sexta-feira, 22 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P116: Bibliografia de uma guerra (8): A Guerra Colonial, o MFA e o 25 de Abril (A. Marques Lopes)

Texto do A. Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967, e da CCAÇ 3, Barro, 1968; actualmente Coronel, DFA, na situação de reforma):


TÍTULO: Guiné, três vezes vinte e cinco
AUTOR: Luís Ataíde Banazol, tenente-coronel
EDITOR: Prelo
ANO: 1974

Neste livro, em linguagem coloquial e aliterária, narram-se algumas situações no período imediatamente antes e depois do 25 de Abril na Guiné.

O tenente-coronel Banazol, que foi mandado para a Guiné à frente de um batalhão que se recusara a embarcar, mas que a isso fora obrigado, e com destino a Bambadinca, convocou uma reunião de oficiais, em Fevereiro de 1974, quando já estava em Bissau.

A reunião realizou-se em Nhacra e , entre outros, estavam os capitães do quadro Matos Gomes (o Carlos Viale Ferraz, do Nó Cego ) e José Manuel Barroso e o capitão miliciano Franco. A ideia transmitida pelo tenente-coronel Banazol era cercar o Comando-Chefe com o seu batalhão e tomar o poder na Guiné.

Embora entusiasmados, os participantes acharam que seria uma acção prematura e que poderia pôr em risco o "Movimento" já em andamento na metrópole. Mas o Banazol,insatisfeito, fez uma circular, "Movimento de Resistência das Forças Armadas", em Março de 1974, apelando à rebelião para Maio de 1974. O tenente-coronel Banazol estivera desde o início na formação do Movimento das Forças Armadas.

E a verdade é que o MFA já decidira que, se falhasse o 25 de Abril na metrópole, a rebelião se deveria dar na Guiné. Mas o 25 de Abril teve sucesso. De qualquer modo, e para garantir, o MFA da Guiné tomou imediatamente o poder em 26 de Abril de 1974, "destronando" o brigadeiro Bettencourt Resende, então Comandante-Chefe do CTIG.

O tenente-coronel Banazol é também autor do livro As Origens do Movimento das Forças Armadas. O Guiné-Bissau Três Vezes Vinte e Cinco não é o relato desse período pré-insurreccional, mas dá umas pinceladas do espírito vivido nesse período.


TÍTULO: Uma Noite na Guerra
AUTOR: Carlos Coutinho
EDITOR: Campo das Letras
ANO: 2003

Vai mais um para a bibliografia. É Uma Noite na Guerra, de Carlos Coutinho. Além da nota biográfica que envio e que é a que consta na contracapa do livro, acrescento mais um dado: o Carlos Coutinho foi preso pela PIDE/DGS em Fevereiro de 1973 porque fazia parte da ARA (Acção Revolucionária Armada), que era, digamos, e para facilitar, o braço armado do PCP.

Na bibliografia que consta da página do Jorge Santos, está lá este livro como tendo sido editado pela Editora Caminho em 1978. Alguma coisa deve estar mal, pois esta é a primeira edição da obra, publicada pela editora Campo das Letras em 2003. Admito, no entanto, que a Caminho tenha editado uma versão anterior, não tão completa.

"Sendo ficção, Uma Noite na Guerra assenta, assumidamente, uma certa historicidade, que é a característica de quase toda a obra literária de Carlos Coutinho. Concebida como uma novela atípica, ao gosto de um certo experimentalismo dos anos 70, aproxima-se às vezes da crónica antropológica, do testemunho, da reportagem psicológica e mesmo da literatura oral dos antigos rapsodos, colhendo sinais díspares de um clima psicológico desagregado, próprio de uma pequena cidade sertaneja moçambicana que teimava em sobreviver no coração da guerra colonial no dilacerado planalto do Niassa. Aí se cruzam vidas apressadas ou breves de bichos e homens, militares e civis, crianças e adultos, vítimas e carrascos, resistentes e cúmplices, oportunistas e angustiados, mãos limpas e mãos sujas, temperando aquele caldo espesso e azedo que foi idêntico em Moçambique, Angola e Guiné e em que levedaram algumas das energias do Movimento das Forças Armadas e da gesta popular que sucedeu ao 25 de Abril de 1974.» (Texto da contracapa).


Nota sobre o autor:

"Carlos Alberto da Silva Coutinho nasceu em 1943. Mobilizado para a guerra colonial, passou dois anos em Moçambique como enfermeiro militar de Neuropsiquiatria.

"Muito empenhado na agitação política, participou num movimento espontâneo e nunca articulado de criadores de cantigas de protesto que esteve na origem do Cancioneiro do Niassa. Regressado a Lisboa em 1969, enveredou pelo jornalismo e integrou-se mais profundamente na luta política contra o fascismo e a guerra colonial, vindo a ser preso em Fevereiro de 1973. Foi libertado em 26 de Abril de 1974, com a Revolução dos Cravos, tendo retomado a sua carreira jornalística em paralelo com uma actividade literária diversificada".

Guiné 63/74 - P115: Bibliografia de uma guerra (7) (Luís Graça)

Os textos, de diversos autores, que temos vindo a inserir no blogue, reportam-se à experiência de guerra da Guiné, a qual decorreu entre 1963 e 1974 (11 anos)... Faz, pois, todo o sentido, alterarmos o nosso o título inicial "Guiné 69/71" (a época em que eu e a malta da CCAÇ 12 estivemos lá) para Guiné 63/74 (um período de tempo mais abrangente, onde cabemos todos, a velhice e os periquitos...).

Continuamos a publicar sugestões bibliográficas do Jorge Santos, que é autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso muito estimado companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique). L.G.

TÍTULO: Os Heróis e o Medo
AUTOR: Magalhães Pinto
EDITORA: Âncora
ANO: 2003

Nota sobre o autor:

Magalhães Pinto nasceu no Porto. Economista por formação académica tem, contudo, na escrita, a sua paixão. Magalhães Pinto publicou Belmiro - História de Uma Vida (editora: Âncora, 2001), que relata com rigor a vida privada e o percurso essencial do empresário Belmiro de Azevedo, de quem é amigo pessoal (trata-se de uma biografia autorizada pelo próprio). Em Os Heróis e o Medo, o seu segundo romance, Magalhães Pinto revisita a guerra colonial que ele viveu, no seu período crítico, na Guiné.

RESUMO: "Não há heróis sem medo. A heroicidade não se mede pelo número de adversários mortos. Há outra heroicidade na capacidade de guardar, no meio da tragédia que é a guerra, um profundo sentido de humanidade, de solidariedade, de ausência total de racismo. Há uma outra heroicidade na capacidade de não deixar que o medo abafe a noção de que em ambos os lados de uma arma estão seres humanos. É dessa heroicidade e desse medo que aqui se fala". (Apresentação da editora).

terça-feira, 19 de julho de 2005

Guiné 63/74 - P114: Bibliografia de uma guerra (6) (Jorge Santos)

O Jorge Santos, autor de uma excelente página sobre a guerra colonial e nosso companheiro de tertúlia (foi fuzileiro naval no Niassa, em Moçambique) continua a enviar-nos referências bibliográficas sobre a guerra colonial na Guiné. Em breve iremos alargar a bibliografia a outras frentes. Afinal, a guerra (colonial) era só uma...


TITULO: Guiné – A cobardia ali não tinha lugar
AUTOR: José Silveira da Rosa
EDITORA: Autor (Horta, Faial, Açores)
ANO: 2003

NOTA: O autor fez parte da Companhia de Artilharia 1688 (BART 1913) em Biambi, tendo feito a comissão entre 1967 e 1968.

RESUMO: O autor navegou cerca de 20 meses entre duas emoções fortes: o jogo da vida e o jogo da morte. E para enfrentar qualquer um deles, é preciso coragem e teimosia. Fazendo bem as contas, a cobardia ali não podia ter mesmo lugar. Portanto, teve que cerrar dentes e dizer: "alma até almeida". Quem sabia dominar-se, libertava-se de um jugo que a natureza lhe tinha colocado ao pescoço.


© Carlos Alberto dos Santos Serra Fonte: Página pessoal do autor TÍTULO: Scherno ou Memórias da Guerra na Guiné
AUTOR: Carlos Serra
EDITORA: Autor
ANO: 2003

RESUMO: "É um depoimento vivo e corajoso, de uma época que muitos fazem por esquecer, e muitos outros por ignorar. É um discurso corrido, no característico idioma da tropa, directo e sem artifícios de linguagem, um misto de testemunho despojado, jornal de caserna, crónica de um universo circunscrito ao aquartelamento improvisado nas matas - como o eram todos os aquartelamentos da guerra colonial - e às surtidas pelas picadas, pelas tabancas e os seus amores efémeros, bolanhas e terras de ninguém. São pedaços de um quotidiano agridoce, onde se partilha a respiração daqueles homens ainda meninos que entraram na idade adulta, a confrontarem-se com os pequenos e grandes dramas de quem se vê despejado no turbilhão do império que se esboroava, com as perversões e contradições tecidas por uma guerra madrasta, fruto de um tempo histórico desacertado e moribundo.

"Sente-se o cheiro a óleo de limpeza das armas, o restolhar entre o capim, à mistura com o fedor da transpiração entranhada nos camuflados, o odor acre da terra ensopada por chuvas e cacimbos e esventrada pelas morteiradas. É uma espécie de uma Crónica da Guiné dos tempos modernos, que se lê de um fôlego e com todos os sentidos". (Fernando Torres - 2002 Dezembro)

Scherno ou Memórias de Guerra na Guiné pode ser consultado e lido na Net, na página do autor (vd. a capa do livro e o respectivo índice). Tem um capítulo sobre Conakri, mas pouco adianta.


TÍTULO: Guiné, Sempre – Testemunho de uma Guerra
AUTOR: Piçarra Mourão
EDITORA: Quarteto
ANO: 2001

Nota sobre o autor: Fez uma comissão de serviço na Guiné na Companhia de Artilharia 1525 (BISSORÃ), e duas em Angola.

RESUMO: "Mais do que um testemunho de um conflito que envolveu toda uma Nação em Armas e uma geração de Homens devotadas a uma causa, cujas origens e consequência estão hoje sancionadas pela História, estas crónicas encerram narrativas exemplares, pessoais e directas, vividas no contexto de uma das mais violentas e duras guerras com que essa mesma geração se debateu no teatro africano.

"Sem menosprezar os episódios do combate verdadeiro, onde a fronteira entre a Vida e a Morte era por vezes muito ténue, ou outras referências a pequenas mas gratificantes histórias que só o percurso ali traçado pode contemplar e permitir, o livro é, a cada passo, enriquecido com a tremenda experiência humana resultante da profusa vivência que, num e noutro ambiente, todos os interlocutores permutaram.
A uma distância histórica e temporal conveniente, sem preconceitos ou falsas reservas, admitindo erros, virtudes, precariedades e sucessos, os relatos traçados consentem uma abordagem isenta, justa e rigorosa de um conflito sério e constituem, para além de todos os aspectos políticos circunstanciais, um prodigioso contributo para a nossa memória colectiva" (Texto da responsabilidade da editora).

Índice:

Prefácio; I. Apresentação; II. A Preparação

III. No Mato Profundo: O Amigo Americano; Uma Oportunidade Perdida; Uma Santa Bárbara Negra; Elefantes, 4!; O Fernando; Um Autêntico Bambúrrio; Duas Flâmulas;
Um Caixote de Peso.

IV. Crónicas Avulsas: Um Piloto Certeiro; A Visita do Papa; O Máximo; O "Zaire"; O Baptismo de Fogo; As Vacas da Companhia; Minas Gerais; O Senhor dos Céus; O jipe do "Ronco"

V. As Milícias de Bissorã; VI. Bissorã; VII. O Regresso; VIII. Final

Glossário e Código de Abreviaturas.

É ainda autor do livro Da Guiné a Angola.

Guiné 63/74 - P113: Piçarra Mourão, militar e escritor (CART 1525, Bissorã, 1966/67) (Marques Lopes)

Texto do A. Marques Lopes:

Não conheço o coronel Piçarra MOURÃO, mas li o livro [Guiné, sempre: testemunho de uma guerra. Quarteto, 2001]. A companhia com que foi inicialmente, uma CART, foi colocada em Bissau às ordens do Comando Chefe (noto que ele nunca diz o nome das companhias, é cumpridor das normas, não é como eu).

Conta que uma vez a companhia foi mandada para o Queré com um pendura, um tenente-coronel americano que vinha ver como era a guerra na Guiné e que, parece, iria depois para o Vietnam. Conta a sua atrapalhação, pois que o deram à sua responsabilidade pessoal. Acabaram por cair numa emboscada e o pendura desatou a tirar fotografias e a filmar de máquina em punho, em vez de usar a G3 (a melhor da companhia) que lhe fora distribuída. Não aconteceu nada e ele pergunta-se se aquelas imagens lhe terão valido alguma coisa no Vietnam.

A sua companhia ficou, depois, adida a um Batalhão colocado em Mansoa, colocada no Olossato. Diz que durante 1966 foi quatro vezes ao Morés, com o apoio de outras forças. Da primeira vez conseguiram capturar material. Na segunda, em Junho, o guia fugiu na altura decisiva e valeu-lhe um segundo guia para indicar o caminho da retirada. A terceira investida foi em Setembro, com o apoio dos páras e de artilharia; tiveram dificuldades, levaram porrada antes de lá chegar, e os páras não quizeram mais e retiraram para Mansabá. Em Outubro chegaram a Morés, mas a base estava abandonada. Diz ele que: "Era visivelmente uma base em fim de estação, com certeza tinha conhecido melhores dias. Ou então a ficção tinha-se sobreposto à realidade e a imaginação dos homens composto um cenário surrealista!..."

Ele é de opinião que o IN abandonara o Morés por questões tácticas e colocara a base numa mata profunda. No meu tempo, em 1967, pensámos que se mudara para Sinchã Jobel. Era, de facto, a táctica do PAIGC: mudar com frequência as suas bases, sobretudo qundo as via em perigo ou demasiado recomhecidas.

A companhia dele esteve depois no Biambe.

Em resumo, gostei do livro escrito por este militar de carreira. Tem um olhar crítico sobre a preparação antes de ir para a Guiné. Curiosamente, fez o IAO, como eu, na serra de Sintra e na Carregueira. Foi uma lástima para ele, como foi para mim. Como profissional fez a guerra, mas reconhece que esteve envolvido num processo sem saída. O livro, com um traço de humanidade sentida, procura transmitir os sentimentos dos intervenientes, tem relatos de actividade opracional, tem um perspectiva correcta sobre o povo da Guiné, o IN é um combatente sério e motivado. Vale a pena ler.

Curiosamente (para mim), quem assina o texto do prefácio é o Gen Octávio de Cerqueira Rocha, que era Oficial de Operações do BCAÇ 1857, o tal para onde a companhia do coronel Piçarra Mourão foi como adida. O "Vidrão" (a alcunha que foi dada ao Gen Cerqueira Rocha quando foi Chefe do Estado-Maior do Exército) diz que a companhia do coronel Piçarra Mourão era a CART 1525.

A. Marques Lopes