quinta-feira, 27 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6479: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (2): Noite longa em Contabane

1. Mensagens de Carlos Nery* (ex-Cap Mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70); com data de 24 de Maio de 2010:

Camaradas e amigos,
Depois de algum trabalho aqui estou a fazer o primeiro envio de material feito com cuidado. Não quer dizer que o que enviei anteriormente o não fosse mas este é, talvez, mais elaborado. Claro que tudo isto tem várias histórias (*)...


"Noite Longa em Contabane" foi-me pedido por Carlos Fabião creio que em 1983 ou 84, não estou bem certo. Encontrei-o após a Manif do 25 de Abril, ele tinha sido o orador ali no Rossio representando a Associação 25 de Abril. Na altura trabalhava no Guia do Terceiro Mundo com outros militares ligados ao 25 de Abril. Tiveram a ideia de publicar depoimentos sobre a Guerra com a intenção de que essa recolha, um dia mais tarde, pudesse ser objecto de consulta. Isto foi-me explicado quando estranhei a escassa tiragem do livro (creio que 2500 exemplares). Pois, no que me diz respeito, esse dia chegou...


Digitalizei o texto bem como fotografias que gostaria que fossem intercaladas no mesmo.
(Terei que enviar novo e-mail com mais fotos... O sistema já me avisou que atingi a capacidade máxima...)


Até já
CNery

***

Ontem (hoje, claro) estava cansadíssimo (acabei por me deitar já passava das 06:30...) e faltou dizer algumas coisas...

Enviei, como viram, o texto "Noite Longa em Contabane", o tal que escrevi a solicitação de Carlos Fabião para ser publicado na tal colecção "Memórias da Guerra Colonial" bem como o Relatório do Ataque a Contabane, também redigido por mim, respigado da História da Unidade da CCaç 2382.
Acho engraçado comparar os dois textos, um que pretende ser literário, pleno de adrenalina, de medo e de emoção, e o do Relatório, que pretende ser objectivo, frio e técnico... Receio que a minha "encomenda" ocupe excessivo espaço mas acharia graça que viessem ambos juntos.


Pronto, era isso...
Mais um abraço para vocês.
CNery


NOITE LONGA EM CONTABANE
por Carlos Nery Gomes de Araújo

Foto 1 - Pontão dos mal entendidos, Guiné 1969

— Morteiro 60?
— Pronto, meu capitão!
— Lança-granadas?
— Presente!
— Dilagrama?
— Estou aqui!

Olhei os homens à minha frente. Trabalhadores rurais, pescadores, empregados do pequeno comércio ou indústria, estudantes.
— Meter uma bala na câmara!

O ruído das culatras das G3 introduzindo os cartuchos nas câmaras fez-se ouvir, áspero.
— Patilhas em segurança!

Os soldados obedeceram. Recém-chegados à Guiné, pouco familiarizados com as armas recentemente distribuídas, sentíamos os camuflados novos flutuando sobre a pele.
— Está «no ir»!

Procurando aparentar segurança, utilizei a expressão ouvida aos veteranos. O dispositivo desdobrou-se numa sinuosa e reticente «bicha de pirilau».

Passámos além dos homens que faziam rolar grossos troncos de palmeira para cobertura de mais um abrigo de combate ou que desenrolavam arame farpado concluindo uma segunda rede de protecção.
— Aumentar os espaços entre cada dois homens!
— Se houver contacto de fogo, não abrir de rajada! Sempre tiro-a-tiro! Disciplina de fogo!

As ordens passavam agora de homem para homem em voz baixa. Naquele início de comissão resumiam o essencial dos meus conhecimentos de contra-guerrilha. Com menos de um mês de Guiné e escassos dias na região do Forreá tudo nos parecia estranho e assustador. Fiávamo-nos nos conhecimentos de mato dos três caçadores nativos que nos serviam de guias (Caç. Nat. na documentação operacional).

Contabane, a tabanca fula à nossa guarda, ia ficando para trás.

Acordáramos sentindo o seu frémito de vida. As mulheres no pilão descascando o arroz para as refeições do dia, num ritmo marcado por bater de palmas e cantares, as crianças brincando, a ladainha na escola árabe, as saudações complicadas dos «homens-grandes» que indagavam uns dos outros o bem-estar de todos os familiares e animais domésticos.

Afastávamo-nos pois daquele agregado humano, das mulheres preparando as refeições, tratando dos filhos ou lavando a roupa na fonte, dos homens partindo para o trabalho em lavra próxima ou orando, prostrados no chão, virados para Meca.

Numa larga «pontuada» atravessávamos zonas de capim seco, de denso «mato escuro», enterrávamos as botas de lona nos cursos de água engrossados pelas chuvas que chegavam. Suspendo o movimento da coluna. O pessoal agacha-se no terreno, armas para fora, perscrutando o mato hostil. O calor é pesado. Desarrolham-se cantis, bebem-se curtas goladas. Moscas minúsculas bailam teimosas à nossa volta insistentes nos nossos ouvidos e olhos. O «ladrar» do macaco-cão ouve-se perto.

Vou à frente procurando aperceber-me da forma como é conduzida a coluna.
– Capitão, há aqui perto uma tabanca abandonada, podíamos ir ver...

Encaro o jovem Caçador Nativo. Apercebo-me que não possui, afinal, a experiência que a princípio lhe atribuíra. Sinto-o imaturo. Afinal um adolescente excitado por acompanhar a tropa, envergando camuflado igual e empunhando uma arma.

Uma tabanca abandonada. Não terá merecido a atenção do inimigo? Mas, nesta região para nós desconhecida, há que estabelecer contacto com o real.
– Vamos lá então ver essa tabanca.

******

Durante anos a guerra passara ao largo da região onde estávamos. No Quebo, baptizado pelos portugueses de Aldeia Formosa, residia o Cherno Raschid, chefe espiritual de vasta área que se estendia para lá da fronteira.

O PAIGC, atendendo, certamente, à sua presença, evitara levar ali a guerra. Mas a guerrilha era portadora de uma ideia nova que, como todas as ideias novas, vinha para dividir.

Os tradicionalistas agarrados a hábitos, costumes e cultura ancestrais recebiam-na com indisfarçável reserva. Outros, seduzidos por essa mesma ideia, desapareciam indo engrossar as fileiras do exército revolucionário.
– Isto é uma guerra entre casados e solteiros... Pessoal casado, com casa, com filhos, não pode deixar tudo.
– Rapaz novo pode abandonar... — dir-me-ia Amadu, milícia em Buba.

Mas, ao aceitar armas aos portugueses, os fulas do Forreá comprometeram a imagem de neutralidade até aí existente. O PAIGC, acusando-os, também, de veicular informações para a tropa, abriu então, violentamente, hostilidades contra as populações que haviam aceitado colocar-se em autodefesa.

Perante os ataques a Contabane e Mampatá e a emboscada a uma viatura em que são «apanhados à mão» vários militares portugueses e passados pelas armas alguns milícias considerados traidores, são deslocados à pressa efectivos para a área.

Foto 2 – Militares portugueses em patrulha

A companhia cujo comando me fora entregue interrompeu assim o seu treino operacional em Bula, a norte de Bissau, e foi enviada para o Sul onde rendeu a 5.ª Companhia de Comandos que, na emergência, ali fora colocada dias antes.

Numa curva de mato denso surge-nos o que resta da tabanca. Naquela zona de África nada é perene. Os vestígios deixados pelo homem cedo são engolidos pela natureza estuante.

Foto 3 – Patrulha do PAICC

O colmo, que cobrira as casas, apodreceu, as chuvas desfizeram as paredes de adobe, a vegetação ameaça tudo invadir. Pretendo estabelecer uma meia-lua de segurança e efectuar um reconhecimento cauteloso. De súbito perco o controlo da situação. Os soldados descobrem, à entrada da tabanca, um renque de vegetação donde pendem, abundantes, ananases maduros e sumarentos As facas de mato brilham em movimentos rápidos e os bolsos dos camuflados enchem-se da dádiva inesperada.

Sinto o perigo desta quebra de disciplina, mas não tenho tempo para actuar. O rebentamento ecoa surdo e violento. Num ápice estamos cosidos à poeira procurando descobrir se somos alvo de algum ataque.

Ninguém se lembra mais dos ananases, embora alguns os sintam esmagar-se entre os corpos e o chão.
- Capitão! Capitão! — Ouço num apelo lancinante.

Procuro descobrir donde vem o chamamento. Caído no caminho de acesso à povoação, rodeado ainda da espessa nuvem negra do rebentamento de uma mina, descubro o jovem caçador nativo que me sugerira «ir ver» a tabanca abandonada.
– Acode-me! Capitão, acode-me!

Vejo-o no seu desespero, sem o pé esquerdo, canela transformada em brutal flor de sangue.
– O enfermeiro! — A ordem percorre os homens ainda de borco.

A resposta chega-me a medo.
– Não veio...

Com os diabos, se há responsável sou eu! Como foi possível esquecer-me do enfermeiro! Ninguém se atreve, no receio de um campo de minas, a ir junto do ferido. Tenho que ir eu. Agarra-se a mim num desespero. Sinto os seus dedos enclavinhados no meu camuflado.
– Salva-me, capitão!

Puxo do meu penso individual de combate. À distância são-me atirados outros. E não sei — ai, não sei!, não, não sei! — como improviso um torniquete, como ligo aquela ferida absurda, descobrindo o que é o cheiro do sangue e sentindo o seu contacto viscoso e espesso nas mãos.

Uma porta meio queimada e duas G3 improvisam uma maca. Peço pela rádio a evacuação do ferido.
Ouço, nítidas, interferências inimigas, na rede, utilizando os nossos indicativos.

Interrompo a comunicação. A tarde cai, os helicópteros não virão a esta hora.

Regressamos, em marcha acelerada, transportando o ferido, carregados de apreensão, no amargo daquele fim de tarde de Junho de 1968.

*******

O inimigo, ultimando a cuidadosa instalação para o ataque que viera fazer, viu ser arredado o cavalo de frisa colocado à entrada de Contabane e sair uma viatura a grande velocidade.

Assistiu ao seu regresso, transportando o ferido que, abandonados os cuidados da progressão a corta mato, trazíamos pela estrada.

Viu também entrar a tropa apeada. Tudo observou sem se revelar. O planeado não sofria alteração, mesmo quando um alvo inesperado se oferecia a escassas dezenas de metros.

Instalar os canhões em posição de tiro directo, colocar-lhes junto as munições a utilizar, lançar um dispositivo de segurança, não é coisa fácil se se não quer ser pressentido.

Fizeram-no e aguardaram o sinal de iniciar o ataque.

******

Recebêramos, dias antes, a visita de Spínola. Acompanhado do seu séquito, descera dos helicópteros que haviam pousado numa aberta junto do arame farpado.

Camuflado de bom corte, botas de cabedal reluzentes, luvas negras, pingalim e monóculo penetrara na tabanca num passo rápido e decidido. As mulheres da população faziam adejar à sua volta lenços e panos coloridos. Afastou, com aparente desagrado, a manifestação de cortesia.

Vinham ainda longe os tempos da guerra psicológica e das suas tentativas de intervenção política «por uma Guiné melhor». Viera falar de guerra, com quem, em princípio, ali estava para a fazer.

Quis ser conduzido ao posto de comando, ser informado da situação. Fez perguntas de que conhecia, certamente, as respostas, tentando avaliar da minha capacidade para assumir a responsabilidade daquela posição tornada subitamente quente.

Por trás dele, Almeida Bruno fazia-me sinais encorajando as minhas respostas certamente pouco satisfatórias.

Foto 4 – Reabastecimentos portugueses. Como passar?

******

Cumprindo, em tempo de paz, o meu serviço militar obrigatório, voltara a ser chamado, dez anos depois, para frequentar um curso de comandantes de companhia em Mafra. A medida que a guerra se prolongava, mais escasseavam as «vocações» para a carreira de militar profissional. Nos últimos anos contavam-se pelos dedos de uma só mão o número de inscrições nos cursos das três armas em funcionamento na Academia Militar. Houve, então, que recorrer aos milicianos para assegurar o comando de companhias operacionais.

Abandonada a minha mesa de trabalho num banco da Baixa lisboeta, juntara-me a um grupo de «chefes de família», melhor ou pior instalados na vida que, não escondendo a sua contrariedade, iam ser preparados «à pressão» para assumir o comando de homens nas três frentes de combate em África.

Estranhamente, os nossos instrutores em Mafra só conheciam a guerra da leitura dos manuais ou dos relatos dos seus camaradas com experiência de combate.

Pertenciam ao curso do filho de um ministro de então e esta «coincidência» garantiu-lhes, durante anos, um estatuto de especialistas de contra-guerrilha sem nunca terem ouvido assobiar uma bala em combate.

Foto 5 – Coluna do PAICC

Numa casa de colmo transformada em improvisado posto clínico, o enfermeiro dá soro ao ferido. Há que esperar pelo nascer do dia para proceder à evacuação.
– Um homem de cada abrigo vem buscar as terrinas com o jantar para o seu pessoal — ouço-me dizer, numa inspiração que vai poupar muitas vidas.

Tiro o meu dólmen suado e, de tronco nu, encosto a G3 e aceito um prato de sopa onde mergulho a colher.

Subitamente o lusco-fusco acende-se num turbilhão de fogo. De diversas direcções o inimigo abre o ataque com rajadas de bala tracejante apontada aos tectos de colmo seco das casas.

Em segundos o incêndio alastra por toda a tabanca em grossas labaredas crescendo para o negro da noite que desce. Os canhões sem recuo despejam toda a munição sobre nós. A seguir, os morteiros ajustam também o seu fogo.

Consigo atingir a posição do nosso morteiro 81. Abrigados no círculo definido por bidões cheios de terra, uma mulher com um filho de colo, três rapazitos tentando ajudar no manuseamento da arma colectiva, eu e o alferes Mendes Ferreira. Combatentes inexperientes, sem possuir ainda a serenidade que nos permita detectar a zona de instalação inimiga, inclinamos a olho o tubo e vamos introduzindo, uma após outra, as munições de que dispomos.

Encosto-me inadvertidamente ao tubo aquecido e sofro no peito um vergão de fogo.

Próximo, o paiol improvisado, onde depositáramos a dotação de munições da companhia, é atingido. Aos rebentamentos das granadas inimigas, junta-se o barulho indescritível dos cunhetes de cartuchos e de granadas rebentando em girândola infernal. Balas e estilhaços assobiam em todas as direcções.

A nossa companheira do refúgio foge com o filho agarrado. Esgotadas as munições de morteiro, não faço nada ali e exponho-me a qualquer granada que possa cair próximo.
– Vou ver se encontro uma G3 e procurar atingir um abrigo de combate.

O alferes fará o mesmo, procurando outro abrigo. Corro para a cozinha de campanha onde vira uma arma encostada a um caldeiro.Agarro-a. Custa-me orientar na confusão em que tudo se transformou, perdidos os pontos de referência a que me habituei.

Abrigados junto de uma parede semi-destruída, vislumbro os vultos do jovem guia dessa -tarde e do furriel enfermeiro da companhia.
– Então, como está ele? — pergunto.
– Está porreiro, meu capitão, aguenta-se!

Corro, curvado, para o abrigo que me parece mais exposto ao fogo do inimigo, esperando poder ter aí algum controlo do que acontece à minha volta.

O meu vulto iluminado pelo clarão do incêndio é alvejado. Ouço as balas assobiar à minha volta. Enfio-me no abrigo cavado no chão coberto de troncos de palmeira e de terra batida, extensa abertura permitindo a utilização de armas individuais.

Os homens lá dentro reagem de maneiras diversas. Há quem combata, mas há também quem chore ou reze no chão. Vou para a seteira e incito estes últimos a combater também.
– Estamos a pôr balas nos carregadores... — ouço a justificação frouxa.

O espaço em frente, fortemente iluminado pelas chamas do incêndio que lavra nas nossas costas, é varrido pelos nossos olhos assustados. Sinto, mas sinto claramente, os dentes baterem enquanto disparo, dois tiros rápidos e pausa, em resposta aos clarões das armas inimigas, em frente.

Em combate nocturno fazer fogo é revelar a nossa posição, é dos livros e facilmente comprovável agora. Por outro lado, no escuro, não se vê o ponto de mira da arma, pelo que não é fácil fazer tiro com um mínimo de precisão. Ah, quem tivesse previsto a situação e posto ali um pingo de tinta branca!

Os pensamentos sucedem-se, caóticos. E se eles vêm ao arame farpado? Se o ultrapassam nalgum ponto e se se aproximam do abrigo introduzindo-lhe uma granada de mão?

Julgo ver vultos deslocando-se em direcção ao abrigo. Saio de arma em riste. São vacas que correm em pânico entre as duas fiadas de arame, acossadas pelo fogo do combate.

Volto a entrar. Não sei se consigo sorrir do meu susto. O Boiça, sargento da companhia, desloca-se de abrigo para abrigo substituindo comunicações que desapareceram no incêndio e na confusão.
– Há mortos?
– Não, meu capitão. Só alguns feridos... Há abrigos atingidos por morteiradas, mas aguentaram. Quer que transmita algumas instruções?
– Evitem o tiro de rajada. Respondam aos disparos inimigos com séries curtas de dois ou três tiros. E você não ande para aí a expor-se inutilmente.
– É só levar um pouco de ânimo ao pessoal, capitão, e ver se há falta de munições nalgum abrigo.

O perigo da situação residia, efectivamente, em ficar-se sem munições ou encravarem-se as armas se demasiado aquecidas em resultado de uma utilização sem critério.

O aparente enfraquecimento da nossa resposta encoraja uma tentativa de assalto que é repelida pelo aumento de intensidade dos nossos disparos.

A poderosa tempestade africana chegou, subitamente, feita de grossas cordas de água, relâmpagos e trovões assustadores.

O incêndio extingue-se e, agora, só a luz dos relâmpagos permite vislumbrar a faixa de terreno que nos separa dos atacantes. Em breve, a água acumulada no fundo do abrigo atinge os nossos joelhos.

O fogo dos canhões e morteiros suspende-se, finalmente, substituído pelo das armas individuais que redobra de intensidade.

Sinal de retirada, viríamos a saber.

******

Clareia o dia.

Dos abrigos e da mesquita árabe — único edifício de tijolo, cimento e cobertura de zinco — saem militares e elementos da população observando as consequências do ataque.
O incêndio, os impactes dos projécteis inimigos, tudo reduziram a ruínas.

Fatmatá, mulher grande do régulo Sambel, apoia-se no meu braço e chora em silêncio. Rapazitos vasculham procurando entre as cinzas objectos que satisfaçam a sua cobiça.

Comenta-se a precisão e a violência do ataque, contam-se os impactes dentro do recinto defensivo, avaliam-se os prejuízos materiais.

A preocupação maior, porém, são os nossos feridos. Além do Caçador Nativo, vítima da mina anti-pessoal accionada na véspera, há mais três soldados feridos com gravidade e três civis atingidos.

O reconhecimento às posições inimigas, surpreendentemente próximas do arame farpado, revela sinais de corpos arrastados e, apesar da chuva abundante que caiu, vestígios de sangue.

******

Nino, comandante da Frente--Sul, o combatente lendário, cruza a fronteira à frente dos seus homens, terminada mais uma missão.

Encharcados pela chuva, carregando canhões e morteiros, os guerrilheiros sentem, também, a dureza da guerra, dureza traduzida nas baixas sofridas. Uma vez mais tinham tomado a iniciativa, ocupando posições necessariamente mais expostas do que as da tropa instalada defensivamente, e isso tinha o seu preço, também.

******

Estamos isolados em resultado da destruição de todo o material rádio. Por outro lado, o improvisado posto clínico desapareceu, não dispondo nós, sequer, de meios mínimos para primeiros socorros.

Um civil oferece-se para levar uma mensagem ao quartel mais próximo utilizando a sua bicicleta. Não é necessário.

Somos sobrevoados por jactos da Força Aérea e, pouco depois, dois helicópteros pousam na periferia da tabanca.

Foto 6 – Exército português, Transmissões

Envergando o seu camuflado de pára-quedista, adianta-se uma mulher:
– Os helicópteros vão levar os feridos ligeiros a Aldeia Formosa, regressando imediatamente para recolher os mais graves que vão comigo para Bissau. Embora tenha ordens para nunca ficar em terra, vou abrir uma excepção e espero aqui com vocês.

Junto das quatro macas alinhadas no cenário desolado, contra o céu azul da manhã, Ivone, a enfermeira pára-quedista, é oficiante de um ritual rigoroso. Frascos de sangue vermelho-negro levantam-se ao céu facilitando a passagem do seu conteúdo para as veias dos feridos.

Paro junto do soldado Fortuna, atingido na cabeça por um estilhaço de granada que atingira o seu abrigo.
– Para vocês “isto” acabou. Vais voltar para a terra, até é melhor... ouço-me dizer.

Será evacuado para o Hospital Principal em Lisboa. Talvez tenha terminado a guerra para ele. A que preço?

Ajoelho junto do jovem africano, pouso a mão na sua cabeça, enquanto procuro palavras de conforto:
– Vais ser bem tratado, a tropa não te esquece. Vais para o hospital, vais ter um pé novo, ninguém vai notar a diferença.

As palavras soam-me tragicamente absurdas, sinto na garganta um aperto inenarrável e, com as lágrimas de revolta que me queimam a cara — as minhas últimas verdadeiras lágrimas —, sinto que muito de mim se perde, se perde irremediavelmente.

Carlos Nery Gomes de Araújo
in Memórias da Guerra Colonial,
tomo 2, 1ª Edição,
Andrómeda Publicações,
Novembro 1984


Relatório do Ataque a Contabane, também redigido por mim, respigado da História da Unidade da CCaç 2382.






Clicar nas imagens para ampliar


Fotos: © Ten. Nuno Barbieri do DFE 7 e Carlos Nery (2010). Direitos reservados

Fixação do texto: Carlos Vinhal. Vd. mais referências (14) a Contabane.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6392: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (1): Nós e os mandingas de Buba, que colaboravam com o PAIGC, e que foram evacuados para Bubaque em Abril de 1969 (Carlos Nery)

Vd. poste de 19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

Guiné 63/74 - P6478: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (13): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (1): As 11 candidatas (Rosa Serra)

1. Este é o primeiro trabalho da nossa camarada Rosa Serra*, ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista (BCP 12, Guiné, 1969), para a série "As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares". Podendo considerar-se como fazendo parte desta série, o trabalho dedicado à Enfermeira Pára-quedista Ivone Reis, Poste 5971 de 11 de Março de 2010, também de autoria da Enfermeira Rosa, irá ser oportunamente (re)publicado e integrado na série. As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - I As onze candidatas
As onze candidatas a Enfermeiras Pára-quedistas prontas para fazerem provas

As candidatas com o director do curso Capitão Fausto Marques.


Em 2011 faz 50 anos que se formaram as primeiras enfermeiras pára-quedistas. Foi em 1961 que entraram num quartel, que apenas estava preparado para homens, onze jovens mulheres para frequentarem o curso de pára-quedismo. Chegaram ao fim do curso apenas seis, que ficariam conhecidas como “As Seis Marias”. Foram as primeiras mulheres portuguesas a serem equiparadas a militares, e eram todas enfermeiras. Hoje está mais divulgada a sua existência e a sua acção; contudo grande parte das pessoas desconhecem quem são essas mulheres como seres humanos e acredito até, que a maioria nem saiba o seu nome. Eu apareci alguns anos mais tarde, em 1967, mas tenho muito gosto em deixar o meu testemunho sobre estas grandes mulheres, cujos nomes são: Maria Arminda Lopes Pereira, Maria Zulmira Pereira André, Maria Nazaré Morais, Maria do Céu Policarpo, Maria Ivone Quintino dos Reis e Maria de Lurdes Rodrigues.

  Das onze, eis as famosas finalistas com o seu director de curso. Tancos, 8 de Agosto de 1961. Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone, Maria de Lurdes, Maria Zulmira, Maria Arminda e o Capitão Fausto Marques (Director Instrutor). Nota: Falta a Maria da Nazaré que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.




Agora com a sexta Maria à Porta da Pensão da D. Guilhermina e do Sr Janeiro onde ficaram alojadas quando chegaram a Angola (Luanda, Outubro de 1961). Da esquerda para a direita: Maria da Nazaré, Maria Arminda, Maria de Lurdes, Maria Zulmira com a Esperança (a afilhada da D. Guilhermina e do Sr Janeiro)
 

 A razão que me leva a falar do primeiro curso, deve-se ao facto de elas estarem quase a fazer meio século de existência (bodas de ouro). E há cinquenta anos atrás, mulheres que entram numa unidade militar num Portugal repleto de mentes fechadas, não hesitarem, não se deixarem intimidar pelo que os outros poderiam pensar e dizerem presente logo que foram convidadas, para mim, são dignas de admiração. A elas devemos a entrada das mulheres portuguesas nas Forças Armadas. 

Afinal foram elas que abriram as portas às fileiras femininas. Falarei apenas das que conheci na vida activa, como enfermeiras pára-quedistas, e que em mim despertaram grande apreço e admiração. Embora conhecesse pessoalmente as seis, foram quatro com quem me cruzei em qualquer lugar por onde andávamos. É para estas que vai o meu olhar, com o respeito e admiração como profissionais e sobretudo como seres humanos maravilhosos que eu tive a sorte de conhecer e continuar a ter contacto frequente com todas, tal como todas elas fazem parte da minha lista de amigas. 

 Além do curso de pára-quedismo, também foi com elas que reforcei a minha aprendizagem na forma de reagir perante as adversidades, a gestão das minhas emoções, dos meus medos e inseguranças e antes que a onda da velhice me leve da lembrança, as pegadas da vida que trilhei em conjunto com elas, quero revelar aqui, algumas particularidades que vão para além do conhecimento geral e como são as 4 Marias que eu tanto admiro. Com a descrição que farei individualmente de cada uma, é minha intenção em jeito de homenagem e apenas a titulo pessoal, revelar àqueles que tiverem gosto ou curiosidade em saber através deste testemunho, algumas das suas características como pessoas e o quanto elas foram importantes na minha vida e se calhar não só na minha, bons exemplos humanos. 

 Não falarei da Maria Nazaré, que infelizmente não está entre nós, porque apenas a conheci muito superficialmente, anos depois de ela ter saído da F.A. e pouco tempo antes de ela partir para outra dimensão. Da Maria do Céu Policarpo também pouco tenho a dizer pois, como quase todos devem saber, o seu desempenho como enfermeira pára-quedista foi muito curto, o que limita o meu conhecimento de como ela era nessa época. Pelo que hoje conheço dela acredito que deveria ser uma jovem aventureira e alegre. Da enfermeira Ivone** também já fiz um depoimento para o blogue da Tabanca Grande (http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com), resta agora manifestar-me sobre o que penso da Maria Arminda, da Maria Zulmira e da Maria de Lurdes.

 A todas elas deixo um grande abraço de agradecimento por serem minhas amigas e peço que não se zanguem por revelar algumas das vossas características à grande caserna de militares que entram neste blogue e talvez a tantos outros portugueses que, sabendo ou não da vossa existência, se por acaso entrarem neste mundo informático actual tomem conhecimento de quem eram e ainda são estas Marias de mão cheia, que apareceram em 1961 dentro das valorosas Tropas Pára-quedistas. Rosa Serra Ex-Enfermeira Pára-quedista 
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 Notas de CV: 

Guiné 63/74 - P6477: Notas de leitura (112): As ausências de deus, por António Loja; Editorial Notícias, 2001 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2010:

Queridos amigos,
Descobri o António Loja graças à bondade do José Brás, que mo emprestou.
Foi esta cedência, esta descoberta de um escritor de elevado recorte literário, que me leva a continuar a pedir-vos que me emprestem o que anda aí pelas estantes, esses livros que falam da Guiné, escritos ou não pelos nossos camaradas.

Um abraço do
Mário


Quando, numa cama de hospital, se pode regressar à Guiné

por Beja Santos

Num quarto de hospital, onde se encontra internado para uma intervenção cirúrgica, um antigo combatente da Guiné recorda factos relacionados com a sua comissão, entre 1966 e 1968. Este é o ponto de partida de “As ausências de Deus – no labirinto da guerra colonial”, de António Loja, Editorial Notícias, 2001.

António Loja é madeirense, foi professor, passou pela política (presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, deputado à Assembleia da República e deputado à Assembleia Regional da Madeira) e é investigador. O que há de admirável neste belo e inesperado texto é a relação que ele estabelece nessa vivência hospitalar (ruídos, encontros com pessoas, comentários...) e as memórias que o arrastam para aspectos por vezes de uma grande brutalidade que ele reteve da sua passagem pela Guiné. São pressões da memória entre o internamento e o pós-operatório (Fevereiro e Setembro de 2001), um conjunto de registos onde a partir de uma determinada realidade saltam como molas impressões muito sofridas do passado. Como se exemplifica:

“O ruído do motor de um frigorífico, numa sala vizinha do corredor onde, no hospital, faço a minha caminhada diária, levou-me de repente a recordar o motor da LDG que, directamente do Uige, nos transportou de Bissau para Buba”. Em Buba, este capitão (provavelmente o comandante da CCaç 1622) faz a transferência de poderes e o colega que parte, ao despedir-se, faz-lhe uma última recomendação: “Quando usares o jipe, nunca baixes o vidro da frente, mesmo que esteja calor e seja uma tentação aproveitar a brisa. Os nossos adversários estendem por vezes um fio de arame farpado de um lado ao outro da picada e é fácil imaginar em estado fica o pescoço ou a cara. Quem vier a alta velocidade fica mesmo sem a cabeça”.

António Loja não esconde na introdução que esta narrativa é um processo de aliviar a sua memória e é uma homenagem a todos aqueles que estiveram com ele na Guiné, é ainda uma tentativa de recordar todos os que morreram. E deixa claro que os locais, bem como as pessoas mencionadas não são produto da imaginação, se houve troca de nomes foi apenas por respeito à privacidade daqueles com quem combateu.

Está a ver televisão no hospital e o locutor não se cansa de dizer que os portugueses são um povo de brandos costumes. O autor recorda o que se passou depois de terem sido emboscados na mata de Gandembel. Progrediam quando se começaram a ouvir tiros isolados e cadenciados de G3. O que se passava é que um soldado inimigo morto junto à picada recebia de cada soldado da companhia um tiro, dado com ar negligente. Barafustou, os soldados estavam pasmados e replicavam: “Mais um tirinho não faz diferença!”.

O internado ouve lá fora o vento e chuva e recorda uma operação no mês de Dezembro de 1968. À frente da coluna seguem Mamadu Baldé e Abdulai Xufa, são eles que procuram decifrar pegadas, sentir a presença do inimigo. De repente, Mamadu levanta o braço e depois deu dois passos na direcção do capitão. Pisou uma mina e Abdulai que vinha logo atrás apanhou um estilhaço que o atingiu na parte superior do tórax. A cambalear, grita pelo capitão. É uma descrição impressionante:

“De um buraco abaixo da clavícula jorrava, a cada batida do coração, um repuxo de sangue que me atingiu a cara, os óculos e me escorreu para o nariz e para a boca. Sustentei-o debaixo dos braços e pousei-o devagar sobre as folhas das árvores, no meio da picada, enquanto toda a companhia assumia posições de defesa. Nunca consegui esquecer o sabor pastoso ainda quente e o cheiro adocicado e logo nauseabundo que me invadia as narinas. Disse-lhe uma mentira piedosa:

– Vem aí o enfermeiro. Vais ficar bem! Já mandei vir o helicóptero.

Espero que ele me tenha acreditado, nos breves segundos que levou a morrer. Só que na morte não há breves segundos. É um tempo sem relógio. É toda a eternidade de um fim que parece nunca chegar. Morreu a esvair-se em sangue que ninguém poderia estancar. O que recordo com horror é a minha reacção seguinte: ainda ajoelhado junto dele, inclinei-me para o lado e vomitei, de um modo incontrolável, ali, a dois passos do cadáver do meu camarada”.

Pela janela do quarto do hospital, o internado deslumbra o céu azul. A memória regressa àquela dor que se sente por ter que participar a morte de jovens de 20 anos, isto quando se trata ou quando se tratava dos soldados europeus. Com os soldados nativos a situação era diferente. Chegava-se ao pé do pai e dizia-se: “Suleimane, o teu filho morreu em Guileje”. O pai respondia: “Vontade de Deus, nosso capitão, vontade de Deus”. Numa situação em que um rapazinho de Guileje que pedira boleia para regressar a Mejo, foi derrubado por um tiro durante uma emboscada inimiga. A vítima era filho do chefe de Mejo. Ali chegado o capitão comunica ao pai a morte do menino na emboscada. E o autor escreve: “Desta vez a fé pareceu fraquejar. Deus estava ausente... o homem fitou-me com os olhos espantados, em evidente estado de choque. Não houve palavras, nem de fé nem de desespero, mas duas lágrima grossas correram-lhe pela face negra e rugosa. Abracei-o”.

O internado passeia-se no corredor do hospital, cruza-se com uma família africana, vem ali uma criança que saltita despreocupadamente. Ele revê Djénabo, a pequena bajuda de Mejo. Lembra-se da criança que o acompanha na inspecção ao quartel: “Enquanto dava a volta diária, a pequena Djénabo corria todo o tempo à minha volta. Com a vivacidade dos seus seis ou sete anos saltitava de um lado para outro, adiantando-se aos meus paços ou seguindo-me como uma sombra. Os negros deram-lhe o nome de a mulher do capitão. No meu casamento de sete anos não havia ainda filhos. Sentia que Djénabo em certa medida preenchia este espaço de afectividade”. Durante as férias, o capitão compra lembranças para quem está em Mejo. Numa loja de brinquedos adquiriu um helicóptero, já que a criança se maravilhava com aqueles helicópteros que ocasionalmente poisavam no campo para evacuar feridos ou doentes. O brinquedo foi um sucesso. Depois houve um grande ataque a Mejo, arderam algumas tabancas, as granadas semearam o pânico entre a população. E o internado recorda:

“Como quase todos, Djénabo correu também para o exterior da casota e foi apanhada pela explosão de uma granada. Quando me chamaram, repelido já o ataque e retirados os atacantes, estava caída no chão, esvaída em sangue, entre o choro das mulheres. E apertava na mão o helicóptero de brincar, aparentemente intacto”.

António Loja explica o título deste seu livro: “Inferno, ensinava a catequista da minha infância, é a ausência de Deus. Hoje, passados cinquenta anos de intenso agnosticismo, duvidando por vezes da minha própria dúvida, pergunto a mim mesmo: será que ela tinha razão”.

Confesso que este livro de António Loja é a minha grande surpresa da literatura sobre a Guiné, no virar do século.

(Continua)
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Vd. último poste da série de 22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6448: Notas de leitura (111): Rumo a Fulacunda, de Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6476: Em busca de... (134): Procuro notícias do pessoal de todas as Unidades que passaram por Bedanda (Vasco Santos)


1. O nosso Camarada Vasco Santos, ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 “Os Onças Negras”, Bedanda - 1972/73 -, em 23 de Maio de 2010, enviou-nos a seguinte mensagem:

Atenção pessoal de todas as Unidades de Bedanda

Camaradas,

Na minha mensagem, colocada no poste P5891, perguntava eu se haveria alguma possibilidade de localizar um furriel miliciano, que tinha estado nos “Onças Negras”.

Ora bem, o mesmo já está localizado, pois no passado dia 17, ao fim de 37 anos, voltamos a reencontrar-nos.

Deste reencontro, pode ver-se Eu (com um pólo de cor rosada) e o meu querido Amigo José Vermelho (pólo às riscas)

Envio-vos esta informação porque este meu amigo, tal como eu, tem alguns lapsos de memória, dos quais um deles é não se recordar da sua estadia Bedanda (mais ou menos de Maio/Junho 1972 a Março/Abril de 1973), onde teria estado com o nosso Capitão Ayala Botto e com o nosso Alf Mil Médico Mário Bravo.

Assim sendo e, como oportuna mente se irá inscrever como membro da Tabanca Grande, anexo três fotos do nosso tempo de Bedanda, para que, possam ser vistas por todos e, quiçá, por mais alguns dos homens da CCAÇ 6 Bedanda/Onças Negras, que agradecemos nos contactem.

Lançamos também um desafio para que toda a malta (independentemente do ano em que lá estiveram), também nos contacte imediatamente, para que, num futuro próximo, possamos encontrar-nos todos, confraternizarmos e relembrarmos as coisas boas e menos boas, que vivemos naquele local.

Aqui fica o meu e-mail pessoal: vascosan@vodafone.pt

Os meus agradecimentos por tudo.

Fur Mil José Vermelho
Natal de 1972 > Eu (como presumível fadista) e o Furriel Vermelho (sentado com uma T-shirt branca s/ bigode), o Fur Mil Enfº Dias (o calvo que está de costas e que está também no poste P5910 com o Alf Mil Médico Mário Bravo)
Natal de 1972 > Eu (supervisionando a entrega do cabrito), o meu amigo Leão (Mecânico Auto que não o vejo desde 1972) e o Furriel Vermelho (T-shirt branca, s/bigode, ao lado da travessa do cabrito)

Um abraço,
Vasco Santos
1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6

Emblema da colecção pessoal: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6452: Em busca de... (133): Jorge Barbosa, ex-Operador de Mensagens da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, procura camaradas

Guiné 63/74 - P6474: Casamento dos oficiais do Exército discutido, em 1941, na Assembleia Nacional (Carlos Cordeiro)

1. O Carlos Cordeiro, que é membro da nossa Tabanca Grande e professor de história (*), mandou-nos este texto, que agradecemos e  publicamos:

Data: 24 de Maio de 2010 03:19

Assunto: Casamento dos oficiais do Exército discutido, em 1941, na Assembleia Nacional

Caro Luís,

Na sequência do e-mail em que me falaste na possibilidade de mandar um poste sobre o casamento dos oficiais do Exército, envio-te este texto. Sei que está grande, mas fiz o mais pequeno que pude. É só para dar um certo tom da situação.

Propositadamente não entrei em análises críticas (à excepção de uma ou outra expressão). Parece-me que as transcrições falam por si. Estás, como não podia deixar de ser, à vontade para fazeres do texto o que achares melhor, até porque não sei se se trata de um trabalho adequado à natureza do blogue.

Um abraço (também para ti, Carlos)

2.Texto de Carlos Cordeiro:


 Caros camaradas:

O poste de José Belo sobre o casamento dos oficiais do Exército (P. 6440, de 20 de Maio) fez-me pensar e querer saber um pouco mais sobre o assunto. Nos comentários que fiz ao poste forneci as indicações das páginas da Internet que podiam ser consultadas para nos elucidar sobre a questão. Aí vai um pequeno resumo dos postes que consultei.

O Decreto-Lei 31107, publicado no Diário do Governo de 18 de Janeiro de 1941, que regulamentava o casamento dos militares, foi submetido à Assembleia Nacional para ratificação. A discussão prolongou-se por duas sessões (5/2/41 e 6/2/41) e gerou grande celeuma.

Note-se que a legislação em vigor para o Exército datava de 1851 (Decreto de 10 de Dezembro de 1851), que exigia, para os oficiais, a idade mínima de casamento de 30 anos, excepto se o requerente provasse que o casal tinha um rendimento líquido anual de 300.000 réis de bens do carácter dotal.

A legislação para a Armada constava do Decreto 16349, de 1929. Era exigida a idade mínima de 25 anos, ou de 21, caso o militar provasse que, além dos respectivos vencimentos, o casal tinha um rendimento anual mínimo de 6000$00 resultantes de bens próprios.

As questões suscitadas nas intervenções na Assembleia Nacional são, fundamentalmente, as seguintes:

(i) A exigência da idade mínima de 25 anos e o posto de tenente.

(ii) A obrigatoriedade de prova de que ambos os membros do casal possuíam rendimentos condizentes com o respectivo posto.

(iii) A proibição do casamento do oficial com divorciada, sendo, porém, permitido ao oficial casar-se, mesmo que fosse divorciado.

(iv) A demonstração de que a noiva era “portuguesa originária”, “filha de pais europeus”.

(v) A consideração, para que o casamento fosse autorizado, da “situação social da mulher, do seu passado e de sua família”.

Um primeiro grupo de deputados é fortemente crítico ao articulado, mas note-se que nem sempre numa perspectiva “progressista”, se assim se pode dizer. Alguns, por exemplo, ao abordarem o divórcio, referiam-se à “igualdade”, mas não entre os sexos, mas sim entre os oficiais da Armada (que podiam casar­‑se com divorciadas) e do Exército, ainda que outros deputados levantassem o problema na perspectiva da igualdade perante a lei.

Relativamente à exigência de a noiva ser filha de pais europeus, o deputado Belfort Cerqueira afirma mesmo que tal lhe parecia “conter um sabor pronunciadamente racista, e por isso mesmo divergente da ortodoxia mais corrente das nossas tradições cristãs”, ou, como dizia o deputado Botto de Carvalho, porque iria “de encontro a toda a política de unidade do Império”.

Quanto ao facto de a noiva ter de possuir meios de subsistência compatíveis com o posto do futuro marido, isto significaria, como salientaram alguns deputados, que os tenentes, no caso, não tinham um salário compatível com a constituição de família e, portanto, a solução seria outra.

Nesta mesma sessão interveio o deputado Padre Abel Varzim que fez uma importante intervenção em defesa da família e da dignidade da mulher:

“[…] A minha discordância não provém deste ou daquele ponto de regulamentação do casamento dos militares. Aquilo que me repugna, a mim, à minha consciência de católico, e à consciência dos católicos é, fundamentalmente, a regulamentação das condições económicas ou sociais do casamento […].

Durante dezassete ou dezoito séculos a consciência dos católicos travou uma batalha e conseguiu, vencê-la ainda há bem pouco tempo; e neste ponto operou a revolução mais igualitária que se fez em toda a história: perante o casamento não há distinções de classes, de idades, de condições, de raças, de sangue; todos têm o direito fundamental de contrair matrimónio. Esse direito foi-lhes dado pela natureza, ou, melhor, por Deus, e não pode o Estado ou qualquer poder do Estado restringi-lo. E é nesse sentido que me repugna aceitar este ou qualquer outro decreto que venha dificultar a constituição da família segundo aquele princípio da liberdade fundamental da pessoa humana […].

O problema deveria ser posto de uma maneira diferente. A dignificação da família faz­‑se pela dignificação da mulher, pela recondução da mulher ao seu lar. E é universalmente aceite que é o homem quem deve granjear o sustento da família […].

Se queremos dignificar a família não devemos exigir, para que ela se possa constituir, que ambos os esposos, ou um só deles, tenham meios financeiros para a sustentar; o que é necessário - e é por isso que este movimento humano que se chama catolicismo luta há dois mil anos - é que sejam dados ao homem os meios suficientes para o sustento da família que o seu trabalho, a sua profissão, lhe garantam o poder de acudir aos encargos normais do seu lar. O nosso pensamento é o de que o Estado e a economia devem garantir a todos os trabalhadores intelectuais e manuais um salário suficiente para as suas necessidades familiares. E, portanto, para salvaguarda da família para dignificação da vida militar ou de outra qualquer para prestígio e garantia da categoria social dos militares, parece-me que uma só medida seria de aconselhar: a de que eles começassem a ter soldo maior medida que iam aumentando os seus encargos familiares […]”.

A contraposição a estas e outras críticas acérrimas ao Decreto-Lei iria estar a cargo de vários deputados, principalmente, de Carlos Borges, interrompido constantemente com comentários e apartes. Trata-se de uma intervenção que me abstenho de classificar, bastando, para que se conheça o seu teor, transcrever uma ou outra passagem.

Referindo­‑se à questão do racismo aflorada pelo deputado Belfort Cerqueira, diz Carlos Borges:

“O legislador não pôs no decreto, relativamente à ascendência europeia, aquilo que porventura queria exprimir. O que se quis foi evitar aquilo que não quero dizer […]. Mas não se trata de um vago (Cerqueira falara em “pronunciado”) sabor de racismo, mas de manter um certo número de preconceitos, chamemos-lhe assim, que não são inteiramente vãos. Foi isto decerto o que o legislador pretendeu. Não está assim no decreto? Estes ‘pais europeus’ podem significar outra coisa? Nós podíamos emendar o que cá está, traduzindo-o por outras palavras. A forma pode mudar, mas a essência fica a mesma”.

E, para terminar, veja-se esta “pérola argumentativa” relativamente à impossibilidade de casamento de oficiais com divorciadas:

“O legislador viu e pensou que se a mulher foi a ré na acção do divórcio e mostrou que não possuía a honorabilidade e as qualidades morais necessárias para constituir família não está indicado que possa casar com um oficial do exército. Há agora o caso da mulher honrada, da mulher que teve uma conduta irrepreensível, mas que pediu o divórcio contra o marido, e então o legislador pensou: esta mulher é impecável no seu passado, mas não teve a resignação necessária não soube suportar as vicissitudes e tormentas do lar, isto é, não soube manter-se; embora com sacrifício. […]

Neste caso o legislador pode pensar que se a mulher não teve resignação para aturar o primeiro marido é de supor que igualmente o não tenha com relação ao segundo, e é por isso que não distingue um caso do outro e é talvez esta a razão por que vem tal disposição no decreto”.

O problema é que isto se passou em 1941 na Assembleia Nacional de Portugal e o Decreto­‑Lei foi aprovado com 30 votos a favor e 28 contra!

Fonte: http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r2.dan

Um abraço,

Carlos Cordeiro

PS - Em próxima oportunidade enviarei algumas citações do Decreto de 1960 sobre o mesmo assunto.

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Nota de L.G.:

(*) Resposta ao meu pedido para o Carlos Cordeiro abordar aqui este tema, com o rigor, a competência e a seriedade que são seu apanágio:


Ok, Luís. Irei trabalhar o assunto, com calma, pois estamos no fim do ano lectivo e há toda a questão de avaliações, exames e o diabo a quatro. Por deformação profissional, mandei só as indicações dos documentos. A minha posição enquanto professor de história é a de possibilitar aos alunos o prazer da descoberta - o contacto directo (quando possível) com os documentos. Digo-lhes sempre que eles têm tanto direito de interpretar um documento como os grandes intelectuais.


Mas, tens razão: o melhor será mesmo apresentar (com citações abundantes) todo o processo (talvez em "episódios"). Os debates na Assembleia Nacional são mesmo impressionantes: absolutamente elucidativos e mesmo chocantes. Não propriamente pelas implicações directas na vida dos militares, mas, sobretudo, pelas "mensagens" ideológicas subjacentes ou mesmo expressas. Trabalho bastante com os debates parlamentares, mas sobretudo nos períodos da monarquia constitucional e da I República.


Quanto à legislação anterior, irei tentar ver. Nos debates citam sempre um lei de 1850 (ou por aí) que tinha caído em desuso. Os militares da marinha tinham legislação de 1936 (julgo), diferente dos do exército.


Só mais uma questão: o decreto-lei de 1960 amnistiou os militares que tinham sido condenados com base na lei de 1941. Assim, um oficial pediu ao Supremo Tribunal Administrativo (há pouco tempo) que lhe contasse como de serviço o período em que tinha sido demitido e depois reintegrado pela lei de 1960 e o tribunal não aceitou!!!


É a vida, como diria o outro.


Um abraço,


Carlos

Guiné 63/74 - P6473: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (31): Diário da ida à Guiné - 12 e 13/03/2010 - Dias nove e dez

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2010:

Caro Carlos:
Aí vai mais um relato de dois dias da minha viagem à Guiné-Bissau. Estão a chegar ao fim, mas ainda tenho coisas interessantes a contar, sobretudo da minha segunda ida a Bafata.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATA - 31

Diário da ida à Guiné – Dias nove e dez (12/13-03-2010)

Dia Nove:


Eram nove e meia da manhã e o Allen ainda não tinha aparecido; nas últimas noites tinha dormido mal e devia estar a recuperar. Já tinha tomado o pequeno almoço com “todos os matadores” e aproveitei para por os apontamentos em ordem e pensar como havia de ir novamente a Bafata e desta vez também a Madina Xaquili.

Já com o Chico presente, pára uma viatura detrás do gembrém e de imediato se ouvem meia dúzia de c… e f… Soubemos logo quem tinha chegado mesmo sem o ver. Na conversa que se seguiu acordei com o visitante o aluguer de um jeep para tornar a Bafata. As saudades já eram muitas, sobretudo da Kadidja. Como ela me tinha dito que o seu marido se chamava Samba, só faltava que fosse o mesmo Samba, porteiro do cinema de Bafata, que há quarenta anos foi o africano com quem mais convivi. Em minha casa, lá em Bafata, tinha sempre umas “fantas” pois ele era muçulmano. Chegou a dizer-me que tinha uma namorada mas nunca ma chegou a apresentar. Oxalá fosse a Kadidja.

Como há dois dias o Chico e eu estávamos sozinhos, ele como chefe de tabanca e eu mais como cozinheiro e feiticeiro, estávamos a levar uma vida de verdadeiros irãs. Almoçámos o resto da lebre, depois de termos aperitivado variadíssimos acepipes locais e outros “gourmet”. Só depois de almoço é que abriu o sol. Os irãs estavam mesmo connosco.

A seguir à sesta, que com aquelas temperaturas, era obrigatória, fui sozinho embrenhar-me na mata, para os lados que já conhecia. Assisti a cenas da vida selvagem (ao nível da Guiné-Bissau, entenda-se) como nunca tinha vivido nos dois anos em que lá estive na guerra. Esquilos a dois metros de mim subindo às árvores, sons dos mais variados pássaros. Tornei a passar pelo charco, no meio duma clareira onde já tinha estado, e aí pude ver grandes aves, brancas, azuis, as tais raiadas de branco e preto que ao voar pareciam prateadas, rolas pequenas às dezenas e outros pequenos pássaros de todas as cores. Vi pela primeira vez ao perto ninhos de pássaros tecelões.

Ninho de pássaro tecelão (já abandonado) que agora está pendurado em minha casa.

No regresso do passeio detectei um trilho, bem marcado, de um qualquer animal. No dia seguinte iria colocar lá uma armadilha com fio que tinha levado, já a pensar nessa possibilidade. Podia ser que arranjasse o nosso almoço para o dia a seguir, embora logo tenha mudado de ideias. Depois de ver a penúria alimentar dos “empregados” do empreendimento e de ter assistido à preparação, por eles, de um esquilo para uma das suas refeições, logo me comprometi a que, se viesse a apanhar algum bicho, seria para eles.

Ao jantar fui limpando o prato com pedaços de pão que fui dando aos três cães residentes: A Maria, com uma ninhada de cachorrinhos lindos mas todos iguais ao pai (ela era castanha e os cachorros cinzentos) e mais dois cachorros quase adultos, o Luís e a Luísa.

A Maria com a ninhada e o Luís.

Como o Chico andava a dormir mal, vá lá saber-se porquê!!!, foi deitar-se mais cedo. Fiquei a dar uma olhada nas cerca de 700 páginas de um dicionário de Crioulo-Português, tese de doutoramento do padre Luigi Scantamburlo (italiano), nem guineense ou português, como não podia deixar de ser…

Como fiquei eu de chefe de tabanca, coube-me dar a ordem para desligarem o gerador, quando tivesse passado um quarto de hora de me ter ido deitar. O silêncio passava a ser total o que era muito agradável.


Dia Dez:

O Inverno ainda não tinha acabado mas à medida que os dias iam passando o calor ia aumentando. Nas horas de mais calor a temperatura rondava os 40º à sombra.

Tomado o pequeno almoço, e por ser Sábado, partimos para a feira semanal de Bula. É como o mercado de rua habitual mas com muito mais gente. Compradores e vendedores são vários milhares de pessoas. O Chico e eu éramos os únicos brancos. É conhecida a cor das vestes, principalmente das mulheres africanas e, como em dia de feira ainda requintam mais a maneira de vestir, a situação era indescritível. Só estando lá… ou vendo as filmagens que fiz.

Tenho pena que as fotos não tenham grande qualidade, mas a maior parte delas são fotogramas de filme.

Aspecto geral da feira de Bula.

A feira de Bula de outros ângulos.

Quanto aos produtos expostos para venda, igualmente indescritível. Achei muito interessante uma banca para carregamento de telemóveis pois, como é sabido, não há energia eléctrica pública em toda a Guiné-Bissau.

A banca para carregamento de telemóveis e outra com toda a espécie de lanternas.

Como no dia seguinte tínhamos convidados para almoçar, resolvemos obsequiá-los com um chabéu de cabrito. Comprámos o coconote fresco para ser pilado na hora, e demais ingredientes. Como tivemos que ir a Bissau comprar gelo (para reforçar as arcas frigoríficas pois o gerador só funcionava à noite), pelo caminho e junto à ponte sobre o Rio Mansôa, comprámos dois baldes de ostras (três euros) para aperitivo no dia seguinte com os convidados.

Mancarra e ao fundo o coconote para fazer o chabéu. O vinho não faltava.

Sandes e bolos de arroz.

Como não nos arranjaram logo o gelo em Bissau tivemos que almoçar lá, desta vez uma óptima caldeirada de cabrito na “Jordani”. Aproveitei para falar com o dono, o Sr. Carlos Lobo, pertencente à “Ajuda Amiga”, sobre todas as indicações que tinha recebido em Portugal do presidente da A.A. Carlos Fortunato, nomeadamente sobre a próxima chegada de um contentor com medicamentos, livros, roupas, etc. Também aí tive duas ofertas de aluguer de um jeep por metade do preço (agora 50 euros por dia) do que me tinha sido proposto no dia anterior.

Antes de anoitecer ainda fui dar uma volta pelo mato. Fui montar a armadilha no trilho que tinha descoberto de animal desconhecido. Podia ser que fosse um manguço (toirão), esquilo ou qualquer outro de semelhante porte. Note-se que o esquilo que os empregados comeram tinha um quilo de carne. E não é demais lembrar, aliás como é do conhecimento geral, que os macacos praticamente desapareceram por terem sido caçados para comer. Há 40 anos, em Bafata, havia-os até nas árvores da cidade, mas agora nem vê-los!

Antes de ir à cama ainda vimos na TV o jogo Académica-Porto (1-1). Também, e porque tive acesso a um bom mapa da Guiné-Bissau, estive a procurar a tabanca de Tabató, como sendo, segundo o Luís Graça, a tabanca onde vivia o grande músico guineense Djabaté. Não a encontrei, no dia seguinte procuraria melhor, pois era minha intenção ir lá.

Até amanhã camaradas
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6451: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (30): Diário da ida à Guiné - 10 e 11/03/2010 - Dias sete e oito

Guiné 63/74 - P6472: Parabéns a você (116): Jorge Narciso, ex-1.º Cabo MMA, Guiné, 1969/70 e João Santiago, Guiné, Fevereiro de 2005 (Editores)

1. Estamos a festejar o aniversário do nosso camarada Jorge Narciso, ex-1.º Cabo Especialista de MMA, Guiné, 1969/70.

Este nosso camarada, um dos representantes da Força Aérea no nosso Blogue, faz hoje, dia 26 de Maio de 2010, 61 anos.

São os nossos desejos mais fervorosos que comemore esta data por muitos e bons anos, junto de sua família que entretanto se vai multiplicando, aumentado assim o número daqueles que o amam e o querem junto de si.

Nós, seus amigos e camaradas, estaremos por aqui tentando acompanhá-lo nos festejos.


Jorge Narciso está connosco desde Novembro de 2009 (vd. poste 5305), altura em que resolveu juntar-se aos seus camaradas da FAP já aqui atabancados.

Podem ver os seus postes no marcador Jorge Narciso.

Jorge Narciso, um dos nossos gloriosos malucos das máquinas voadoras, junto de um Alouette III, aparelho que conhece como a palma das suas mãos.

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2. Quem também está de parabéns, hoje dia 26 de Maio de 2010, é o nosso jovem amigo João Santiago.

Neste caso não temos a veleidade de o querer acompanhar nesta corrida terrena durante muitos anos, mas faremos um pequeno esforço para lhe conhecermos os netos.

Caro João, estes teus amigos, camaradas de teu pai, vêm deste modo associar-se à comemoração da força da vida, da juventude e do futuro que te está reservado enquanto cidadão de Portugal. Às tantas estamos já para aqui a desfiar conselhos e conceitos, desculpa, coisa de cotas.


Para os menos avisados, informamos que o João não está aqui por cunha do pai, claro que não, está por mérito próprio, porque ganhou esse direito.

O João já cheirou a Guiné, já calcou aquele chão vermelho e teve a oportunidade de ver com os seus olhos os sinais de um dos momentos mais sangrentos da guerra da Guiné, conhecido pela tragédia do Quirafo.

São dele as tristemente célebres fotos dos restos de uma GMC ainda visíveis, testemunha muda dos acontecimentos daquele dia 17 de Abril de 1972.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 que transportava um grupo de combate comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005.
Fotos: ©
João Santiago (2006)

Desculpa João de neste teu dia de aniversário publicar estas fotos, mas estamos convencidos que perante este triste espectáculo, ficaste a admirar e a reconhecer ainda mais, se possível, o esforço que o teu pai e estes teus amigos fizeram enquanto combatentes daquela guerra que felizmente já não atingiu a tua geração.

Para desanubiar, vamos ver três fotos tuas que os nossos serviços scretos conseguiram desencantar.

Quem sai aos seus... João Santiago também pratica desportos radicais, não é só o seu sempre jovem pai.

João Santiago algures em busca de aventura.

João Santiago aquando do encontro da mimi-Tertúlia de Matosinhos em casa do nosso camarada Paulo Santiago

E pronto, caro João, esta foi a nossa singela homenagem neste teu dia de anos.

Tudo de bom para ti junto de teus pais, demais família e amigos.

Recebe um abraço de felicitações da tertúlia.
CV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6433: Parabéns a você (115): Completa hoje 65 anos o nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto (ex-Fur Mil da CART 2519)

Guiné 63/74 - P6471: Vídeo: Fado da Guiné (letra original e voz de Joaquim Mexia Alves)



Fado da Guiné : Vídeo 2' 09'' . Letra do Joaquim Mexias Alves. Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera) (com a devida vénia). Alojado em You Tube > Joquim1949


1. Mensagem do camarigo Joaquim Mexia Alves, com data de ontem:

Caros camarigos :

Não percebo nada de computadores, mas como sou teimoso vou fazendo experiências.  Desta vez atirei-me ao Fado da Guiné  (*) e coloquei-lhe umas imagens.

Ao menos enquanto se ouve o "artista" sempre se vêem umas imagens a propósito.
É só para que me "dêem os parabéns", já que para mim é uma "vitória" conseguir fazer estas coisas!!!!

http://www.youtube.com/watch?v=gpsv4Nt6mwo

Enfim,  é apenas uma graça, porque ainda tenho esperança de que hei-de cantar este fado acompanhado à guitarra e à viola.

Um grande abraço para todos
Joaquim
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6470: Controvérsias (76): Carta aberta a António Martins de Matos (José Manuel M. Dinis)

Não cumprir o itinerário traçado na Sala de Operações, não é o mesmo que ficar a descansar dentro do arame farpado


1. O nosso tertuliano António Martins de Matos, Ten Gen Pilav, fez o seguinte comentário ao Poste 6442 de autoria do nosso camarada José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679:

Ao contrário da Filomena, considero ser uma "triste história".
E depois queixam-se que o AB diga o que disse.
Abraços
António Martins de Matos



2. Face ao comentário, José Manuel Dinis solicitou a publicação desta carta aberta a António Martins de Matos:

Meu Caro António Martins de Matos,
No passado dia 22 de Maio tiveste a amabilidade de comentar o post n.º 6442, subscrito por mim, nos seguintes termos: "... considero ser uma " triste história". E depois queixam-se que o AB diga o que disse".

Refiro sem ironia que foi amável o comentário, apesar do sentido depreciativo, porque não sendo seguidista, é revelador de interesse.
No entanto, sinto a necessidade de esclarecer a minha posição, perante a interpretação corrosiva que o comentário permite. De facto, a alusão ao AB, associada ao meu comportamento descrito, até sugere que possa ser responsabilizado pela ineficácia das NT no TO da Guiné.

Assim, pergunto o que disse o AB? E respondo que o Exército se acoitava dentro do arame, como que ofendeu com desonra todos os que, dentro ou fora do arame, foram mobilizados para defender a Pátria, sem que tivessem dado opinião sobre os interesses em presença.

Pois a minha narrativa incide sobre uma acção fora do arame, uma como tantas outras, em que eram mínimas as possibilidades de contacto com o IN. Na verdade, uma única vez em que se me afigurou viável surpreendê-lo, emboscando-o, quiçá, com a possibilidade de o apanhar à mão, contactámos Canquelifá, onde, ocasionalmente, se encontrava o CMDT do CAOP, e foi-nos transmitida a ordem para retirar para um ponto elevado, que não existia, dada a planura do relêvo, mas afastámo-nos para permitir o bombardeamento na área.

Que resultados foram conseguidos?

Que moral resultou para a tropa?

Imagino que adivinhas as respostas.

A ti faltará, naturalmente, a experiência de infantaria, e as contrariedades de um Exército mal preparado e mal equipado, que, no entanto, trilhou selvas e savanas, sempre em condição de exposição relativamente ao IN. Por isso, quero adiantar que um Pelotão era constituído por 30 elementos, mas que o Foxtrot chegou a sair com apenas 9, tornando as suas acções ainda mais complicadas para os que alinhavam. Quem se preocupou com essa situação? Como era feita a gestão do pessoal? Qual a solidariedade manifestada por quem alinhava no mato? Pois já agora, a este Pelotão em versão reduzida (que todos os dias saía, ora em patrulhas e operações, ora para emboscadas e colunas), conforme narrarei mais tarde, certa vez foi incumbida a missão de fazer uma coluna de reabastecimento a Copá, apesar de ter acabado de chegar à Companhia a informação oriunda da PIDE-Pirada, de que o Nino estaria emboscado no percurso.

O capitão, Comandante da Companhia, um cobardolas do QP, que nunca saíu para o mato, salvo em muito poucas colunas que lhe foram impostas, teve comigo uma conversa de abecoinha, que lamento não poder reproduzir, digna do discurso do bronco e incapaz.
Não sei se o Nino lá estava quando passei, mas passámos, e o pessoal sabia, porque avisei, e pelo dispositivo adoptado, do perigo que corríamos.

Nem o capitão, nem o CMDT do COT-1, nem o AB, nem qualquer representante do E.P. teve algum sentido de responsabilidade antes, nem manifestou apreço depois.

Meu Caro, sobre o post, não me lembro do motivo por que não cumpria o itinerário traçado, e fi-lo mais alguma vez, quando o pessoal manifestava consaço e eu decidia dar descanso. Digamos, que fiz uma gestão por conta própria, já que a incapacidade de quem teria essa responsabilidade, manifestava-se sempre em sentido contrário. Ao longo da História da CCaç 2679 já dei notícia de alguns episódios ilustrativos dessa incompetência.

Por último, calcorreei bastante daquele território, nunca me queixei, e andei só com o Pelotão a maior parte do tempo. Pedi transferência de Companhia por incompatibilidade com o Comando, assim mesmo, o que esteve quase a gerar uma grande barraca. Não vejo em que é que o AB tenha contribuído, mais do que eu, para atingirmos a vitória que, afinal, os altos comandos não conseguiram. Se calhar, por negligência e incompetência.

Atrevo-me a dizer, às vezes, é bom para o futuro, aprendermos com os erros do passado. E como diz o povo, nem tudo o que luz é ouro.

Aceita um abraço
José Dinis
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Notas de CV:

Subtítulo da responsabilidade do editor

Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6416: Controvérsias (75): A nossa postura face ao PAIGC no pós-Abril (Manuel Marinho)

Guiné 63/74 - P6469: Tabanca Grande (223): Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969

1. Estamos hoje a abrir a porta principal da nossa Tabanca Grande a mais um dos nossos Anjos da Guarda. 

 Vamos receber de pé a nossa ex- Alferes Enfermeira Pára-quedista Rosa Serra (BCP 12, Guiné, 1969) que se quer juntar à sua camarada Giselda Pessoa e a nós. 

 Pela Rosa vamos ficar a saber o mais importante do percurso das nossas queridas Enfermeiras Pára-quedistas até estarem aptas a socorrerem quem delas precisasse, onde quer que fosse e em quaisquer circunstâncias.

2. Agora vamos dar a palavra a dois amigos nossos, a Giselda e o Miguel, que sobre a Enfermeira Rosa Serra dizem: 

 A ex-Enfermeira Pára-quedista Rosa Glória Barroso Costa Serra, simplesmente conhecida como Rosa Serra durante a sua permanência na Força Aérea, integrou o 6.º Curso de Enfermeiras Pára-quedistas efectuado em 1967.  Devido a um acidente no decorrer da sua preparação, apenas veio a completar o curso em Março de 1968, tendo sido então graduada em Alferes. 

 A sua experiência como Enfermeira Pára-quedistas levou-a nos 6 anos seguintes aos mais diversos teatros de operações, de que destacamos a BA4, na Terceira/Açores, em 1968 e 1972; a Guiné, BCP12/Bissalanca, em 1969; Angola, BCP21/Luanda, em 1970; Tancos/RCP, em 1971; Moçambique/Mueda, em 1973, acabando por terminar o seu contrato em Março de 1974. 

 Calculamos quão enriquecedoras foram essas experiências, nomeadamente as que teve nas suas colocações em Moçambique e na Guiné. E será de realçar esta última, pelas dimensões reduzidas do território, o que lhe permitiu chegar a todos os lugares e lhe possibilitou um contacto intenso com as populações e com as nossas forças no terreno. 

 Encaramos por isso com bastante expectativa os textos que a Rosa possa vir a apresentar-nos com o relato das experiências por ela vividas como Enfermeira Pára-quedista neste período tão marcante da sua carreira profissional. Giselda e Miguel


Rosa Serra > Uma volta de bicicleta... roubada 


  3. Comentário de CV: 

 Cara Enfermeira Rosa É uma honra para esta Tabanca, composta essencialmente por militares milicianos e do QP do Exército, onde pontuam felizmente já alguns elementos da Força Aérea a Marinha Portuguesas, receber mais uma Enfermeira Pára-quedista. 

Na verdade a nossa querida tertuliana Giselda, como elemento feminino, já se devia sentir um pouco só. Não, não me estou a esquecer das nossas amigas tertulianas, de algum modo ligadas a nós, estou tão só a referir-me às senhoras que activamente participaram na guerra e estiveram connosco no terreno, nas horas mais dramáticas, tanto para quem precisava de auxílio como para quem o prestava. Ainda bem que resolveu juntar-se a nós e se dispôs a enviar-nos textos e fotografias sobre si e sobre as suas camaradas. 

Vamos ficar com alguns registos, que reportamos importantes, para conhecermos melhor os nossos Anjos da Guarda, que como tudo que está ou cai do céu, alimentava uma certa curiosidade para os infantes e cavaleiros, mais vocacionados para andar com os pés no chão, embora com o pensamento sempre a voar. Porque tem já trabalho apresentado para publicação, não vão faltar oportunidades para falar de si, das suas camaradas e do vosso trabalho enquanto elementos dedicados a socorrer os que estavam a precisar do vosso auxílio. 

 Receba um beijinho colectivo de toda a Tabanca Grande e a certeza de que é uma honra tê-la connosco. Pelos editores e pela tertúlia Carlos Vinhal 

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 Nota de CV: