Excerto do cartaz da festa de Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã, 1-8 de setembro de 2017.
1. Amigos e camaradas: há anos que vou à festa da padroeira da Atalaia, Lourinhã, a Nossa Senhoar da Guia, que é sempre na primeira semana do mês de setembro.
Tenho uma dívida de gratidão àquela santa ou talvez melhor às gentes que veneram aquela santa. Mas hoje não vou lá jantar ou petiscar, como tinha previsto, com alguns camaradas da Tabanca de Porto Dinheiro (, os "duques do Cadaval e os primos do Seixal").
Tínhamos combinado lá aparecer e "açambarcar" uma mesa, comprida, por volta das 19h00, quando abrissem as "hostilidades"... Tenho pena de não poder lá estar, para marcar presença, conviver e provar algumas iguarias da festa, que é especialista nos pratos de marisco...
Motivos imprevistos, deúltima hora, impedem-me de cumprir a minha promessa este ano. O régulo da Tabanca de Porto Dinheiro também vai falhar, anda a preparar a festa de outra santa, na sua terra do Vimeiro. Mas, enfim, o Joaquim Pinto Carvalho, o Jaime Bonifácio Marques da Silva, o Belarmina Sardinha, mais as suas belas caras-metade, representam-nos bem, a mim e à Alice.
Em homenagem, aos "meus velhos", Luís Henriques e Maria da Graça, ao lar onde viveram os seus últimos anos, à festa da Atalaia, à sua padroeira, às gentes generosas e esforçadas que todos os anos erguem o arco e fazem a festa e deitam os foguetes e servem os saborosos mariscos da Atalaia, enfim, aos meus amigos e camaradas da Tabanca de Porto Dinheiro, deixo aqui um poema que fui repescar e rever...
À vida, à amizade, à camaradagem, e que para o ano haja mais! (LG)
Nossa Senhora da Guia nos valha!
por Luís Graça
Deixavas os teus velhos institucionalizados,
nacionalizados,
algaliados.
sedados,
acorrentados à árvore do Estado-Providência,
na Atalaia,
no lar da Nossa Senhora da Guia,
a caminho do Porto das Barcas do Inferno.
Ficavam aos cuidados de uma ucraniana,
que era enfermeira na sua terra,
e da santa padroeira dos pescadores,
a Nossa Senhora da Guia,
que ele há sempre uma santa
para todas as aflições,
das dores do parto à hora da agonia,
algaliados.
sedados,
acorrentados à árvore do Estado-Providência,
na Atalaia,
no lar da Nossa Senhora da Guia,
a caminho do Porto das Barcas do Inferno.
Ficavam aos cuidados de uma ucraniana,
que era enfermeira na sua terra,
e da santa padroeira dos pescadores,
a Nossa Senhora da Guia,
que ele há sempre uma santa
para todas as aflições,
das dores do parto à hora da agonia,
m alto mar, em terra ou na guerra,
mas que, às vezes, mais vale a morte, súbita,
que tal sorte, estúpida.
Em Alfragide, tinhas insónias às cinco da manhã,
mesmo sabendo que da janela
do quarto dos teus velhos
havia uma linda vista para as Berlengas,
e o Mar do Serro,
e que a associação era
cultural, social e humanitária,
Passaste um dia pela loja do chinês,
fugido de Tiannamen,
e compraste um prato de Alcobaça,
pintado à mão,
de contrafação,
com quadras pimbas
ao amor de mãe
mas que, às vezes, mais vale a morte, súbita,
que tal sorte, estúpida.
Em Alfragide, tinhas insónias às cinco da manhã,
mesmo sabendo que da janela
do quarto dos teus velhos
havia uma linda vista para as Berlengas,
e o Mar do Serro,
e que a associação era
cultural, social e humanitária,
Passaste um dia pela loja do chinês,
fugido de Tiannamen,
e compraste um prato de Alcobaça,
pintado à mão,
de contrafação,
com quadras pimbas
ao amor de mãe
para o "Dia da Mãe":
"Minha mãe, minha avozinha,
tens a graça até no nome,
não é por seres mais velhinha
que de amor passarás fome.
"Brilhas como uma estrela,
no teu quarto, lá no lar,
tens uma linda janela,
com vista de céu e mar."
(Quem foi, afinal,
o filho da mãe
que disse que a vida era bela,
e que as mães é que davam cabo dela ?)
Hoje, mortos os teus velhos,
vieste fazer o difícil luto,
desligar o botão da televisão,
puxar o reposteiro da janela
donde vias o mundo a cor de rosa,
arrumar o cavalete
e as tintas desbotadas do teu arco-íris,
deitar fora as flores de plástico
e os velhos trapos,
salvar o que restava do teu álbum
de fotografias amarelecidas da infância…
E fostes até ao teu "Peraltabar",
na praia da Peralta,
e encomendaste uma posta de moreia frita
e um copo de vinto tinto
e um pôr do sol de vermelho retinto.
Na hora da doce melancolia
e do leve, algo amargo, sentimento de culpa
e da idiota reflexão sobre a idiossincrasia
de se ser velho, europeu e português,
na ponta da navalha
da economia,
da política,
da demografia,
da geografia
e da puta da sociologia que te calhou na rifa.
Escreveste um dia,
sem pudor nem cinismo,
"Minha mãe, minha avozinha,
tens a graça até no nome,
não é por seres mais velhinha
que de amor passarás fome.
"Brilhas como uma estrela,
no teu quarto, lá no lar,
tens uma linda janela,
com vista de céu e mar."
(Quem foi, afinal,
o filho da mãe
que disse que a vida era bela,
e que as mães é que davam cabo dela ?)
Hoje, mortos os teus velhos,
vieste fazer o difícil luto,
desligar o botão da televisão,
puxar o reposteiro da janela
donde vias o mundo a cor de rosa,
arrumar o cavalete
e as tintas desbotadas do teu arco-íris,
deitar fora as flores de plástico
e os velhos trapos,
salvar o que restava do teu álbum
de fotografias amarelecidas da infância…
E fostes até ao teu "Peraltabar",
na praia da Peralta,
e encomendaste uma posta de moreia frita
e um copo de vinto tinto
e um pôr do sol de vermelho retinto.
Na hora da doce melancolia
e do leve, algo amargo, sentimento de culpa
e da idiota reflexão sobre a idiossincrasia
de se ser velho, europeu e português,
na ponta da navalha
da economia,
da política,
da demografia,
da geografia
e da puta da sociologia que te calhou na rifa.
Escreveste um dia,
sem pudor nem cinismo,
no teu diário de adolescente, existencialista,
que não havias escolhido nascer,
que não escolheste pai e mãe,
que não escolheste o pedaço de chão onde foste parido,
nem a língua com que expressavas a angústia existencial
de seres livre, afinal.
Hoje escreves um poema
que não havias escolhido nascer,
que não escolheste pai e mãe,
que não escolheste o pedaço de chão onde foste parido,
nem a língua com que expressavas a angústia existencial
de seres livre, afinal.
Hoje escreves um poema
e não sabes o que fazer com ele,
que não vale um algoritmo
nem um simples teorema,
e que não conta para a contabilidade nacional,
e que não é de protesto
nem é manifesto,
que não vale um algoritmo
nem um simples teorema,
e que não conta para a contabilidade nacional,
e que não é de protesto
nem é manifesto,
muito menos patriótico,
e nem sequer é panfleto promocional
da padroeira e do seu lar.
Afinal, entre a ciência, certa, da morte
e nem sequer é panfleto promocional
da padroeira e do seu lar.
Afinal, entre a ciência, certa, da morte
e a crença, vaga, da ressurreição da carne,
haverá sempre uma santa
que te valha,
ou uma azinheira ou uma carvalha
onde possas pôr uma vela a uma santa aparecida
que te salve da má consciência
da vida.
Lourinhã, Atalaia, 6 de agosto de 2014.
que te valha,
ou uma azinheira ou uma carvalha
onde possas pôr uma vela a uma santa aparecida
que te salve da má consciência
da vida.
Lourinhã, Atalaia, 6 de agosto de 2014.
Revisto nesta data, penúltino dia da festa da Atalaia.
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Nota do editor:
Último poste da série > 18 de agosto de 2017 > Guiné 51/74 - P17679: Manuscrito(s) (Luís Graça) (122): um soneto de amor (dedicado àquela que amo e que faz hoje anos)