Pela mão do Jorge Santos, sempre atento, chegou-nos este belíssimo texto. É da autoria de Constança Lucas (2001), artista plástica e poeta. Vem na sua página pessoal (Pintura, Desenho, Aquarela, Pintura em Azulejos, Poesia, Prosa Poética, Fotografia, Poesia Visual, Desenhos no computador, Selos Postais, Desenhos para livros... Nascida em Coimbra em 1960, a autora vive e trabalha actualmente em S. Paulo, Brasil).
© Constança Lucas (1997-2005)
Madrinha de Guerra
Madrinha de Guerra, como se algo assim fosse possível de imaginar. Mas sim existiam e serviam para escrever aerogramas aos soldados da guerra colonial, algumas o faziam com entusiasmo, por também precisarem de ombro. A guerra - algo que nem sabiam bem porque existia.
Muitas perdidas na angústia da distância que as envolvia numa tristeza diária, na esperança de um retorno muitas vezes não acontecido, tentavam construir os seus afectos, divididas nem mesmo sabiam o que tinham com África. Esse continente distante que lhes engolia quem mais pensavam querer.
Tudo fingia mais calma, ninguém falava nos mortos e estropiados abertamente, tabu necessário à sobrevivência do regime.
As mulheres construíam os seus sonhos com pessoas que mal conheciam, na ânsia de amarem e serem amadas. Amavam perdidamente as poucas linhas que lhes chegavam, alimento das feridas tão fundas num mundo tão desigual.
Mesmo quando viam os imensos cortejos de gentes chorosas que seguiam num funeral, caixões de chumbo, corpos lacrados de jovens ou de pedras. E um povo assim sofrido é manipulado nas mais absurdas ideologias de dominação, as mortes tinham de fazer sentido, os inválidos tinham de ser vingados, os loucos tinham de ser esquecidos, os desertores eram clandestinos e chamados de fugidos a salto. Salto porque saltavam a fronteira da Espanha a pé sem serem vistos ou tentavam que assim fosse. Idos para terras que nem a língua conheciam e trabalho o mais miserável eras-lhes reservado como favor, afinal povo inferior.
Este povo olha para o mar há trezentos mil dias na crença que lá do outro lado poderão ser algo sem perseguições. Essa linha de horizonte que cria ilusões tão maravilhosas como funestas, ela que nos traz e mata as alegrias.
A água salgada cria laços de diálogo entre as diferenças, onde as lágrimas das mulheres são tão intensas, cansadas de ficarem sozinhas acreditavam que poderiam, sendo madrinhas, ter um coração aberto e correspondido. Perdidas nessas fantasias, a guerra impunha-se na chegada ou nos enterros de homens desconhecidos e atormentados, para quem elas haviam escrito, durante anos, todos os seus mais íntimos e inventados segredos.
Constança Lucas / 2001
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 24 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P123: Op Mar Verde (invasão de Conacri) (5) (Afonso Sousa)
1. Mensagem do Afonso Sousa (22 de Julho de 2005), em resposta ao texto de A.Marques Lopes sobre o livro de Alpoím Galvão:
Binta, aonde estive !... Binta não era bem um quartel de mato, entalado no cerco alto do arame farpado, com velhos barracões de mancarra, outrora sinónimo de comércio, hoje com utilidades várias e sempre profundamente vazios. Vinham batelões rio [Cacheu] acima, sem perigos de morteiro, carregar colheitas de amendoim, que dariam óleo nos alambiques de Bissau. Não fossem as árvores e Binta seria agora um deserto.
Porquê, então, Binta ? Ponto estratégico (?), encostado ao Rio Cacheu, com Ganturé (nos tempos da guerra, a Base Fluvial de Alpoim Calvão) logo alí, um pouco mais a jusante (Bigene), ou local privilegiado para escoamento do produto.
O negrito talvez seja forte e quererá, também, significar que urge revisitar estes sítios !
Afinal fica claro. A Operação Mar Verde visava o derrube de Sekou Touré. O António Marques Lopes não refere se no livro o autor faz a justificação desse golpe de estado. Nós, no entanto, conhecemos alguns dos intentos, mas seria giro conhecê-los com maior profundidade através do seu maior protagonista (...).
2. Texto do A. Marques Lopes (23 de Julho de 2005):
Em especial para o amigo Afonso Sousa.
É muito claro no livro de Alpoim Calvão que o objectivo era derrubar o governo de Sékou Touré colocar no seu lugar a FLNG (Front de Libération National Guinéen), opositora do PDG, partido no poder, a qual impediria a existência de bases de apoio do PAIGC na Guiné-Conacri, o objectivo táctico. Com efeito, diz Calvão, a páginas 67-68:
"Desde 1964 que os oposicionistas guineenses, procuravam contactar, como é lógico, com as nossas autoridades. Foram-se trocando ideias, pesando possibilidades, mas não apareciam resultados práticos palpáveis. A política seguida pelo Governo Português dera origem a uma cautelosa estratégia militar, que considerava as fronteiras (?) tabu, permitindo assim que as unidades do PAIGC tivessem sempre possibilidades de refúgio, de recompletamento e de treino. Contudo, com a vinda do então Brigadeiro António de Spínola, as coisas tomaram outro rumo. Os oposicionistas guineenses começaram a sentir que havia viabilidades para realizações práticas que os poderiam ajudar a alcançar o objectivo das suas aspirações pertinazes — a queda do regime de Sekou Touré.
"As diversas ramificações do FNLG tinham vindo a contactar as autoridades portuguesas por canais diferentes — Ministério do Ultramar em Lisboa e Sub-Delegação da D.G.S. em Bissau. Esta, com o núcleo que se ia agrupando à sua volta, iniciou a recolha dum certo número de informações que, recortadas com as que vinham de Lisboa, fizeram perceber a amplitude da dissidência guineense.
"Foi primeira intenção do Governador e Comandante Chefe, instalar um ramo militar do FNLG algures em território da província, donde irradiariam acções de guerrilha contra o vizinho do Sul. Esta hipótese foi encarada em Outubro de 1969 começando-se os preparativos para a enformar. Necessariamente, assunto tão complexo levaria muito tempo a resolver em toda a extensão e assim de facto sucedeu.
"Mas com o decorrer do tempo, a viabilidade do plano parecia maior e verificava-se, com satisfação, que o projectado ataque aos navios do PAIGC em Conakry poderia ser perfeitamente enquadrado nas futuras operações de guerrilha do Front."
Mas diz ele [o Alpoím Galvão], logo à frente, que esta hipótese de uma guerrilha contra a República da Guiné a partir de território português levantaria problemas de política internacional junto da ONU e da OUA, pelo que, diz ele, "propôs que se executasse um golpe de Estado em Conakry o que obteve a imediata adesão do General Comandante Chefe".
Com esse objectivo, diz ele também, "após vários encontros de coordenação entre a parte portuguesa (Cap.ten.Calvão e Inspector Adjunto Matos Rodrigues [, da PIDE/DGS]) e os representantes do FNLG, realizados em Bissau, Paris e Genève, fizeram-se uma série de acções para a recolha do pessoal [do FNLG]" (p. 69).
Refere também que houve algumas reticências entre os operacionais desta acção. O major Leal de Almeida, supervisor da Companhia de Comandos Africanos, recusava-se a tomar parte nela, por achar ser contra a ética militar realizar uma operação contra o governo dum país com o qual não estávamos em guerra. Foi preso e mandado de helicóptero para Bissau, onde o General Spínola o mandou regressar novamente a Soga e reintegrar-se nas forças de assalto.
Mas esta atitude, reconhece ele [o Alpoím Galvão], teve efeito deletério no moral de alguns elementos da Companhia de Comandos Africanos. É assim que o capitão João Bacar Jaló, com grande ascendente sobre a CCA, revelou dúvidas e condicionalismos. Mas lá acedeu a participar. Esta situação terá, acho eu, tido alguma influência no resultado final da acção.
Claro que não restam dúvidas sobre os objectivos da Op Mar Verde. O Afonso Sousa tem razão.
Marques Lopes
Binta, aonde estive !... Binta não era bem um quartel de mato, entalado no cerco alto do arame farpado, com velhos barracões de mancarra, outrora sinónimo de comércio, hoje com utilidades várias e sempre profundamente vazios. Vinham batelões rio [Cacheu] acima, sem perigos de morteiro, carregar colheitas de amendoim, que dariam óleo nos alambiques de Bissau. Não fossem as árvores e Binta seria agora um deserto.
Porquê, então, Binta ? Ponto estratégico (?), encostado ao Rio Cacheu, com Ganturé (nos tempos da guerra, a Base Fluvial de Alpoim Calvão) logo alí, um pouco mais a jusante (Bigene), ou local privilegiado para escoamento do produto.
O negrito talvez seja forte e quererá, também, significar que urge revisitar estes sítios !
Afinal fica claro. A Operação Mar Verde visava o derrube de Sekou Touré. O António Marques Lopes não refere se no livro o autor faz a justificação desse golpe de estado. Nós, no entanto, conhecemos alguns dos intentos, mas seria giro conhecê-los com maior profundidade através do seu maior protagonista (...).
2. Texto do A. Marques Lopes (23 de Julho de 2005):
Em especial para o amigo Afonso Sousa.
É muito claro no livro de Alpoim Calvão que o objectivo era derrubar o governo de Sékou Touré colocar no seu lugar a FLNG (Front de Libération National Guinéen), opositora do PDG, partido no poder, a qual impediria a existência de bases de apoio do PAIGC na Guiné-Conacri, o objectivo táctico. Com efeito, diz Calvão, a páginas 67-68:
"Desde 1964 que os oposicionistas guineenses, procuravam contactar, como é lógico, com as nossas autoridades. Foram-se trocando ideias, pesando possibilidades, mas não apareciam resultados práticos palpáveis. A política seguida pelo Governo Português dera origem a uma cautelosa estratégia militar, que considerava as fronteiras (?) tabu, permitindo assim que as unidades do PAIGC tivessem sempre possibilidades de refúgio, de recompletamento e de treino. Contudo, com a vinda do então Brigadeiro António de Spínola, as coisas tomaram outro rumo. Os oposicionistas guineenses começaram a sentir que havia viabilidades para realizações práticas que os poderiam ajudar a alcançar o objectivo das suas aspirações pertinazes — a queda do regime de Sekou Touré.
"As diversas ramificações do FNLG tinham vindo a contactar as autoridades portuguesas por canais diferentes — Ministério do Ultramar em Lisboa e Sub-Delegação da D.G.S. em Bissau. Esta, com o núcleo que se ia agrupando à sua volta, iniciou a recolha dum certo número de informações que, recortadas com as que vinham de Lisboa, fizeram perceber a amplitude da dissidência guineense.
"Foi primeira intenção do Governador e Comandante Chefe, instalar um ramo militar do FNLG algures em território da província, donde irradiariam acções de guerrilha contra o vizinho do Sul. Esta hipótese foi encarada em Outubro de 1969 começando-se os preparativos para a enformar. Necessariamente, assunto tão complexo levaria muito tempo a resolver em toda a extensão e assim de facto sucedeu.
"Mas com o decorrer do tempo, a viabilidade do plano parecia maior e verificava-se, com satisfação, que o projectado ataque aos navios do PAIGC em Conakry poderia ser perfeitamente enquadrado nas futuras operações de guerrilha do Front."
Mas diz ele [o Alpoím Galvão], logo à frente, que esta hipótese de uma guerrilha contra a República da Guiné a partir de território português levantaria problemas de política internacional junto da ONU e da OUA, pelo que, diz ele, "propôs que se executasse um golpe de Estado em Conakry o que obteve a imediata adesão do General Comandante Chefe".
Com esse objectivo, diz ele também, "após vários encontros de coordenação entre a parte portuguesa (Cap.ten.Calvão e Inspector Adjunto Matos Rodrigues [, da PIDE/DGS]) e os representantes do FNLG, realizados em Bissau, Paris e Genève, fizeram-se uma série de acções para a recolha do pessoal [do FNLG]" (p. 69).
Refere também que houve algumas reticências entre os operacionais desta acção. O major Leal de Almeida, supervisor da Companhia de Comandos Africanos, recusava-se a tomar parte nela, por achar ser contra a ética militar realizar uma operação contra o governo dum país com o qual não estávamos em guerra. Foi preso e mandado de helicóptero para Bissau, onde o General Spínola o mandou regressar novamente a Soga e reintegrar-se nas forças de assalto.
Mas esta atitude, reconhece ele [o Alpoím Galvão], teve efeito deletério no moral de alguns elementos da Companhia de Comandos Africanos. É assim que o capitão João Bacar Jaló, com grande ascendente sobre a CCA, revelou dúvidas e condicionalismos. Mas lá acedeu a participar. Esta situação terá, acho eu, tido alguma influência no resultado final da acção.
Claro que não restam dúvidas sobre os objectivos da Op Mar Verde. O Afonso Sousa tem razão.
Marques Lopes
Guiné 63/74 - P122: Bibliografia da guerra no feminino (2) (Jorge Santos)
Sugestão de leitura e selecção de Jorge Santos.
TÍTULO: As Mulheres e a Guerra Colonial
PUBLICAÇÃO: Revista Crítica de Ciências Sociais, 68
EDITORA: Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra)
DATA: Abril 2004
AUTORES E RESUMOS DOS ARTIGOS:
Margarida Calafate Ribeiro
África no feminino: As mulheres portuguesas e a Guerra Colonial
Procura-se traçar as linhas gerais que no discurso crítico histórico, político, sociológico e literário levaram a considerar a guerra como um fenómeno não exclusivamente masculino. Dentro da situação portuguesa, visa-se interpretar o "papel de apoio" que sempre esteve reservado às mulheres, de um ponto de vista público e privado, e analisar com mais detalhe a situação das mulheres portuguesas que acompanharam os maridos em missão militar em África, durante o período da Guerra Colonial.
Maria Manuela Cruzeiro
As mulheres e a Guerra Colonial: Um silêncio demasiado ruidoso
O texto pretende denunciar as várias camadas de silêncio com que a sociedade portuguesa fugiu ao encontro inevitável com a maior tragédia da sua contemporaneidade: a Guerra Colonial. A estratégia de ocultação, que oscila frequentemente entre o recalcamento e a denegação, atinge, quer os seus directos intervenientes (os militares mobilizados), quer as instituições do poder "político" e outro, quer sobretudo as suas vítimas mais ignoradas: as mulheres. Afastadas naturalmente da máquina de guerra, mas profundamente implicadas nos seus efeitos devastadores, o seu silêncio torna duplamente absurdo e incompreensível esse momento traumático da nossa história recente.
Helena Neves
Amor em tempo de guerra: Guerra Colonial, a (in)comunicabilidade (im)possível
O período da Guerra Colonial (1961-1974) produziu em Portugal profundas alterações de ordem demográfica, económica, social e cultural. Mas se o que é mensurável se encontra, hoje em dia, mais ou menos visível, há uma vertente que praticamente permanece por estudar: as vivências da intersubjectividade, dos afectos e das relações amorosas em tempo de guerra. O que se apresenta é um levantamento empírico desta problemática que urge analisar.
Maria Manuel Lisboa
"Até ao fim do mundo": Amor, rancor e guerra em Hélia Correia
A peça de teatro de Hélia Correia, O rancor: Exercício sobre Helena, oferece a base para uma análise textual do entendimento clássico e moderno do papel da mulher no contexto da guerra. As mulheres, na versão contemporânea de Hélia Correia, reproduzem e acentuam alguns dos indícios já disseminados pela tragédia e epopeia gregas, nomeadamente a problemática da sexualidade feminina e da paixão, enquanto forças contrapostas ao instinto belicoso masculino, por aquelas eventualmente derruido.
A leitura aqui apresentada focaliza aspectos variados da justaposição dos sexos no contexto da guerra: nomeadamente, a dinâmica entre mãe e filha enquanto agentes de um feminino solidário em confrontação com o imperativo belicoso masculino; a relação mãe-filho conforme inscrita no dilema edipiano filial de opção entre o pai guerreiro e a mãe atavicamente amada; a questão da maternidade/paternidade e do sacrifício voluntário ou recusado de filhos e filhas aos interesses da guerra; e o problema da representação passional do inimigo enquanto objecto de desejo e figuração do ideal do bem-amado.
Roberto Vecchi
Incoincidências de autoras: Fragmentos de um discurso não só amoroso na literatura da Guerra Colonial
Se a guerra é por excelência o território do androcêntrico, a experiência traumática da guerra e a sua representação pelo olhar feminino enxertar-se-ão numa margem periférica, numa orla de deslocação da própria experiência traumática. Deste ponto de vista, o feminino torna-se por excelência um “olhar testemunhal”, sendo a possibilidade sobrevivente, residual, da impossibilidade do testemunho integral diante do evento traumático. Uma deslocação esta que evidencia a não coincidência entre experiência e imagem, própria do testemunho, em que lógos e memória femininos se tornam portadores contundentes de um outro lógos, duma contra-memória.
Os romances de Wanda Ramos e Lídia Jorge são recolocados também na problemática trágica da aporia testemunhal, mostrando como uma reflexão crítica sobre o trágico moderno pode proporcionar uma perspectiva mais compreensiva de uma literatura problemática – pelo seu corpo a corpo com a história – como a da Guerra Colonial.
Ana de Medeiros
Re-escrevendo a História: A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge e L’Amour, la Fantasia de Assia Djebar
Dentro do tema geral da incompatibilidade entre a vida privada e a vida pública, decidi concentrar a minha atenção numa série de elementos comuns aos dois textos em análise e que explicam, em parte, a sua qualidade subversiva, num sentido político e histórico: a ideia das representações dominantes da mulher como falsas representações, o restaurar do passado da auto-representação feminina e o reconhecimento da necessidade de representar as diferenças entre mulheres. O trabalho de Lynn Hunt sobre a Revolução Francesa servirá como espaço teórico para início da minha análise.
Laura Cavalcante Padilha
Dois olhares e uma Guerra
A partir da leitura das obras poéticas Sangue negro (2001) e É nosso o solo sagrado da terra (1978), respectivamente de Noémia de Sousa e Alda Espírito Santo, o texto procura surpreender dois olhares africanos sobre a guerra, em perspectiva ao mesmo tempo étnica e de género. Para além disso, discute-se o duplo gesto de nomeação do conflito: a mudança, no universo discursivo, do sistema de referências imposto pelo colonialismo e, consequentemente, a encenação da interioridade de novos sujeitos históricos femininos.
Dossier
Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial
Depoimento de Elsa Adler Gomes da Costa
Depoimento de Ivone Reis
TÍTULO: As Mulheres e a Guerra Colonial
PUBLICAÇÃO: Revista Crítica de Ciências Sociais, 68
EDITORA: Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra)
DATA: Abril 2004
AUTORES E RESUMOS DOS ARTIGOS:
Margarida Calafate Ribeiro
África no feminino: As mulheres portuguesas e a Guerra Colonial
Procura-se traçar as linhas gerais que no discurso crítico histórico, político, sociológico e literário levaram a considerar a guerra como um fenómeno não exclusivamente masculino. Dentro da situação portuguesa, visa-se interpretar o "papel de apoio" que sempre esteve reservado às mulheres, de um ponto de vista público e privado, e analisar com mais detalhe a situação das mulheres portuguesas que acompanharam os maridos em missão militar em África, durante o período da Guerra Colonial.
Maria Manuela Cruzeiro
As mulheres e a Guerra Colonial: Um silêncio demasiado ruidoso
O texto pretende denunciar as várias camadas de silêncio com que a sociedade portuguesa fugiu ao encontro inevitável com a maior tragédia da sua contemporaneidade: a Guerra Colonial. A estratégia de ocultação, que oscila frequentemente entre o recalcamento e a denegação, atinge, quer os seus directos intervenientes (os militares mobilizados), quer as instituições do poder "político" e outro, quer sobretudo as suas vítimas mais ignoradas: as mulheres. Afastadas naturalmente da máquina de guerra, mas profundamente implicadas nos seus efeitos devastadores, o seu silêncio torna duplamente absurdo e incompreensível esse momento traumático da nossa história recente.
Helena Neves
Amor em tempo de guerra: Guerra Colonial, a (in)comunicabilidade (im)possível
O período da Guerra Colonial (1961-1974) produziu em Portugal profundas alterações de ordem demográfica, económica, social e cultural. Mas se o que é mensurável se encontra, hoje em dia, mais ou menos visível, há uma vertente que praticamente permanece por estudar: as vivências da intersubjectividade, dos afectos e das relações amorosas em tempo de guerra. O que se apresenta é um levantamento empírico desta problemática que urge analisar.
Maria Manuel Lisboa
"Até ao fim do mundo": Amor, rancor e guerra em Hélia Correia
A peça de teatro de Hélia Correia, O rancor: Exercício sobre Helena, oferece a base para uma análise textual do entendimento clássico e moderno do papel da mulher no contexto da guerra. As mulheres, na versão contemporânea de Hélia Correia, reproduzem e acentuam alguns dos indícios já disseminados pela tragédia e epopeia gregas, nomeadamente a problemática da sexualidade feminina e da paixão, enquanto forças contrapostas ao instinto belicoso masculino, por aquelas eventualmente derruido.
A leitura aqui apresentada focaliza aspectos variados da justaposição dos sexos no contexto da guerra: nomeadamente, a dinâmica entre mãe e filha enquanto agentes de um feminino solidário em confrontação com o imperativo belicoso masculino; a relação mãe-filho conforme inscrita no dilema edipiano filial de opção entre o pai guerreiro e a mãe atavicamente amada; a questão da maternidade/paternidade e do sacrifício voluntário ou recusado de filhos e filhas aos interesses da guerra; e o problema da representação passional do inimigo enquanto objecto de desejo e figuração do ideal do bem-amado.
Roberto Vecchi
Incoincidências de autoras: Fragmentos de um discurso não só amoroso na literatura da Guerra Colonial
Se a guerra é por excelência o território do androcêntrico, a experiência traumática da guerra e a sua representação pelo olhar feminino enxertar-se-ão numa margem periférica, numa orla de deslocação da própria experiência traumática. Deste ponto de vista, o feminino torna-se por excelência um “olhar testemunhal”, sendo a possibilidade sobrevivente, residual, da impossibilidade do testemunho integral diante do evento traumático. Uma deslocação esta que evidencia a não coincidência entre experiência e imagem, própria do testemunho, em que lógos e memória femininos se tornam portadores contundentes de um outro lógos, duma contra-memória.
Os romances de Wanda Ramos e Lídia Jorge são recolocados também na problemática trágica da aporia testemunhal, mostrando como uma reflexão crítica sobre o trágico moderno pode proporcionar uma perspectiva mais compreensiva de uma literatura problemática – pelo seu corpo a corpo com a história – como a da Guerra Colonial.
Ana de Medeiros
Re-escrevendo a História: A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge e L’Amour, la Fantasia de Assia Djebar
Dentro do tema geral da incompatibilidade entre a vida privada e a vida pública, decidi concentrar a minha atenção numa série de elementos comuns aos dois textos em análise e que explicam, em parte, a sua qualidade subversiva, num sentido político e histórico: a ideia das representações dominantes da mulher como falsas representações, o restaurar do passado da auto-representação feminina e o reconhecimento da necessidade de representar as diferenças entre mulheres. O trabalho de Lynn Hunt sobre a Revolução Francesa servirá como espaço teórico para início da minha análise.
Laura Cavalcante Padilha
Dois olhares e uma Guerra
A partir da leitura das obras poéticas Sangue negro (2001) e É nosso o solo sagrado da terra (1978), respectivamente de Noémia de Sousa e Alda Espírito Santo, o texto procura surpreender dois olhares africanos sobre a guerra, em perspectiva ao mesmo tempo étnica e de género. Para além disso, discute-se o duplo gesto de nomeação do conflito: a mudança, no universo discursivo, do sistema de referências imposto pelo colonialismo e, consequentemente, a encenação da interioridade de novos sujeitos históricos femininos.
Dossier
Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial
Depoimento de Elsa Adler Gomes da Costa
Depoimento de Ivone Reis
sábado, 23 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P121: Bibliografia da guerra no feminino (1) (Jorge Santos)
1. Caro Luís Graça:
Como há várias coisas escritas por mulheres sobre a Guerra Colonial (algumas já enviei), não seria uma boa ideia criar um espaço no blogue só para elas? Por exemplo, com a designação "Escrita feminina e Guerra Colonial", "As Mulheres e a Guerra Colonial", etc., ou mesmo uma outra que tenhas em mente. É apenas e só uma sugestão.
Um abraço e bom fim de semana.
Jorge Santos (1º Grumete Fuzileiro, DFA, Companhia de Fuzileiros nº 4, Moçambique > Niassa, 1968/70)
2. Respondi-lhe que sim, que podia ser "a guerra no feminino" ou qualquer coisa do género. Que tinha todo o meu apoio. E que fosse mandando coisas. Pois aqui vão as primeiras sobre a "bibliografia da guerra no feminino". A guerra ? A nossa, a colonial, que era só uma... Selecção e notas do Jorge Santos. L.G.
TÍTULO: Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo
AUTORA: Margarida Calafate Ribeiro
EDITORA: Afrontamento
ANO: 2004
NOTA: Margarida Calafate Ribeiro é investigadora associada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e é doutorada em Literatura Portuguesa pelo King's College, Universidade de Londres. Foi professora convidada na Holanda e no Brasil. Co-organizou, com Ana Paula Ferreira, a obra colectiva Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Contemporâneo (Campo das Letras, Porto,).
SINOPSE: Em entrevista publicada no jornal Público, de 3 de Julho de 2004, a autora respondeu a uma pergunta do jornalista ("Ao ler-se o seu livro "Uma História de Regressos - Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo" fica-se com a ideia inquietante de que Portugal é um manicómio. É verdade?"):
"Há momentos na nossa História e na nossa História recente - os que têm a ver com os regressos - em que podemos utilizar essa linguagem da psiquiatria. Há loucura e loucura trágica que envolve a nossa identidade. Refiro-me à guerra colonial e à literatura da guerra colonial. Houve então supressão do humano. Nessa medida pode falar-se de loucura. A guerra colonial foi a grande tragédia da nossa contemporaneidade, não só para os rapazes que nela participaram, mas também para os pais que os viam partir e para as irmãs, namoradas e esposas que ficavam à espera. A insistência com que o Estado Novo impôs a guerra colonial mais longa em que um país europeu participou, a imposição de uma vontade, de uma maneira de estar no mundo podem também ser consideradas dementes. A poesia de Fernando Assis Pacheco (in "Musa Irregular") mostra isso, na sua componente autobiográfica: família salazarista, filho de um "Menino da Luz", apanhado por uma engrenagem. Mas o pai, que ameaçara alistar-se como oficial médico se ele desertasse, acabou por rever as suas posições quando Assis Pacheco foi o primeiro evacuado da frente de combate por razões neuro-psiquiátricas. Essa ruptura entre o Governo de Salazar e o país foi-se aprofundando. O ministro dos Negócios Estrangeiros Franco Nogueira escreveu uma carta a Marcello Caetano muito significativa a esse respeito: acusa a burguesia de ser invertebrada, de retirar o seu apoio ao esforço africano quando se tratava de enviar os filhos para as frentes de combate e de se interessar mais pelos negócios possíveis com a Europa do que com as colónias africanas".
Há uma versão mais reduzida, em formato.pdf, de 40 páginas, deste estudo, disponível na Net.
Como há várias coisas escritas por mulheres sobre a Guerra Colonial (algumas já enviei), não seria uma boa ideia criar um espaço no blogue só para elas? Por exemplo, com a designação "Escrita feminina e Guerra Colonial", "As Mulheres e a Guerra Colonial", etc., ou mesmo uma outra que tenhas em mente. É apenas e só uma sugestão.
Um abraço e bom fim de semana.
Jorge Santos (1º Grumete Fuzileiro, DFA, Companhia de Fuzileiros nº 4, Moçambique > Niassa, 1968/70)
2. Respondi-lhe que sim, que podia ser "a guerra no feminino" ou qualquer coisa do género. Que tinha todo o meu apoio. E que fosse mandando coisas. Pois aqui vão as primeiras sobre a "bibliografia da guerra no feminino". A guerra ? A nossa, a colonial, que era só uma... Selecção e notas do Jorge Santos. L.G.
TÍTULO: Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo
AUTORA: Margarida Calafate Ribeiro
EDITORA: Afrontamento
ANO: 2004
NOTA: Margarida Calafate Ribeiro é investigadora associada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e é doutorada em Literatura Portuguesa pelo King's College, Universidade de Londres. Foi professora convidada na Holanda e no Brasil. Co-organizou, com Ana Paula Ferreira, a obra colectiva Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Contemporâneo (Campo das Letras, Porto,).
SINOPSE: Em entrevista publicada no jornal Público, de 3 de Julho de 2004, a autora respondeu a uma pergunta do jornalista ("Ao ler-se o seu livro "Uma História de Regressos - Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo" fica-se com a ideia inquietante de que Portugal é um manicómio. É verdade?"):
"Há momentos na nossa História e na nossa História recente - os que têm a ver com os regressos - em que podemos utilizar essa linguagem da psiquiatria. Há loucura e loucura trágica que envolve a nossa identidade. Refiro-me à guerra colonial e à literatura da guerra colonial. Houve então supressão do humano. Nessa medida pode falar-se de loucura. A guerra colonial foi a grande tragédia da nossa contemporaneidade, não só para os rapazes que nela participaram, mas também para os pais que os viam partir e para as irmãs, namoradas e esposas que ficavam à espera. A insistência com que o Estado Novo impôs a guerra colonial mais longa em que um país europeu participou, a imposição de uma vontade, de uma maneira de estar no mundo podem também ser consideradas dementes. A poesia de Fernando Assis Pacheco (in "Musa Irregular") mostra isso, na sua componente autobiográfica: família salazarista, filho de um "Menino da Luz", apanhado por uma engrenagem. Mas o pai, que ameaçara alistar-se como oficial médico se ele desertasse, acabou por rever as suas posições quando Assis Pacheco foi o primeiro evacuado da frente de combate por razões neuro-psiquiátricas. Essa ruptura entre o Governo de Salazar e o país foi-se aprofundando. O ministro dos Negócios Estrangeiros Franco Nogueira escreveu uma carta a Marcello Caetano muito significativa a esse respeito: acusa a burguesia de ser invertebrada, de retirar o seu apoio ao esforço africano quando se tratava de enviar os filhos para as frentes de combate e de se interessar mais pelos negócios possíveis com a Europa do que com as colónias africanas".
Há uma versão mais reduzida, em formato.pdf, de 40 páginas, deste estudo, disponível na Net.
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