quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23790: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VIII: 1º Curso de Comandos do CTIG e imposição dos crachás em outubro de 1964... Grupo Fantasmas, do alferes 'comando' Maurício Saraiva



Guiné > Brá > Outubro de 1964 > Imposição dos crachás aos primeiros grupos de comandos do CTIG. O 
1º Curso de Comandos da Guiné decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. E dele fez parte o Amadu Bailo Djaló, e mais sete guineenses, entre eles o Marcelino da Mata e o Tomás Camará.



Guiné > Brá >  Outubro de 1964 > Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar, na imposição dos crachás.

 

Guiné > Bissau > Grupo Comandos Fantasmas na apresentação ao Governador Arnaldo Schulz, em Outubro de 1964. Eu, soldado Amadu Djaló, sou o terceiro da esquerda para a direita, rodeado pelo furriel Artur Pires à minha direita e pelo soldado Carreira à esquerda. Ao fundo, os 1ºs cabos Braima Seidi e Tomás Camará, da direita para a esquerda.



Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > O Grupo de Comandos Fantasmas frente ao Palácio do Governador.




Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > No final da cerimónia da guarda de honra ao Palácio. O Amadu Djaló  é o penúltimo do grupo em primeiro plano.




Guiné > Bissau > Outubro de 1964 > O grupo em Brá de saída para uma operação. Tomás Camará de braço esquerdo aberto, atrás do condutor da Mercedes.



Guiné > Brá > O aquartelamento de Brá, em 1964, ainda em acabamentos.


Fotos inseridos no livro, sem indicação de autor. (Os direitos fotográficos devem ser atribuídos ao Virgínio Briote e ao Amadu Djaló; a última, pelo menos, deve ser atribuída ao Mário Dias).


1. Continuamos a reproduzir excertos das memórias do Amadu Djaló, que a morte infelizmente já nos levou, há 7 anos,  em 2015, ainda antes de completar os 75 de idade. 

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. E muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


O nosso coeditor jubilado, Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) fez generosa e demoradamente as funções de "copydesk" (editor literário) do livro do Amadu Djaló, ajudando a reescrever o livro, a partir dos seus rascunhos.

 Temos vindo a introduzir pequenas correcções,  toponímicas e outras, ao texto  impresso, a ter em conta numa eventual (se bem que pouco provável) 2ª  edição. 

Recorde-se, aqui o último poste:  o sold cond auto Amadú Djaló (1940-2015) está a completar um ano em Farim, como soldado condutor autorrodas da 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), em meados de 1964. Acaba de ser transferido, a seu pedido, para a CCS/QG, em Bissau. E vai alistar-se nos comandos do CTIG, coptado pelo alferes mil Maurício Saraica. De abril Mantemos a ortografia original.  
  


Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense,  Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



Comandos do Saraiva, o que é isso?

(pp. 81-89 )

por Amadu Bailo Djaló



Ser “rebenta-minas” causa desgaste, ao fim de dezenas de colunas estava cansado. Cerca de um ano depois de ter chegado a Farim, pedi transferência para a CCS do QG. 

Pouco tempo decorrido tive conhecimento que o pedido tinha sido deferido e fiquei a aguardar que chegasse o meu substituto. Duas semanas depois, ou nem tanto, veio num Dakota um meu antigo colega do CICA/BAC, o Bubacar Culubale, nome por quem ninguém o chamava, mas sim “Tabaquinha” [1]

Em junho [de 1964], eu e mais dois soldados atiradores fomos transferidos para a CCS do QG. Viemos de avião para Bissalanca e, depois da apresentação, fomos para o parque das viaturas, à procura de companheiros. Como não vi nem o Tomás Camará nem o Adulai Djaló, perguntei por eles.

 –  Eles agora são Comandos do Saraiva!

–  O que é isso de Comandos do Saraiva?

–   São grupos de assalto e não fazem mais nenhum serviço!

–  Onde posso encontrá-los?

Quando dei por mim, estava frente a frente com o tal alferes Saraiva, num gabinete que ele tinha arranjado ali na CCS. Fiquei com boa impressão, pareceu-me boa pessoa. Um contacto inicial simpático e que, com o tempo,  se tornou numa grande amizade. E foi ele que, sabendo da minha experiência de condução e do contacto com a guerrilha, me dirigiu o convite para fazer o curso de Comandos.

Aceitei, sem saber o que me reservava o futuro, mas contente por ter a oportunidade de proceder a uma mudança na minha vida. Da mudança que vinha a caminho não imaginava nada.

Nos Comandos era preciso aprender técnicas novas para ganhar mais confiança e para isso era necessário frequentar o curso.

Brá tinha algumas instalações prontas e o Batalhão [de Caçadores] 512, acabado de chegar de Mansoa, encontrava-se lá aquartelado.

O tenente Jaime Cardoso [2], que pertencia aos Comandos de Angola, era o responsável pela instrução. Os instruendos eram os alferes Maurício Saraiva, o Pombo dos Santos e o Justino Godinho. Dos sargentos lembro-me do Vassalo Miranda, do Artur, do Morais e do Teixeira. 

Guineenses eram os 1ºs cabos Braima Seide, Marcelino da Mata, Mamasaliu Bari, Tomás Camará e os soldados Mamadu Alfa Bari, Adulai Djaló, eu, Amadu Bailo Djaló e o Samba Djau. Este último, que foi um dos primeiros militares condecorados por feitos em combate na Guiné, no Inchugué, não acabou a 1ª parte do curso porque foi eliminado por falta de capacidade física. 

Ao todo éramos oito negros a participarem no 1º curso de quadros para os Comandos do CTIG [3].

Ainda antes da chegada do tenente Jaime Cardoso, costumávamos sair para os arredores de Brá. Uma manhã, quando chegámos ao quartel, vimos num quadro afixado que a sobrevivência era sempre possível. Chamei a atenção do Tomás Camará para o que estava escrito. O Tomás perguntou ao furriel Artur Pires se o que estava escrito no quadro,  também fazia parte do programa do curso. O furriel respondeu que a sobrevivência era uma parte muito importante na vida de um Comando.

– Agora vamos sair sem ração de combate. Só podemos levar cigarros, sal, anzóis e limão. Mais nada –  disse o alferes Saraiva. 

– Posso levar dinheiro ? – perguntou um. 

– Não  – respondeu o alferes –  Os macacos têm dinheiro para comprar fruta aos camponeses ?  -   perguntou    nos - Desenrasquem-se para não serem presos.

–  E se formos presos ? –  voltou o mesmo a perguntar.

– Se vocês apanharem um macaco a roubar na vossa lavra ou na vossa horta, o que é que lhe fazem  ? –   perguntou o alferes.

–    Matamo-lo –  respondeu outro.

–  Se roubarem,  não se deixem aprisionar. Se algum de vocês se deixar prender,  é castigado.

À frente de duas viaturas, antes de embarcarmos, fomos apalpados e revistados. Não podíamos levar nada que se comesse, nem dinheiro. Dirigimo-nos para as imediações de Prábis e apeámo-nos junto ao rio. Entrámos na mata, andámos toda a manhã até cerca das 15h00, quando vimos à nossa frente uma grande horta, vedada a toda a volta com arame. Demos a volta, vimos que tinha duas entradas, uma pela frente e outra pelas traseiras. Sentámo-nos em círculo, à volta do alferes, que ficou de pé. Depois de olhar para nós, chamou o Marcelino da Mata e depois por mim.

–    Vocês os dois têm que nos arranjar comida, qualquer coisa que se coma.

A nossa missão era um pouco difícil, a horta estava bem vigiada, certamente, por guardas. Se eles deixassem os macacos ou alguém, como nós, entrar na horta para roubar, se nos safarmos, eles vão ver os ordenados descontados no final do mês.

Entrámos cuidadosamente e fomos andando até que vimos bananeiras, quase a meio da horta, e, à nossa esquerda, um campo de ananases. Fomos ver se a sorte estava connosco e se protegia os audazes. Separámo-nos, cada um foi para o seu quarteirão. Arranquei dois ananases grandes e encontrei o Marcelino também abraçado a dois. Eram muito grandes, não podíamos sair dali com mais e decidimos regressar. Antes de chegarmos ao trilho que nos tinha levado, vimos um guarda a dirigir-se a nós. E agora? Agora, vamos escondê-los ali naqueles arbustos. Para disfarçar pusemo-nos a cavar num pequeno baga-baga, a tentar fazer um forno para assar os inhames que trazíamos nos bolsos e que tínhamos cavado na mata.

O guarda chegou junto de nós, cumprimentou-nos, e perguntou o que estávamos nós ali a fazer. 

–  Um forno para assar estes inhames –  respondi. 

Quando estávamos a acabar de falar, ouvimos um disparo de G3, para o ar, feito pelo alferes, como tinha sido combinado. Respondi com outro. Vimos o guarda a seguir as nossas pegadas, até ao local onde tínhamos arrancado os ananases. Voltou para junto de nós, apressado.

–  Foram vocês que tiraram ananases dali ?   –  perguntou –  Segui as pegadas das vossas botas, vocês foram os únicos militares que entraram aqui, foram vocês que tiraram os ananases!

–  Anda muita tropa aqui. Perdemo-los deles durante a noite, as pegadas podem ser deles –  respondi.

–  Não, ninguém entrou aqui desde ontem –  respondeu.

Ouvimos outro tiro do alferes e nós voltámos a responder com outro, para o ar. O alferes tinha avisado o pessoal que se repetíssemos o tiro do mesmo local não era bom sinal. Pouco tempo depois vimos o grupo a chegar. O guarda não saía da nossa beira, com os olhos bem abertos.

–  É o senhor que é o chefe deles –   perguntou o guarda ao alferes, apesar de ninguém trazer divisas ou galões.

–    Sim, sou eu  –    respondeu o alferes Saraiva.

–     Estes dois soldados roubaram ananases. Ninguém entrou cá a não ser eles.

–  Foram vocês ?   –  perguntou o alferes, virado para nós.

Neste momento ouvimos barulho de macacos, vindo do lado das bananeiras. Que se tivéssemos sido nós, ele pagava, disse o alferes ao guarda. Como nós negámos,  não pagava. O guarda não podia perder mais tempo, os macacos estavam à volta das bananeiras e correu para lá. E nós, corremos para os arbustos, tirámos os ananases e arrancámos dali em marcha forçada, com o guarda na nossa direcção, em passo largo. Nessa altura, ouvimos o alferes gritar passo corrida.

Assim é fácil viver como os macacos, sem dinheiro, sem lavrar, sem ração de combate. É muito importante o combatente saber viver na mata, sem levar nada para comer. O que os macacos comem, nós podemos comer.

–  Atenção –  continuou o alferes   –,   roubar é contra os princípios dos Comandos. Só podemos proceder assim quando estivermos na mata em operações. Nessa altura temos que utilizar todos os meios para sobreviver. Nas cidades ou nas tabancas, se um Comando for apanhado a roubar é corrido e castigado com a prisão. 

Foi assim que o alferes terminou a nossa primeira lição de sobrevivência no mato.

Enquanto decorria a instrução, em agosto fizemos um assalto ao acampamento de Talicó, a norte da mata do Oio. Nesta operação participou também o major Correia Dinis, que era o comandante do Centro de Instrução de Comandos em Brá.

Andámos toda a noite e quando eram cerca de 6h00 da manhã encontrámo-nos com um pequeno grupo da guerrilha que ia fazer sentinelas de dia, em postos avançados do acampamento. Nem deu tempo para nos emboscarmos, tivemos que abrir fogo. Um dos guerrilheiros foi logo abatido, e os outros conseguiram escapar pelo mato, sem terem sido atingidos. Apanhámos a arma do morto, entrámos no acampamento e chegámos-lhe fogo, embora a gente soubesse que isso não lhes ia trazer grande prejuízo, pois armavam barracas noutro lado, nem precisavam de comprar nada.

Retirámos rapidamente da zona, uma vez que estávamos detectados e saímos em direcção a Cutia, onde fomos depois recolhidos e transportados em viaturas para Bissau.

A Brá estavam a chegar, todos os dias, praças europeus, vindos de várias companhias e que se tinham oferecido como voluntários. Nesta ocasião apresentou-se também um militar guineense, o António Kássimo, que era manjaco. 

O curso arrancou em grande velocidade e durou até outubro[4]. Enquanto decorria, fizemos treino operacional e houve elementos que iam sendo eliminados. O Samba Djau, Sambadora como lhe chamavam, foi um dos que não acabou o curso. Era muito corajoso e um bom companheiro mas não tinha capacidade física para os Comandos.

Numa noite, a instrução tinha acabado por volta da uma hora da madrugada. Como era costume largámos as armas e os equipamentos e tomámos os lugares na viatura que nos ia levar a nossas casas. Quando chegou a casa, a mulher de Sambadora perguntou-lhe se ele tinha levado a arma para casa.

–  Não, por que perguntas?

–  É porque trazes as cartucheiras na cintura.

–  É pá, oitenta balas, cantil de um litro, e não dei por este peso todo –  admirou-se o Samba.[5]

 A nossa primeira saída, depois de terminado o curso, foi para o Oio, para uma zona entre Mansabá e Farim. Tínhamos saído de Brá em viaturas até Mansabá, onde ficámos algum tempo a aguardar [6]. Depois, prosseguimos em coluna auto até uma tabanca abandonada. Apeámo-nos já com a noite entrada, pusemo-nos a caminho e andámos a noite toda. O guia perdia-se, ou dizia que estava perdido. Até que, já de dia, demos com um caminho bem pisado e fomos seguindo nele até que ouvimos barulho de pilar. O alferes Saraiva disse que eles não sabiam que nós andávamos por ali e começámos a andar com todo o cuidado, como tínhamos treinado no curso.

Eu, que ia com o guia à minha frente, continuei a observar pegadas bem frescas, de poucos minutos antes. Chamei o alferes à frente, para ele ver, e continuámos a progredir silenciosamente, em passo fantasma. O cabo Cruz, um europeu, disse-me:

   Amadu, se tiveres medo, deixa-me passar para a frente!

Mas quem deu a resposta, foi o alferes:

– Isso não é assim. O Amadu não nos vai meter numa emboscada. Isto tem que ir com muita calma.

Eu nem respondi, porque o meu pensamento estava noutro lado. O primeiro homem do grupo tem grande responsabilidade. Tem que ver para a frente, para os lados, até para as árvores, e tem que ver bem o caminho que está a pisar. Todos os vestígios têm que ser bem observados. Foi esta a instrução que recebemos no curso, e estes ensinamentos deviam agora ser seguidos. É como o código da estrada, se violarmos as regras, esse esquecimento pode custar-nos muito caro. Na guerra, ignorar as regras paga-se com a vida ou vidas.

Estávamos a andar com todas as precauções quando o silêncio foi quebrado por duas rajadas de pistola-metralhadora, vindas do lado direito do carreiro. Respondi com dois ou três tiros da minha G-3 e arrancámos directos ao acampamento. Demos com casas de mato, sem ninguém lá dentro, nem nada que se aproveitasse e abandonámos o acampamento a correr, para o mesmo lado por onde tínhamos entrado.

Em marcha forçada dirigimo-nos para a estrada que ligava Farim a Mansabá. Entretanto, o alferes ia dando indicações, pelo rádio, sobre o local para onde nos estávamos a dirigir, a fim da coluna nos recolher. Chegados à estrada, ficámos a aguardar até ouvirmos o barulho das viaturas. Mal chegaram arrancámos a grande velocidade e o alferes lembrou-se de disparar uma rajada para o ar, para manter o pessoal alerta.

Mais valia não o ter feito, porque um companheiro que ia atrás, saltou logo da viatura e caiu mal. Pareceu-nos, na altura, que estava paralisado. Trouxemo-lo com muitos cuidados até Mansabá, daqui foi evacuado de helicóptero para o hospital militar de Bissau e, mais tarde, soubemos que foi transportado para Lisboa. Nunca mais regressou à Guiné [7].

De Mansabá regressámos a Bissau. Esta foi a 1ª operação do Grupo Fantasmas.

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Notas do autor Amadu Dajló e/ou do editor literário Virgínio Briote

[1] Muitos anos mais tarde, já depois da independência, tive a infeliz notícia de que também ele tinha sido fuzilado, acusado de envolvimento no golpe de Malan Sanhá.

[2] Nota do editor: em 3 de Agosto de 1964 o CIC / Brá, sob o comando do major de inf comando Correia Diniz, deu início às actividades, com a Escola de Quadros, para dar instrução ao 1º Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. 

Deste curso saíram os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram a actividade na Guiné até julho de 1965: Camaleões, Fantasmas e Panteras. Para o curso de quadros,  o CIC de Angola enviou vários instrutores, entre os quais o tenente mil comando Jaime Abreu Cardoso. Estes elementos participaram nas primeiras acções com os grupos acima referidos.

[3] Comando Territorial Independente da Guiné.

[4] Nota do editor: até 17 Outubro de 1964

[5] Samba Jau não continuou nos Comandos, mas foi sempre um grande amigo de todos. Depois do 25 de Abril saiu da Guiné e foi para Dacar, onde vivia ainda há pouco tempo

[6] Nota do editor: deve tratar-se da Op Confiança, realizada entre 25 de Outubro e 4 de Novembro de 1964 no Oio, conjuntamente com os Grupos de Comandos Camaleões e Panteras na área atribuída ao BCav 705, tendo por objectivo a reabertura do itinerário entre Mansabá e Farim.

[7] Em 2005, num almoço em Marinhais, soube que o Barbedo, que era como se chamava, andava em cadeira de rodas

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23777: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VII: Em Farim, com o BCAV 490, do ten-cor Fernando Cavaleiro, até meados de 1964... Abatises e emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem-Cuntima

Guiné 61/74 - P23789: Historiografia da presença portuguesa em África (343): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Fevereiro de 2022:

Queridos amigos,
A surpresa de dois extensos relatórios assinados pelo Capitão Jorge Frederico Velez Caroço e destinados ao governador da Guiné, Major Carvalho Viegas, encontrados nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, ressuscita alguns dados aqui já versados, caso do importante relatório do chefe da delegação do BNU da Guiné sobre os acontecimentos relacionados com as rebeliões Felupes, que dominaram o início da década de 1930. Valeu a pena regressar à leitura da obra de René Pélissier, "História da Guiné, portugueses e africanos na Senegâmbia, 1841-1936, Volume II, Editorial Estampa, 1997", ele trata com bastante detalhe o chamado L'Affaire Gaté, consultou as fontes documentais francesas que mostram claramente que este desastre aéreo ocorreu em território senegalês, não teve qualquer ligação com a Guiné Portuguesa. Mas acendeu-se o rastilho a uma tragicomédia onde até se fantasiou que havia uma base naval alemã nos Bijagós... Que o leitor se prepare para novos episódios.

Um abraço do
Mário



L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (1)

Mário Beja Santos

Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia aparecem dois relatórios com a assinatura do Capitão Jorge Frederico Torres Velez Caroço, Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, em que apresenta ao Governador Carvalho Viegas o resultado das pesquisas desenvolvidas por uma comissão de inquérito que envolveu autoridades francesas e portuguesas para apurar se um desaparecido avião francês tinha aterrado em solo colonial português, houvera denúncias que testemunharam que tal tinha acontecido. São documentos de leitura obrigatória e procuram clarificar um extenso comentário do historiador René Pélissier no seu trabalho "História da Guiné, portugueses e africanos na Senegâmbia 1841-1936", Volume II, Editorial Estampa, 1997; acontece igualmente que o assunto aparece tratado também no ano do desaparecimento do avião (1933), num relatório enviado pela delegação do BNU na Guiné para a sede em Lisboa, e que consta do meu livro "Os Cronistas desconhecidos do canal de Geba, o BNU da Guiné", Húmus, 2019.

Comecemos por René Pélissier, que teve a faculdade de consultar arquivos em França sobre o assunto, inicia o seu texto por nos falar nas rebeliões dos Felupes (1933, 1934, 1935), na mitologia de que eram antropófagos, o que nunca se demonstrou, e lança-se diretamente em L’Affaire Gaté, dando-nos a cronologia dos acontecimentos. Tudo começou no dia 30 de junho de 1933, enquanto executavam um exercício de voo em altitude, dois aviadores da Base Aérea de Dacar, o Ajudante-chefe Gaté e o Sargento Mecânico Brée, apanhados num tornado, desaparecem no seu Potez-Salmson; no mês seguinte, as autoridades da base procederam a buscas, não encontraram o aparelho nem os corpos, arquivaram o caso, não foram conhecidas buscas desenvolvidas pelas autoridades portuguesas; no verão, a Senhora Gaté, insatisfeita com o inquérito oficial, a expensas suas, ciente que o marido está vivo, vem ao Senegal, entra em contato com o Senhor Figuié, este encarrega um agente seu, Moussa N’Doye, de procurar saber mais em meio africano; na Gâmbia como no Casamansa, obtém informações de um avião avistado dirigindo-se para sul; a Senhora Gaté, acompanhada pelo casal Figuié e Moussa N’Doye entram em chão felupe guineense; esta missão contata em Susana Apaim-Ba, conhecido por Alfredo, feiticeiro de Jufunco, este declara não ter visto qualquer avião; o administrador de Canchungo, comandante Joaquim Esteves, junta-se aos franceses, convoca uma reunião com Felupes; os chefes declaram nada saber, mas Mamadu Sissé diz que viu um avião dirigindo-se para o sul que deve ter aterrado em Jufunco; a Senhora Gaté parte para Bissau e depois para Bolama, onde o Governador Carvalho Viegas mostra o processo das investigações e facilita a viagem à Senhora Gaté, que regressa aos Felupes; inopinadamente, há Felupes que afirmam que o avião está em Jufunco, entregam a Esteves um pedaço de lona do avião, trazido por um africano, dizendo que o encontrou em Jufunco, se tudo estava mirabolante mais mirabolante ficou quando o comandante Esteves declara que o dito Alfredo quis mandá-lo assassinar, ele vai ser interrogado pelos franceses; aparece agora Capitão Velez Caroço, manda prender Alfredo, em Susana o comandante Esteves interroga os suspeitos à palmatória, depois de torturado Alfredo confessa que o avião aterrou em Jufunco, dá informações contraditórias sobre os dois aviadores e diz que recebeu instruções do Deus da Guerra para destruir o avião, continua o interrogatório, as versões dos prisioneiros divergem cada vez mais, depois os prisioneiros invadem-se, chegam soldados e metralhadoras de Susana, Velez Caroço recomeça os interrogatórios, é-lhe dito que o avião foi desenterrado – temos aqui já todos os ingredientes para uma telenovela de aventura e ação, com pozinhos de crime e mistério; Velez Caroço e as tropas partem de Susana para Jufunco, a zona é militarizada, chegam dois oficiais aviadores franceses ao S. Domingos, há notícia de combates em frente de Jufunco, o capitão de armas de Bolama, Joaquim Sinel de Cordes, parte para ir buscar reforços e acabar com a resistência de Jufunco, vive-se já um clima de guerra, Alfredo invadiu-se e passou pela Casamansa, os Felupes refugiaram-se na floresta; já em novembro, Moussa N’Doye regressa a Dacar e anuncia que os portugueses queimaram Jufunco – esta é a versão dos factos nas fontes francesas, de uma hipótese nunca fundamentada de que um avião francês, por obra do acaso, ter aterrado em Jufunco, estalou a rebelião dos Felupes; toda esta sequência trágica irá prolongar-se por 1934 e 1935, como René Pélissier pormenoriza: o Exército está em chão Felupe, ali passa seis meses, desconhece-se o número real das baixas dos Felupes, tudo se agudiza em maio de 1934, nova ofensiva contra os Felupes; em Paris, a Senhora Gaté não desarma, escreve para os órgãos de soberania, diz que o marido está preso nos Bijagós pelos alemães, e diz mesmo existir no arquipélago uma base naval alemã, a tragicomédia refina-se, as operações contra os Felupes prosseguem.

É altura de fazer ouvir o responsável pelo BNU da Guiné, ele recebera de Lisboa o seguinte telegrama: “Este telegrama é absolutamente confidencial e só poderá ser decifrado pelo gerente devendo na sua ausência ser devolvido indecifrado ao expedidor – telegrafe-se se o gentio se revoltou – telegrafe se ordem restabelecida quem e como foi sufocada a operação. Telegrafe as notícias que puder pormenorizando”.

A 13, em carta talhada o gerente de Bissau escreve para Lisboa:
“Há cerca de 3 meses levantou voo de Dacar com destino a Ziguinchor um avião francês tripulado por aviador e acompanhado de um observador. Por qualquer razão desconhecida – diz-se que fugindo a um tornado, o avião desviou-se da sua rota e presume-se que por falta de gasolina tenha caído em território desta colónia, a uns 40 ou 50 quilómetros da fronteira norte, na região dos Felupes, área do posto civil de Susana, circunscrição de Canchungo. O governo francês, supondo que o avião tenha de facto caído nesta região, solicitou do nosso que mandasse proceder às necessárias pesquisas. Diz-se que essas pesquisas foram efetuadas sem resultado. Há 20 dias, pouco mais ou menos, apareceram na área do posto de Susana, a mulher do aviador desaparecido e uma outra senhora francesa, acompanhadas de um sargento aviador francês e ainda de um outro indivíduo que se dizia comerciante de Dacar, para fazerem, por sua vez, novas pesquisas. O governador autorizou e este grupo regressou ao posto de Susana acompanhado pelo ajudante de campo do governador. Em breve começaram a circular boatos sobre o aparecimento de vestígios do avião. O Capitão Velez Caroço, notando certo retraimento do gentio, receando qualquer agressão dos Felupes, que desde sempre se tem mantido mais ou menos rebelde, pagando o imposto positivamente quando e como quer, sem que lhes tenha sido aplicado o corretivo necessário por falta de recursos, cobardia ou desleixo, resolveu, de acordo com o governador, não continuar as suas diligências sem se fazer acompanhar de uma pequena força militar.
Regressaram a Bissau e daqui partiram de novo para Susana, armados e municiados. Os Felupes receberam-nos hostilmente, travando-se um combate em que morreram 2 soldados, ficando vários feridos. Imediatamente seguiu para o local o Capitão Sinel de Cordes, que castigou os revoltosos, tanto mais que já no ano passado, na mesma região, tinham cortado a cabeça a 5 soldados. Entretanto, era mandado chamar Bora Sanhá, alferes de segunda linha, para se lhe ordenar que organizasse o mais rápido possível um grupo de irregulares Fulas, com o fim de coadjuvarem as tropas regulares. Poucas horas depois, Bora Sanhá escolhia 100 homens da sua confiança, alguns deles seus antigos companheiros de armas, embarcaram para Jufunco. Corriam os mais desencontrados boatos sobre o que se estava a passar com os Felupes. O Capitão Sinel de Cordes assumiu o comando de regulares e irregulares, ao todo cerca de 400 armas e 5 metralhadoras, começando a bater os revoltosos com a energia que o momento impunha. Os revoltosos refugiram-se entre pântanos. O governador seguiu para o campo de operações. Voltando a Bissau, o governador trocou impressões comigo sobre o que se passava com os Felupes. Que tinham sofrido importantes baixas, resolvera dar por finda as operações, visto que os acontecimentos não tinham a gravidade que lhes atribuía. As nossas tropas, à custa de sacrifícios grandes, tem avançado e arrasado todas as populações por onde têm passado, incendiando as palhotas e destruindo as culturas”
.

A carta é longa, tem o condão de introduzir importantes detalhes sobre tudo o que se passou e que, mais adiante encontrará os relatórios posteriores de Velez Caroço, depositado nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, aspetos complementares de grande interesse, se bem que, há que o reconhecer, toda esta história não tem pés nem cabeça se atendermos aos relatórios franceses que davam como seguro que o desastre aéreo ocorrera noutras paragens. E vemos misturados a compreensível ansiedade da Senhora Gaté com o encadeamento de rebeliões Felupes que dão a toda esta trama o ar de uma telenovela de tempos coloniais, onde se cruzam hipóteses absurdas de uma base naval alemã nos Bijagós, interrogatórios brutais a Felupes e a ganância de informadores que a troco de compensações de alguns milhares de francos inventavam a queda de um avião que uns viam ter passado, mas que concretamente ninguém sabia dizer para onde. Que o leitor se prepare, há ainda mais condimentos para adubar esta história verdadeiramente estereofónica.

(continua)
Avião Potez-Salmson
Uma mais que colorida festa Felupe, imagem de Eta Oliveira (do Wattpad), com a devida vénia
Dança do choro, Susana, década de 1960
Dacar, Senegal, anos 1930
René Pélissier
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23773: Historiografia da presença portuguesa em África (342): A União Nacional e um retrato da Guiné em 1942 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23788: Agenda cultural (820): Livro: “Do Inverno à Primavera”, obra do camarada José Alberto Neves, Nova Lamego (Gabu). (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem: 

Livro: “DO INVERNO À PRIMAVERA”, obra do camarada José Alberto Neves, Nova Lamego (Gabu)

Camaradas,   

   

É muito interessante a obra trazida aos escaparates pelas Edições Colibri, editor Fernando Mão de Ferro, com a capa da  designer Raquel Ferreira, - “DO INVERNO À PRIMAVERA” -, cujo autor é um camarada, alferes miliciano de nome José Alberto Neves, que esteve em Nova Lamego (Gabu) ao mesmo tempo deste simplório escriba, José Saúde, nos anos de 1973/1974, mas, que desde logo, num gesto de amizade e camaradagem, me disponibilizei para que da narrativa fizéssemos um justíssimo eco, tendo em conta que o autor debita, minuciosamente, a sua espinhosa tarefa numa altura em que o conflito da Guiné se agudizava, restando também a merecidíssima certeza que o solo guineense sempre se assumiu como palco de uma guerra que jamais deu tréguas aos distintos e audazes combatentes que foram para ali atirados… “à pressa”. 

O livro, que se espalha pelas suas 496 páginas, relata o tempo em que serviço militar era obrigatório, com uma guerra colonial em plena atividade e que muito nos atormentava, sendo que o autor na capa introduz os seguintes “rótulos”: “ANOS DE 1973 E 1974: das universidades para os QUARTÉIS. As LUTAS agudizam-se e a GUERRA COLONIAL torna-se o DESTINO CERTO para a maioria dos JOVENS QUE POR LÁ PASSARAM”.        


Na verdade, esta brilhante amalgama de dados que o camarada José Alberto Neves puxa para a capa, sintoniza, tão-só, a extensidade de um livro que vale a pena ser lido, e comentado, sendo a narrativa deveras merecedora de uma proficiente leitura.        

A contracapa contém um texto deveras atraente que merece uma profunda reflexão dos antigos combatentes:  

Sobre o autor:  


José Alberto Neves, nasceu em Oliveira do Bairro em novembro de 1951e é licenciado em Auditoria, Pós-Graduado em Relações Internacionais e Mestre em Direito, com Especialização em Ciências Jurídico-políticas, Gestor de Empresas e professor do Ensino Secundário e Superior, foi, ainda, dirigente associativo e piloto de aviões.       

Resta-me dizer-te Zé Alberto Neves, camarada da região de Gabu, em concreto Nova Lamego, onde cruzámos espaços comuns e falamos de temáticas que foram idênticas a todos aqueles que por lá passaram, como é óbvio, sendo, por isso, legítimo enaltecer a obra que trouxeste a público, sobre os tempos da guerrilha na Guiné e toda a sua caminhada rumo a uma guerra que não dava tréguas.  

Abraços, camaradas

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

10 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23691: Agenda cultural (819): Conferência sobre Bases Aéreas de Portugal - BA 11 - Beja e BA 12 - Bissalanca, Guiné, no dia 20 de Outubro de 2022, às 18h00, Palácio da Independência, Largo de São Domingos (ao Rossio)

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23787: Carta aberta a... (17): Ministros da Cultura e da Defesa... Portugal pode e deve recuperar os restos das estátuas, abandonadas no Forte do Cacheu, dos nossos Teixeira Pinto (séc. XX), Nuno Tristão (séc. XV) e Diogo Gomes (séc. XV-XVI) (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

 

Cópia do ofício enviado pelo chefe de gabinete do Ministro  da Cultura, ao nosso camarada António J. Pereira da Costa.


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > Restos da estátua de Teixeira Pinto, o "capitão-diabo" ...Estátua, em bronze, da autoria do professor de Belas Artes, o escultor Euclides Vaz (1916-1991), ilhavense. Encontrava-se no  Alto do Crim, antigo parque municipal, onde agora está a Assembleia Nacional. 


Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) >   O que resta da estátua, também em bronze, do Nuno Tristão:  erigida por ocasião do 5.º centenário do seu desembarque em terras da Guiné (1446), a estátua ficava no final na Av da República, hoje, Av Amílcar Cabral... 

Esta artéria, a principal avenida de Bissau no nosso tempo, vinha da Praça do Império ao Cais do Pidjiguiti, tendo no final a estátua de Nuno Tristão; no sentido ascendente, ou seja, do Pidjiguiti para a Praça do Império, tinha à esquerda a Casa Gouveia, por detrás da estátua, e mais à frente, à direita, a Catedral.
 

Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) >  Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau,  frente à ponte cais de Bissau...

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagens recentes de António J. Pereira da Costa, cor art ref:

(i) Data - 7/11/2022

Assunto - Estátuas do Cacheu

Olá Camaradas

Venho só comunicar que, hoje, enviei ao Ministro da Cultura e à Ministra da Defesa duas cartas a pedir o respectivo interesse na recuperação das estátuas do Cacheu.
Seguem, em anexo.

Como se recordam tentei levantar esta questão junto do pessoal do blog. Pouco êxito! (Vd. ponto 2).

Claro que o NÃO está sempre garantido, mas valeria a pena tentar.

Obrigado pelo vosso (des)interesse.

Um Ab.
António J. P. Costa

PS - Se não vos der muito trabalho façam uma tentativa idêntica junto do PR. Pode ser que ele dali tir algum proveito político... Bora ajudá-lo? Bora

(ii) Data . - 11/11/2022, 16:49

Assunto - Estátuas do Cacheu

Olá, Camaradas.

Em respostas às cartas que enviei, recebi esta carta do Ministério da Cultura.

Julgo que pode servir de orientação para a exposição do assunto supra.

Entretanto, descobri que na Presidência da República há um "muro de lamentações" que poderemos usar. É só preencher e... esperar, claro. (**)

O não está garantido...
Um Ab. Tó Zé

2. O assunto em apreço foi lançado há  menos de dois meses, por mensagem de António J. Pereira da Costa (que na altura não chegou a ser publicada no nosso blogue) (*):

Data - 20/9/2022 10:34
Assunto - Ainda a os restos das estátuas do Cacheu

Bom dia, Camaradas:

Acham que valeria a pena lançarmos, no blog, um apelo para que o Estado Português mandasse recolher o que sobras das estátuas "colonialistas" e as depositasse no local mais adequado, a determinar?

Podíamos enviar cartas individuais (para aumentar o impacto) aos ministros da Cultura e da Defesa para que se dedicassem ao assunto.

E,  se perdêssemos a cabeça,  ir até ao PR?!

Por mim, tenho duas cartas prontas a partir e poderiam servir de modelo a quem quisesse.
Ora digam...

Um abraço, 
António Costa
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Sugestão de carta a mandar, por mais camaradas e amigos da Guiné,  aos Ministros da Cultura e da Defesa e, eventualmente, ao Presidente da República:

Mem-Martins, 5 de Novembro de 2022

Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura

Excelência

Desconhecendo, em detalhe, a estrutura do Governo, mas pressupondo que, de alguma forma, o assunto que exponho se incluirá na área da vossa tutela, tomo a liberdade de me dirigir a V. Ex.ª para expor o seguinte:

No blog de ex-combatentes da Guiné em que frequentemente participo, encontrei algumas fotografias que me permitem concluir que, na Guiné-Bissau, mais exactamente do forte português que se ergue, desde o Séc. XVII, junto da localidade de Cacheu, estão depositados os restos de três estátuas portuguesas que foram colocadas em Bissau, quase todas por ocasião do 5º centenário do desembarque em terras da Guiné (1446) e que foram apeadas após a independência.

Uma é estátua do capitão de Infantaria João Teixeira Pinto que comandou as forças que, entre 1912 e 1915, dominaram a revolta de uma parte da população (balantas e grumetes) contra as autoridades portuguesas. Este oficial veio a morrer, em Moçambique, no posto de major, na Batalha de Negomeno (1917) durante a I Guerra Mundial.

Ali estão também as estátuas dos navegadores portugueses ligados à Guiné: a de Diogo Gomes e a de Nuno Tristão

Além destas, é provável que ainda seja possível localizar os restos da estátua do Governador (entre 1906 e 1909) João Augusto de Oliveira Muzanty, primeiro-tenente da Marinha, que também participou em diversas operações de pacificação. Esta foi erguida em 1950, em Bafatá. Será da autoria do escultor António Duarte, tendo permanecido intacta após a independência, embora tombada no chão e terá sido destruída, em 1992. O respectivo pedestal encontrar-se-á no referido local.

Creio que estes restos poderiam ser recuperados para Portugal e colocados em locais/instalações relacionadas com as actuações destas personalidades. Atrevo-me a sugerir que a de Teixeira Pinto seja colocada na Escola da Armas do Exército e as dos navegadores numa instalação naval relacionada com os descobrimentos.

A Guiné parece não ter qualquer interesse neste espólio, pelo que nada justificará que não seja recolhido e transportado para o nosso país

Em anexo apresento algumas fotografias da localização/estado das estátuas

Mais informo V.Ex.ª que, nesta data enviei á Senhora ministra da Defesa uma carta de teor idêntico ao desta.

António José Pereira da Costa
Coronel de Artilharia (reformado)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


(**) Último poste da série >  7 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23333: Carta aberta a... (16): José Belo, um intelectual contemporâneo luso, sueco-lapão-americano, hábil a usar palavras (Francisco Baptista, transmontano de Brunhoso)

Guiné 61/74 - P23786: Os nossos seres, saberes e lazeres (539): Pêro Alvito e Pedro Alvito, ou, Pêro Alvito é Pedro Alvito? (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), e nosso colaborador permanente, com data de 13 de Novembro de 2022:

Com um abraço, e como "prova de vida", junto um texto que, se acharem oportuno e merecedor de publicação.

Abraço e bom Domingo.
Zé Martins


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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23778: Os nossos seres, saberes e lazeres (538): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (76): Do Luso para o Bussaco (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23785: Prova de vida (6): Nem todos os balantas eram... "turras" (Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67)






Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, 
Bissau, Bissorã e Mansabá (1965/67). Tem uma coleção de cerca de 175 cartas, 
das que escreveu a (e recebeu de) sua companheira, hoje mãe dos seus filhos 
e avó dos seus netos. 



Manuel Joaquim (c. 2019).
Foto:  Cortesia de Manuel Resende
1. O nosso camarada  e amigo Manuel Joaquim, ex-fur mil armas pesadas inf da CCAÇ 1419 (Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), hoje professor do ensino básico reformado,  além de sócio da ONGD Ajuda Amiga, tem 105 referências no nosso blogue,  Está connosco, como membro,  de pleno direito,  da Tabanca Grande, desde 3 de agosto de 2009. 

 É autor da notável série "Cartas de amor e guerra", de que se publicaram duas dezenas de postes, entre janeiro de 2013 e maio de 2015. O último poste da série foi o P14577 (*). 

Também é autor da série "Memórias de Manuel Joaquim" (de que se  publicaram dez postes, o último foi o P11263) (**).

Razões de saúde (sofre de problemas do foro oftalmológico) levaram-no a condicionar e a limitar a sua colaboração no blogue.  Conheci-o pessoalmente há 11 anos atrás, em 4 de junho de 2011, no VI Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real,  Temo-nos enocntrado por aí, desde então. Tive o  grato prazer de o rever, mais recentemente,  no último  encontro da Tabanca da Linha, no passado dia 22 de setembro. Abracei-o com emoção.

Não posso esquecer que ele aceitou partilhar, no nosso blogue, parte da sua correspondência do tempo da sua "comissão de serviço militar" na Guiné (1965/67). Escrevi eu, em 8 de janeiro de 2013, no poste P10910, o seguinte: 

(...) O teu gesto - partilhar a tua correspondência íntima - é de uma grande nobreza, e eu espero que seja recebido com apreço e gratidão por todos os leitores do blogue (só este ano, vamos ultrapassar o milhão e 200 mil visitas!). É um serviço que prestas à Pátria, a tua terra, aos teus filhos e netos, aos teus camaradas, ao tempo e ao lugar em que nos coube nascer. Poucos de nós terão um acervo tão rico como o teu, em matéria de correspondência íntima, ao fim deste século!... Além disso, eras professor, já trabalhavas, tinhas namorada, tinhas outra maturidade que muitos não tinham quando foram para a tropa (, nomeadamente os milicianos).(...)

2. O Manuel Joaquim não precisa de fazer "prova de vida" (***)...  Felizmente está vivo e continua con ganas de viver, apesar das suas limitações de saúde, o que é cada vez mais frequente, infelizmente, no caso de todos nós, antigos combatentes... (Quem é que não se queixa ?!... "Até aos quarenta, bem eu passo, depois dos quarento, ai a minha perna, ai o meu braço")...

Mas eu (e muitos leitores) tenho saudades da sua escrita. Lembrei-me de ir respescar a primeira história que ela aqui publicou, o "Balanta Furtador" (***)... Uma belíssima história, que nos faz pensar e traz-nos outras lembranças parecidas... 

E até vem a propósito, porque de tempos a tempos fomos confrontados com um arreigado estereótipo social do nosso tempo, a falsa dicotomia Fula  (aliado dos "tugas" - bravo - leal) "versus" Balanta ("turra" . homem do mato - "cabra macho" - "carne para canhão" das tropas do Amílcar Cabral)... 

Ora nem todos os balantas estiveram do mesmo lado da "barricada"... Nem todos os balantas foram "turras"...

Além disso, o Manuel Joaquim é  o "padrinho" do nosso "minino Adilan" (nome balanta), o José Manuel Sarrico Cunté, igualmente membro da nossa Tabanca Grande.  A história  destes dois grandes seres humanos (que a guerra juntou) merece ser lida ou relida pelos amigos e camaradas da Guiné.



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > O "nosso minino Adilan", o Zé Manel,  o José Manuel Sarrico Cunté, na altura com 50 anos, com o seu padrinho, o Manuel Joaquim... 

Foram duas das muitas estrelas que fizeram do nosso grande encontro mais um grande ronco, o da camaradagem, da amizade e da solidariedade... Adorei conhecê-lo,  ao Zé Manel: desenvolto, portuga dos sete costados, casado com uma angolana, crítica em relação ao rumo que tomou o seu país de origem (infelizmente, os seus pais biológicos já morreram; a sua verdadeira família hoje está aqui em Portugal)...O Manuel Joaquim, que também conheci pela primeira vez, em carne e osso, era um homem feliz, orgulhoso do seu "minino"...


Foto (e legenda): © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


BALANTA FURTADOR

por Manuel Joaquim


Bissorã, 1966. Os balantas dedicavam-se quase só à agricultura e actividades afins, labutando na área que rodeava o quartel. Um dos poucos balantas da tabanca que fugiam à regra era Fafé. Trabalho agrícola não era com ele. Na bolanha ninguém o apanhava. Não precisava de trabalhar a terra para ter arroz. Este nascia, descascado e tudo, no quartel.

Frequente era vê-lo a acamaradar com tropa, bebendo e gesticulando para melhor se fazer entender. Era o caminho ideal para soldado chegar a algumas balantas mais dispostas a amenizar a sua difícil situação. Qual marginal da tabanca, prometia-as por dá cá aquela palha ou, às vezes, exigindo coisas substanciais... alguns cobertores da caserna ganharam asas!

Fafé alardeava coragem. Era vaidoso.Vaidade bem alimentada por outros para aproveitarem o espírito de aventura que revelava. A roubar vacas era excepcional. E com que orgulho contava os seus feitos! A tropa escutava-o e servia-se. Impedia-lhe o furto na área próxima da vila mas dava-lhe pé leve para se embrenhar no mato, à procura das vacas dos «turras».

Cada vaca que trazia não era só redução alimentar no PAIGC e mais carne na tabanca. Vinha também informação para o quartel. E bem valiosa. E assim se tornou numa peça importante. Importância que não sentia. Apresentar vaca na tabanca, dar barriga cheia à sua gente, reconhecerem a sua coragem e esperteza, verem nele um balanta exemplar, eis o que lhe interessava.

Nem todos os do quartel lhe davam palmadinhas nas costas e gostavam dos seus actos. Não dava por isso, era campeão da esperteza, da coragem, do furto perfeito. E era louvado pelos "homens grandes" da tropa. Mas as suas façanhas faziam perder o apetite a muitos.

Eram informações que levavam aos donos das vacas, à caminhada dolorosa pela mata, ao medo que pesava quilos no estômago, aos vómitos secos, ao combate, à dor, à morte. E, alguns, viam nele um símbolo da utilização abusiva que a guerra faz do indivíduo.

Naquela madrugada Fafé não chegou, mesmo sem vaca. As balas da PPSH fizeram das suas, não matavam só tropa mas também pessoal "amigo" de tropa. Ele sabia-o, mas balanta é artista no roubo de vacas. Quantas histórias, sobre este tema, devem ter ouvido aos velhos balantas! Fafé não teve sorte e, daquela vez, voltou arrastado por camarada de furto com a morte e não a vaca por companheira.

E na manhã quente de Dezembro foi «choro» na tabanca. No terreiro, família de balanta grita e rebola no chão. Família de balanta mata vaca para todo o pessoal: choros, lamentos, gritos, gemidos, rufar de tambores, danças, suor, poeira. É o «choro» em honra de Fafé. São horas a passar, em estonteante mistura de dor e prazer, de arroz e lágrimas, de carne e dança, de álcool e pó. Cumpre-se a tradição.

Mais tarde: Cortejo em marcha acelerada, gritos e cânticos, tantãs rufando, pancadas surdas e ritmadas no chão poeirento, à frente corpo de balanta em esquife de esteira baloiçando sobre altivas cabeças de amigos, Fafé foi a sepultar. Enrodilhado nesta onda lá vai o soldado branco, confuso e inseguro, seguindo não sabe quê.

Pó e mais pó solta-se do chão e sobe, sobe por sobre a tabanca. Entorpece o Sol. Soldado branco pára. A multidão acotovela-o. Redemoinha no pó. Tenta limpar os lábios e os olhos. Incapaz de continuar, vê afastar-se a esteira de palma que envolve corpo de Fafé. Soldado branco é turista em funeral de balanta.

Baixa a cabeça, dá meia volta, tenta regressar por onde vê menos pó... repara que mulher balanta, idosa, ainda chora e dá cambalhotas. Mulher balanta não defende lábios nem olhos do pó e da terra que irá cobrir corpo de seu balanta furtador.

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(****) Vd. poste de 27 de novembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5358: Memórias de Manuel Joaquim (1): O Balanta furtador

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23784: Notas de leitura (1516): "Fora de Jogo", com a participação de Amadu Dafé, Claudiany Pereira, Edson Incopté, Marinho de Pina e Valdyr Araújo; Ku Si Mon Editora, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Prossegue a viagem em torno da escrita das novas gerações que praticam com talento e inspiração o luso-guineense à luz dos seus sonhos e das quimeras, tratam sem complexos do direito dos costumes, o sentido de família, o conflito entre uma moral sexual muito disponível e as terríveis doenças sexualmente transmissíveis que avassalam o continente africano; retomam a linha de literatura oral em que os bichos podem ser criaturas humanas, nenhum dos autores envereda corajosamente pela abordagem do lesbianismo; e não se esconde a mágoa pelo modo como são tratados aqueles combatentes que deram o corpo a uma pátria invadida por ratos, como escreve um autor, numa denúncia cáustica, direta às novas elites políticas que se movem pela pura ganância, estando-se nas tintas pelos interesses básicos do seu povo. Uma antologia que mostra a boa saúde em que se encontra a literatura luso-guineense. Sinceros parabéns à Editora Ku Si Mon na pessoa do grande escritor Abdulai Sila.

Um abraço do
Mário



O vigor de uma expressão literária emergente: o luso-guineense (2)

Mário Beja Santos

Serve de pretexto para reflexão de uma nova geração de escritores que encontraram um modelo de comunicação o livro que rememora os 25 anos da Ku Si Mon Editora, uma iniciativa que tem por detrás o nome consagrado da literatura guineense, Adbulai Silá: "Fora de Jogo", com a participação de Amadu Dafé, Claudiany Pereira, Edson Incopté, Marinho de Pina e Valdyr Araújo, Ku Si Mon Editora, 2019.

Esta nova geração de talentos literários usa como ferramenta de comunicação um português plástico, moldado com a riqueza dos vocábulos próprios inerentes à formação do escritor, seja da Guiné, de Moçambique ou do Brasil, torcem e retorcem a língua de Camões, de António Vieira e de Fernando Pessoa, imputam-lhe a fala do coração, o orgulho da cultura-mãe, polvilham tudo de ingredientes da literatura universal: o humor cáustico, a fábula, as ternuras de infância, a crítica política e social; manipulam a topografia, as crenças, o passado colonial, remexem nos sonhos de ver os filhos prosperar, denunciam os mercados da droga, estão atentos aos fenómenos do radicalismo religioso que começam a aproximar-se da África lusófona. E por aí adiante. O produto final, é essa África misteriosa assistir à entrada em cena de um processo literário que faz transbordar a língua portuguesa para um admirável mundo novo da escrita.

Depois de Marinho de Pina e de Claudiany Pereira, temos o conto "Zé Crocodilo" de Amadu Dafé, um comprovado bom escritor na rampa de lançamento. Numa atmosfera da ainda guerra colonial, Zé Ntchabré entra furioso em casa, pede explicações a Nnami, a mulher, que é lavadeira do capitão. Zé soube pelo capitão que Nnami, a sua noiba (a mulher mais nova) está grávida, e dele, o capitão, ao princípio Zé pensou que se tratava de uma brincadeira, o capitão dava a sua palavra de honra. Saiu de casa e abeirou-se no rio Mansoa, atirou-se às águas. E passou a haver falatório na tabanca: “Zé virou crocodilo”. O capitão enviou um contingente militar para resgatar Zé Crocodilo, parecia não haver resultados, o capitão preparava-se para se atirar sozinho ao rio, nisto apareceu Zé que energicamente o dissuadiu. A conversa girou à volta de duas meninas que Zé tinha salvo das águas, houvera metamorfose, Zé pede ao capitão para ser promovido, ele prefere nomeá-lo Zé Crocodilo. Nnami teve uma menina linda e mulata. E assim termina a história: “Em mistério ficou a admiração ao Zé Ntchabré, capaz de virar crocodilo, ao que tudo indicava, e permanecer nas profundezas do rio, talvez com o fito de apanhar almas brancas para as transformar em filhas próprias”.

Marinho de Pina volta à carga com um tema explosivo, desta vez aborda o lesbianismo, uma mulher fala na primeira pessoa depondo que desde menina não tinha nenhuma curiosidade acerca do sexo masculino, interessantes eram as suas amigas. O pai apercebe-se da situação, mesmo quando a menina ficou grávida. Procurava a camuflagem e o alívio da sanção pública dormindo com rapazes. “Comecei a acreditar que o lesbianismo podia ser curado, e quanto mais dormisse com rapazes mais gosto pelo pénis teria e assim me iria libertar da minha atração por mulheres. Mas não é nem sequer do pénis que eu não gosto, mas da pessoa a quem o pénis está anexo. A questão é mesmo eu não sentir atração sexual pelo homem”. A sua vida é um desbragamento. Mas depois de ter dado à luz, o lesbianismo não a enganou, voltou com toda a força, mas houve mudanças no seu caráter, como ela confessa: “Eu achava o lesbianismo como uma doença ou algo assim que se possa passar para os filhos, como um defeito genético, e tinha muito medo de que o meu filho viesse a ser gay (…) O meu filho quebrou os meus medos, eu seria o que era, não o que acham que devesse ser. Eu transformaria aquele meio para que quando o meu filho viesse a ser gay encontrasse uma sociedade melhor e não tivesse os mesmos problemas que eu, e se viesse a ser, que soubesse respeitar e lutar pela normalidade deles, se tivesse de ser”. O pai manda-lhe fazer as malas, irão a caminho de Maputo, ela não sabe para onde. Na estrada, parece vir um carro em perseguição, é uma condução agressiva, quem vem atrás buzina de forma aterradora, acaba por capotar. O pai teme vinganças, deixa-me numa pensão, escreve ela, voltou para casa para ir buscar a mulher e o neto. Batem-lhe à porta freneticamente… E quem aparece não é o pai, fim de conto, todas as suposições são possíveis, fica o eixo central da questão que leva ao desenvolvimento desta trama, a coragem de versar um tema tabu na África negra.

Uma questão de liberdade, de Edson Incopté, fala de Martinho N’fanda que viera estudar para Portugal, filho de chefe de tabanca, profundo conhecedor da cultura e das tradições do seu povo. A vinda para Portugal livrara-o temporariamente do compromisso de casamento com Maria N’tombikté, compromisso estabelecido desde o dia em que esta nascera. Mas Martinho conheceu em Portugal Rita Alexandre, viveram anos da mais quente paixão. Então um dia o pai ordenou-lhe que arrumasse as trouxas e voltasse para o país. Martinho pôs a questão a si próprio: Estava mesmo disposto a voltar para a Guiné-Bissau? Martinho anda à deriva, está confrontado com decisões, mas apercebeu-se pela primeira vez que tinha a liberdade de fazer uma escolha sobre o seu destino. Talvez o destino o tenha obrigado a tomar uma decisão de sorte madrasta, como culmina o conto:

“Ao voltar para casa no final do dia, encontrei-o sentado no sofá da sala com o semblante de quem esteve assim o dia inteiro. Obviamente que não me atrevi a questioná-lo. Mas olhei para os olhos dele e vi neles um brilho invulgar. Era lágrima. Percebi que tinha chorado todo o dia. E foi então que compreendi que a decisão estava tomada. Qualquer que fosse, estava tomada.

Predispus-me a ouvi-lo, mas desta feita quem não estava para conversas era ele. Seguiu para o quarto no preciso instante em que o telemóvel tocou. Mas ele nem para trás olhou. Entrou no quarto e bateu a porta. Não sei por que razão, mas não me atrevi, sequer, a olhar para a chamada”.

Esta surpreendente antologia irá prosseguir com obras de Claudiany Pereira, Edson Incopté, Amadu Dafé, Marinho de Pina, o leitor poderá comprovar que estamos diante de uma literatura refrescada, mesmo quando as temáticas relevam o fatalismo, a crítica política frontal, a indiferença por quem combateu pelas causas da liberdade, o espantalho da SIDA, face ao qual a sociedade ainda reage com imensa indiferença.

Não hesito em voltar a Edson Incopté e ao seu conto "Invasão de Ratos", em que uma criança entra esbaforida em casa dizendo que o professor falara numa invasão de ratos que se tinham espalhado por toda a parte, no bairro do Bandim passou a acontecimento mediático, opinavam jornalistas, profissionais de saúde e políticos, até que chegou o momento de indagar junto da fonte da notícia que provas tinha o professor para colocar uma cidade, um país inteiro em estado de pânico. E o professor respondeu:

“– O senhor acha que preciso de alguma prova? Não vê ratos espalhados por toda a cidade de Bissau? Se não vê, então é cego...! É só subir até à praça, verá aí os ratos todos. O senhor não vê…! Os ratos invadiram a cidade, povoaram as casas mais luxuosas deste país, roeram e roem, todos os dias, o coração das pessoas. Roeram sonhos e valores. Roeram toda a honestidade, a hombridade, até a humildade das pessoas. Já não resta quase nenhuma esperança, roeram quase tudo”.

Parabéns pelos 25 anos da Ku Si Mon, esta antologia é mais uma confirmação de que a literatura luso-guineense não só está em boa forma, cresceu e mostra pujança. É um dos maiores bens da lusofonia, esta festa da palavra.

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Notas do editor:

Vd. poste de 4 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23762: Notas de leitura (1513): "Fora de Jogo", com a participação de Amadu Dafé, Claudiany Pereira, Edson Incopté, Marinho de Pina e Valdyr Araújo; Ku Si Mon Editora, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23783: Fichas de unidades (28): BCAV 490 (Bissau e Farim), CCAV 487 (Farim), CCAV 488 (Jumbembem), e CCAV 489 (Cuntima), 1963/65


(Tem 117 referênias no nosso blogue)

Identificação BCav 490

Unidade Mob: RC 3 - Estremoz

Cmdt: TCor Cav Fernando José Pereira Marques Cavaleiro

2.° Cmdt: Maj Cav Alexandre António Baía Rodrigues dos Santos | Maj Cav Raul Augusto Paixão Ribeiro

OInfOp/Adj: Cap Cav Domingos Vilas Boas de Sousa Magalhães

Cmdts Comp:

CCS: Cap Cav Luís Augusto Rodrigues de éarvalho | Cap Cav Luís Alberto Paço Moura dos Santos | Cap Cav João Luís Moreira Arriscado Nunes | Cap Cav Manuel Correia Arrabaça
Cap SGE António Joaquim Marques

CCav 487: Cap Cav António Varela Romeiras Júnior | Cap Cav Rui Gonçalves Soeiro Cidrais

CCav 488: Cap Cav Fernando Manuel Lopes Ferreira | Cap Cav Manuel Correia Arrabaça | Ten Cav Lourenço de Carvalho Fernandes Tomás

CCav 489: Cap Cav António Ferreira Cabral Pais do Amaral | Cap Cav João do Nascimento de Jesus Pato Anselmo |  Cap Mil Cav António Tavares Martins

Divisa: "Sempre em frente"

Partida: Embarque em 17Ju163; desembarque em 22Jul63 | Regresso: Embarque em 12Ago65

Síntese da Actividade Operacional

Após o desembarque, permaneceu em Bissau em função de intervenção, com duas subunidades em reforço do BCaç 512, a partir de 2ago63, por rotação, a fim de actuarem intensivamente na região de Óio-Morés e Mansoa.

De 14jan64 a 24mar64, assumiu o comando das forças terrestres da  Op Tridente, realizada nas ilhas de Como, Caiar e Catunco, reforçado com outras subunidades, incluindo fuzileiros especiais e paraquedistas.

Em 23mai64, seguiu para Farim a fim de preparar a organização, deslocamento e instalação das forças no Sector C3, mais tarde, Sector 02, então criado e cuja área se encontrava incluída do antecedente na zona de responsabilidade 
do BCaç 512. 

Em 31mai64, assumiu a responsabilidade completa do referido sector, com a sede em Farim que abrangia os subsectores de Cuntima, Jumbembém, Bigene e Farim e a partir de 29jun64 o de Binta, então criado.

Em 25mar65, instalou forças para ocupação da povoação de Canjambari, no seu sector, tendo as suas subunidades ficado integradas no seu dispositivo e
manobra do Batalhão, a partir de 31Mai64.
 
O batalhão continuou a desenvolver assinalável actividade operacional de reconhecimentos, emboscadas, batidas, abertura e protecção dos itinerários e
acções sobre grupos inimigos.

Destacam-se, pelas baixas causadas e pela captura de bastante armamento e outro material, as operações "Jocoso", "Vouga" e "Invento", entre outras.

Dentre o armamento capturado mais significativo, destaca-se uma metralhadora
ligeira, 19 pistolas-metralhadoras, 36 espingardas, 10 minas e 9145 munições de armas ligeiras.

Em 15Jun65, foi rendido no Sector 02 pelo BArt 733 e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, tendo ainda destacado nesse período alguns efectivos das suas subunidades para segurança e protecção dos meios de travessia do rio Cacheu, em S. Vicente.

***


A CCav 487, enquanto na função de intervenção, foi empregada em diversas operações nas regiões de Encheia, Fajonquito, Bissorã e Morés, em reforço de outros batalhões e, integrada no seu batalhão, na Opperação Tridente, atrás referida.

Em 11Mar64, seguiu para Farim a fim de substituir a CArt 640 na função de subunidade de intervenção e reserva do sector, inicialmente na dependência do BCaç 512 e depois do seu batalhão. 

Em 15Ju165, após curto período na dependência do BArt 733, foi substituída em Farim pela CArt 731 e recolheu então a Bissau a fim de se integrar novamente no seu Batalhão até ao embarque de regresso.

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A CCav 488, enquanto na função de intervenção, foi empregada em diversas operações nas regiões de Mansoa, Cutia, Bissorã e Morés, em reforço do BCaç 512 e, integrada no seu batalhão, na Op Tridente atrás referida.

Após deslocamento por Bafatá, Cambajú, Canhamina e Sitató, ocupou e instalou-se em Jumbembém em 31mai64, assumindo a responsabilidade do espectivo subsector e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu
batalhão.

Em 06Jun65, foi rendida pela CArt 730, tendo recolhido seguidamente a Bissau com o seu batalhão e onde se manteve até ao seu embarque de regresso.

***


A
 CCav 489, enquanto na função de intervenção, foi empregada, com base emMansabá, em diversas operações efectuadas nas regiões de Mansabá, Bissorã e Morés, em reforço do BCaç 512 até 27dez63 e, integrada no seu Batalhão, na
Op Tridente,  atrás referida, tendo ainda sido atribuída temporariamente
ao BCaç 236 e depois ao BCaç 600 para colaborar na segurança e protecção das
instalações da área de Bissau, de 03Set63 a 210ut63, a fim de colmatar a saída
da CCaç 154.

Após deslocamento conjunto com a CCav 488 até Sitató, instalou-se em Cuntima em 31mai64, onde substituíu forças da CCaç 461 e da 1ª CCaç, assumindo a responsabilidade do respectivo subsector, então criado e ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 6jun65, foi rendida pela CArt 732, tendo recolhido seguidamente a Bissau com o seu batalhão e onde se manteve até ao seu embarque de regresso.

Entretanto, a partir de 13jun65, dois pelotões estiveram temporariamente deslocados em Bula, em reforço do BCav 790, por períodos de 10 a 15 dias, com
vista à realização de patrulhamentos e contactos com as populações da região de
S. Vicente.

Observações  - Tem História da Unidade (Caixa n." 127 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 253/255


Imagens: Cortesia de Coleção de Brasões, Guiões e Crachás de Carlos Coutinho (2009)
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Nota do editor:

Último poste da série > 17  de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23714: Fichas de unidades (27): 1.ª CCAÇ/CCAÇ 3 (Bissau, Nova Lamego, Farim, Barro, Guidaje, Bigene, 1961/74)

Guiné 61/74 - P23782: Parabéns a você (2115): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Enfermeira Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23779: Parabéns a você (2114): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)