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quinta-feira, 29 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9674: Meu pai, meu velho, meu camarada (27): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto S. Santos)


Setúbal > RI 11 > 1940 > Enquanto recruta...
Feliciano Delfim dos Santos
Natural de Lisboa, nasceu a 20 de Abril de 1922; faleceu a 18 de Março de 1989



1. Texto de Augusto Santos Silva para a série "Meu Pai, meu velho,meu camarada" (*):


O meu pai terminou a recruta em Julho de 1940 e frequentou posteriormente a escola de cabos. Foi como 1º Cabo, com a especialidade de Observador Telemetrista, que foi mobilizado para fazer parte do 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 / 1ª Companhia, com destino à então Colónia de Cabo Verde, durante o periodo da 2ª guerra mundial.





Partiu em meados de Junho de 1941 no navio a vapor João Belo, tendo desembarcado na cidade da Praia, Ilha de Santiago,  a 23 do mesmo mês. No entanto o Batalhão viria a ser colocado na Ilha do Sal, a mais inóspita de todas as ilhas do arquipélago, onde já não chovia há 5 anos, não havia árvores, água potável, fruta, e legumes frescos. (**)

Pelos seus relatos que, ainda guardo na memória, esta foi a pior das situações que registou em todas as ilhas por onde passou (Santiago, Sal, Santo Antão e S. Vicente), onde a água supostamente potável para consumo diário era racionada (não chegava a um cantil) e, para banhos, só havia água salgada.




Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Aspecto de como grande parte da população vivia no interior da ilha... [ Em 1940 e depois em 1942 e anos seguintes a seca prolongada foi responsável por uma das maiores catástrofes demográficas da história de Cabo Verde: este é o pano de fundo do romance Hora di Bai, publicado em 1962, pelo escritor português Manuel Ferreira (1917-1994), também ele mobilziado como expedicionário em 1941, para São Vicenre] .



Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Feiticeiro, fotografado com os seus adereços e talismãs...



Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Festa de São João

Dos cerca de 1.000 homens que inicialmente compunham o Batalhão, no final só viriam oficialmente a regressar incorporados no mesmo, cerca de 500. Morreram na missão perto de 20 militares (todos eles por doença), e os restantes foram regressando antecipadamente por baixa médica, igualmente acometidos pelas mais diversas doenças (escorbuto, tifo, paludismo, anemia, disenteria, etc.) originadas pela falta de condições para uma vida normal. (**)

Felizmente naquela altura não havia guerrilheiros, minas, emboscadas, etc., ou seja, guerra propriamente dita mas o clima, a alimentação deficiente, e as condições em que viveram aqueles anos naquelas ilhas, encarregavam-se de fazer as suas vítimas e foram suficientes para reduzir o Batalhão a 50% dos seus efectivos. [Veja-se aqui o plano de defesa de Cabo Verde, elaborado por Santos Costa, em 1942]



Cabo Verde > Ilha de Santiago > 1941 >"O meu pai é o primeiro da direita"



Cabo Verde > Ilha do Sal > 1942 > O 1º cabo F. Delfim


Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2012). Todos os direitos reservados


O regresso à Metrópole deu-se no início de Dezembro de 1943, e a passagem à disponibilidade no final do mesmo.

Quiçá, estas foram também algumas das razões para o meu pai ter falecido com 66 anos de idade. A sua passagem por Cabo Verde deixou-lhe marcas profundas física e psiciologicamente, apesar da ausência de guerra efectiva.

Lembro-me ainda de contar que,  na sua passagem por aquelas terras, chegou a viver maritalmente com uma local, de seu nome Maria Helena Almeida, de quem viria a ter um filho chamado Fernando Almeida Santos (hoje teria 70 anos de idade). Ambos faleceram prematuramente por doença, sem que ele o conseguisse evitar. Há relatos de que os anos 40 foram especialmente difíceis em Cabo Verde, havendo ilhas em que as populações foram fortemente atingidas pelas mais diversas epidemias. [Vd. Hora di bai, romance de Manuel Ferreira, capa da edição da Europa-América, coleção Livros de Bolso Europa América]

Referenciou por inúmeras vezes a completa miséria em que as populações daquelas ilhas viviam na altura, e o que os militares faziam (apesar dos parcos recursos) para tentar minimizar o seu sofrimento, nomeadamente das crianças.

Apesar dessas condições desumanas, dizia que na generalidade o povo caboverdeano era alegre e muito virado para a música. Todas as ocasiões eram motivo para uma festa, com as suas improvisadas batucadas, mornas, coladeiras, e funanás, das quais sempre se mostrou muito saudoso. Recordo-me perfeitamente de o ver com lágrimas nos olhos a ouvir Fernando Quejas [1922-2005], aquele que durante muitos anos foi a única referência da música de Cabo Verde em Portugal, com discos gravados. Só muito anos mais tarde se daria o salto para aquilo que conhecemos hoje da real dimensão da musicalidade daquele povo.

Regressado à vida civil, viria a exercer a sua profissão de serralheiro civil, mas as dificuldades em arranjar trabalho condigno e normalmente renumerado mantinham-se, situação que infelizmente estamos de novo a viver.

Lembro-me de contar uma passagem da sua vida, que o marcou profundamente. Estando a trabalhar numa empreitada da qual era responsável o célebre Engº Duarte Pacheco, mais tarde membro do governo, e de alguns trabalhadores se lhe terem dirigido (entre eles o meu pai) a solicitar um pequeno aumento de salário, de este lhes ter respondido não ter conhecimento que o pão e as azeitonas tivessem tido qualquer aumento nos preços. Isto demonstra bem como era viver naquela altura.

Mais tarde viria a concorrer para os quadros do pessoal civil da Marinha de Guerra, onde exerceu a profissão de Maquinista em diversas embarcações (rebocadores e vedetas de transporte de pessoal),  inicialmente no antigo Arsenal de Marinha em Lisboa e posteriormente na Base Naval do Alfeite. Foi com a categoria equivalente a Sargento Ajudante que viria a ser reformado aos 56 anos de idade.

Ainda durante a sua passagem pela Marinha, teve a infelicidade e preocupação (como tantos pais e mães neste país) no início dos anos 70 de ver partir os seus 2 filhos para a Guerra do Ultramar, mais propriamente para a Guiné.

Contou-me por diversas vezes que, ao saber da minha mobilização (o meu irmão já lá estava há quase 1 ano), ainda tentou solicitar que esta fosse para uma outra frente sem um verdadeiro teatro de guerra (por exemplo Cabo Verde ou S. Tomé), pelo que se dirigiu ao então Tenente de Marinha Alpoim Calvão, na altura na Escola de Fuzileiros no Alfeite, de quem era mais ou menos próximo por alguns serviços prestados, para saber se haveria alguma hipótese de, de uma forma oficial, fazer tal solicitação. A resposta desse senhor foi de que o meu pai se deveria orgulhar por conseguir ter os 2 filhos, em simultâneo, na guerra a defender o país, e que por tal facto ele era um privilegiado. Enfim…

Apesar de algo debilitado fisicamente, pois tinha uma atrofia num joelho devido a diversas operações, e estava cego de uma vista por acidente em serviço, ainda ajudou a criar 4 netos que também o recordam com muita saudade, pelas suas manifestações de amor e carinho sempre presentes.

Foi um bom pai e avô para a sua época, era um homem paciente e bom,  apesar das agruras da vida e, no dia em que partiu, deixou um vazio na vida de todos nós, por tudo aquilo que ainda ficou por viver.

Esta é a minha homenagem ao meu pai, meu velho, meu camarada!


Augusto Silva dos Santos [, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73]
_________________

Notas do editor:

(*)Último poste da série > 25 de amrço de 2012 > Guiné 63/74 - P9657: Meu pai, meu velho, meu camarada (26): Porfírio Dias (1919-1988), ex-sold aux enf, Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (de 18 de julho de 1941 a 7 de maio de 1944) (Luís Dias)


(...) Comentário do Augusto Silva Santos (em 19 do corrente):

"Camarada e Amigo Luís Graça, nem calculas como as tuas sábias palavras sobre o teu pai também a mim me tocam. Faz hoje precisamente 23 anos que o meu saudoso pai foi a enterrar. Se fosse vivo, teria perto de 90 anos (faria essa bonita idade no próximo mês de Abril). Tal como o teu, também ele esteve na década de 40 em Cabo Verde, mobilizado pelo R.I.11 (Setúbal) com 18 anos de idade. Lembro-me com saudade de também ele falar na música daquele arquipélago e, de algumas vezes, o ver com lágrimas nos olhos quando ouvia uma morna. Que coincidência ... Muito obrigado por me teres feito recordar bons momentos. Um grande abraço. Augusto Silva Santos" (...)

(...) Resposta de L.G. (em 20 do corrente):

"Querido camarada: Obrigado pelas tuas palavras amigas... Tenho pena que o teu pai já tenha partido precocemente... Compete-nos a nós lembrar essa geração, de gente anónima, que durante a II Guerra Mundial também soube dar o melhor da sua juventude no esforço de defesa do país e dos seus territórios de além-mar...

"Tens fotos de Cabo Verde, do álbum do teu pai ? Não as queres partilhar connosco para esta série Meu pai, meu velho, meu camarada' ? Já descobrimos que o meu, bem como o pai do Nelson Herbert (jornalista, guineense, a da Voz da América) e do Hélder Sousa (que vive em Setúbal) estiveram em Cabo Verde como expedicionários... Fala-nos do teu pai, nosso camarada... Quando e onde esteve, etc. Um abração. Luis" (...).

(...) Resposta imediata do Augusto Santos (a 20):

"Olá,  Luís, Bom Dia!

"Obrigado pelo teu desafio. Estou já a preparar algo sobre o tema para te enviar. Estou só a ultimar as minhas pesquisas e a confirmar alguns dados. Também já tenho algumas fotos.
Um Abraço, Augusto Silva Santos". (...)

(**) Veja-se aqui um excerto do depoimento da filha de António Gavina, outro expedicionário do RI 11, na Ilha do Sal. Fonte: "Viver em Cabo Verde à espera da invasão". Diário de Notícias. 14 de Abril de 2005. (Reproduzido com a devida vénia):

(....)"Eles eram missionários, homens com uma missão de paz e não de guerra. O seu objectivo era defender Cabo Verde de uma possível invasão alemã durante a II Guerra Mundial." A história de um desses soldados, António Gavina, do corpo expedicionário do Regimento de Infantaria 11, de Setúbal, é contada pela sua filha, Vanda Gavina.

"O meu pai devia ter vinte e poucos anos quando foi para a ilha do Sal. Acabou por ficar lá durante quase quatro anos", recorda. Os pormenores da passagem do pai pelo arquipélago de Cabo Verde já começam a ser esquecidos, mas uma coisa ficará para sempre na sua memória "Eles não passavam fome, mas viviam em muitas dificuldades, com muitas restrições."

Os anos da II Guerra Mundial foram anos de seca nas ilhas do Atlântico. A comida não abundava e os soldados alimentavam-se com aquilo que podiam. As recordações desse tempo deixaram marcas em António Gavina. "O meu pai nunca mais comeu percebes na vida. Tudo porque em Cabo Verde viu um dos habitantes locais morrer quando os tentava apanhar", referiu Vanda Gavina.

Outro dos problemas que o regimento teve de enfrentar foram as doenças. "Lembro-me de o meu pai contar que houve muitos colegas que morreram devido a alguns surtos de doenças que afectaram os homens da companhia."


Em 1939, pouco antes do início da II Guerra, Portugal autorizou o Governo de Benito Mussolini a construir um aeroporto na ilha do Sal, para servir de ligação com os países da América do Sul. Com o início do conflito, o projecto italiano, com casas prefabricadas, foi abandonado. Enquanto aguardavam a invasão alemã, que não chegou, os soldados portugueses ajudavam à criação de melhores condições de vida. "Eles ajudaram a construir habitações, não só para eles mas também para os cabo-verdianos", lembra Vanda Gavina. (...)

domingo, 25 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9657: Meu pai, meu velho, meu camarada (26): Porfírio Dias (1919-1988), ex-sold aux enf, Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (de 18 de julho de 1941 a 7 de maio de 1944) (Luís Dias)


1. Mensagem, com data de 24 do corrente, do nosso camarada Luís Dias  [ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872,´Dulombi e Galomaro, 1971/74, ],


Caro Luís Graça




Em conformidade com o solicitado junto te envio um texto contendo diversas fotos do meu pai (as que encontrei) e que foi publicado no blogue da minha companhia, por ocasião do dia do pai de 2009.


Dispõe delas para publicação, se o entenderes, relacionado com os pais que estiveram em África, por ocasião da 2ª Guerra Mundial.


Um abraço.


Luís Dias

2. AO PORFÍRIO DIAS, QUE TAMBÉM FOI SOLDADO EM ÁFRICA
por Luís Dias


Em memória de Porfírio António Dias, natural dos Anjos, Lisboa, nascido em 30 de Julho de 1919, Conferente Marítimo Reformado, falecido em Lisboa a 8 de Março de 1988. Era casado com Venina Antunes Fernandes Dias, nascida em 1927, natural de S. João da Praça, Lisboa. (Viria a falecer em 12 de Outubro de 2011, com 84 anos).


Recebeu em Fevereiro de 1943, no Mindelo, Cabo Verde,  do Comandante de Batalhão,  o louvor militar seguinte: "Louvo pelo muito zelo com que tem desempenhado as suas funções no Posto de Socorros na Enfermaria do Batalhão, muitas vezes com o prejuízo da sua própria saúde, dando com a sua actividade, excelente exemplo de dedicação pelo serviço e pela saúde dos seus camaradas e manifestando-se assim um óptimo auxiliar do Senhor Oficial Médico". Foto nº 6 > Foto tirada em Cabo Verde, depois do incidente que o obrigou a usar óculos para sempre.

Fotos:  © Luís Dias (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Foto nº 1 > Caderneta Militar do Porfírio Dias



Foto nº 2 > Porfírio Dias - Especialidade: Enfermagem... Ainda na metrópole (1940)

Foto nº 3 > Porfírio Dias em Cabo Verde, com a braçadeira de enfermagem e com pistola à cintura.

Foto nº 4 >    À porta da enfermaria, no Mindelo, na Ilha de S.Vicente, com outros camaradas enfermeiros e com o Alferes médico (o que não tem bata branca).



Foto nº 5 > Em Mindelo, com outros camaradas do batalhão (O sold aux enf, Porfírio Dias, está de bata branca)
Foto nº 6 > Tirada em Cabo Verde, depois do acidente que o obrigou a usar óculos para sempre

Fotos: (e legendas):  © Luís Dias (2009). Todos os direitos reservados

2. O Porfírio Dias, que também foi soldado em África
por Luís Dias


Querido pai,

Hoje é dia 19 de Março [ de 2009], dia de S. José, dia do pai. O teu neto telefonou-me de manhã a combinar almoçar comigo. O Daniel não se esqueceu aqui do “velho”, do “cota” como agora eles dizem. Vamos estar juntos. Também gostaria que pudesses estar aqui connosco, a vida levou-te há já alguns anos, mas continuas bem presente no nosso coração.

Mas neste dia queria lembrar que também tu foste mobilizado e enviado para Cabo Verde, no tempo da 2ª Guerra Mundial, que cumpriste também um dever que te foi imposto pelo teu/nosso país. Sei que a tua comissão não teve os riscos de combate, de guerra, como eu tive na Guiné, embora se falasse da possibilidade de um ataque alemão ou mesmo inglês, conforme o governo de Salazar se fosse inclinando para um lado ou para o outro, mas houve outros perigos: muita fome, doenças e as desgraças que assististe por força da tua especialidade.


Foste também vítima da habitual falta de material para cumprir com o necessário cuidado as tarefas de que eras incumbido, como Soldado Auxiliar-Enfermagem. E foi por teres utilizado umas luvas já deterioradas numa intervenção cirúrgica, em que apoiavas o médico, que depois ao tocares com os dedos num dos teus olhos, arranjaste o problema que te obrigou a usar óculos desde então.

Aqueles tempos de 18/7/941 a 7/5/44 (2 anos e 10 meses!!!!), em terras de Cabo Verde, não terão sido pera doce e lembro-me da história que tu contaste do submarino alemão que atracou e que,  depois de instado a sair de águas portuguesas, os alemães mantiveram-se calmamente no local e só se foram embora quando lhes apeteceu. Mas também das mornas que tu ficaste a adorar, como adoravas o fado. E a porrada que apanhaste e que está na tua caderneta, por estares no refeitório a atirar bolinhas de pão aos teus camaradas. É mesmo para rir…!!! Não havia mais nada para os teus superiores se entreterem? E um dos louvores por teres agarrado o cavalo do comandante que tinha tomado o freio nos dentes…. e que tu dizias que só o agarraste porque não sabias que o cavalo estava enlouquecido...porque se soubesses deixava-lo fugir! Ah!AhAh!

Lembro-me da alegria que tiveste quando fui promovido a Aspirante a Oficial Miliciano e,  se a mãe chorava, quase diariamente, como tu me contaste, quando eu estava na Guiné, ela também me contou das tuas lágrimas quando aos fins-de-semana me ajudavas a levar a mala até às camionetas, que me levavam a Mafra e depois a Abrantes de regresso ao quartel.

Sempre te fizeste de forte, mas eu sei o quanto também sofreste, enquanto eu por África andava. Imaginavas os horrores que devíamos estar a enfrentar, pensando no que tu também passaras.


Foste tu que me encaminhaste para a minha profissão quando me trouxeste o anúncio do concurso para investigadores da Polícia Judiciária, em 1975,  e ficaste todo orgulhoso de eu ter entrado. Deus não te deu o tempo de assistires enquanto eu fui progredindo na carreira e nomeado Director do Departamento de Armamento e Segurança, pelo Ministro da Justiça, 25 anos mais tarde.

O Daniel teve a sorte da liberdade conquistada pelo 25 de Abril lhe proporcionar ser o que ele quer. Sabes que ele tocou durante alguns anos, como guitarrista, numa banda rock – os Aside, que era, como tu te lembras, um dos meus sonhos. A banda fez 2 CD e diversos Tours por Portugal, pela Europa e pelo Canadá. Tocou no Festival de Vilar de Mouros, em 2005.

O socialismo que tu, a mãe e eu tanto apoiámos, é que já não mora aqui. Tem estado a morrer às mãos de uns tantos governantes tecnocratas que enfadam e corroem este nosso país.

A tua mulher (a minha mãe) tem sido sempre um apoio presente na minha vida e na do neto e pese embora a sua doença, as diversas passagens pelo hospital, continua a ter força para viver e conviver connosco. Como escreveu um camarada do meu batalhão num texto muito bonito sobre a mãe – para todas as mães – reconheço que algumas das rugas que ela tem, possam ter sido causadas por mim, pelo tempo que estive na guerra, mas olha que outras devem-se a ti, por teres partido tão cedo e sabes que tiveste alguma culpa nisso (maldito tabaquinho).

A nossa Lisboa continua linda e o Tejo, com o qual tanto conviveste, em virtude da tua profissão (Conferente Marítimo), está hoje mais perto da cidade, numa aliança muito importante para os lisboetas.

Preocupação tem-nos dado o nosso Benfica, que está um pouco longe do que era no teu tempo, mas eu e o Daniel mantemo-nos fiéis ao clube que, aos Domingos, indo contigo ao antigo Estádio da Luz, aprendi a amar. Sabes que o teu neto é Mestre em artes marciais (Taekwondo Do) e dá aulas, especialmente a miúdos, tendo começado também no SLB e já conseguiu alcançar alguns títulos com eles.

Pai, estou a invocar-te aqui no blogue da minha companhia, porque tu também foste um mobilizado para África. Um, entre os muitos milhares que a Pátria foi lançando para as terras bravas e quentes daquele Continente. Foste um soldado português, como nós fomos. O país, como aos combatentes da 1ª Grande Guerra, onde o meu avô também esteve, aos do teu tempo, aos da Índia e a nós combatentes da guerra colonial, nunca nos agradeceu, porque é ingrato ou, se calhar, também não mereceu tanta brava gente.

Um abraço saudoso de teu filho. Um dia, quando Deus quiser, iremos voltar a abraçar-nos.
Luís Dias

3. Comentário de L.G.:


Como o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca é... Grande! Os nossos dois velhotes foram contemporâneos no Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde... Não sei se foram no mesmo navio, não devem ter ido... Nem deviam pertencer ao mesmo batalhão... O meu velhote chegou ao Mindelo a 23 de julho de 1941 e o teu cinco dias antes: 18 de julho... Era 1º cabo inf, nº 188/41 (1º Pelotão, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5 - Caldas da Rainha)... Passou os últimos quatro meses, hospitalizado, no Lazareto, e regressou à metrópole em setembro de 1943... O teu ainda lá penou mais 7 meses! Vê, entretanto, se descobres, na caderneta, a que batalhão é que ele pertenceu...


Luís, parabéns pelo texto que escreveste e que eu não conhecia! É de uma grande ternura e cumplicidade!... Infelizmente, o teu velho já partiu mas as tuas memórias dele não se perderão. Temos um dever de memória em relação a esta geração, a dos nossos pais,  que também defendeu a pátria até aos confins do império... Um grande Alfa Bravo. LG


PS - Há mais expedicionários em Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial: além do teu pai e do meu, o pai do Nelson Herbert, o pai do Hélder Sousa e ainda o pai do Augusto S. Santos (poste a publicar em breve).
 ______________

Nota do editor:


Último poste da série > 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)

sábado, 24 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9651: Blogoterapia (203): O Meu Pai (Joaquim Mexia Alves)


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), fundador da Tabanca do Centro, com data de 20 de Março de 2012:

Para os meus camarigos
A propósito do dia do pai, partilho convosco este texto.
Um abraço do
JMA


O MEU PAI

O meu pai era um homem alto, forte, uma figura que chamava a atenção, tanto mais que tendo nascido em 1899, não havia muita gente do seu tamanho, naquele tempo.

Se bem me lembro nunca o vi fazer uso desse seu tamanho para impor fosse o que fosse, mas era antes um homem calmo, ponderado, de quem emanava uma forte autoridade, sustentada por um testemunho de vida coerente com tudo aquilo em que acreditava.

Tendo servido cargos de Estado, nunca se serviu deles, (até por eles terá sido prejudicado), tal como nunca foi contra os seus princípios, sendo um homem livre e independente, nunca permitindo que as suas obrigações colocassem em causa a sua coerência de vida.

Não me lembro de o ouvir alguma vez gritar, mas impunha-se pela sua presença e autoridade imanente.

Embora lhe tivesse um enorme respeito, um quase temor reverencial, sempre senti nele, apesar da austeridade de tratamento, um amor forte, profundo, paternal, que me fazia sentir seguro não só no momento, mas também no futuro.

O meu pai “transformava-se” nas festas de família, sobretudo no Natal e na Páscoa.

Parecia-me que nesses dias se aproximava de mim, (“falo” por mim, mas julgo que o que escrevo poderá ser subscrito pelos meus irmãos), se tornava mais perto, mais terno, mais carinhoso, mais pai de amor, embora e sempre educador.

Muitos diriam ou pensariam que com um pai assim, austero e educador intransigente, a minha infância teria sido dura ou menos feliz.

Estão completamente errados, pois tenho saudades imensas da minha infância, da minha adolescência, do meu crescer suportado nos seus ensinamentos, em palavras e testemunho de vida.

Julgo até que seria impossível ter sido mais feliz!

Mas uma das suas características mais marcantes, para mim, era a profundidade da sua Fé!

Ainda a Igreja, (suponho eu), não tinha falado da família como “igreja doméstica”, e já, olhando agora para trás, eu vejo como o meu pai, (sempre com a minha mãe, claro), moldava a sua/nossa família como uma “igreja doméstica”, sobretudo nesses dias de festa religiosa.

Haveria tanta coisa para escrever, para testemunhar sobre o meu pai, que não pararia de escrever e tornaria este texto de tal maneira longo, que perderia o sentido que lhe quero dar: uma homenagem ao meu pai, para lembrando-me dele, novamente aprender com ele a ser pai nestes tempos tão difíceis que a família agora atravessa.

Mas uma coisa não posso deixar de testemunhar, pois é algo que ainda hoje em dia me toca profundamente.

Sendo, como afirmei no inicio, um homem “imponente”, quando entrava numa igreja para rezar, para participar na Eucaristia, tornava-se “pequeno”, como que desaparecia aos olhos dos outros, e durante todo aquele tempo nada o perturbava, numa comunhão intima com Deus, numa profundidade de oração que ainda hoje me toca e gostaria de imitar.

Hoje, apesar da minha idade, sinto falta da sua segurança, sinto falta da sua presença forte e conselheira, mas sei, no íntimo de mim mesmo, que tenho a sua contínua intercessão no Céu, junto de Deus, que foi a sua razão de viver, que foi o “segredo” da família que criou e moldou, de tal modo, que apesar dos tempos que se vivem, a marca de Deus pelo meu pai deixada, contínua viva no coração de todos nós, sua família, até naqueles que não vivem a fé no seu dia-a-dia.

Louvado seja Deus, pelo pai que me deu, pela mãe que me deu, pela família em que me fez crescer, e pela família que colocou nas minhas mãos de pai e avô.

Marinha Grande, 19 de Março de 2012

Nota:

O meu pai e eu.
Fotografia tirada em 1 de Dezembro de 1971, 20 dias antes da minha partida para uma comissão militar na Guiné.

JMA

(In Que É A Verdade?, página do nosso camarada Joaquim Mexia Alves)
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9597: (Ex)citações (177): Relembrando, em Mato Cão, no dia dos meus anos, a presença do então maj art José Faia Pires Correia, oficial de operações do BART 3873 (Bambadinca, 1971/74) (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 23 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9647: Blogoterapia (202): Louvo e peço a benção de quem vela por nós (Ana Paula Ferreira, filha do ex-1º cabo Fernando Ferreira, o cabo 14, da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66)

segunda-feira, 19 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)


Para o meu pai, Luís Henriques
(n. 1920, Lourinhã, ex- 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43) (*)
e para todos os pais,
os nossos pais,
que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte



Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás a chegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…
É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar de Nossa Senhora da Guia,
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto jovial pela anedota,
Pelo verso de improviso,
Pelo dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?
(Sempre brejeiro, sem nunca dizer um palavrão!)




Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Eu já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho,
Um dia de cada vez,
Sem dores,
Com o teu sorriso doce
E com o segredo da tua alegria
Que contagia(va) tudo e todos...
Queria que chegasses, para já,
Até o dia 19 do próximo mês de Agosto,
Dia dos teus anos,
Para a gente poder vcoltar a ouvir de novo os dois,
Numa cumplicidade pai/filho,
A tua coladera preferida,
Aquela que eu te ouvia cantarolar, desde miúdo,
Sem nunca entender, ao certo,  a letra em crioulo...
Lembras-te ?
Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode (**)...



Se calhar estou a ser egoísta,
Miseravelmente egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”…
(É assim que me tratas,
Sempre me trataste,
Por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Vou-te animando,
Vou-te desafiando para ir comer um peixinho,
Desafiando-te para ir ver o mar,
Não o mar azul da baía do Mindelo,
Aonde nunca mais voltaste, 
Mas o mar do Cerro da tua infância
Com as  Berlengas ao fundo...
Para limpar a vista, como  tu gostas de dizer... 
Anda, anda a tomar o teu café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Na Praia da Areia Branca...
Que eu vou pedindo a tua amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
Que no céu não há disto!”…


O que te prende à vida, meu velho,
Mesmo sabendo que és um homem de fé ?
A tua velha companheira,  
A minhã mãe,
A tua cachopa, agora muda e queda,
Ali a teu lado,
Na Senhora da Guia ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão
Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ir à vila,
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não jogas às damas,
Já não lês a Bola,
Já não ouves, na rádio,  o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo,
 Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”…


Já não corres, meu pai,
Grande ponta direita,
Velha glória de clubes de futebol
Sem história,
As pernas tramaram-te,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida,
Nos campos de futebol e fora deles…
Já não corres,
Mas ainda continuas a ganhar,
Meu velho,
A marcar pontos,
Meu camarada…
Os dos exemplos de bondade,
E de humanidade,
E de coragem
E de sabedoria,
Que eu gostaria de poder transmitir aos meus dois filhos
E aos meus netos (quando os tiver)…


Um bom dia do pai,
No Dia do Pai,
Para ti,
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!


Alfragide, 19 de Março de 2012
Luís Graça

2. Já que estamos numa homenagem ao(s) pai(s), ao(s) nosso(s) pai(s), a todos os nossos queridos pais, feita a duas, quatro seis, múltiplas mãos, aqui fica, ao cair do dia, a mensagem carinhosa que os meus dois filhos, Joana e João, quiseram deixar no nosso blogue, no Dia do Pai...

Amigos, camaradas, camarigos: Entendam-na como a expressão dos sentimentos de todos os nosso filhos, já que uma das nossas máximas é justamente essa: "Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são"... (LG)

Para o nosso Pai:


Chegámos a casa e não parámos de chorar pela bonita homenagem que fizeste ao teu Pai! 


Pai!, como consegues tocar no coração das pessoas com as tuas palavras, o verso curto, a palavra certa, o sentimento todo, certeiro?!


Pai!, como consegues adivinhar o que sentimos nós, também, a sofrer ao longe, mas a pensar que os outros são fortes, quando afinal a todos o coração enfraquece.


Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, que disse que quem não viveu não pode viver.


Pai!, e o avô viveu e deu a viver, e viverá para sempre nas nossas histórias, aquelas que tu e nós vamos contar aos nossos filhos, sim, por que ser avô é uma bênção, e queremos dar-te essa alegria também.


Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, escondida, mas forte pela subtileza e bondade.


Pai!,  vamos levar nas nossas vidas a celebração da vida através da poesia embrulhada de afetos.


Com afeto,


Joana e João


Alfragide, 19 de Março de 2012

3. Magnífica lição sobre a música popular urbana de Cabo Verde, por parte do nosso amigo Nelson Herbert [ jornalista, VOA - Voice of America, Washington, DC, filho de um camarada do meu pai, velha glória do futebol caboverdiano e guineense, Armando Lopes, mais conhecido por Búfalo Bill] que, do outro lado do Atlântico, se apressou a responder ao meu pedido de tradução da letra da coladera Velocidade (que faz do álbum da Cesária Évora, Voz d'amor):

Caro Luís:


Antes de mais, votos de rápidas melhoras para o seu "Velho"...


De facto esta sarcástica coladera é do tempo da vivência do seu "Velho" em S. Vicente, é da década de 40/50, anos em que fez um estrondoso sucesso...

Época áurea do Porto Grande de Mindelo, dos marinheiros dos navios que aportavam à ilha, do corpo expedicionário, clientes dos bares e casas de música e "engates" famosas da ilha...


Sarcástica como praticamente todas as coladeiras, ela retrata no fundo uma espécie de sermão, com laivos de ciumeira, aparentemente dirigida à m'nina de vida, como se diria naqueles tempos... (Hoje simplificando, e falando politicamente correto, uma prostituta ou profissional do sexo).
Mindelo era conhecido na altura pelo seu Porto (Porto Grande)... Como diria o poeta italo-caboverdiano Sergio Frusoni, era o tempo em que os gatos eram engordados à base da gemada ... e pelo seu intenso traáego portuário,  com todas as demais actividades paralelas,nomeadamente a prostituição !


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "O belo porto de mar de São Vicente; ao centro, o ilhéu [dos Pássaros] que se confunde com um barco. Outubro de 1941" [Foto de Luís Henriques, 1º cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5, Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, 1941/1943].


E de tão profícua atividade, a m'nina de vida tendia a sobressair-se... pelo seu ar sobranceiro e exibicionista...

E é, pois, reflectindo essa realidade que esta sarcástica coladera é feita.  Salvaguardando as expressões idiomáticas do crioulo caboverdiano, por vezes difíceis de traduzir, a tradução da letra desta coladera ficaria mais ou menos assim (Ver abaixo). Mantenhas. Nelson Herbert

Coladera Velocidade
Trad. para português: Nelson Herbert

E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim


[É melhor deixares-te desses disparates
antes que ganhes a alcunha de Velocidade.
Vê bem, que tudo que é forte
não deixa um dia de ter um fim.]


[Comentário: ... Um dia deixas de ser forte... No fundo, um dia com a velhice, ainda te cai a crista !]


(Bis)


Refrão


Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode


[Se tens estado a dar nas vistas, pela vida que levas,
eu cá não sei..
Se a tua vida, o que fazes ou (des)fazes ja está na boca do povo...
Nao fui eu o culpado, nada tenho a haver com isso]

(Bis)


Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital


[E lá vem ela de novo, qual donzela,  saracoteando,
Com toda a sua vaidade, estilo e charme
Que nem deu conta daqueles desgracados (supostamente os clientes habituais...)
Que algures numa esquina, observam-na e preparam-se para  disputar a sua companhia]...

________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série >  23 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7164: Meu pai, meu velho, meu camarada (24): Bijagós, memórias de menino e moço (Manuel Amante)

(**) Letra recuperada aqui, no sítio Vagalume... Letra da coladera tradicional,  Velocidade,  magistralmente interpretada por Cesária Evora (1941, Mindelo - 2011, Mindelo)  (Vídeo no You Tube disponível aqui)


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

(Bis)

 Refrão

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

(Bis)


Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital


 (Bis)

Refrão

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9421: O Nosso Livro de Visitas (124): Recordando as forças expedicionárias do RI 15 (Tomar) no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (1941-1943) (Adriano Miranda Lima, Cor Inf Ref)


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Hospital de São Vicente, fundado em 1899, no reinado do Rei Dom Carlos I (1889-1908). Foto do álbum do expedicionário, 1º Cabo Luís Henriques, nº 188/41 (1º Pelotão, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Caldas da Raínha). Natural da Lourinhã, onde nasceu em 19 de Agosto de 1920,  Luís Henriques tem hoje 91 anos e memórias muito vivas dos difíceis tempos que passou no Mindelo (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943).

Foto: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Todos os direitos reservados


 
1. Comentário, de um camarada de armas e leitor do nosso blogue, com data de 21 do corrente, ao poste P5109:

Luís Graça:


Sou Adriano Miranda Lima, coronel reformado, residente em Tomar, e nascido em Cabo Verde, S. Vicente. Não estive na Guiné, apenas em Angola e Moçambique.

Tive acesso ao seu blogue e só tenho razões para o felicitar efusivamente por esta belíssima e interessante iniciativa.

Revisitar estas saudosas memórias é recolocar a história no seu devido lugar e com ela reencontrar-se num abraço fraterno em que o coração se dá inteiro.

Como servi longos anos no RI 15 [, Tomar], aliás, a minha unidade de colocação, após o termo das comissões no ex-Ultramar, acompanhei sempre o convívio dos antigos expedicionários mobilizados pelo Regimento.

Algumas vezes coube aos expedicionários do RI 15 a organização do convívio, com participação dos camaradas de outros regimentos e unidades mobilizadoras. Cada "regimento" organizava o convívio de todos os que serviram em S. Vicente, [Cabo Verde].

Com o meu apoio pessoal, sendo eu então major, por duas vezes o convívio realizou-se no meu Regimento, em Tomar, e numa das vezes ele foi integrado nas comemorações do Dia da Unidade. Noutra ocasião, foi num restaurante em Tomar, e também estive presente, por simpático convite do elemento organizador, Sr. Francisco Lopes (Chico Concertina), infelizmente falecido há cerca de 4 anos. Dava-me muito bem com ele, e era sogro de um amigo meu, advogado.

Se estiver interessado em saber alguma coisa sobre o Batalhão que saiu de Tomar, terei o maior gosto em prestar informações ao blogue. Por acaso, publiquei um artigo num jornal online, sobre a memória desse batalhão. (**)

Há um blogue chamado Praia de Bote (nome de um local de S. Vicente), em que tenciono publicar uns spots sobre as forças expedicionárias a Cabo Verde. Como tenho poucas fotos, queria pedir a sua autorização para me servir das que constam do seu blogue respeitantes ao BI 5, que eram do seu pai. Apenas como ilustração. Naturalmente que me refiro a fotos de carácter genérico, não pessoais.

Apraz-me também registar o afecto e a admiração com que cultiva a memória do seu pai neste Blogue. (***)

Um abraço
Adriano Lima

[, criador e editor do blogue Ademos, cujo objetivo é a defesa do património ambiental e construído da cidade do Mindelo, São Vicente, Cabo Verde]



Blogue de Joaquim Saial, Almada, Portugal:

"A Praia de Bote é o genuíno coração do Mindelo. Sítio de catraeiros, lojas de aprestos marítimos (em desaparição), vendedeiras de fruta e legumes, botequins com cheiro a grogue, mancarra e tabaco americano, pescadores e seus botes, plurim d'pêxe (mercado de peixe), contrabandos vários, patifes de navalha afiada e também gente boa... Começa na velha Alfândega (hoje Centro Cultural do Mindelo) e termina na Torre de Belém (ou ao contrário...). É dela, da cidade e também da ilha onda se encontra que o blogue PRAIA DE BOTE trata".

Joaquim Saial é Professor e investigador de Arte e História. O blogue tem mais de 20 mil visitantes, desde o seu início (7 de fevereiro de 2011).

2. Comentário de LG:

Adriano, muito obrigado pelo seu comentário, pelo seu elogio ao nosso blogue,  mas também pelo seu pedido. Começando por este, disponha das fotos do meu pai, para os efeitos que julgar convenientes, citando sempre, naturalmente, o nosso blogue. (Temos, aliás, mais fotos de mais outros dois expedicionários, na série Meu pai, meu velho, meu camarada, nomeadamente do Ângelo Ferreira de Sousa e do Armando Lopes).

Todos temos o dever de memória, deixando às gerações seguintes notícias sobre a nossa passagem por este planeta que é único, o berço da humanidade, é a nossa casa, ou é a aldeia onde todos somos vizinhos... Cabo Verde e Portugal têm uma longa história em comum, além de uma língua. Eu tenho um especial afeto por São Vicente e, em particular, pelo Mindelo que um dia destes espero poder  finalmente conhecer ao vivo. (Não conheço Cabo Verde, de todo: estive apenas uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião da TAP que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970).

Transmiti, este fim de semana,  ao meu pai, Luís Henriques, (a caminho dos 92 anos) o seu interesse e o seu pedido. Até aos 80 anos, costumava ir ao convívios anuais da malta de Cabo Verde. Disse-me que nunca foi ao RI 15 (Tomar), a nenhum dos convívios dos antigos expedicionários, já que ele pertencia ao RI 5 (Caldas da Rainha). Em todo o caso, lembra-se bem das jogatanas de futebol, no Lazareto, entre uns e outros. Como também se lembra da epidemia de fome que assolou as ilhas, no tempo em que lá esteve (1941/43). O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943. Comove-se ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -,  para ajudá-la nas despesas do enterro.

Desejo-lhe, por fim, meu caro Adriano, a si e aos seus amigos,  todo o sucesso na defesa do património daquela terra mágica, o Mindelo, berço de grandes poetas, músicos e cantores.
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5109: Meu pai, meu velho, meu camarada (18): Do Mindelo a... Bambadinca, com futebol pelo meio (Nelson Herbert / Luís Graça)

(**) Vd. excerto do artigo de Adriano Miranda Lima no jornal Liberal, "on line",

edição de 31 de Março de 2009:

Adriano Miranda Lima > Tropas expedicionárias a Cabo Verde durante o período da Segunda Guerra Mundial - Memória que perdura

(...) Como é sabido, Portugal não teve qualquer envolvimento na Segunda Guerra Mundial, tendo optado por uma posição de neutralidade que se manteve ao longo de todo o conflito. No entanto, sabedor da importância estratégica das suas ilhas atlânticas, nomeadamente os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde, alvos apetecidos por qualquer dos contendores, Portugal entendeu que seria curial guarnecer aqueles territórios com forças militares suficientes para dissuadir qualquer veleidade por parte dos beligerantes. O conflito assumira uma dimensão considerável no Atlântico e aqueles arquipélagos eram, com efeito, detentores de elevado potencial estratégico, sobretudo do ponto de vista aero-naval. Uma fraca presença militar de forças nacionais poderia indiciar um sintoma de desleixo, susceptível de encorajar uma ocupação estrangeira à revelia do direito internacional, em manifesto atropelo da soberania portuguesa.
 
O Regimento de Infantaria nº 15, de Tomar, foi das unidades do exército que enviaram forças expedicionárias a Cabo Verde. Conheço muito bem o historial deste Regimento por nele ter servido durante longos anos. E é assim que me capacito a divulgar a curiosa memória afectiva que os expedicionários deste Regimento de Infantaria desde sempre vêm cultivando e perpetuando. A par de outros Regimentos do Exército, competiu ao Regimento de Infantaria nº 15 organizar e mobilizar para Cabo Verde um Batalhão de Infantaria (cerca de 800 homens). As quatro companhias do Batalhão ficaram instaladas em S. Vicente e S. Antão, tendo partido de Portugal agrupadas em três contingentes. O primeiro embarcou em Portugal em 19 de Outubro de 1941, o segundo em 17 de Novembro do mesmo ano, e o terceiro em 8 de Janeiro de 1942.
 
Mas este acontecimento teria sido mais um episódio normal da história militar portuguesa não tivesse marcado indelevelmente o espírito dos antigos militares, sobretudo a classe de praças (soldados e cabos) e os oficiais e sargentos milicianos (serviço obrigatório). Os capitães já eram na altura homens maduros (quarentões) e habituados às andanças e contingências da vida militar, pelo que é natural que o impacto emocional das grandes “aventuras” tocasse mais a faixa etária dos vinte anos. O facto é que, desde a sua desactivação, os ex-militares que serviram no citado Batalhão vêm promovendo reuniões anuais em almoços-convívio para recordar a sua passagem por Cabo Verde, nomeadamente pelas ilhas de S. Vicente e de S. Antão, por onde se distribuíram as suas companhias.
 
Estive presente num desses convívios, pela primeira vez em 1986, pela circunstância de o mesmo ter sido realizado nas instalações do Regimento de Infantaria nº 15, por convite do seu Comandante. Competiu-me, na altura com o posto de major, ser o oficial a apoiar a organização desse evento, que se inseria nesse ano nas comemorações do aniversário do Regimento, condição que me permitiu assistir do princípio ao fim à confraternização dos ex-militares.

O leitor nem imagine a satisfação daqueles homens quando lhes disse que eu era cabo-verdiano de origem. E isto porquê? Porque, quando se juntam, a intenção é celebrar a memória de uma experiência militar vivida na intensidade anímica dos seus 20 anos, mas também recordar e celebrar a terra cabo-verdiana com eflúvios de uma saudade que eu não imaginava possível.  (...).
 
Um deles, Francisco Lopes, na altura cabo, era um exímio acordeonista (ainda hoje anima as romagens de saudade com o mesmo instrumento), e, como tal, fazia parte de grupos de animação recreativa em S. Vicente, juntamente com outros músicos da terra, frequentando as festas e os bailes das colectividades. Tanto assim foi que aprendeu, e ainda se recorda bem de mornas então em voga que ele recupera e interpreta nestes convívios, acompanhado por outros intervenientes.

Mas achei digno de registo o facto de muitos deles fazerem questão de introduzir nas suas conversas expressões em crioulo, demonstrando que não foi em vão o seu convívio com as gentes cabo-verdianas. São inúmeras as histórias que se contam nestes convívios, citando-se amizades contraídas com cabo-verdianos, namoricos com raparigas da terra, nomes de ruas, praças, botequins, enfim, um reportório variado de emoções e aventuras que a sua memória regista como as mais indeléveis recordações das suas vidas (...).

(...) Mas há um nome cuja memória estes homens veneram. Trata-se do capitão Fernando de Magalhães Abreu Marques e Oliveira, [1903-1975,] comandante da 3ª Companhia do Batalhão, recordado como oficial de alta competência e dotado de grande espírito humanitário. E então recordam que, naqueles tempos difíceis, em que grassava a fome em Cabo Verde, vitimando muita gente entre a população (como bem sabemos), o capitão Oliveira, condoído com aquela dramática situação, ordenou a montagem de um conveniente serviço de distribuição de sobras de rancho (alimentação das praças) às pessoas que se acercavam da portão do quartel. A certa altura, reparando que o número de necessitados crescia a olhos vistos, disse ao Sargento do Rancho que tinham de maximizar as sobras de alimentação. Perante as dúvidas do subordinado, explicou-lhe que era preciso “inventar” todas as situações administrativas e recursos possíveis. O Sargento mostrou-se então com dúvidas, mas a pertinácia do seu capitão não permitia qualquer hesitação ou tibieza. Sublinho que este facto foi-me contado, emocionado, pelo próprio Sargento interveniente, que era na altura um jovem furriel miliciano, infelizmente hoje já falecido.

O capitão Oliveira era, de facto, de uma natureza humana invulgar, um homem de grande nobreza de carácter e estatura moral, às ordens de quem nunca servi, mas que sempre ouvi citado pelas suas altas qualidades humanas e profissionais. Faleceu de morte súbita em 1975, já general reformado, tendo no seu cortejo fúnebre um número infindável de antigos subordinados. Todos os anos, estes veteranos do ex-Batalhão Expedicionário aproveitam o convívio para cumprir uma romagem ao jazigo do cemitério de Tomar onde estão os restos mortais do seu “capitão”. Ele era filho desta cidade de Tomar. Escusado é dizer que me venho incorporando no séquito de homenagem, em intenção a um oficial de estirpe, mas, sobretudo, em nome de todos os meus conterrâneos a quem o oficial mitigou a fome com a sua atitude de grande compaixão e solidariedade humana.

Registe-se que o gesto humanitário do capitão Oliveira em prol dos necessitados em S. Vicente não tardou a ser seguido por outros comandantes das companhias destacadas na ilha de S. Vicente. Creio que por longos anos ficou gravada na memória dos pobres e desprotegidos do Mindelo a figura humana do valoroso capitão. Um homem que aparentava um ar sóbrio e mesmo severo, mas que tinha um coração de ouro, do tamanho do mundo. Havia uma rua em Mindelo que se chamava rua Infantaria 15, provavelmente uma homenagem da cidade por tudo quanto foi aqui referido. Ainda me recordo dessa rua, mesmo no centro da “morada”, que hoje terá certamente outra designação toponímica. Provavelmente, o nome de algum estrangeiro que nenhuma relação teve com Cabo Verde e a cidade do Mindelo.

Num breve apontamento, resta referir que o Batalhão de Infantaria 15 regressou a Portugal em Julho de 1943. Seria interessante citar outros factos do seu historial, em meu poder, mas não o faço para não saturar este texto. No entanto, não deixo de referir que o comandante do Batalhão, major Nicolau de Luizi, faleceu por doença em S. Vicente, em pleno exercício do seu comando. Realizou-se então um cerimonial militar fúnebre em S. Vicente, mas a sua urna foi transferida para Portugal, estando sepultado num jazigo no cemitério desta cidade de Tomar, de onde era também natural. (...)

O capitão Oliveira era, de facto, de uma natureza humana invulgar, um homem de grande nobreza de carácter e estatura moral, às ordens de quem nunca servi, mas que sempre ouvi citado pelas suas altas qualidades humanas e profissionais. Faleceu de morte súbita em 1975, já general reformado, tendo no seu cortejo fúnebre um número infindável de antigos subordinados. Todos os anos, estes veteranos do ex-Batalhão Expedicionário aproveitam o convívio para cumprir uma romagem ao jazigo do cemitério de Tomar onde estão os restos mortais do seu “capitão”. Ele era filho desta cidade de Tomar. Escusado é dizer que me venho incorporando no séquito de homenagem, em intenção a um oficial de estirpe, mas, sobretudo, em nome de todos os meus conterrâneos a quem o oficial mitigou a fome (...).

(***) Vd. último poste da série >22 de janeiro de 2012 >  Guiné 63/74 - P9386: O Nosso Livro de Visitas (123): Fernando Gomes Pinto da CCAÇ 4945/73 (Guiné, 1973/74)