quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17953: Em busca de... (281): Camaradas do meu pai, Joaquim Ferreira da Siva, nascido em 1944 , em Póvoa do Varzim, e que eu conheci mal... Pertenceu à CCAÇ 1589 (Beli e Madina do Boé, 1966/68) (Hélder Ferreira da Silva)


Guião da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau,  Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 11966-68)


Foto do Caderneta Militar: Joaquim Ferreira da Silva, nº mec. 2135/65, com 1,60 de altura. 
Nascido em Póvoa de Varzim (1944).


1. Mensagem de Hélder Ferreira da Silva:

Data: 23 de outubro de 2017 às 13:39

Assunto: Pedido de informação

Boa tarde,  caro Luís Graça,

Queira desculpar o meu contacto, mas o meu falecido pai, caso não esteja em erro.  esteve no CCAC 1589 em Madina do Boé.

O facto é que, apesar de ter sofrido com a doença que o apanhou  (paramiloidose),  também sempre sofreu com os pesadelos da guerra.

Nunca o cheguei a conhecer verdadeiramente, pois faleceu tinha eu 18 anos. Nunca que lhe conheci amigos, a não ser a minha própria família.

O nome do meu pai era Joaquim Ferreira da Silva, nascido a 4/4/1944 na Povoa de Varzim. Gostava de um dia poder ter a oportunidade de ouvir falar dele sem ser por quem já me conhece. Que tipo de camarada era ele, o que fazia,  o que gostava etc.

Nunca fui militar, pois preenchi muitos papéis para ser dado como amparo de família, mas tenho ideia que nunca se faz uma amizade como se faz na guerra.

Muito obrigado pela sua atenção,

Melhores Cumprimentos / Best Regards

Hélder Ferreira da Silva

Sales & Air Freight Manager

M. +351 966 052 525

PS - Aproveito para enviar também uma foto que tenho da caderneta militar dele. Talvez possa ajudar.


2. Resposta do editor LG:

Hélder, obrigado pela sua mensagem. Filho dos nossos camaradas, nosso filho é. Fico sensibilizado pela sua ternura para com o seu pai e a maneira como quer honrar a sua memória,  procurando  saber algo mais sobre a sua história de vida, e em particular no teatro de operações da Guiné.

Partindo do princípio que o seu pai pertenceu à CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (, que esteve sobretudo em Beli e Madina  do Boé, em 1966/68), devo-lhe dizer que temos sobre esta unidade quatro  dezenas de referências no nosso blogue... E, em particular, muitas e belíssimas fotos do álbum do Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68). 

O Manuel Coelho, que era o furriel miliciano de transmissões dessa companhia, é também o seu elemento mais ativo no nosso blogue. E é o grande fotógrafo de Madina do Boé. Pode ser que ele inclusive tenha alguma foto do (ou com o) seu pai. É além isso um dos elementos da companhia que vai, com regularidade, aos encontros anuais de convívio.

Ainda o ano passado, em Oliveira de Azeméis, se celebou os 50 anos da formação do batalhão, a que pertencia a CCAÇ 1589, o BCAÇ 1894. e os 48 anos do regresso da Guiné.

Vou pôr o Hélder em contacto, por email, com o Manuel Coelho, que é de Reguengos de Monsaraz. O que eu sugeria é  que pudesse participar num dos próximos encontros anuais da companhia. Era a melhor maneira de poder obter impressões e informações sobre o seu pai. Originalmente, a companhia devia ter 150/160 homens. Mas no máximo, há um ou dois a escrever nas redes sociais e os que aparecem nos convívios anuais são da ordem dos 20% a 25%.

Havia, na nossa Tabanca Grande, outro camarada da CCAÇ 1589, infelizmente já falecido, o  Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º cabo aux enf. O Armandino  deixou-nos aqui diversas histórias do seu tempo, não sei se há alguma referência ao seu pai, que tanto podia ser conhecido pelo apelido, Silva, como pelo nome da terra onde nasceu, Póvoa do Varzim, ou ter outra alcunha.

Infelizmente não tenho a lista com os nomes do pessoal que compunha a CCAÇ 1589. O antigo comandante agora coronel reformado, Henrique Victor Guimarães Perez Brandão, ainda estava vivo em 2016, mas eu não tenho o seu contacto. Terá que falar com o Manuel Coelho.

Outro camarada do seu pai é o António Marques Alves, organizador do convívio de 2016 em Oliveira de Azemeis e também director do Núcleo da Liga dos Combatentes de Oliveira de Azeméis.

Boa sorte para os seus contactos. E disponha sempre. Se assim o entender, mande-nos  fotos. digitalizadas, do seu pai para os seus antigos camaradas o reconhecerem,  do tempo da Guiné.

Um alfabravo (ABraço) do editor, Luís Graça
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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17907: Em busca de... (280): pai de Elisa Gomes, nascida em Geba, em 2/12/1968, filha da lavadeira Maria Assunção Sábado Teixeira, já falecida (em Bafatá, em 1990). O progenitor pode ser um militar da CART 1690 (Geba, 1967/69). A Elisa vive e trabalha em Albufeira (Fernando Chapouto, ex-fur mil op esp, CCAÇ 1426, Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67)

Guiné 61/74 - P17952: Agenda cultural (604): Hoje, às 18h30, na Fundação Calouste Gulbenkian, no Auditório 2, sessão de lançamento da obra "Médicos e Sociedade: Para uma História da Medicina em Portugal no século XX" (Lisboa: By the Book, 2017, 863 pp.)....A obra foi superiormente coordenada por A. L. Barros Veloso, e tem cerca de 4 dezenas de autores, um dos quais o nosso editor Luís Graça (capítulo 04: "Ricardo Jorge e a modernização da Saúde Pública" , pp. 18-33)



1. Será apresentada hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, no Auditório 2,  às 18h30, a obra "Médicos e Sociedade: Para uma História da Medicina em Portugal no século XX" (Lisboa: By the Book, 2017, 863 pp.).

By the Book, Edições Especiais
Rua das Pedreiras, 16-4º
1400-271 Lisboa
Portugal


www.bythebook.pt
http://issuu.com/bythebook
www.facebook.com/bythebook

Ficha técnica do livro:

A. J. Barros Veloso (coord.), A. J. Barros Veloso, Luiz Damas Mora, Henrique Leitão (eds.),

Médicos e Sociedade. Para uma História da Medicina em Portugal no século XX

Lisboa: By the Book, 2017.

863 pp. 

ISBN: 978-989-8614-56-8

Preço de capa: c. 35 €


2. O nosso editor Luís Graça (, sociólogo da Saúde, professor jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade NOVA de Lisboa) é autor do capítulo 04: "Ricardo Jorge e a modernização da Saúde Pública" (pp. 18-33).  

São cerca de 4 dezenas os autores representados nesta obra monumental,  superiormente coordenada por A. J. Barros Veloso, e editada por A. J. Barros Veloso, Luiz Damas Mora e Henrique Leitão.

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17948: Agenda cultural (603): Tertúlia de antigos Combatentes, subordinada ao tema "Histórias Com Rosto", a realizar no dia 17 de Novembro próximo, às 21,30 horas, no Auditório Municipal de Esposende (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689)

Guiné 61/74 - P17951: Os nossos passatempos de verão (21): Cantigas de escárnio e mal-dizer, à desgarrada... Parte VI: Glosando o mote "Sois os últimos moicanos, / Os do Como e do Cachil, / Se a guerra vos tirou anos, / O bom irã dá-vos mil! (Luís Graça / Francisco Santos / José Colaço)


Ponte de Sor > 5 de novembro de 2016 > Convívio anual do pessoal da CCAÇ 557 (1963/65) > O  Zé Colaço, à esquerda; o Chico Santos, à direita.

Foto (e legenda): © José Colaço (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Troca de 'mimos poéticos' entre o nosso editor, Luís Graça, e o poeta popular Chico Santos, o bardo do Como e do Cachil, ao tempo da CCAÇ 557 (1963/65)... Como o Chico, mesmo sendo nosso grã-tabanqueiro com todo o mérito, não tem email, é o Zé Colaço que serve de pombo correio...





Mote (Luís Graça)



Sois os últimos moicanos,
Os do Como e do Cachil,
Se a guerra vos tirou anos,
O bom irã dá-vos mil!



Glosa(Chico Santos)

Fomos os últimos moicanos,
No Como cheios de sebo,
O bom irã dá-nos mil anos,
De seres do além não percebo.

Errar resposta não quero,
Por isso à box me encosto,
A minha educação é zero
E, como nada sei, até gosto.

A escola para mim foi pouca,
Só respondo à m'nha maneira,
É que ás vezes eu abro a boca,
Entra mosca ou sai asneira.




Mote (Chico Santos)




A escola p’ra mim foi pouca,
Só respondo à m’nha maneira, 
É que ás vezes eu abro a boca,
Entra mosca ou sai asneira.



Glosa(Luís Graça)



A escola p’ra ti foi pouca,
Mas és poeta popular,
Fizeste uma guerra louca,
E estás cá para a contar.

Só respondes à tua maneira,
És forte na desgarrada,
Tens sempre uma na algibeira,
E outra melhor artilhada.

Ainda bem que abres a boca,
P’ra fazeres prova de vida,
Não és dos de orelha mouca,
Dás a resposta devida.

Entra mosca e sai asneira
Na boca de alguns senhores,
Que até falam de cadeira,
Armados em professores!

... Com um alfabravo fraterno para os dois bravos da CCAÇ 557, o Francisco Santos e o José Colaço. (**)



Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Cachil > Março de 1964 > CCAÇ 557 (1963/65) Construção do aquartelamento de Cachil na sequência Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > À boa maneira do faroeste americano...  uma paliçada, neste caso feita de troncos de cibe!

Foto: © José Colaço (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P17950: Parabéns a você (1337): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71); António João Sampaio, Ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74); Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69) e João José A. Martins, ex-Alf Mil Art do BAC 1 (Guiné, 1967/70)



 João José Alves Martins


Nota do editor:

ÚLtimo poste da série >  6 de novembro de 2017 >  Guiné 61/74 - P17938: Parabéns a você (1336): Jorge Cabral, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17949: Notas de leitura (1012): "A Antepenúltima Caravela", de Emanuel Filipe, inserido na obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (Abel Santos)



1. Em mensagem do dia 2 de Novembro de 2017, o nosso camarada Abel Santos, (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), enviou-nos o texto, que se publica com a devida vénia, da autoria de Emanuel Filipe, que faz parte da obra “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988.[1]


A ANTEPENÚLTIMA CARAVELA 

pp. 205-212) (excerto)

por Emanuel Filipe

Há treze anos de guerra, e ainda se julgam inocentes, limpos, sem nódoas de sangue na roupa, nem indícios de pólvora nos poros minúsculos das mãos. Deixara apenas de poder suportá-los, tanto quanto ao homenzinho que, lá dentro aos microfones de bordo, entre uma música e a seguinte, aproveitava para contar uma anedota sem graça. Esgotara-se há muito o reportório das suas mulheres maliciosas e cínicas. Não havia pachorra para ouvi-lo imitar os improvisos do general Spínola. E a ninguém ocorria que o general Kaúlza pudesse ser comparado a um treinador de futebol.

Quem poderá compreendê-los, a esses homens, quando daqui a algum tempo, estando nós longe deles, pudermos acusá-los de tudo o que nos aconteceu em África? Vê-los-emos baixar os olhos e cerrar os punhos, apenas. Seremos infinitamente piores do que eles. Somos a geração do ódio, da vingança desnecessária e do discurso fácil. Cometeremos não os seus crimes sórdidos, mas crimes de palavra, delitos ociosos. Quem poderá então compreender-nos também a nós?


Homens geralmente brunidos, em cujas fisionomias avançavam já os primeiros sinais de velhice, mas os subalternos jamais perdoariam o toucinho dos seus ventres, o princípio da calvície, as suíças ruivas ou malhadas e sobretudo os dentes postiços. Começavam a cheirar a treze anos de guerra, em comissões sucessivas, e ao sacerdócio político das armas. Não poderia haver compaixão para esses homens proscritos?


Passaram os anos, mas nunca mais seremos os mesmos. Vivos e mortos por dentro, e não mais aqueles rapazinhos especializados à pressa, para fazer uma guerrazinha menor, onde nunca nada de importante aconteceria. Passaram os anos, e o país continua heroicamente de cócaras, mas se o puserem a falar do seu remorso de guerra, só um arrepio conseguirá atravessar-lhe a voz. (...)


Vd. aqui o índice da obra, na qual colaboraram alguns escritores consagrados.
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Notas do editor

[1] - Vd postes de:

23 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16124: Nota de leitura (841): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (1) (Mário Beja Santos)
e
27 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16140: Nota de leitura (842): “Os Anos da Guerra, 1961/1975, Os portugueses em África, Crónica, Ficção e História”, organização de João de Melo, colaboração de Joaquim Vieira, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote, 1988 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17940: Notas de leitura (1011): “A PIDE no Xadrez Africano, Conversas com o Inspetor Fragoso Allas”, por María José Tíscar; Edições Colibri, 2017 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17948: Agenda cultural (603): Tertúlia de antigos Combatentes, subordinada ao tema "Histórias Com Rosto", a realizar no dia 17 de Novembro próximo, às 21,30 horas, no Auditório Municipal de Esposende (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689)



Mensagem do nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), dando-nos notícia de uma tertúlia de antigos Combatentes, subordinada ao tema "Histórias Com Rosto", a levar a efeito no próximo dia 17, às 21,30 horas, no Auditório Municipal de Esposende.

Caro Amigo Carlos Vinhal. 
Logo que possível, agradeço que estudes a possibilidade de inserir no nosso blogue, TABANCA GRANDE, o cartaz anexo, referente a uma tertúlia sobre Ex-Combatentes que se realizará no dia 17 de Novembro de 2017 no Auditório Municipal de Esposende. 

Grato pela atenção. 
Um grande abraço 
Fernando Cepa 
Ex-Furriel Miliciano 
Cart 1689 - Bart 1913 
Guiné
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17946: Agenda cultural (602): Hoje, às 18h30, no Porto, FNAC Santa Catarina: lançamento do último livro do escritor Carlos Vale Ferraz (e nosso camarada de armas, Carlos Matos Gomes),"A Última Viúva de África". Apresentação por David Martelo

Guiné 61/74 - P17947: Os nossos seres, saberes e lazeres (239): Lesmahagow, adeus a Moffat, primeiro dia em Manchester (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 9 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Já estamos no fim da festa, o viandante parte no dia seguinte de Moffat para Manchester. Vibrou com a campanha eleitoral e há muitos anos que não passava a noite acordado, a ver o resultado e os comentários das eleições britânicas. Apanhou a campanha eleitoral do princípio ao fim, por pura coincidência, via diariamente os noticiários e estava atento à reação dos eleitores, aos apontamentos da propaganda, ao teor das mensagens. O fenómeno mais surpreendente a partir da segunda semana da campanha foi a ascensão meteórica de Jeremy Corbyn, enchia estádios e grandes espaços, trazia ideias novas, prometia um Brexit diferente, o aprofundamento do diálogo europeu.
Quanto à Escócia, ela é inesquecível, propositadamente não se foi a Glasgow nem Edimburgo, o viandante agora anda a cismar num passeio até ao Norte e apanhar um barco até à Islândia, ou escolher um porto da costa ocidental e passar para a Irlanda. A seu tempo se verá, por ora saboreiam-se gratas recordações.

Um abraço do
Mário


Lesmahagow, adeus a Moffat, primeiro dia em Manchester (8)[1]

Beja Santos

Acreditem que o viandante viveu aqui, na noite das eleições legislativas da Grã-Bretanha, tempos emocionantes. Acompanhou diariamente a evolução da campanha, deu para perceber que a senhora primeira-ministra da Escócia estava a meter-se em trabalhos escusados quando propunha um segundo referendo para a independência do país, como é evidente tratava-se de assunto subalterno num período crucial em que era preciso dizer em que tipo de Brexit se pretendia votar, o partido nacionalista escocês perdeu para os conservadores e trabalhistas. Theresa May pedia tudo: maioria absoluta com esmagamento dos trabalhistas, um governo credível para negociar em força o Brexit, passou a ser visível nos ecrãs que tudo era enfadonho, as passeatas não tinham povo e as que tinha era com gente com pouco ânimo; os liberais democratas ainda não estavam refeitos da queda depois da governação conjunta com David Cameron, exigiam um novo referendo, continuam europeístas, ganharam alguns deputados. E desde os primeiros dias da campanha que se notava um fôlego crescente nas movimentações dos trabalhistas, Jeremey Corbyn, o seu dirigente, fazia passar mensagens substantivas, eloquentes e acessíveis, mostrava-se motivado e ardoroso, enchendo estádios e praças. Naquela noite, pelas 22 horas prefixas, anunciaram-se as previsões: os conservadores ganhariam sem maioria, haveria uma subida espetacular dos trabalhistas e um afundamento total da extrema-direita, o partido de Nigel Farage pulverizava-se. Tudo isso se viu e comentou numa noite fervilhante, inesquecível. No dia seguinte apanhei este desenho de humor que para o viandante só comprova que é a dimensão do desenho onde o génio é mais rasgado, para captar as ironias do quotidiano: as farroncas de Theresa May engoliram-na à dimensão microscópica. E o Reino Unido ficou ainda mais dividido, mais confuso e com um Brexit mais conflituoso.



O viandante acordou tardíssimo, já a companha andava agitada a discutir os resultados das eleições. Tinha-se acordado que era dia de folga, cada um amanhava-se, depois de comido o viandante foi para as estações dos autocarros, era muito tarde para ir até Glasgow, pediu um bilhete para a estação seguinte, Lesmahagow, acabou por não se arrepender, viu colinas verdejantes, ribeiros serpentantes, florestas densas, muito verde e rochas. Desembarcou, apeteceu-lhe um café e ainda hoje tem remorsos de não ter pedido licença para tirar uma fotografia a um canto cheio de dvd’s, cd’s e livros, tudo a uma libra, para as crianças de um hospital. São coisas que embevecem, este tipo de solidariedade de entregar o que já não nos faz falta e neste caso dar algumas alegrias a crianças hospitalizadas. Tomou-se o café e começou a deambulação.


É frequente ver-se edifícios exclusivamente dedicados ao culto maçónico, na Grã-Bretanha. O viandante impressionou-se com a sobriedade do templo e tomou nota. Mais tarde, procurou explicação para a premência do culto maçónico, alguém justificou que os maçons intervêm em muita filantropia local, o que lhes dá credibilidade, ninguém lhes atribui conotações sinistras.


Esta digressão não tem história, é turismo à carta e de proximidade, nada havia de retumbante mas o viandante entrega-se a pormenores, realça-os e argumenta consigo próprio que mesmo em sensaboria urbanística há sempre um dado que se impõe, peculiar, se não original. É o caso desta fonte, uma boa peça da arquitetura do ferro, felizmente que não há razão a pretexto de por ali qualquer outro equipamento urbano. Feliz da vida, regressa-se à base, está um dia chocho, nada como andar a bisbilhotar pelas ruas de Moffat, a fazer horas. Amanhã começa o regresso, é preciso registar as últimas impressões, Moffat é um local inesquecível.


A próxima etapa é Manchester, para fazer economias é melhor ir dormir num quase arrabalde, escolheu-se Chorley, pelo bom preço e por estar a 20 minutos da grande cidade. Chorley não tem 40 mil habitantes foi até aos anos 1970 um dos muitos polos algodoeiros do país, não se via à vista desarmada monumentos significativos. O viandante encontrou um templo anglicano em horário de ofício, aproveitou para fazer as suas orações. E depois lançou-se à procura de espaços verdes, entardecia. Pois foi precisamente aqui que se encontrou um monumento tocante. Vejam com atenção. É tudo simples, feito de madeira, uma veneração àqueles que tombaram na guerra, em cada um dos capacetes uma papoila, símbolo das gotas do sangue derramado sobretudo na Flandres. O que mais impressionou o viandante é dar-se a dignidade ao dever de memória com materiais tão simples, tão diretos à reflexão.


Manchester é a segunda cidade da Grã-Bretanha, é uma típica cidade do Norte da Europa, sente-se a pujança dos negócios, há a lembrança do que foi nos tempos do império. Tudo compacto, mas não deixa de ser chocante o contraste entre uma certa sumptuosidade da arquitetura e o caos das lojas, cada cor o seu paladar, a visão da sumptuosidade sai sempre menorizada.


Ao atravessar a rua, viandante e companha são confrontados com uma manif em Piccadilly Gardens Manchester, unidos contra o racismo e o ódio, uma constelação de grupos vem protestar contra organizações da direita radical, havia bancas dos comunistas, dos trotskistas, dos LGBT. O viandante entrou certamente no momento aceso de discursos, os manifestantes contra o racismo e o ódio procuravam cercar a área onde estavam os manifestantes da direita radical. Uma chuva de ovos passou rente, viandante e companha, por prudência, mudaram de local, mas com a excitação de terem participado numa manif em direto.


O principal museu de Manchester é Manchester Art Gallery, riquíssima em arte ocidental, o peso da coleção começa com os mestres holandeses, segue para o século XVIII e os românticos, os britânicos novecentistas estão ali praticamente todos, a começar pelos pré-rafaelitas, os grandes pintores do século XX têm ali acento, é o caso de Francis Bacon e Lucian Freud.


O viandante sempre venerou este senhor Bacon que torce e retorce até tornar nítido a vertigem dos movimentos. Há ali algo de animalesco, a fúria do que se torce e contorce, o sombreado das cores e o vórtice do sangue, tudo em espaços fechados. Podem supor-se inúmeras metáforas, para o viandante o impacto é a construção do homem, o que o acompanha toda a vida entre quedas e levantamentos. Não sei como lhe agradecer, meu caro Bacon, estes momentos tão felizes na sua companhia!


Freud é outra representação, o predomínio dos tons cerúleos e acinzentados, a preocupação pelos enquadramentos onde só cabem certos volumes, é uma fuga ao retrato convencional. Trata-se de um quadro seguramente da juventude, Freud irá evoluindo para a exibição carnal, nunca perdendo o sentido figurativo, a sua genialidade nunca foi contestada, o seu retrato de Isabel II já faz parte da lenda da pintura.


Está a chegar ao fim o primeiro dia em Manchester, estes casarões vitorianos, eduardianos, estas réplicas muito tardias de um medievalismo que ainda excita as imaginações, espalham-se por esta cidade onde houve um grande orgulho cívico, aqui foi um centro irradiante do dinheiro das minas, de grandes fábricas, do capitalismo próspero dos séculos XIX e XX. Só para olhar toda esta monumentalidade vale a pena calcorrear Manchester.



Em caso algum o viandante fica indiferente ao reconhecimento que se faz a quem deu a vida pela pátria. Num jardim, encontraram-se estas duas modestas lápidas, têm um profundo significado, lembrar os outros que combaterem ao nosso lado e que as gerações seguintes puramente ignoram e lembrar os filhos da terra que se associaram ao mais sublime dos deveres cívicos. Eu sei que é assim por todo o Reino Unido, e aqui já se deixaram imagens eloquentes, lápides em colégios de Oxford e Cambridge, monumentos singelos em aldeias, vilas e cidades, testemunhos de um desmedido compromisso para assegurar a independência do país e dos aliados. E o que mais assombra é que este orgulho no testemunho está embebido na cultura, faz parte do entendimento humano, é um aporte histórico irrecusável. O que nos faz pensar quanto ao nosso desmazelo e indiferença.

(Continua)
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Notas do editor

[1] - Poste anterior de 1 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17922: Os nossos seres, saberes e lazeres (237): Em Drumlanrig Castle, o esplendor dos jardins escoceses (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17924: Os nossos seres, saberes e lazeres (238): Mais uma vez os velhinhos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547)

Guiné 61/74 - P17946: Agenda cultural (602): Hoje, às 18h30, no Porto, FNAC Santa Catarina: lançamento do último livro de Carlos Vale Ferraz (nosso camarada de armas, Carlos Matos Gomes), "A Última Viúva de África". Apresentação a cargo do Coronel Ref David Martelo



Convite da Porto Editora e do autor para a sessão de lançamento do livro do escritor Carlos Vale Ferraz (e nosso camarada de armas, Carlos Matos Gomes),!A Última Viúva de África", no Porto, FNAC Santa Catarina, às 18h30.

(Vê aqui a "nota de leitura" do nosso crítico literário, Mário Beja Santos:

(... ) "Carlos Vale Ferraz é autor de uma das obras-primas da literatura de guerra, "Nó Cego". Ao longo dos anos tem dividido a sua atividade literária pela ficção e pela historiografia contemporânea. O seu novo romance leva-nos até às sanguinárias guerras do Congo, pós-independência, a articulação nos grupos catangueses e mercenários de muitas origens com o que se passava no Leste de Angola.

A enigmática Madame X é uma minhota que chegou ao Congo nos anos 1950 e que vai avisando Luanda e os serviços de informação portugueses do que se está a passar, Miguel Barros é o português que viverá toda a trama deste período tumultuoso e que mais tarde deixará uma gravação que funciona como o fio de Ariadne no labirinto dos acontecimentos, um desfecho espantoso de um mausoléu de Madame X num templo algures no Alto Minho - dali partiu alguém para viver os dramas do império e ali regressou como último parágrafo da descolonização." (...) 

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de novembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17933: Agenda cultural (601): Hoje, na Casa do Alentejo, em Lisboa, às 15h00: O poeta Silvais (Évora) e seus convidados, confrades da poesia popular + Grupo Coral Fora D'Oras (Montemor-o-Novo)

Guiné 61/74 - P17945: Manuscrito(s) (Luís Graça) (128): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era... Parte II - Fotos


Foto nº 1 > Cemitério de Paredes de Viadores, Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 >  Inscrição no belo portão, em ferro forjado > "1894"


Foto nº 2 > Cemitério de Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 > O mais sumptuoso jazigo, da família da "Casa da Igreja", em estilo revivalista, neogótico > Inscrição em latim:  "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar)....

Até na morte os homens tentam reproduzir as desigualdades sociais que existiam em vida: esta capela, dos "fildalgos" da Casa da Igreja é a única que existe, para além da de outra família, neste pequeno cemitério rural, cuja construção remonta a 1894... Logo nos finais do séc. XIX,  os ricos e poderosos procuraram contornar a aplicação lei liberal do enterramentio público (que proibia o enterramento em espaço privado: palácios, conventos, igrejas, ermidas, capelas...) erigindo no espaço  do cemitério público uma "jazigo capela", uma  espécie de minicasa de Deus, reservada aos seus mortos queridos...

Há algo de patético neste encarniçamento em manter, na morte,  a segregação socioespacial que existia em vida... Como eu já aqui escrevi em tempos (, há 9 anos atrás),  os cemitérios públicos são (ou deviam ser) verdadeiros "campos da igualdade", já que "metaforicamente falando, a gadanha da morte ceifa tudo e todos, ceifa rente a vida, e não poupa tanto a espiga de trigo como a erva do campo, o rico e o pobre, o herói e o cobarde, o novo e o velho, o são e o doente, o amigo e o inimigo"...


Foto nº 3 > Recinto da capela de Nª Sra. do Socorro, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 >   Duas velas, que acendi, na última fila no lado direito,  em homenagem aos nossos queridos mortos, incluindo os soldados desconhecidos de todas as guerras da nossa Pátria...


Foto nº 4 > Cemitério de Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 > Campa, em granito preto, da família Carneiro, e onde repousam os restos mortais dos pais da Maria Alice Ferreira Carneiro, o José Carneiro e a Maria Ferreira.


Foto nº 5 > Cemitério de Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 > A nossa amiga Maria Alice Carneiro,  régula da Tabanca de Candoz, junto à campa onde respousam os restos mortais dos seus pais, José Carneiro (1911-1996) e Maria Ferreira (1912-1995).


Foto nº 6 > Capela de Nª. Sra. do Socorro, Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 > Aspeto (parcial) da assistência à missa (I)



Foto nº 7 > Capela de Nª. Sra. do Socorro, Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 > Aspeto (parcial) da assistência à missa (II)


Foto nº 8 > Cemitério de Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 > Aspeto parcial do cemitério. Ao fundo, do lado direito, a capela da família da Casa da Igreja.


Foto nº 9 > Parque da capela de Nª Sra. do Socorrro,  Paredes de Viadores, Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 >  As cores outonais


Foto nº 9 > Quinta de Candoz, Candoz,  Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 >  O nosso bosque... "mediterrânico"



Foto nº 10 > Quinta de Candoz, Candoz, Paredes de Viadores,  Marco de Canaveses > 1 de novembro de 2017 >  O famoso  "anho assado com arroz de forno", especialidade gastronómica da casa...



Marco de Canaveses > União das Freguesias de Paredes de Viadores e Manhuncelos > Candoz > Quinta de Candoz  / Tabanca de Candoz > 1 de novembro de 2017 >  Dia de Finados > Quando a tradição ainda é o que era...  (*)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17944: O cancioneiro da nossa guerra (2): três letras do Edmundo Santos, ex-fur mil, CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71): (i) Os Morcegos; (ii) Estou farto deles, tirem-me daqui; (iii) Fado da Metralha


CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71) > A bordo do T/T Uíge que levou o pessoal até Bissau, em maio de 1969, : o Edmundo Santos, à esquerda, e o Mário Pinto, à direita.  Foto do álbum do Mário Pinto, reproduzido aqui com a devida vénia.

Foto: © Mário Pinto (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuamos a reunir as peças, dispersas pelo blogue, do "cancioneiro da nossa guerra"... De facto,  são já algumas dezenas, entre quadras ao gosto popular,  sonetos, versos decassílabos parodiando os "Lusíadas", textos poéticos livres, poemas, hinos, letras de canções, baladas, fados, etc. (*)

No essencial,  são letras produzidas ao longo da guerra (1961/74), mas também no pós-guerra... e nalguns casos, muito depois do nosso regresso.  Nem todas têm autoria, mas em quase todas elas há um "sentido coletivo", ou procuram interpretar um "sentir coletivo", centrando-se o seu conteúdo nas peripécias da tropa e na guerra, e tendo por cenário a Guiné.

Nem todos estes textos poéticos eram canções (como o "Cancioneiro do Niassa", por exemplo). Uns tinham (ou poderiam ter tido) suporte musical, outros não. Preocupámo-nos sobretudo com a recolha das letras que corriam o risco, isso, sim, de se perderem para sempre... Num caso ou noutro, conseguimos identificar a música que lhe estava associada (, em geral, era parodiada, como acontecia com o "Cancioneiro do Niassa").

Este material poética, independentemente da sua qualidade literária, tem interesse documental, tem um matriz socioantropológica, fala de nós, das nossas vidas na Guiné, fala de uma geração anónima, esquecida, mal tratada, fala de lugares perdidos e achados,  de topónimos estranhos, fala inevitavelmente da trilogia "sangue, suor e lágrimas", fala inevitavelmente da fome e da sede que passámos, mas também fala de coragem, de camaradagem, de saudade, etc.

Continuamos a apelar aos nossos leitores para continuarem a alimentar esta série. Acreditamos que há ainda muitas "canções e outros poemas de guerra" esquecidos no "baú da memória" dos ex-combatentes que fizeram a guerra da Guiné (1961/74)... É trabalho para nós, mas também para os nosso filhos e netos... que, com o gravador de som do telemóvel podem registar letras e músicas que os seus pais e avós ainda se lembram dos tempos da Guiné.

As referências a este tópico já são muitas, no nosso blogue, para cima mesmo de uma centena.


2. Hoje temos o gosto de vos apresentar, pela mão do nosso grã-tabanqueiro Mário Pinto, alguns letras do Edmundo Santos que ficarão para sempre associadas ao "cancioneiro de Mampatá"... 

O Edmundo irá abrir o caminho a outros camaradas, com engenho, jeito, arte e talento para a escrita poética como será o caso do nosso Zé Manuel Lopes, mais conhecido pelo seu pseudónimo literário, Josema.  [O José Manuel de Melo Alves Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74, é natural da Régua.]

O Mário Pinto e o Edmundo Santos, por sua vez,  eram ambos furriéis da CART 2519, Os Morcegos de Mampatá (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71).

Sobre o poeta, e seu camarada, Edmundo Santos escreveu, em 1 de agosto de 2009,  o Mário [Gaulter Rodrigues] Pinto, na página que ele próprio criou, "CART 2519, Os Morcegos de Mampatá"

(...) "Gostaria de falar do nosso camarada e amigo fu mil  Edmundo [Santos],  do 2.º Grupo de Combate, figura controversa da nossa Companhia.

O Edmundo era natural de Lisboa, do antigo bairro da Picheleira,  oriundo de uma família operária e trabalhadora, pois seu Pai era da CARRIS. Cresceu e aprendeu a contestar o regime vigente, como talvez nenhum de nós o pensasse, fruto da sua educação familiar. Por isso era contestatário permanente mas de uma alma grandiosa (, do tipo despir a camisa para dar ao seu amigo). Por o Edmundo ser o único furriel desponível do 2.º Gr Comb, eu algumas vezes nele fui integrado e vi muitas vezes o seu estado de espírito quanto ao conflito.

O Edmundo tinha sido meu contemporanio na EPA [, Escola Prática de Artilharia,]  e por isso convivímos assiduamente. Quem não se lembra dos seus versos e fados que todos nós,  bem ou mal cantarolávamos nos nossos momentos de ócio:  "De pica na mão lá vai a maralha", o fado da "Metralha" ou o "Adeus, Aldeia", versos e fados da sua autoria, são pecúlios que ficarão sempre na nossa memória." (...)



Cuiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 2519 (1969/71) > Resultado da explosão de uma mina A/C... Apesar da má qualidade da imagem, vê-se do lado direito a viatura sinistrada, uma GMC, e do lado esquerdo um corpo no chão.



Cuiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 2519 (1969/71) > O pesadelo dos fornilhos e das minas anticarro (A/C) e anti-pessoal (A/P), colocadas nas picadas, nos trilhos, nas bermas da estrada... Daí a importância  (e o stresse) da "picagem" do terreno, que era efetuada por uma secção de "picadores" ou "picas" (vocábulo, subs. masc.,  que ainda não vem grafado nos nossos dicionários, com esta aceção, sinómimo de picador, tal como não vem agrafado o vocábulo "pica", subs. fem, que designava a vara que terminava, com um prego ou ponta de aço, e que servia justamente para "picar" o terreno e detetar minas e fornilhos)


Fotos: © Mário Pinto (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



3. Segundo a ficha da unidade, a CART 2519 era uma companhia independente, mobilizada pelo RAL 3, partiu para o CTIG em 7 de maio de 1969 e regressou em 17 de março de 1971. Esteve sediada em Mampatá, e o seu único comandante foi o cap art Jacinto Manuel Barrelas.

Recorde-se por outro lado o que o Mário Pinto,o cronista da CART 2519, escreveu sobre a missão da sua companhia, em Mampatá: 

"A CArt 2519 a que eu pertencia quando se instalou em Mampatá , por volta do fim de agosto de 1969, depois da construção da estrada Buba-Aldeia Formosa, de má memória, recebeu como missão interceptar as colunas do PAIGC no corredor de Missirá que se deslocavam de sul para norte via Nhacobá-Uane-Xitole. Para cumprimento desta missão todos os dias um Grupo de Combate reforçado fazia emboscada no dito corredor em quanto outro Gr Comb patrulhava as imediações perto do corredor."(...).

As companhias do "mato", independentes, metropolitanas ou africanas, adidas aos batalhões ou aos comandos de agrupamento operacional (CAOP, COP), erm "usadas e abusadas" por "eles",  os "senhores da guerra", os oficiais superiores... E muitas eram "sobrecarregadas", em termos de atividade operacional, por compração com as unidades de quadrícula que faziam parte dos batalhões... Em suma, havia filhos e enteados...

Np CTIG, no "mato", o ambiente operacional era de de grande tensão, levando ao fim de meses, à exaustão física e emocional,  e isso está bem retratado nestas três etras do Edmundo Santos que o Mário Pinto recolheu e publicou na sua página e, depois, foram reproduzidos, com a devida vénia no nosso blogue (**).

Espero que ainda haja mais letras destas no "baú" do Edmundo, Santos que, para surpresa minha, se revela um poeta talentoso, com recursos estlílisticos acima da média, sabendo fazer bom uso do humor, da ironia, do sarcasmo... Constou-me que ele continua a fazer poesia, vou ver se lhe telefono e o convido, pessoalmente, para integrar a nossa Tabanca Grande, dando-nos assim a honra de sentar  à sombra do nosso simbólico e sagrado poilão!

Seria interessante também saber, junto do Mário Pinto, que músicas (de canções, baladas ou fados da época) acompanhavam estas letras... Como ele recorda, "eram versos e fados que todos nós, bem ou mal,  cantarolávamos nos nossos momentos de ócio"... O cantar, em grupo, e geralmente de copo na mão, na caserna dos soldados ou nos bar de sargentos (, locais que em geral os oficiais, mesmos os milicianos, não frequentavam fora das "horas de serviço"), ajudava a exorcizar os nossos fantasmas, a "desopilar", a aliviar a tensão...Como diz o povo, "quem canta, seu mal espanta"...

Os ventos (da contestação, da revolta e de esperança) que começavam a soprar na metrópole, com a chamada "primavera marcelista", também chegam à Guiné...a avaliar pela forma e conteúdo destas letras do Edmundo Santos. (LG)

PS - Já falei com o Edmundo Santos, que vive em Lisboa, e que aceitou o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande, Ficou de me dizer, por mail, que músicas de fado eram cantadas com estes versos (em geral, em festas de anos da rapaziada...). Vai-me mandar também mais algumas letras que escreveu mais recentemente, sobre os tempos de Guiné, e que não chegaram a  ser cantadas, com acompanhamento de guitarra e viola, como estava previsto, num dos últimos encontros do pessoal da CART 2519, em 2013,  em Benavente. 


OS MORCEGOS

por Edmundo Santos



Aqui não temos parança,
andamos sempre a alinhar,
uns a fazer segurança
e outros a patrulhar.
Só nos resta a esperança
de um dia poder voltar.

Ai!, uma vida pior
do que esta não há,
chamamo-nos os 
Morcegos,
mas ai, vejam lá,
a malta só nos conhece
pelos 
Coirões de Mampatá.

Todos os dias há saídas,
com o perigo sempre a rondar,
são poucas as alegrias
e muito para contar,
não há lugar p'ra sossego,
é a vida de um 
Morcego.

Fonte: CART 2518 Os Morcegos de Mampatá > 29/9/2011


ESTOU FARTO DELES, TIREM-ME DAQUI!

por Edmundo Santos


Tenho corrido 
manga de estradas,
que em tão má hora eu conheci,
tenho caído em emboscadas,
estou farto deles, tirem-me daqui!

Noites no mato,  debaixo de água,
são realidades que eu já vivi,
tenho a alma cheia de mágoa,
estou farto deles, tirem-me daqui!

Muita fominha tenho passado,
por causa dela me ressenti,
tenho o corpito todo enfezado,
estou farto deles, tirem-me daqui!


Fonte: CART 2518 Os Morcegos de Mampatá >  28/9/2009


FADO DA METRALHA

por Edmundo Santos



De pica na mão,
lá ia a maralha
com toda a metralha,
de olhos no chão;
para não haver falha,
piquem bem o trilho,
tomem atenção;
sou de opinião
que, se houver fornilho,
ai que Deus nos valha!

E, naquela estrada,
junto ao cruzamento,
as dores que me deste,
mais uma emboscada,
no meu pensamento,
nessa mata agreste
e os bombardeiros,
fiéis companheiros,
em qualquer momento
iam atacando
e 
turras matando,
sem dó nem lamento.

Adeus, Mampatá,
quero-te esquecer,
fizeste sofrer
quem andou por cá,
pronto a combater,
ó maldita terra
onde nada há,
e digo-te já
que toda esta guerra
foi dura a valer.


Fonte: CART 2518 Os Morcegos de Mampatá > 25/9/2009

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17943: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XV: Pago Pago, capital da Samoa Americana, Polinésia, 15/10/2016



Pago Pago, Samoa Americana, Polinésia, 15 de outubro de 2016


Texto, fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Parte XV (Segundo volume, pp. 16-19)

1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 200 referências.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais. 
Neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016. Três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento,  sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017).

Na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017). No dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano. Navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo.

Um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016.


Pago Pago, Samoa Americana, Polinésia


Festa rija na chegada ao porto de Pago Pago, o centro político, a capital da Samoa Americana, na ilha de Tutuila, na Polinésia. Há eleições neste pequeno território constituído por cinco ilhas vulcânicas e dois atóis. Hoje temos comício e grandes manifestações de apoio aos dois senhores, Lolo e Lemanu, que pretendem ascender aos cargos de governador e vice-governador da Samoa. Centenas e centenas de militantes da causa dos candidatos estendem-se pelos passeios e por ambas as bermas da avenida principal, ao longo de mais de um quilómetro, junto aos edifícios públicos, às agências bancárias, aos restaurantes, ao mar, com trajes garridos, camisas e saias – uma espécie de sarong que os homens também usam –,  em azul vivo, vermelhão, verde forte, castanho e amarelo canário. Muitos empunham cartazes, ou usam t-shirts com o nome e fotografia dos homens a eleger para governar a ilha, e têm uma boa palavra de ordem “people first”. Carros com aparelhagens montadas nos porta-bagagens, de porta traseira levantada, mais duas instalações fixas nos jardins ao longo da avenida, debitam monumentais decibéis com música da terra e palavras de apoio aos candidatos. Uma grande festa, com as pessoas gordinhas e bem dispostas, saudando os carros que passam lentamente devido ao engarrafamento provocado pela curiosidade de quem conduz e pelo estreitar da avenida, cheia de gente.

Noventa e seis por cento da população da ilha são autóctones, com o seu idioma próprio, aparentado com outros dialectos polinésios. A Samoa depende politicamente dos Estados Unidos da América desde finais do século XIX, quando os norte-americanos estenderam o seu domínio a estas longínquas paragens, dado o interesse estratégico das ilhas. Aqui em Tutuila, construíram uma série de instalações militares de extrema utilidade durante a II Guerra Mundial no apoio às esquadras do Pacífico, na luta anti-japonesa.

Na outra Samoa independente, aqui ao lado, viveu, entre 1890 e 1894, o escocês Robert Louis Stevenson, o autor da “Ilha do Tesouro”, livro que encantou a meninice de muitas gerações de rapazes, como eu, que se imaginavam sulcando as águas do Pacífico com um misterioso mapa na mão, buscando um fabuloso tesouro escondido numa estranha ilha perdida no mar.

Apanhei um autocarro público e parti, não à procura de um tesouro – já estarão todos descobertos!–, mas de uma praia acolhedora e limpa. Curiosos estes jipões, já quase todos velhíssimos, transformados em autocarros que circulam pela ilha. Têm a caixa atrás adaptada com um habitáculo em madeira, onde foram montados dez ou doze lugares. Circundando a baía de Pago Pago, viajei até ao fim da linha com descida numa aldeia chamada Ana. Quinhentos metros mais à frente havia uma praia pequenina, meia escondida, vazia de gente, sombreada por uns tantos coqueiros (cuidado que pode sempre cair um coco, bem pesado, em cima das nossas cabeças), mais o mar azul, uma leve ondulação e um calor tropical. Vamos ao banho. Água quentíssima como só me recordo de ter encontrado há anos atrás num verão com um mar quase a ferver na ilha de Djerba, Tunísia.

Mas nem tudo é perfeito neste lugar. Há vidros de garrafas espalhados pela areia da praia. Uns quaisquer energúmenos devem ter vindo para aqui beber umas cervejolas e, já toldados pelos perfumes do malte, pelas espirais do álcool, ter-se-ão entretido a partir as garrafas vazias e a deixar os vidros na praia. 

O mar também tem um problema. Entramos, avançamos uns dez metros pela areia fina, logo depois começam as pedras e os corais, submersos, quase à tona da água. Não dá para nadar muito e alguns corais podem cortar os pés e ser venenosos. E existe a possibilidade de encontrarmos mosquitos, não os vemos, não parecem ser muitos, mas quem nos garante que não apareça por aí uma mosca travestida de zika capaz de nos espetar, tropicalmente, o ferrão na pele fofa e de nos injectar o vírus que nos deixará abananados durante meses? Também podemos ser atacados por tubarões. Não será mais seguro, e mais barato, trocar o paradisíaco destas enseadas em ilhas no meio do Oceano Pacífico, por uma bonita praia fluvial nos nossos Zêzere ou Mondego, ou por uma praia atlântica a sério, em Porto Covo ou na Fuzeta? Estou a comparar o quê? A Polinésia tem algumas das ilhas mais bonitas do mundo.

Regressei a Pago Pago. A festa da campanha eleitoral continuava. Um cidadão integrado no cortejo eleitoral diz-me: Thank you for coming!... As pessoas destas ilhas vivem tão sozinhas, tão longe de tudo que saúdam com simpatia o estrangeiro que as visita. São Francisco, a pátria americana, fica a 7.700 kms de distância, o Hawai, habitado também por polinésios aparentados com os samoanos, situa-se a 4.700 kms, a Austrália, a 4.000 kms, a Nova Zelândia, a 2.900, as ilhas Fiji, a 1.200, o Tahiti a 2.400. Portugal está quase nos antípodas, a cerca de 20.000 quilómetros.

(Continua)