sexta-feira, 14 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11705: Notas de leitura (491): Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Mestre Braima Galissá pediu-me colaboração na elaboração de uma brochura sobre o korá. Dentro da bibliografia que pôs à minha disposição, vem este belíssimo atlas, de que eu nunca tinha ouvido falar, é uma preciosidade, estou certo que a sua divulgação junto dos guineenses de Bissau e os que aqui vivem seria um excelente estimulante que levasse à constituição de grupos musicais com base nos instrumentos tradicionais, como o balafon e bombolom.
A Casa da Guiné tem procurado dar o seu contributo, mas falta o dinheiro.
Este livro merecia ser reeditado como instrumento exemplar da multiculturalidade.

Um abraço do
Mário


Atlas dos instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau

Beja Santos

Posso estar equivocado, mas este atlas é uma preciosidade, dói saber que está esgotado, devíamos todos dar voltas à cabeça para encontrar processo de o reeditar. Para benefícios dos guineenses, que têm um património musical de grande valor, para benefício nosso, toda aquela música tem uma beleza inexcedível e bem merece ser divulgada. A começar pelo korá, mestre Braima Galissá que bem se esforça, desloca-se a qualquer evento quando é solicitado, é humilde nos seus honorários, move-o o pleno prazer pela cultura mandinga, toca na rádio e na televisão, junta-se a trabalhos discográficos de João Afonso, Amélia Muge, Sara Tavares e muitos outros, tem prazer em tocar em grupo, ainda na Guiné-Bissau, em 1997, fundou o grupo “Be La Nafa”, uma frase em língua mandinga que quer dizer “bem-estar para todos”. Esta designação foi dada pelos habitantes dos bairros de Bissau a Braima Galissá e aos seus músicos, quando animavam casamentos, batizados, cerimónias religiosas e outras.

Mas há mais mundo musical fora do korá. Nesses anos 90, na Guiné, um projeto holandês permitiu um levantamento à música e aos instrumentos musicais. Depois editou-se em língua portuguesa, terão sido umas centenas de exemplares, perdeu-se o rasto a um documento precioso. Foi exatamente o Braima Galissá [na foto em baixo]quem me emprestou este atlas que, estou em crer, não tem antecessores nem sucessores. O coordenador do projeto, João Cornélio Gomes Correia, escreveu na introdução acerca do papel da música nas culturas africanas e quais as especificidades da música guineense: “É popular, está desprovida de cânones explícitos. Pertence a toda a comunidade, que é o garante da sua perenidade. As músicas são funcionais, não têm qualquer utilização fora do seu contexto sociocultural. Não sendo objeto de especulações abstratas por parte de quem a pratica, a teoria que lhe é subjacente está totalmente implícita na diversidade dos grupos étnicos”. E mais adiante, justificando a razão essencial do atlas: “Os músicos e artistas continuam sem conceber a profundeza e a riqueza dos cânticos populares. Partindo dessa realidade, somos de opinião que o desenvolvimento da música guineense deve passar necessariamente por um estudo e reflexão por parte dos músicos e artistas. A transformação e a evolução da nossa música não devem obedecer exclusivamente a padrões musicais ocidentais (adoção da escala musical, arranjos harmoniosos, etc.) na medida em que a aplicação mecânica desses padrões irá destruir, em muitos casos, a sua originalidade e riqueza. Neste atlas, os instrumentos foram colocados segundo a organologia e está organizado de forma que, a cada instrumento corresponde um mapa mostrando as regiões do país e o nome por que é conhecido”. É um trabalho pioneiro, havia o propósito de criar um banco de dados que seriam postos à disposição dos estudiosos da música e dos instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau.

O primeiro agrupamento é dos instrumentos pertencentes à família dos membranofones, isto é, os tambores. Neste grupo foram encontrados os seguintes instrumentos: dundumba, feito de um tronco de árvores cavado com uma pele de cabra, é um tambor de forma cónica, batido com a mão e com um pau reto; findon, tem forma hemisférica alongada com uma pele de vaca numa extremidade e na outra está aberto; ondam, é um tambor de forma cónica com uma pele afixada com cavilhas. O seu tamanho é de cerca de 1,20 m, é batido com as duas mãos; Tabulé, talvez o mais divulgado dos tambores, tem forma hemisférica com uma pele de vaca, é tocado nas mesquitas para chamar os fiéis, tem um importante papel no Ramadão, é um meio de comunicação e é também utilizado para marcar um ritmo compassado à leitura do Corão; Tantam, é um conjunto de três tambores, é tocado pelos “djidius” (músicos) em todas as festas populares e para animar as sessões de luta tradicional; djimbé, tem também forma cónica, é quase sempre tocado com a flauta e o lálá; dondom, tem forma forma de ampulheta com duas peles fixadas por uma única corda que as entrelaça, acompanha o canto e a dança; sicó, é uma pequena caixa quadrangular de madeira cuja face superior é revista de pele de cabra fixada por pregos.

Passando para a família dos instrumentos cordofones, o realce é dado ao korá, simultaneamente uma harpa e um alaúde, toca-se nos eventos mais importantes e os mandingas consideram-no um instrumento sagrado; quissinta, a cabaça é pequena com a parte de cima forrada de pele de cabra ou vaca, é aparentado com o korá; Tonkoron, dispõe de 4 a 12 cordas, é um instrumento musical que pode aparecer em todas as manifestações culturais, acompanha o canto e a dança; bolombato, a cabaça é inteira, com forma de circunferência ou globo, toca-se em cerimónias do régulo e na luta tradicional, aparece associado ao korá, ao balafon, nhanheiros e outros; nanheiro, dispõe de uma única corda feita de couro de cauda de cavalo, a cabaça é pequena e coberta com couro de crocodilo, o tocador pode tocar e cantar ao mesmo tempo.

Seguem-se os instrumentos que pertencem à família dos aerofones, é o caso da flauta, do chifre, do calitó. A flauta é feita com cana de bambu, o chifre é feito com corno de gazela, mas também de vaca e mais raramente de antílope, funciona mais como trompa; o calitó é um tubo transversal, feito com caule de milho. No que toca aos instrumentos da família dos idiofones, temos os cocos de mangos, o balé, o conhecidíssimo balafon e o não menos conhecidíssimo bombolom, mas há também o chocalho, o reque-reque, o ferro, a campainha, o chocalho de pulso, o lálá, as palmas, a tina (tambor de água), a cabaça, a kunna, o taque e o neo.

Certamente que todos estão lembrados do balafon, é um xilofone, ou seja, um teclado de lâminas longiformes, em madeira, fixadas sobre um quadro que é percutido com duas baquetas. O balafon é tradicionalmente tocado por um grupo de pessoas que possuem um estatuto e um papel particular: os “djidius”, músicos depositários e transmissores do saber, considerados mestres na arte de falar. Quanto ao bombolom, é um tambor feito a partir de um tronco de árvore (bissilão) cavado de forma cilíndrica com a base mais larga do que a parte superior. É tradicionalmente tocado em todas as manifestações socioculturais: fanados (iniciações), choros (funerais) e na festa da etnia balanta tem o nome de kussundé; é um meio de comunicação pelo qual são enviadas mensagens às pessoas que entendem a sua linguagem; acompanha ritmicamente os dançarinos, no caso da etnia mancanha; tem ainda uma função mágica, sendo utilizado em cerimónias destinadas à comunicação com as divindades. O balé é constituído por lâminas cujo número pode variar entre 17 e 21, as quais são munidas de cabaças, que são grandes; o teclado fica ligeiramente inclinado. As cabeças estão dispostas por baixo das lâminas que são fixas e emparelhadas. É tocada habitualmente nas festas e cerimónias dos balanta-mané.

É um belo livro. É estranho como a comunidade guineense em Portugal está arredia aos seus instrumentos musicais. Impunha-se apoiar uma escola de música para vulgarizar e atrair jovens adeptos para este património de inexcedível valor que as gerações na diáspora podem vir a esquecer.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11693: Notas de leitura (490): (Mário Beja Santos) República e Colonialismo na África Portuguesa, coordenação de Fernando Tavares Pimenta (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11704: Os nossos médicos (47): Qual era a dotação médica de um batalhão ? Três médicos por batalhão, diz-nos o ex-alf mil méd J. Pardete Ferreira (CAOP1, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71)

1. Não temos falados, com a regularidade e a profundidade que gostaríamos, dos serviços de saúde militares do nosso tempo: como estavam organizados, como funcionavam, qual era formação dos nossos médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermeiros e outros...

Pessoalmente tinha a ideia de que havia 1 médico por batalhão (, o mesmo se passava com o capelão). As companhias independentes não tinham médico, na sua composição orgânica. Ou tinham, inicialmente ? A minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, por exemplo. não tinha médico, pelo menos no meu tenmpo (Contuboel e Bambadinca, maio de 1969/março de 1971).

É claro que chegámos a conhecer mais do que um médico, na sede batalhão (, prestando cuidados a 4 companhias + população civil)... Em Bambadinca, entre junho de 1969 e março de 1971, conheci pelo menos 3, nos batalhãoes em que esteve integrada a CCAÇ 12 (BCAÇ 2852, a968/1970), e BART 2917, 1970/72).

Muitas vezes o médico do batalhão acabava por ser transferido para outro sítio ou para o HM 241 (Bissau)... 

Nos anos 60/70, o país tinha ainda poucos médicos: 7 mil (1960), 8 mil (1970)... As carreiras médicas, a nível nacional, datam de 1971... Os internatos médicos não eram como são hoje, Muitos médicos, embora mais velhos do que nós, tinham ainda pouca experiência clínica... Eu calculo que cerca de 1600 tenham sido mobilizados para as 3 frentes do ultramar...

O nosso camarada J. Pardete Ferreira (ex- Alf Mil Med, CAOP, Teixeira Pinto; HM 241, Bissau, 1969/71), e outros camaradas que prestaram serviço no TO da Guiné como médicos (Amaral Bernardo, Mário Bravo, Manuel Valente...) podem falar com mais propriedade do que eu destas questões.

Diz-me o J. Pardete Ferreira [, foto acima], por email recente:

Caro Luís Graça, tenho duas correcções a fazer e alguns informações suplementares:

(i) Em princípio seguiam 3 médicos por Batalhão;

(ii) As Carreiras Médicas iniciaram-se em 1956, com a referida reforma [da saúde] e, antes dela já havia carreira nos Hospitais Civis.

(iii) A estimativa peca por defeito pois com 3 médicos por Batalhão os 1600 passam para 4800.

(iv) O HM241 tinha em média 35 médicos.

(v) A "instrução de especialidade" fazia-se no Hospital Militar Principal: eram cerca de 6 meses...


2. Amigos e camaradas, gostávamos de conhecer a vossa experiência nesta matéria:

(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?

(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?

(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?

(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermeria do aquartelamento (se é que existia) ?

(vi) Foram a alguma consuta de especialidade no HM 241 ?

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?

(viii) Tiveram alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...


Enfim, ficamos se responderem a alguns destas questões que também são importantes para completar o dossiê das nossas memórias...

Respondam, por favor, através do nosso mail: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, diretamente em comentário a este poste.

Um abraço para todos/as. Luís Graça

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11608: Os nossos médicos (46): Dá-me os meus olhos! Homenagem ao Oftalmologista, Dr. José Luís Bettencourt Botelho de Melo (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11703: FAP (71): O AL III faz 50 anos de operação e eu gostaria de saber como se fazia a Instrução da sua pilotagem na época (Fernando Leitão, ten cor pilav, Área de Ensino Específico da Força Aérea, Instituto de Estudos Superiores Militares)



Algures sob os céus da Guiné, aos comandos de um AL III, o nosso camarada Jorge Félix (ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70).

Foto: © Jorge Félix (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do ten cor pilav Fernando Leitão, da FAP:


Data: 12 de Junho de 2013 às 09:22

Assunto: Instrução de Pilotagem em ALIII


Muito bom dia.

No âmbito das comemorações dos 50 anos do ALIII na FAP, cabe-me levar a cabo uma comunicação acerca da instrução de pilotagem naquela aeronave.

Estou bastante familiarizado com o modo como decorriam os cursos desde a década de 90, altura em que eu próprio frequentei o meu curso de pilotagem de helicópteros, mas dos primórdios pouco conheço, naturalmente.

Assim, para a recolha da informação ainda disponível, devo recorrer a quem viveu essas experiências. É nesse âmbito que solicito o seu contributo, de documentos ou experiências vividas, relativamente a:

(i) seleção dos alunos pilotos (recrutamento de civis ou requalificação de pilotos de outras aeronaves?);

(ii) duração do curso (tempo e horas de voo);

(iii) modalidades de voo com maior  relevo? (voo de contacto, voo de montanha, navegação, etc.);

(iv) ab initio no Alouette ou antes voavam Chipmunk?;

(v) após o curso de pilotagem de helicópteros, havia lugar a qualificação operacional (curso avançado) ou seguiam diretamente para os teatros de operações?;

(vi) outras informações pertinentes.

Antecipadamente agradecido pela sua colaboração, apresento os meus melhores cumprimentos.

Fernando Leitão
Tenente-Coronel Piloto Aviador
Área de Ensino Específico da Força Aérea
Instituto de Estudos Superiores Militares
Rua de Pedrouços 1449-027 LISBOA
Tel: 213002143 / Tel mil: 226140

2. Comentário de L.G.:

Mensagem que já seguiu ontem pelo correio interno da Tabanca:

Camaradas da FAP. Jorge Félix, A, Martins Matos, Jorge Narciso, Miguel Pessoa, Vitor Barata, Maria Arminda, Giselda ...

Lembrei-me, de imediato,  de vocês, O nosso blogue é uma fonte de informação e conhecimento importante sobre o passado, o presente e, também, por que não, sobre o futuro das nossas Forças Armadas (bem como da sociedade portuguesa)...

O ten cor pilav Fernando Leitão faz-nos aqui um pedido que, julgo, não podemos recusar. A FAP está a comemorar os 50 anos do AL III, que foi um dos nossos "heróis" no TO da Guiné. Alguns de nós devem-lhe a vida, ao AL III, aos seus seus pilotos, aos seus mecânicos, às enfermeiras paraquedistas, aos apontadores do helicanhão... 

Há histórias ainda por contar sobre o AL III, no nosso blogue. Algumas, fabulosas (e ilustradas com belas fotos), já aqui foram contadas nestes nove anos de vida do blogue (e que já vai com cerca de 11700 postes)... 

Entretanto, há aqui 5 perguntinhas do ten cor pilav Fernando Leitão (sobre a instrução de pilotagem do AL III) que alguns de vocês estão em condições de responder no todo ou em parte... Gostaria que pudessem colaborar com este oficial superior da nossa FAP, do Instituto de Estudos Superiores Militares, e que essas respostas pudessem ser depois divulgadas no nosso blogue.

Viva a nossa FAP. Viva o AL III. Vivam os Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras...

Um Alfa Bravo para todos. Luís Graça

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11488: FAP (70): 50 anos de operação do AL-III na Força Aérea (Miguel Pessoa)

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11702: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (16): Monte Real, 8 de junho de 2013 - Olhares de um saudosismo


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.



Olhares de um saudosismo



No rescaldo de um “golpe de mão” em Monte Real

A Guiné será eternamente por todos nós recordada!... A guerra, isto é, o seu conteúdo funcional e operacional, apresentar-se-á sempre na sua plenitude como uma eficaz alavanca superior quando o fiel da balança sugere, inegavelmente, um encontro preciso com a nossa presença no palanque numa guerrilha que ao longo de anos (entre 1963 e 1974, na Guiné) não deu tréguas a mancebos enviados para a frente de combate naquela antiga província ultramarina. Experiências inéditas que resvalaram para contornos inimagináveis. 

Os olhares distantes de um saudosismo visualizado em gentes que conheceram a irreversível realidade, afigura-se, no meu contexto, como uma duplicidade de sentimentos que conduz os camaradas de armas em solo guineense a um infinita cumplicidade que cruza gerações e gere polos de amiudadas conversas entre os antigos combatentes.

Reconheço, porém, que a guerra nas antigas colónias em geral, parece sucumbir para o limbo do esquecimento de governantes nacionais que jamais saberão o que foi o verdadeiro sofrimento de uma rapaziada atirada para a frente de combate em plenos verdes anos da sua afirmação. A sociedade, lembro, impunha, na altura, como prioridade insofismável a aquisição do primeiro emprego. A opção configurava-se irreversível, acrescento.

Sabemos que articular, hoje, a temática da guerra, a nossa, considera-se tabu no seio de uma sociedade na qual só os mais velhos ditam, e subscrevem, opiniões reais sobre os seus tempos de padecimento como combatentes algures nos matos adensadas da Guiné, como foi o nosso caso.

À memória surgem-me imagens por nós conhecidas mas escamoteadas pelos senhores do poder que desconhecem essas exequíveis realidades, presumo. Curvo-me perante os jovens camaradas falecidos no conflito. DESCANSEM EM PAZ! Foi duro ver um companheiro tombar quando as balas, neste caso, cruzavam o infinito de um horizonte quiçá nebuloso. Arrepio-me, também, a rever memorialmente companheiros que viram o seu corpo sofrer profundas alterações físicas na sequência de uma guerra que não dava folgas.

Recordo, por exemplo, a mágoa sentida quando uma tarde me deparei com o cadáver de um camarada que apresentava, apenas, um buraco na testa por onde o estilhaço havia penetrado e causado a razão única da sua morte. Foi na enfermaria de Nova Lamego onde tive a oportunidade de constatar o corpo de um camarada que havia tombado algures na região de Gabu. Lembro-me comentar com o enfermeiro Dinis, já falecido, o trágico fim do rapaz que morreu numa terra que não era sua e que se limitava a expor o corpo às balas. O infeliz, tal como os outros milhares de militares mortos no tablado da guerrilha colonial, foi mais um que figura no rol de desaparecidos em combate.

A talho de foice refiro, com inteira prontidão, a lista de estropiados a que se associam aqueles que amiudadamente convivem com eternas convulsões pós traumáticas de guerra, bem como todos os camaradas que apresentam situações de menor gravidade mas prevalecendo na sua mente resquícios de um conflito armado que lhes deixou marcas e que continuam literalmente embrenhadas no seu quotidiano com as mazelas de ontem.

Este meu início de uma temática irrefutável, faz-me anunciar, com rigor, o nosso último almoço, em Monte Real, sobre a égide do nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde me deparei com ilustres camaradas cujo tempo de longevidade não impede uma confraternização, sendo certo que estes já gastos ex combatentes aproveitam a ocasião para trazer ao cimo da conversa sons e imagens da guerra na Guiné onde fomos, afinal, atores reais de um palco com xadrezes diferenciados, mas com “enredos” comuns.

Ouvi ao longo do pretérito dia 8, nacos de histórias encantadoras. Histórias de tiros, de ataques, de emboscadas, de mortos, de feridos, de evacuações, dos estridentes sons emitidos pelos motores dos Fiat’s que na linha da frente iam atirando alguns “rebuçados” para o solo, tendo como finalidade abrir caminho para a penetração das nossas tropas no pressuposto terreno inimigo, entre outras mirabolantes controvérsias que a guerrilha, despida de preconceitos, impunha.

Olhava despretensiosamente rostos, outrora jovens, que continuam deslumbrados a contar vivências acumuladas numa guerra que assumiu contornos para elevar ao êxtase a atuação do antigo guerrilheiro que se vê agora despojado de uma aceitação moral e ética que se perde efusivamente no tempo.

Na minha mesa tinha ao meu lado esquerdo o Jorge Canhão, a esposa, e o Joaquim Sabido, também com a esposa, entre outros camaradas, e reparava incessantemente no rodopio constante de gentes que teimam em não se curvar perante possíveis adversidades que a vida a espaços lhes aplica. O Zé Carvalho, Pirata de Guileje, e meu camarada ranger, surpreendia o mais incauto combatente que ousasse desafiar as agruras do pressuposto medo envergonhado.

Lançava um olhar discreto e reparava que aquela juventude de hoje mantém-se firme na sua titânica luta em espalhar humildade de um profícuo reconhecimento. Os seus rostos, já enrugados pelas asas de um vento arrepiante, formam um consenso universal que não rejeita parar ante eventuais tempestades. Aquela juventude, a meu ver, enuncia um saber ancestral sobre uma guerra que marca na verdade a nossa história passada.

No rescaldo de um “golpe de mão ao prato”, em Monte Real (Palace Hotel), ficou a certeza que o espírito de união entre velhos camaradas que palmilharam trilhos idênticos na Guiné, permanecerá inalterável, não obstante donde possam soprar os ventos quer eles sejam oriundos de vilipendiadas tempestades ou de uma fértil bonança.

Bem-haja a nossa presença num repasto divinal, ficando a subsequente dica: “Tudo vale a pena Se a alma não é pequena”, aqui parafraseei Fernando Pessoa, um ícone da literatura portuguesa.

Um abraço deste alentejano de gema,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 63/74 - P11701: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (15): Monte Real, 8 de junho de 2013 (Parte IV): Mais 'apanhados' do Miguel Pessoa


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio > A Giselda Pessoa e o António Martins de Matos, dois camaradas que honraram a Pátria e a FAP no TO da Guiné, entre 1972 e 1974. A Giselda como enefermeira paraquedista e o António como piloto (Fiat G-91 e DO-27).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  Dois guineenses ou,  melhor, nativos da Guiné... À esquerda, o nosso tabanqueiro António Estácio, que fez a tropa em Angola; e à direita, Rui Trindade Doutel Guerra Ribeiro, cor ref., filho do Intendente Guerra Ribeiro, já falado aqui no blogue.



Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  à esquerda, o grande Victor Tavares (Águeda), que está em tratamento de um doença; e à direita, o camarada de Lisboa que veio pela mão do António Estácio: o Hugo Eugénio Reis Borges (a quem convido para integrar também a Tabanca Grande; o Hugo Borges é maj.gen.tef: quando Tenente foi comandante de pelotão do Victor Tavares, na CCP 12/BCP 12).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio > Dois fidelíssimos tabanqueiros: Henrique Matos, açoriano de Olhão, e Paulo Santiago (Aguada de Cima / Águeda).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio > À volta dos livros: Alberto Branquinho (Lisboa) (à esquerda); e José Ferreira da Silva (Crestuma / Vila Nova de Gaia) (que, para o ano, vai lançar também o seu próproio livro de contos, em que é mestre, tal como Branquinho; ouvi dizer que era para o ano, mas o Ferreira da Silva é que pode confirmar...).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio > O Joaquim Mexia Alves e a Maria João (que é esposa do Jorge Araújo, doutorada em psicologia, professora do PIAGET).



Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio > Da esquerda para a direita: o Jorge Araújo (Almada) e o João e a Celestina Sesifredo, do Redondo... O João foi 1º  Cabo no Pel Nat Caç 52, no Mato Cão, no tempo do Joaquim Mexia Alves (e passa automaticamente a ser convidado para integrar a nossa Tabanca Grande).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  Os meus queridíssimos amigos Gina e António Fernando Marques (, meu camarada da CCAÇ 12, voámos juntos numa GMC em 13/1/1971, à saída do destacamento de Nhabijões, Bambadinca).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  Da esquerda para a direita, o Jorge Loureiro Pinto (Sintra), que esteve na região de Fulacunda ("de que pouco se fala no blogue", queixa-se ele); e um outro camarada que, lamentavelmente, não consigo identificar... (Jorge, dá-me uma ajuda,e  manda coisas de Fulacunda para publicar!... Bolas, és professor de história, e o dossiê de Fulacunda ainda está muito vazio, tens razão...).


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  À direita, o José Saúde (que veio de Beja e aproveitou o ensejo para lançar o seu 5º quinto livro com as suas memórias do Gabu); à esquerda, um outro camarada de cujo nome não me consigo lembrar (Desculpa, camarada!).


 Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  Gente que cuida da sua imagem...


Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte real > 8 de junho de 2013 > VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Almoço convívio >  O nosso veteraníssimo JERO (e Jero só há um o de Alcobaça, e mais nenhum)... Sempre ativissimo, o último monge de Alcobaça: está a escrever outro livro sobre a sua amada terra... Ficámo-nos de encontrar de novo na reunião anual da Tabanca de São Martinho do Porto... (se o Pepito e a senhora sua mãe, a nossa decana da Tabanca Grande, Clara Schwarz, nos convidarem outra vez este ano)...

Fotos: © Miguel Pessoa (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de junho de 2013 >  Guiné 63/74 - P11695: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (14): Monte Real, 8 de junho de 2013 (Parte III): Os 'apanhados' do Miguel Pessoa

Guiné 63/74 - P11700: Efemérides (130): Atalaia, Lourinhã, domingo, 16 de junho, às 10h45: Inauguração de Monumento aos Combatentes


Lourinhã > Cemitério local > 19 de maio de 2013 > Talhão dos combatentes recentemente inaugaurado. A Lourinhã é um concelho que tem dedicado especial carinho aos seus antigos combatentes. 


Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes:


Data: 5 de Junho de 2013 às 10:21

Assunto: Inauguração de Monumnto aos Combatentes na Atalaia - Lourinhã

Exmos. Senhores,

Por iniciativa da Junta de freguesia da Atalaia – Lourinhã e de um grupo de antigos combatentes da freguesia vai ser inaugurado nesta localidade, em 16 de Junho próximo pelas 10H45, um monumento aos combatentes da guerra em África.

O evento iniciar-se-á com uma missa na igreja da freguesia, seguindo-se a inauguração do monumento, que contará com a presença de uma guarda de honra da EPI e um terno de clarins da Banda do Exército.

A cerimónia será presidida pelo Presidente da Junta de freguesia e contará com a presença de autoridades civis e militares.

O Núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes estará presente com o seu guião e dá apoio à cerimónia.

Costa Pereira
TC
Liga dos Combatentes, Núcleo de Torres Vedras
Rua 9 de Abril, 8 - 1º
(Apartado, 81)
2564-909 Torres Vedras
Telef 261104763

2. Comentário de L.G.:

Leio no sítio da RCL - Rádio Clube Lourinhanense que o programa, em maior detalhe,  é o seguinte:

9h00 –  Missa, na Igreja de Nossa Senhora da Guia
10h15 – Desfile em cortejo com militares vindos de Mafra e Carregueira, até ao monumento acompanhados pela Banda da Associação Musical da Atalaia [AMA]
10h45 - Inauguração do monumento aos combatentes por entidades oficiais e militares, junto à sede da AMA.

O dia é também o da Festa do Pão de Milho, organizado pela AMA. Um pretexto acrescido para os amigos e camaradas da Grande Lisboa e Vale do Tejo aparecerem por esta linda terra da Estremadura, sobranceira ao mar, que é a Atalaia da Louirnhã... Terra onde ainda há moínhos de vento a trabalhar!

 Programa  (10h00-20h00)

- Venha Reviver os Anos 60 e 70;
- Visitas gratuitas guiadas aos Moinhos;
- Prova de Mão (broa de milho, pão com sardinhas, com torresmos, merendeiras com chouriço; petiscos;
- Venha ver ao vivo amassar e levar o pão ao forno a lenha;
- Muita animação: Gaita de Foles, Rancho Folclórico "As Moleirinhas do Seixal";
- Artesãos ao vivo;
- Exposição Molinológica "A Eira";

Local: Atalaia - Lourinhã: Travessa dos Moinhos 7
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Guiné 63/74 - P11699: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (5): Visitando Cabedu, Cautchinké e Catesse... A alegria com que somos recebidos, a par da tristeza com que vemos a floresta ser destruída no Cantanhez...







Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cabedú > 4 de maio de 2013 > Centro de Saúde de Cabedú, onde recentemente tinha nascido a primeira criança...




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cautchinqué > 4 de maio de 2013 > Saboreando a água do fontanário em Cautchinqué (ou Cautchinké), construído e equipado com a  solidariedade da Tabanca Pequena de Matosinhos bem como da ONGD Ajuda Amiga, entre outros doadores e beneméritos (onde se inclui a família do nosso saudoso camarada José Neto)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cautchinqué > 4 de maio de 2013 > As hortinhas com viveiros de plantas para transplantar


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 4 de maio de 2013 > Duas máquinas de costura colocadas em Cabedú, pela Tabanca Pequena. Um incentivo à formação de uma escola de costura para as bajudas locais. 





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 4 de maio de 2013 > Associação de jovens bajudas de Catesse na escolinha de costura. Nota-se a felicidade de quem quis ficar na fotografia



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 4 de maio de 2013 > A população de Catesse em festa com a abertura da escolinha de costura.



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 4 de maio de 2013 > A população de Catesse em festa com a abertura da escolinha de costura. O grupo de bajudas dançando [vd. aqui vídeo no You Tube],


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catesse > 4 de maio de 2013 > A população de Catesse em festa com a abertura da escolinha de costura. Teatro pela associação de jovens de Catesse, asociado à Rádio local ali instalada.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte V



por José Teixeira

[, membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário daTabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse] (*)


Chegamos ao dia 4 de Maio. Estar em Iemberém “sabe demais”. As excelentes instalações hoteleiras, no meio da floresta do Cantanhez, transportam-nos a outro tempo, para nos lembrar que muita coisa mudou desde então. Hoje somos acolhidos como irmãos, com sorrisos e abraços. As pessoas desta linda tabanca acolhem com ternura e carinho o Tuga, sem pedir nada em troca. As crianças correm para nós à procura de um carinho. Agarram-nos a mão e acompanham-nos tabanca fora. E, ficam tristes quando nos despedimos, até choram…

Nesta manhã até os macacos desceram pacificamente ao terreiro para mudar de mangueiro, onde não lhe falta comida e da mais saborosa. Por falar em mangueiro, o seu fruto é o saboroso mango. Esta região é um dos grandes centros de produção de mango e da melhor qualidade – o mango faca. São tantos os mangueiros e tanto fruto que durante a noite somos acordados pelo barulho que fazem ao caírem ao chão. De manhã, para o pequeno-almoço, é só apanhar, lavar e saborear. Não me recordo de tanta fruta na Guiné.

O pequeno-almoço confecionado com todo o carinho pela Satu, recheado de frutas em conservas da mais variada qualidade, dá-nos a força necessária para a caminhada que nos espera neste dia

Ainda pelo fresco da manhã partimos para nova aventura. Passamos por várias tabancas e “poisamos” em Cauntchinke para saborear a água fresca vinda do poço que a Tabanca Pequena financiou e apreciar as hortas e viveiros que a comissão de mulheres dinamizou, aproveitando o fato de ter água ali a 15 metros (de profundidade) em quantidade.

Foi uma festa que teve para o autor desta crónica um sabor especial por ver tão bem compensado o esforço dos associados da Tabanca Pequena. Na alegria e no prazer com que nos mostravam as hortinhas bem tratadas e bem regadas, onde os frutos não demorarão a chegar. Sabemos que as tabancas ao redor também vem ali buscar água, para beber o que por si reflete a preocupação das populações em reduzir o perigo de doenças transmissíveis pela água estagnada da mata.

Partimos de novo a caminho de Cabedú. Choca-nos o desbaste da mata do Cantanhez. São muitos os hectares de floresta destruídos. Árvores criminosamente cortadas. As de grande porte estão a ser vendidas à China para enriquecimento de alguns dos poderosos da Guiné e prejuízo da humanidade que vê um dos seus pulmões ser destruído. Todos sabemos que a floresta da Guiné-Bissau é considerada pela ONU uma reserva natural do Mundo e, como tal, deve ser defendia e conservada, no entanto nada se faz para deter o desbaste criminoso. A troca da floresta pela árvore do caju é uma constante em toda a Guiné, retirando-lhe a sua beleza exótica e tão natural. É chocante ver este mar verde destruído e não lhe poder valer por que não há Lei e sobretudo não há vontade para impor a Lei.

Sentados em cima de uma carrinha de caixa aberta, eu e o Francisco Silva olhávamos para este cenário com o coração cheio de mágoas. Não foi esta a Guiné que conhecemos outrora. Era uma Guiné em que a mata estava plena de mistério. Impunha respeito pelo porte das suas árvores e lianas, onde só à catanada se podia abrir caminho, pelos chilrear dos pássaros que tiveram de emigrar, porque lhe roubaram o habitat natural. Pelo silêncio que por vezes era ensurdecedor. Agora que os chimpanzés ousaram voltar e os elefantes e os búfalos, talvez estejam a pensar em emigrar de novo. Outrora foi o ruído das bombas assassinas, lançadas pelo homem que os afastou. Agora o mesmo homem que chorava a sua ausência, está de novo a expulsá-los, retirando-lhes as condições ideais para a sua sobrevivência.

Foi com o coração destroçado que cheguei a Cabedú. Rapidamente recuperei, recuperamos com o ambiente que se gerou com a nossa chegada. A comissão de mulheres gestora da enfermaria estava à nossa espera e com ela muitos dos seus habitantes para nos mostrar a excelente obra que a AD dinamizou com o apoio da TABANCA ONGD alemã que restaurou as instalações da Enfermaria e Centro Materno-Infantil e com o apoio da EDUCÁFRICA, a ONG da Maia que colocou a energia solar para alimentar o poço e iluminar todo o prédio, tendo enviado dois técnicos à Guiné para proceder à instalação. A Tabanca Pequena também colaborou oferecendo o equipamento necessário para a montagem do Centro Materno infantil. O equipamento hospitalar, camas, mesas, cadeiras, armários e marquesas forma oferecidos pela viúva do Capitão Neto, de saudosa memória que fez uma comissão em Guiledge.

Ainda em Cabedú pudemos conversar com as jovens bajudas que estão a organizar-se em associação para formar uma escola de costura. As máquinas de costura oferecidas pela Tabanca Pequena já lá estão, mas não funcionam. Um pequeno erro técnico do carpinteiro que fez as mesas atrasou o desenvolvimento do projeto. É convicção dos responsáveis que dentro de alguns dias a escola começará a funcionar.

O Tempo, nestas coisas de viagem por áreas que dão prazer em estar, tem o terrível defeito de correr demasiado depressa. Foi uma manhã em cheio, mas há que partir de novo. Alguém nos lembra que a população da Tabanca de Catesse está à nossa espera e “ameaça” vir ao nosso encontro a Cabedú para nos levar.

Partimos de novo infiltrando-nos pela floresta em picada de terra batida, como tem sido toda a nossa viagem deste dia. Foi um tempo para recordar o “boguinhas” para uns o “Pincha pincha” ou o “burro do mato” para outros, o velho Unimog [, 411,] que saltava e saltava… se saltava… Foi uma oportunidade para o nosso traseiro recordar esses tempos e testar a agilidade que parece que ainda não perdeu, segundo constatou o Francisco Silva.

A surpresa para nós, os dois casais em que as esposas se sentiam “periquitas” nestas coisas de Guiné, espantadas com tão caloroso acolhimento em todo o lado por onde passávamos, atingiu o máximo quando o motor da viatura anunciou a chegada e os tambores começaram a rufar, através da instalação sonora da Rádio Local. Dançava-se e cantava-se com toda a maestria. A juventude de um lado, os homens ao fundo e as mulheres garridamente vestidas sorriam e remexiam-se ao som da batucada e das palmas bem ritmadas.

Após tão agradável recepção que teimava em não acabar, para nosso deleite, mas porque a fome apertava, lá fomos para a sala de jantar debaixo de um coberto à vista de toda a gente. Até parecia que éramos gente importante e o petisco – Peixe de Chabéu – regado com sumo de cabaça, soube, se soube!

À nossa volta as mulheres preocupadas em receber bem estavam atentas ao mais pequeno pormenor ou gesto para logo acorrerem. Gratificantes momentos, que só demonstram como esta gente gosta de receber e quer receber o POOORTO, ou seja o Português, Ninguém arredou pé, pelo voltamos à arena logo de seguida para ser iniciada a verdadeira festa com danças guerreiras que jovens bajudas nos quiseram obsequiar.

E assim passamos a tarde à sombra de frondosos mangueiros carregadinhos até dobrar a espinha, ouvindo música e apreciando belas danças e peças de teatro com sentido moral, pois como dizia o locutor a cultura desenvolve-se pela acção do homem e em Catesse o homem quer desenvolver a cultura. Ainda deu tempo para uma visita ao rio Cumbijá na expetativa de um mergulho, mas a maré estava a baixar…

Fomos por fim visitar a Associação de jovens Bajudas, onde funciona a escola de costura com o apoio da tabanca Pequena que ofereceu duas máquinas de costura. Mestre e alunas no meio dos panos. A vontade de aprender é tanta que até se atropelam para chegar às máquinas. Trabalho não falta e mão-de-obra parece que também não. São precisas mais máquinas diz-me a presidente, uma jovem mãe sorridente com a sua bebé ao colo.

Com promessas de que vamos tentar um maior apoio no que respeita a máquinas de costura, partimos de novo a caminho de Iemberém, levando connosco sorrisos e despedidas. Mãos a acenar com um brilho estranho nos olhos. É que chegou a hora da despedida.

Esperava-nos um pitéu de estalo. Pita com molho de mancarra.

(continua)

Zé Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11678: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (4): Visita ao Cantanhez e ás tabancas de Iemberém e Farim do Cantanhez... O poilão de Amílcar Cabral... Recordações do tempo de guerra: Contabane e Mampatá (eu e Abdu Indjai, avô da Alicinha); e Jumbembem (o Francisco Silva e o Galissá)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11698: Efemérides (129): O 10 de Junho de 2013 em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal)

1. A exemplo do que se tem feito desde 2007, neste dia 10 de Junho de 2013, Dia de Portugal, dia em que se lembram os portugueses que de alguma maneira se notabilizaram, Leça da Palmeira homenageou os seus filhos caídos em campanha na Guerra do Ultramar.

Uma vez mais esta cerimónia foi levada a efeito com a estreita colaboração da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira, Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes e um pequeno grupo de combatentes.

De acordo com o programa estabelecido, 10 minutos antes das 10 horas da manhã foi hasteada a Bandeira Nacional no Jardim do Edifício da Junta de Freguesia, cerimónia a cargo, por ausência do Presidente da Junta, Dr. Pedro Tavares, do Presidente da Assembleia de Freguesia, e ex-combatente da Guiné, Dr. António Tavares de Sousa, e do nosso camarada e também ex-combatente da Guiné, José Francisco Oliveira.

Foto de família de parte da assistência que junto ao edifício da Junta de Freguesia assistiu ao hastear da Bandeira Nacional
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados


Cerimónia do hastear da Bandeira Nacional
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados


Às 10 horas foi celebrada na Igreja Matriz, pelo senhor Padre Francisco Andrade, uma Missa de sufrágio pelos leceiros caídos em campanha.
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados


Durante a celebração foi porta-guião da LC o camarada matosinhense António Fangueiro da Silva, ex-combatente da Guiné, que pertenceu à CCAÇ 2402 onde o outro nosso camarada Raul Albino foi Alferes Miliciano.
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados


O Talhão Militar da Liga dos Combatentes, no Cemitério n.º 1 de Leça da Palmeira, junto do qual, anualmente, decorrem as cerimónias de homenagem aos nossos camaradas que ali têm os seus nomes escritos porque tombaram ao serviço de Portugal.
Foto: © Elisabete Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados


Dispostas e apresentadas as forças militares, com uma moldura humana razoável, deu-se início à cerimónia com uma alocução por um ex-combatente, no caso vertente por mim próprio.
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados


Seguidamente tomou a palavra o senhor TCor Armando Costa, Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes
Foto: © Elisabete Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados


Finalmente, por ausência do Presidente da Junta, foi o nosso camarada Manuel Tavares de Sousa, Presidente da Assembleia de Freguesia a proferir algumas palavras. 
Tomaria novamente a palavra para, agora na qualidade de ex-combatente, declamar um poema de sua autoria.
Foto: © Elisabete Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados


Um aspecto das pessoas que assistiram emocionadas ao desenrolar da cerimónia. Em primeiro plano, de costas, o SAj Oliveira da LC que fez a locução e coordenou o programa do Dia de Portugal em Leça da Palmeira.
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados


Momento de concentração após a deposição de uma coroa de flores na base do Memorial, em que tomaram parte: o senhor Djalme Rodrigues, vice-Presidente da Junta de Freguesia; Raul Ramos, ex-combatente em Angola; TCor Armando Costa da Liga dos Combatentes e Dr. Manuel Tavares de Sousa, Presidente da Assembleia de Freguesia.
Foto: © Elisabete Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados


Nesta foto, o Porta-Guião da LC, o nosso camarada e tertuliano Abel Santos; Caixa de Guerra e Terno de Clarins (dois clarins e um trombone), vindos expressamente de Coimbra, Comando da Brigada de Intervenção, comandados pelo 1.º Cabo Oliveira e uma Secção de Atiradores da Escola Prática de Transmissões (Porto) comandada pelo Furriel Pereira.
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados

Depois do toque de homenagem aos Mortos cantou-se, a bons pulmões, o Hino Nacional.

Acabadas as cerimónias, antes do destroçar definitivo por este ano, ainda houve tempo para fazer algumas fotos, das quais fica esta, onde figuram, entre outros: Ribeiro Agostinho; Eduardo Magalhães Ribeiro; Casimiro Carvalho; Abel Santos; Eduardo Moutinho Santos e Carlos Vinhal, todos pertencentes à tertúlia deste Blogue. 
À minha direita o incansável e sempre disponível camarada José Francisco Oliveira (Zé Cartaxo) e à esquerda do camarada Moutinho Santos, o TCor Armando Costa. À direita da foto, a D. Conceição Hermínia Mota Costa Pinto, que deu muito da sua vida ao Movimento Nacional Feminino (Porto) e ainda hoje é uma presença habitual junto dos ex-combatentes.
Foto: © Elisabete Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados

Uma última palavra de agradecimento aos camaradas da nossa tertúlia, que não sendo de Leça da Palmeira, ali se deslocaram para participar do nosso 10 de Junho. Esperando não esquecer algum, lembro o Eduardo Magalhães, o Casimiro Carvalho, o Eduardo Moutinho Santos e o Carlos Pinto Azevedo.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11671: Efemérides (128): Comemorações do dia 10 de Junho em Leça da Palmeira e Matosinhos (Carlos Vinhal)