1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 15 de Novembro de 2012:
Caros amigos Luís, Vinhal e M. Ribeiro
Recebam um grande abraço e votos de muita saúde. Aqui vai também, mais um salpico dos tais cor-de-rosa.
Rui Silva
Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”
Olossato 1966
O que havemos de fazer?! Talvez… talvez …, olha (!), pôr gasolina no cú do Boby!
Tarde cálida muito cálida e algo seca; as chuvas estavam à porta, os pavorosos trovões e os temidos tornados. Os fantasmagóricos relâmpagos a rachar o céu de lés a lés. Coisa nunca visto por um tuga mobilizado para a Guiné.
Embora assim quente, a tarde estava muito calma, demais, e tediosa, a convidar pelo menos os mais irrequietos a fazerem alguma coisa, fosse o que fosse, para combater o marasmo. À porta da messe alguns dormiam nas cadeiras baloiçantes (é verdade, os pipos não serviam só para transportar o vinho canforado para a tropa, serviam para fazer cómodas cadeiras também), outros nem por isso. E um ou outro certamente a pensar como devia chatear o outro. Daqueles, nunca faltaram não.
Que fazer então?
Passa enfrente o Boby. Não ia para Farim não, embora o sentido fosse esse. Nem vinha de Bissorã. À procura duma sombra talvez, e para fazer o que os “amigos” Furriéis ali estavam a fazer e a sugerir: dormir! Os cães não saíam do quartel. Sentiam-se bem ali e é que de vez em quando saltava uma bucha.
No Olossato havia 5 cães (pelo menos os “recenseados”) a viverem, quase sempre em matilha: A cadela sempre à frente e o séquito sempre atrás. Disciplina militar também.
Uma cadela (pobre da cadela) e 4 machos, todos tipo rafeiro e sem qualquer patente. Entre eles destacava-se pelo corpanzil o Boby.
O clima parecia também prolongar o cio e, seria como o milho que dava 2-3 vezes por ano?
Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Tabanca do regulado de Badora... Alguns dos numerosos cães que infestavam as povoações... E nos nossos quartéis, onde cheirava a comida, fresca e abundante, ainda mais... Eram um problema de saúde pública.
Foto do nosso camarada Arlimdo Roda, ex-fur mil, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos Reservados
Bom, o Boby pelo estilo e pela raça (?) era o mais solicitado pela malta. Brincava-se com ele. Só faltava dar um nó ao rabo. Tivesse o rabo comprimento para isso.
Só que naquele dia os astros não estavam com o Boby.
O Boby passou no local errado, à hora errada e… com gente errada ali por perto. Da ideia, não me lembro de quem foi, mas daquela ao fazer foi um instante. Ali era assim: havia uma ideia e já estava um ou mais a pô-la em prática. Sempre para chatear o outro. Desta vez escolheu-se o desamparado do Boby
Desperdícios embebidos em gasolina e “óh Boby anda cá”. De rabo a abanar todo solícito, como era habitual, o Boby aproxima-se e sim senhor podem fazer o que quiser. Então alguém lhe esfrega desperdícios com gasolina no rabo. O que parecia ao princípio ser um refresco para o Boby logo o tornou possesso. Numa fração de segundos o Boby encrespa-se e aí vai ele!
Velocidade de turbo. Imparável!!
A gasolina era a vulgar, das viaturas, mas pela velocidade que o Boby chegou a atingir se calhar era mesmo gasolina de avião que andava por ali O Boby de vez em quando pára e, apoiado nas patas da frente esticadas, esfregava o cú no chão. E dava para aliviar. Mas era só uns curtos segundos porque logo, e já com a “primeira” previamente metida, encetava outro vai-e-vai em correria desenfreada, louca. Enquanto houvesse quartel e espaço…O Boby ficou com o diabo no corpo.
O cão estava transformado em diabo mesmo e uma raiva incontida tomou conta dele. Era uma fera. Julgo que se alguém se atravessasse naquela altura, o Boby descarregava a fúria.
Todo o mundo refugiou-se na caserna e o filme era agora vista da janela que não se abria muito não fosse ele escolher aquela abertura para ver se passava por ali mais vento pelo rabo.
A – casa dos Oficiais; B – casa dos Furrieis; C - A estrada Bissorã-Farim que dividia a meio o aquartelamento do Olossato. Em cima, junto às árvores, e em baixo, no meio da estrada, os cavalos-de-frisa delimitavam o aquartelamento.
De cavalo-de-frisa a cavalo-de-frisa (nos extremos do aquartelamento - aprox. 150metros-) o Boby supersónico e tocado a gasolina (d’avião?) percorreu várias vezes o espaço num frenético vai-e-vem.
O filme entretanto acabou de forma paulatina e o tempo foi bom conselheiro para o Boby, isto é a irritação com o tempo foi aliviando, aliviando… . Mais calmo e sereno, agora mais a pensar certamente “quem foi o FdP que me fez isto”?
O facto de ele voltar a abanar o rabo indiciou que o pesadelo tinha passado.
Não me lembro se depois disto o Boby ainda vinha junto de nós e com o rabo a abanar.
Tudo então voltou à normalidade.
Outro programa seguiria dentro de momentos…
Bom, a lição foi aproveitada. Para mim pelo menos, pois gasolina em cú de cão?
Nem pensar!!!
Aconteceu um dia na Guiné!!... pronto!.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 14 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 – P10531: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (21): Operação Outra Vez, objectivo: Iracunda