Meus caros camarigos editores
Tenho lido alguns textos fazendo referência às Unidades militares onde alguns camarigos fizeram as suas recrutas ou especialidades, bem como, as que foram Unidades mobilizadoras dos Batalhões e Companhias que rumaram à Guiné.
Achei por bem então, escrever um texto, relembrando uma história engraçada que se passou comigo e com outros, no então RAP 2, na Serra do Pilar, onde formei Batalhão para servir na Guiné.
JMA
Regimento de Artilharia Pesada N.º 2 localizado na Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia
O DIA EM QUE O RAP2 ESTEVE SOB AMEAÇA TERRORISTA
Cheguei ao RAP2, (julgo que juntamente com os outros oficiais, (Aspirantes), e sargentos, (Cabos Milicianos que iam formar Batalhão), aí pelo mês de Julho, findas que tinham sido as Especialidades de cada um.
Julgo que começámos a instrução do Batalhão por volta de Outubro de 1971, partindo para a Guiné no dia 21 de Dezembro do mesmo ano, a bordo do Niassa, a partir de Lisboa.
Houve então ali um período, entre Julho e Outubro, em que fizemos sobretudo Oficiais de Piquete e ao que me lembro pouco mais.
Havia então ali, à saída em frente da descida, o Café Mucaba e do outro lado da Ponte Luís I, do lado esquerdo de quem vai para o Porto, o Bar América, (onde umas raparigas de fino porte alegravam as noites), mas isso são outras histórias que talvez um dia conte.
Mas vamos à história, na qual omitirei os nomes, (tirando o meu), por razões óbvias que compreenderão, e que envolve dois Alferes Milicianos que não pertenciam ao Batalhão e julgo nem sequer foram mobilizados para lado nenhum.
Um, (a “vítima” da partida que vou contar), era bom rapaz, mas um pouco lerdo, se é que me faço entender, de tal forma que não podia, por ordens superiores ao que me lembro, ocupar as funções de Oficial de Dia.
Ora como o fruto proibido é o melhor, o homem ansiava por um dia poder andar de pistola à cinta, fazendo de Oficial de Dia.
O outro, o colaborador na partida, era um “gajo porreiro”, que andava por ali a passar o tempo à espera de acabar o tempo da tropa e que obviamente não levava nada daquilo a sério.
Claro que entre ele e mim se estabeleceu uma certa empatia, e se eu já estava apanhado do clima mesmo antes de chegar à Guiné, ele não estaria muito melhor, afectado com certeza pelos ares demasiado “puros” da Serra do Pilar.
Ora um dia em que por coincidência ele está de Oficial de Dia e eu de Oficial de Piquete, depois de uns uísques bebidos na Messe de Oficiais e com certeza de imensos “elogios” à família militar que nos dava cama e mesa naqueles tempos, decidimos concretizar o sonho do outro Alferes acima referido, e que nunca ou quase nunca saía do quartel.
Se bem pensámos, melhor o fizemos, e engendramos o seguinte esquema.
Ao fim do dia, (quando já tivessem saído os Comandantes), depois do jantar, (já noite dentro, para não haver surpresas de oficiais superiores), ele como Oficial de Dia chamaria o outro Alferes à minha frente, Oficial de Piquete, e dir-lhe-ia que tinha um problema grave em casa, e que obrigatoriamente tinha de se ausentar.
E a conversa continuava:
Ele como Oficial de Dia era no momento o Comandante do quartel e como tal investia-o nas funções de Oficial de Dia até que ele pudesse regressar.
Não havia problemas porque ele podia contar com a minha ajuda, etc., etc.
O outro, embora receoso, não cabia em si de contente vendo-se já de “pistola à cinta”!
Fez-se no gabinete do Oficial de Dia uma “cerimónia” de passagem de “testemunho”, com entrega da Bandeira Nacional e tudo!!!
O primeiro Alferes saiu então do quartel, tendo reentrado pouco tempo depois e ficado na Casa da Guarda logo junto ao portão.
Passado pouco tempo eu disse ao “Oficial de Dia” que tinha de inspeccionar qualquer coisa e vim para a Casa da Guarda, sem ele saber.
Daí, (e ele não se apercebeu de onde vinha o telefonema), telefonei para o gabinete do Oficial de Dia, imitando um suposto General Comandante-Chefe da Região do Porto, informando que tinha havido um aviso que um qualquer grupo terrorista iria atacar o RAP2 e como tal ele, Oficial de Dia, tinha que tomar as medidas necessárias à defesa do quartel.
Para tornar mais credível a coisa pedi-lhe para se identificar e sei lá mais o quê!
Claro que logo a seguir vim ter com ele como se nada se passasse!
Encontrei-o em pânico, sem saber o que fazer!
Entretanto e passado pouco tempo chegou o primeiro Alferes, (o Oficial de Dia a sério, que passo a designar como ODV – Oficial de Dia Verdadeiro), e perante a situação, (a coisa já estava combinada comigo), disse que não podia reocupar as funções visto que ele, (a “vitima”) se tinha identificado ao General e como tal teria de levar a coisa até ao fim.
A partir daí foi um crescendo de “asneirada” de tal modo que só a muito custo nos conseguíamos manter sérios, tendo que vir “desopilar” cá fora de quando em vez e até para avisar os oficiais, (Aspirantes), que iam chegando da noite.
“Solenemente” o ODV, comigo como testemunha, entregou a Bandeira Nacional ao ODF, (Oficial de Dia Falso), com o solene compromisso que a devia defender até ao limite da sua vida.
Eu fui incumbido de alertar o Piquete, o que verdadeiramente não fiz, obviamente, bem como avisar as sentinelas, o que também fingi.
Tratou-se então de defender o gabinete do Oficial de Dia, que ficava, salvo o erro, ao lado do bar de oficiais, pelo que, se decidiu instalar uma MG42 em cima da mesa do referido Bar, bem como se distribuíram por aqueles espaços as armas que estavam à mão.
O pessoal, (Aspirantes), que iam chegando, iam ajudando à “festa”!
Já não me lembro bem do que se fez mais, mas a situação era hilariante, com todas as histórias à volta e os avisos de defender o quartel até à morte!
Surge então a ideia mais estapafúrdia que era trazer, sob as ordens do ODF, (aconselhado por nós claro), um Obus 14 que havia no parque exterior e colocá-lo no cimo da rampa que dava acesso à Porta de Armas e apontado a esta!
Não sei se estão a ver a ideia de Obus apontado para baixo!!!!
Com toda a franqueza não me lembro se chegámos a concretizar esta “brilhante ideia”, embora eu pense que sim, (outros do meu Batalhão que ali estivessem se poderão lembrar), mas tenho a noção que, por um daqueles azares que só acontecem nestes momentos, o 1.º ou 2.º Comandantes vieram ao quartel à noite por qualquer razão.
Claro que aquele que veio se deparou com todo este aparato, e houve a necessidade óbvia de explicar o sucedido, o que segundo me lembro, foi recebido com os avisos de “porradas” a aplicar, mas no fundo com um sorriso condescendente e compreensivo, (caramba o pessoal ia para a Guiné), e julgo que não houve consequências de maior.
À distância parece uma coisa talvez sem graça, mas naquela noite “chorámos” a rir, e durante uns tempos foi conversa obrigatória.
Está bom de ver que fizemos as pazes com o “visado”, que sendo boa pessoa, engoliu a partida e tudo ficou “como dantes, quartel-general em Abrantes”.
À vossa consideração, camarigos editores, a publicação desta história.
Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver
Vd. último poste da série de 11 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6969: Estórias avulsas (95): A minha 2ª grande missão ao serviço do Exército Português (António Barbosa)