do mês de Maio, recebi um telefonema do amigo e camarada de armas, António Carvalho, com um pedido específico para lhe prefaciar o seu livro. Confesso que a minha primeira atitude foi no sentido de recusar tão honroso convite mas, perante a sua insistência, não consegui argumentos para a manter.

Conheci o António Carvalho, no Grupo do Café Progresso, das Caldas à Guiné – um grupo de antigos combatentes da Guiné, de que ambos fazemos parte – que religiosamente se encontra, desde pelo menos o ano de 2007, às segundas quarta - feiras de cada mês, para uma reunião de “trabalho” gastronómico e cultural, onde o exercício da catarse é feito de forma coletiva e em que a camaradagem se aprofunda cada vez mais, sublimando a amizade construída nos campos de batalha.

Culto, de um humor provocatório, sagaz, e humilde na sua postura, o António Carvalho já nos havia comunicado que andava muito empenhado em escrever um livro que retratasse a sua Medas.

Caracterizado pelo rigor, investigou, até com alguma razão de ciência, as várias narrativas que constituem o seu livro, buscando aqui e ali a certificação das suas afirmações, ora visitando para consultaas bibliotecas ou até mesmo o cemitério e os arquivos jornalísticos da época.

Sendo uma quase biografia, não deixou de trazer, à memória das gentes das Medas, algumas das figuras mais marcantes que o tempo fez esquecer, reabilitando até o excomungado sacerdote que, um dia, atraiçoado pelo desejo do sexo oposto, quebrou o celibato, caindo nas garras de um Código Canónico impiedoso e se viu discriminado por alguns dos seus pares.

Não esqueceu as dificuldades, o glossário utilizado pelos seus habitantes, pintando, expressivamente, nos seus textos, os quadros da época com uma proximidade tal que nos envolve na leitura.

O António Carvalho, como muitos milhares de jovens nascidos entre 1940 e 1954, viram as suas vidas condicionadas durante cerca de 14 anos, pela Guerra do Ultramar, que durou entre os anos de 1961 e 1975, sujeita à mobilização para cumprimento do então Serviço Militar Obrigatório (SMO) para cumprir serviço numa das Províncias em guerra – Angola, Guiné ou Moçambique.

Acabou mobilizado para a Guiné, após uma rápida formação, na especialidade de enfermeiro. Aí chegado, para além do que por si é narrado, no capítulo que lhe dedicou, desenvolveu um trabalho não só no serviço de saúde, a sua área específica, como também na área social e psicológica. 

Na área da saúde, como enfermeiro de guerra, não só acudiu à população militar, como à civil, designadamente os nativos, com todas as suas carências naturais, mas também no tratamento de ferimentos graves e até já infectados pelo desleixo ou incapacidade dos infectados. Muitas vezes substituindo-se ao médico, por ausência deste ou do seu distanciamento geográfico. Na área social e psicológica, pelo acompanhamento que dava aos seus pares e aos próprios nativos, aturando os desabafos de uns e de outros, com a paciência de Job.

Finalmente, como também aconteceu a muitos dos jovens, que viveram o 25 de Abril de 1974, fez uma incursão pela vida política, chegando a presidente da Junta de Freguesia de Medas, lugar que desempenhou com todo o saber em prol dos seus fregueses, por cerca de duas décadas.

Resta-me agradecer-te, António Carvalho, pelo esforço, dedicação e coragem em escreveres este livro, que muito honrará as gentes das Medas, estou disso certo.

Ricardo Figueiredo

Antigo Combatente da Guiné

[ex-Fur Mil, 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74; advogado]


Mensagem, enviada com data de ontem, às 15h50, pelo  António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74;  também carinhosamente conhecido como o "Carvalho de Mampatá", natural de Medas, Gondomar; antigo autarca):



Caro Luis, junto te remeto a capa do meu livro, para usares como entenderes. 

A venda do livro será sempre depois da apresentação que ocorrerá no dia 11 de Setembro pelas 11 horas, na Tabanca dos Melros. Não excluo a hipótese de o vender, em futuras visitas à Tabanca da Linha e à Tabanca do Centro.