1. Reproduzido, com a devida vénia, de Diário da Guiné, do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu.
Cufar, 19 de Agosto de 1973
No meio dos infortúnios quotidianos, a guerra também pode ser divertida. Esta semana tivemos um dia de grande comédia, com uma espectacular encenação e actores de primeira.
Em Cufar existe um pelotão de canhão sem recuo comandado por um alferes de Alpiarça, do meu curso de Mafra, que reencontrei na Amadora e mais tarde em Bissau. São trinta homens que têm por missão defender o aquartelamento com a pequena artilharia de que dispomos. Acabaram agora a comissão e na LDG chegou o pelotão de “periquitos” que os vem substituir. Os alferes, furriéis e soldados da companhia de açoreanos, eu também, resolveram ir esperá-los ao porto grande do Cumbijã e encenar uma espectacular paródia de modo a que os “piras” ao chegar aqui se borrassem de medo.
Montámos segurança ao cais, brutalmente armados, o que nunca é necessário fazer porque no porto o IN não actua. Os “periquitos” desembarcaram sob um assustador aparato bélico e foram postos a caminhar em fila por um, de ambos os lados da estrada que conduz a Cufar, com as armas apontadas para a vegetação e as bolanhas. Conseguimos convencê-los de que o desembarque era perigosíssimo, costumava haver flagelações, já haviam morrido muitos homens naquele quilómetro de estrada o que, na realidade, é uma refinadíssima mentira. A recepção foi medonha, os “periquitos” estavam amedrontados e eu pensei se seria coisa acertada fazer os rapazes passar por tamanhos apertos.
Assumimos personagens que não são as nossas. Um alferes da companhia 4740, já com mais de trinta anos e uma razoável barriga metamorfoseou-se em major, comandante do CAOP 1 e de toda a zona sul da Guiné. O meu coronel, verdadeiro, estava em Bissau por isso foi mais fácil engendrar e montar a cena. Um outro alferes assumiu-se como cabo especialista em minas anti-pessoal e anti-carro que deviam estar espalhadas na estrada porto-Cufar e era necessário desmontar, um soldado com imenso jeito para actor fez de alferes velhinho, comandante do pelotão a substituir, outro soldado interpretou o papel de alferes médico e, chegados a Cufar, deu consulta a uns tantos soldados “piras”, passou-lhes atestados e encheu-os de tintura de iodo e adesivos, o furriel enfermeiro fez de alferes capelão, figura religiosa que não temos cá. Já em Cufar, o alferes “periquito” pediu ao falso capelão que o confessasse.
O meu papel neste filme que se prolongou por umas três horas foi o de cabo atirador guarda-costas e segurança pessoal do alferes acabado de chegar. Andei sempre ao lado dele, a minha G 3 pronta a disparar, uma faca de mato à cinta, às vezes virava a cara e encolhia o riso. Os “periquitos” chegaram a Cufar e foram para a sua caserna, uma tabanca a cair de podre onde colocámos quatro caixões.
Mas alguns dos “piras”começaram a desconfiar, qualquer coisa não batia certo. O alferes do novo pelotão acreditou em tudo até ao fim. Ao jantar, em sua honra e em honra dos seus homens, dissemos-lhe que havia rancho melhorado, arroz com quadrados de marmelada. Sentámo-nos à mesa, veio a comida, o homem engoliu aquilo e quase vomitou. Era altura de voltarmos a ser quem somos, apareceu o capitão da 4740, deu-lhe um abraço e disse-lhe que tudo não havia passado de uma grande brincadeira. Surpreso, o rapaz reagiu bem, riu, mudou por completo de semblante, parecia outro. E jantámos bifes com um ovo estrelado, batata frita e arroz. A sobremesa foi marmelada.
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Nota do editor:
Último poste da série > 15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11096: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (2) Quando o meu pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra: revisitando uma história do Jorge Cabral
Mas alguns dos “piras”começaram a desconfiar, qualquer coisa não batia certo. O alferes do novo pelotão acreditou em tudo até ao fim. Ao jantar, em sua honra e em honra dos seus homens, dissemos-lhe que havia rancho melhorado, arroz com quadrados de marmelada. Sentámo-nos à mesa, veio a comida, o homem engoliu aquilo e quase vomitou. Era altura de voltarmos a ser quem somos, apareceu o capitão da 4740, deu-lhe um abraço e disse-lhe que tudo não havia passado de uma grande brincadeira. Surpreso, o rapaz reagiu bem, riu, mudou por completo de semblante, parecia outro. E jantámos bifes com um ovo estrelado, batata frita e arroz. A sobremesa foi marmelada.
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Nota do editor:
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