Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716, Xitole, 1970/1972) > A Helena e o David, em 1970.
Tal como Bambadinca, o Xitole era um posto administrativo, pertencente à circunscrição administrativa (concelho) de Bafatá. Com a guerra, tinha perdido importância económica e demográfica. "Sede do Posto Administrativo do mesmo nome, sede da CART 2716, com uma população normal de 300 habitantes, dispõe de 3 lojas comerciais em funcionamento. Sofreu forte repressão na sua importância comercial (principais fontes de riqueza, coconoto e madeira), com a guerra" (Fonte:
História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72).
Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reseravdos
1. Texto do David Guimarães (ex-furriel miliciano da CART 2716, Xitole, 1970/1972), que hoje faz anos... e que é um dos primeiros camaradas a aparecer, a dar cara, a escrever no nosso blogue, nos idos anos de 2005. O primeiro poste que temos dele é de
17 de maio de 2005, e era o nº 20 (Foi você que pediu uma Kalash ?).
É bom lembrar que, se a antiguidade fosse um posto, na nossa Tabanca Grande (ou tertúlia, como dizias no princípio), então o David já era general... De facto, ele foi dos primeiros camaradas a aparecer, a dar a cara, a expor-se, a desenterrara as memórias do baú, a escrever... Ele, o Sousa de Castro, o Humberto Reis, o A. Marques Lopes...
É por isso que as suas "estórias do Xitole" merecem, pelo menos algumas, ser reeditadas. Vai ser a nossa prenda de aniversário. O David merece. Foi também ele um dos primeiros a fazer uma viagem de saudade, à Guiné, em 2001... Aí vai, pois, o poste nº 2 de um série que tem estado interrompida. (*).. Em homenagem ao nosso tertuliano nº 3..., que é um tipo bonacheirão, nortenho, músico, camarada do seu camarada, amigo do seu amigo... Bebo um copo à tua, meu! (LG).
2. Estórias do Xitole (2) > Nem santos nem pecadores (**)
por David Guimarães
Até que enfim!... Acho que sim — não poderá haver tabus e ainda bem que o Zé Neto, o Zé Teixeira, o Jorge Cabral e o Luís são, afinal, os responsáveis por quebrarem o tabu... Falaram de algo que também é guerra... Foi e marcou a nossa guerra: a lavadeira, o
cabaço, etc, etc... Ai, ai, ai, que começo a falar demais, ou talvez não...
Creio que nunca houve grandes abusos nesse sentido, nunca foi preciso apontar a G3 a nenhuma bajuda, já uns pesos, enfim ... Que mal fazia, se era dinheiro de guerra?!...
Também é importante todos dizermos que, nesse capítulo, não fomos nem santos nem pecadores. èramos humanos, soldados que passávamos uma vida metidos entre matos, entre perigos e guerras esforçados... E pela noite dentro, a escapadela da ordem, na tabanca. Ai que maravilha!... Foram muitos e belos romances... E aqueles que podiam ir a Bafatá, eram uns sortudos... Eu só no fim da comissão é que soube o que era Bafatá!...
Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher — linda ali, no Xitole!!! — morria de amores por um camarada nosso, já falecido...
E não vamos contar a do tenente que, às 4 horas da manhã, estava sentado no colo de um soldado.... Tudo boquiaberto? Aconteceu no Saltinho, sim ... Fora aquele camarada — ai Senhor do Céu ! — que, um dia, estava eu a dormir no palácio das confusões, e ele por cima de mim:
— Guimarães! — dizia o B..., camarada do Xime — porra, estás bem?
— Deixem-me dormir! — pedia eu... — Porra!...
— Pois é, estás porreiro!!!
Pois é e pois é... E eu dormi mesmo....De manhã fui perguntar se estava tudo com os copos durante a noite, que nem me deixavam dormir... Então disseram-me:
— Ó seu c..., então não sabes que o fulano tem uma amante que é um cabo !? —. Respondi eu:
— F...-se, que perigo em que eu estava... Porra!!! Já viram, a mina mesmo ali, mesmo por cima de mim?!...
Estávamos num beliche... Quem me perguntar, prometo que não digo o nome do camarada furriel — nem me lembro do nome... Sei apenas que foi meu carmarada de recruta nas Caldas da Rainha... Um dia, a CCAÇ 12 acompanhou uma coluna ao Saltinho... Houve no caminho um acidente onde morreu um soldado africano, condutor, e um furriel ficou ferido... Bem, lá ficou o camarada em convalescença no Xitole:
— Ai que vocês são tão simpáticos....
— Bem, bem...
[Foto à esquerda: David Guimarães, no Xitole, em 2001]
E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
— Seu porco! — e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
— Guimarás — pronúncia dela —,
Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele....
Isto também era guerra — ou, se quiserem, os intervalos de guerra, que eram poucos... O suficiente, afinal, para se apanhar uma borracheira ou ir, com lindos penteados, passear à tabanda, para bajuda ver ou para quem aparecesse, pelos vistos....
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