HOMENAGEM AOS COMBATENTES EM MONTE REAL
No passado dia 1 de Setembro concretizou-se finalmente o projecto de inauguração de um monumento aos combatentes na vila de Monte Real. Baseado na ideia de dois combatentes dessa freguesia que se bateram pela concretização desse projecto - Manuel de Jesus Duarte e Manuel Lopes - teve depois o apoio da Junta de Freguesia de Monte Real, da Câmara Municipal de Leiria e do Núcleo de Leiria da Liga de Combatentes, a que se juntou a nossa Tabanca do Centro.
O período de férias que ainda se verifica terá afastado alguns potenciais participantes, mas nem por isso a cerimónia deixou de ter a dignidade que um tal evento merecia.
É claro que uns tantos camarigos, já algo saudosos dos convívios periódicos que aqui se realizam – e que estiveram interrompidos nos meses de Julho e Agosto, devido à menor disponibilidade do pessoal – a anteceder a cerimónia resolveram reunir-se num almoço na habitual Pensão Montanha. Com a presença de alguns familiares dos camarigos da TC estiveram presentes no almoço 20 convivas, que tentaram pôr em dia as conversas interrompidas desde Junho.
Pelas 16H00 dirigiram-se então os participantes para o local de concentração, nas imediações da Junta de Freguesia, seguindo daí para o local da inauguração, situado no largo junto aos Correios.
Para além da presença do Presidente da Câmara Municipal Dr. Raul Castro (ele próprio combatente com uma comissão cumprida na Guiné), do Presidente da Junta de Freguesia Sr. Faustino Guerra e do Presidente do Núcleo de Leiria da Liga de Combatentes TCor. Mário Ley Garcia (responsável pelo desenrolar da cerimónia), estiveram presentes representantes das Forças Militares do Distrito, bem como uma força da Polícia Aérea pertencente à vizinha Base de Monte Real (BA5). E claro, vários camarigos da Tabanca do Centro (e familiares) que quiseram associar-se a esta iniciativa, liderados pelo seu Amado Chefe, Joaquim Mexia Alves, colaborador activo na preparação do evento.
Resumimos os diversos passos da cerimónia que se iniciou, cerca das 16H30, com o descerramento da placa em honra aos Combatentes da freguesia de Monte Real, acto em que participaram o Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Castro, o Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real, Sr. Faustino Guerra e o Combatente Manuel Lopes, sendo a placa benzida pelo Revº Padre David Nogueira, Pároco da Paróquia de Monte Real.
Seguiu-se a deposição de uma coroa de flores pelos Sr. Faustino Guerra e TCOR Ley Garcia junto ao Monumento, em homenagem aos combatentes já falecidos, com um período de 30 segundos de silêncio, a que todos os presentes se associaram.
Seguiram-se as palavras alusivas à cerimónia proferidas pelos diversos apoiantes da cerimónia:
O Presidente da Junta de Freguesia, Sr. Faustino Guerra, promotor desta iniciativa, transmitiu as suas palavras de boas vindas e de apoio aos Combatentes da freguesia de Monte Real e saudou a população em geral por participar nesta cerimónia.
Seguiu-se a alocução do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, que pelo seu conteúdo decidimos reproduzir na íntegra no final desta reportagem, pois consideramos que as suas palavras dão voz àquilo que vai na mente de muitos combatentes.
O Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, Tenente-Coronel Ley Garcia, proferiu depois algumas palavras de reconhecimento e incentivo aos combatentes da freguesia, traçando ainda um breve historial da Liga dos Combatentes e do seu núcleo de Leiria.
Finalmente o Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Dr. Raul Castro, saudou os Combatentes da freguesia de Monte Real, fazendo menção dum modo particular e bastante elogioso à nossa Tabanca do Centro (em cujos encontros ele próprio, como combatente, tem tido a oportunidade de participar), realçando as palavras “solidariedade” e “amizade” como duas das características que melhor identificam este nosso grupo.
Em reconhecimento do trabalho realizado em prol destes Combatentes, ao encontro dos objectivos da Liga de preservação dos valores patrióticos e de dignificação dos Combatentes, decidiu a Liga dos Combatentes entregar a sua medalha à Junta de Freguesia de Monte Real.
Seguiu-se finalmente a entrega a três combatentes da freguesia - de que realçamos os nomes dos nossos camarigos da TC, Manuel Lopes e Agostinho Gaspar – a Medalha Comemorativa das Campanhas. Bom, sempre pensamos que podia ter chegado bem mais cedo…
No final, cerca das 17H30, seguiu-se um lanche-convívio nas instalações da Junta de Freguesia, em que participou o pessoal que estava inscrito.
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AS PALAVRAS DO JOAQUIM MEXIA ALVES:
“Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Leiria
Exmo. Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real
Exmo. Sr. Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes
Rerº Pároco da Paróquia de Monte Real
Exmas. Autoridades Civis e Militares aqui presentes
Permitam-me uma especial saudação à única mulher combatente aqui presente entre nós, a Enfermeira-Paraquedista Giselda Pessoa.
Meus caríssimos combatentes, meus camarigos aqui presentes
Minhas Senhoras e meus Senhores
Antes do mais uma curta explicação sobre um termo que usei ainda agora, camarigos, e que com certeza causou estranheza a algumas pessoas aqui presentes.
Camarigo é um termo inventado por alguns destes combatentes aqui presentes para significar algo de muito especial.
É a junção da palavra camarada com a palavra amigo.
Isto assim foi feito para tentar definir algo que vai para além da simples camaradagem militar, pois que essa camaradagem quando vivida em guerra, ultrapassa largamente a relação simples entre dois militares, para se tornar uma verdadeira amizade para toda a vida.
Assim acontece, porque em guerra cada um coloca a sua vida nas mãos do outro, e por isso mesmo a relação que se estabelece é mais do que ser camarada de armas.
É ser também amigo, e amigo para sempre.
Daí este termo inventado: camarigo!
Feita a explicação, passemos à homenagem que hoje aqui nos traz.
O combatente Manuel Lopes teve um sonho e quis concretizá-lo.
Abro aqui um parêntesis para dizer que me foi informado há dois dias, que também o combatente Manuel de Jesus Duarte, desta nossa freguesia, já tinha manifestado essa mesma intenção ao Sr. Presidente da Junta de Freguesia Monte Real, pelo que é de inteira justiça aqui citá-lo como parte integrante desta homenagem.
Queria o camarigo Manuel Lopes ver em Monte Real um singelo monumento de homenagem aos combatentes do Ultramar.
Homem insistente como sabe ser, falou com o Presidente da Junta de Freguesia de Monte Real, Sr. Faustino Guerra aqui presente, que não se pôs de lado e adoptou a ideia para que a mesma seguisse em frente.
Num almoço da Tabanca do Centro, (uma associação informal de combatentes, sobretudo da Guiné, que todos os meses se junta em Monte Real para um almoço de convívio vindos de várias partes de Portugal), falou ao Presidente da Câmara de Leiria, Dr. Raul Castro, hoje aqui connosco também, ele próprio um combatente pois fez uma comissão militar na Guiné, que obviamente também apadrinhou a ideia, juntou-lhe ainda o Ten Cor Ley Garcia, Presidente do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes e envolveu-me também a mim, para fazer, digamos assim, um núcleo de pessoas que concretizasse o seu sonho.
E não foi difícil, porque todos se juntaram, apoiando a ideia, dando-lhe corpo e finalmente tudo organizando, sob o “comando”, passe a expressão, do Presidente da Junta de Freguesia, de modo a estarmos aqui hoje para concretizar esta homenagem aos combatentes da Guerra do Ultramar.
Homenageamos os combatentes, não homenageamos a guerra, porque as guerras não são coisa de homenagear.
Não há guerras boas, nem guerras más, porque todas elas fazem vítimas, e as vitimas das guerras não têm cor, não têm nem lado, são apenas e tão só vítimas.
Há umas dezenas de anos atrás Portugal envolveu-se numa guerra em África e assim toda uma geração de jovens foi chamada a lutar nessa guerra, longe de casa, longe da sua terra, e em condições que muitas vezes eram apenas da mais elementar sobrevivência.
Mais de boa vontade ou menos de boa vontade, (às vezes até parece que há muita gente de boa vontade para fazer uma guerra?), responderam sim e lá demandaram o continente africano para uma muito dura prova de pelo menos dois anos.
Uns por lá ficaram dando a própria vida, vítimas da guerra, e esses hoje recordamo-los com saudade, mas também com todo o respeito, com toda a dignidade, com todo o orgulho que merecem aqueles que dão a vida pelos outros.
Outros regressaram, como a maior parte dos que aqui estão presentes, com mais ou menos pesadelos nocturnos, com diferenças imprevisíveis de humor, com algumas irritações inexplicáveis, mas regressaram e refizeram a sua vida, trabalhando e construindo o Portugal pelo qual lutaram.
Outros deveriam ter sido trazidos, deveriam ter sido defendidos, deveriam ter sido acarinhados, e infelizmente tal não aconteceu, acabando a maior parte por perecer sob a força dos governantes desses novos países.
Refiro-me, obviamente, a todos aqueles africanos que ao nosso lado combateram sob a bandeira portuguesa, alguns dos quais tive o privilégio e orgulho de comandar, e que foram abandonados à sua triste sorte, que, como referi, resultou na morte da maior parte deles.
Também esses hoje aqui são homenageados.
Outros ainda, regressaram também, mas infelizmente com problemas graves provocados pela guerra, desde deficiências físicas mais ou menos profundas, até problemas psíquicos, mais ou menos graves, mas geradores de comportamentos impeditivos de levar uma vida dita normal.
E se os primeiros sofrem visivelmente as suas deficiências físicas, os segundos sofrem-nas muitas vezes em segredo e por isso mesmo são ou colocam-se à margem da sociedade e por essa mesma sociedade são quase sempre desprezados e mal-amados.
E aqui, minhas senhoras e meus senhores, meus camarigos combatentes, cabe uma palavra de dor, de indignação e até de revolta, perante o Estado Português que não cuida daqueles que por ele deram dois anos do seu tempo de vida, deram a sua saúde, deram até a sua própria vida.
Como é possível que passados quase 40 anos ainda haja combatentes a lutarem por um simples reconhecimento, uma magra pensão, uma possibilidade de vida, que a saúde física ou mental deteriorada na guerra, não lhes permite viver normalmente?
Como é possível haver combatentes a viver nas ruas, a maior parte deles com problemas psíquicos, psiquiátricos, facilmente detectáveis para quem com eles acaba por falar, e que os impede de ter um trabalho fixo, para ganhar o seu próprio sustento e o dos seus?
Como é possível haver tanta mordomia para determinados políticos que nos têm governado, e para aqueles que serviram Portugal com as suas vidas, apenas haja migalhas e mesmo essas migalhas terem de ser esmoladas até à exaustão?
Uma Nação que não cuida dos seus filhos, daqueles que por ela deram a vida, é uma Nação sem história, ou pelo menos é uma Nação que está a apagar a sua história.
E nós sabemos que Portugal tem uma história rica, uma história de sucessivas gerações que construíram este nosso país, pequeno talvez, mas orgulhoso de si próprio e das suas gentes.
Julgo que interpreto a vontade dos meus queridos camarigos combatentes que regressados da guerra conseguiram reconstruir as suas vidas, nas suas famílias e nos seus trabalhos ao afirmar que estes não querem subsídios, ou outras “compensações” financeiras, seja por que motivos forem, mas sim, que essas benesses, (que o não são, pois são um dever da Nação), sejam dadas àqueles que por causa da guerra estão incapacitados de viverem uma vida dita normal e como tal vivem problemas graves de toda a espécie no seu dia-a-dia.
Mas sem burocracias exageradas, sem desconfianças inexplicáveis, sem entraves sem sentido, que na maior parte das vezes têm apenas como explicação a contenção das despesas do Estado, o mesmo Estado que não se contém nas despesas quando se trata compensar aqueles que agora o servem.
Senhor Dr. Raul Castro, meu camarigo, Senhor Faustino Guerra, meu conterrâneo, minhas senhoras e meus senhores, perdoem-me estas palavras que acabei de proferir, mas elas andavam caladas cá dentro há muito tempo.
Obrigado do fundo do coração por esta homenagem, mas não sendo pobre e mal-agradecido, permitam-me que diga que a maior e mais perfeita homenagem que os combatentes desejam, é aquela em que aqueles que com eles combateram e hoje sofrem os problemas decorrentes da guerra que os incapacita no seu dia a dia, tenham uma vida digna, uma vida minimamente aceitável, porque o Estado Português não lhes quer negar esse direito.
Sabemos que não está nas vossas mãos a resolução total deste problema, mas sabemos também que todos juntos, nunca desistindo, (como não o fizemos durante a guerra), podemos um dia “levar a carta a Garcia”.
Portugal precisa, mais do que nunca, de se olhar, de olhar as suas gentes, de redescobrir a generosidade com que os Portugueses sempre se deram pela sua Nação, para não corremos o risco de cada vez mais nos fecharmos em nós próprios apenas para “lambermos as nossas feridas”.
Homenageando, respeitando e enaltecendo os Combatentes, homenageamos, respeitamos e enaltecemos a vontade inabalável dos Portugueses.
Homenageando, respeitando e enaltecendo aquelas gerações de combatentes, fazemos também com que as gerações de agora e as vindouras, sintam orgulho e vontade de pertencerem à Nação que «deu novos mundos ao mundo».
Muito obrigado a todos pela vossa presença e peço que me acompanhem num grito de viva a Portugal!
Viva Portugal!”
(Miguel Pessoa)
____________(Miguel Pessoa)
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11992: Efemérides (140): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (IV e última parte)