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sexta-feira, 15 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11259: (Ex)citações (214): Ainda a Operação "Aquiles Primeiro" (Manuel Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2013:

Caros Luís e Vinhal
Ainda relativamente à operação Aquiles Primeiro, como tenho algumas fotos dessa operação, vou enviar e dizer mais alguma coisa sobre o assunto.

Como já disse em comentário, no início de Fev/69 veio para Teixeira Pinto o CAOP sobre o Comando do Coronel Pára Alcino Ribeiro e os Majores Passos Ramos e Magalhães Osório e as seguintes forças:
- CCP 121 e 122,
- DFE 3 e 12
- 16ª CCmds

passando a depender operacionalmente do CAOP:
- CCaç 2366 
- CCaç 2444 
- CCaç 2446 
- Pel Caç Nat 58 e 59 
- Pel Mil 128 e 130

Todas estas forças começaram a actuar conjugadamente em todo o sector durante quase todo o mês de Fevereiro.

O IN do Churo e da Caboiana, de facto, no primeiro dia da operação teve algum sucesso, mas a partir daí sentiu-se acossado e passou a andar dividido em pequenos grupos e sempre em movimento.
Pela nossa parte, 2366, fizemos várias operações sem grandes resultados e felizmente também sem baixas a não ser no dia 21 de fevereiro em que encontramos um acampamento que destruimos tendo apanhado quatro armas entre elas um RPG2 e abatido os seus portadores.

O regresso ao quartel foi complicado porque fomos deparando com pequenos grupos que nos iam emboscando e nos obrigavam sempre a gastar munições, muitos de nós chegaram a Jolmete com meia dúzia de balas no carregador.

Podem ver nas fotografias da chegada que os nossos camaradas que ficaram no quartel estão na porta de armas à nossa espera, ora isto não era normal, mas como eles no quartel ouviam o tiroteio e os rebentamentos muito seguidos, e nós como vínhamos acelerados, não comunicávamos com o quartel e eles não sabiam o que fazer nem o que nos estava a acontecer.

Até já próximo do quartel comunicamos e daí esta recepção. Para os homens do Jol: Manel Resende, Augusto Silva e Firmino, de quem me estou a lembrar e sei que ao verem estas fotos vão ver gente que eles bem conheceram, os valentes milícias de Jolmete que e como quase sempre também na chegada vêem na frente.

As minhas homenagens a todos os camaradas que perderam a vida naquela maldita guerra.
Que descansem em paz.

Caros Luís e Vinhal estão à vontade para fazerem com este material o que muito bem entenderem.

Um forte abraço.
Manuel Carvalho

Chegada com a Milícia na frente

Nas duas fotos, a partir da esquerda: Manuel Carvalho; Dandi, Comandante da Milícia e o Martins

A partir da esquerda: Martins, Pereira, uma bajudinha e Manuel Carvalho já com uma garrafinha vazia na mão

 ____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 21 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11129: (Ex)citações (213): Cameconde, hoje seria um lugar de absurdo, de pesadelo e de loucura... (Alexandre Margarido, ex-cap mil, CCAÇ 3520, Cacine e Cameconde, 1972/74)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10858: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte VII): Subsetor de Empada: atividade operacional em julho e agosto de 1968




Guiné > Região de > Empada > julho de 1968 >  Material apreendido ao IN no decurso da op Quidação.

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados.


1. Continuação da série do Manuel Serôdio (, camarada que vive em Rennes, Bretanha, França), sobre a história da sua companhia, a CCAÇ 1787 (*)

Julho de 1968

Operação Quidação

Situação:

A região definida pelo entroncamento das estradas de Buba-Catió, Empada, rio Arijô, Saucunda, e Batambali Balanta, são percorridos por grupos inimigos. Em tempos, haviam sido referenciados acampamentos inimigos em Saucunda Balanta, destruidos pelas nossas tropas, e em Bissete, próximo da bolanha, destruido pelos parauedistas.

O inimigo encontra-se organizado em força, na região de Aidará e Cã, tendo já por diversas vezes flagelado com morteiros de 82, e metralhadoras pesadas, as nossas tropas que atuavam na zona.

É provável que o inimigo ali possua um acampamento secundário, funcionando como posto avançado, em relação à área de que detém o controle, praticamente desde o início do terrorismo.

Missão:

Bater a área anteriormente referida, destruindo os acampamentos que fossem detetados, e aniquilar ou aprisionar os elementos inimigos que se revelassem.

Forças executantes: (i) 4 grupos de combate da Companhia 1787; (ii) 3 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

As nossas tropas sairam de Empada cerca das 21 horas, prosseguindo até Batambali Balanta. Neste local, as forças irradiaram para os locais onde se tinha préviamente estabelecido a montagem das três emboscadas. O dispositivo estava montado pelas 5,30 horas. À medida que o dia clareava, começam-se a ouvir bastante perto, tiros isolados, parecendo provenientes de elementos inimigos a caçar. Cerca das 6,30 horas, um grupo inimigo passou conversando a cerca de 500 metros de uma das emboscadas. Às 6,40 horas um grupo inimigo de cerca de 15 elementos que seguia pela estrada de Catió, provavelmente o anterior referido, caíu na emboscada das nossas tropas, na área de Saucunda Beafada.

O inimigo caminhava com três elementos à frente, e os restantes em fila indiana. As nossas tropas deixaram-nos entrar na zona de morte e iniciaram a emboscada com fogo de bazooka, que imediatamente pôs fora de combate dois elementos inimigos. As nossas tropas desencadearam fogo rápido e brutal, que só não foi mais eficaz  por os elementos inimigos terem a mata cerrada, onde se refugiaram a dois passos. Efetuado o assalto, capturou-se o seguinte material.

1 Pistola Metralhadora Sudayev
141 Cartuchos para Pistola Metralhadora 7,62
4 Carregadores para Pistola Metralhadora
1 Almotolia para Óleo
1 Porta Carregadores de Pistola Metralhadora
Vários objetos de uso pessoal

O inimigo sofreu 3 mortos, 1 ferido grave, 1 ferido ligeiro

As nossas tropas não sofreram baixas

Para além das baixas inflingidas ao inimigo, o facto de pela primaira vez, a Companhia de Empada ter capturado uma arma na área de Aidará, o que ainda não tinha acontecido desde o início do terrorismo, causou extraordinário regozijo entre os elementos da Companhia de Milícias e da população, e contribuiu para elevar o moral das nossas tropas.
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Cartão de Boas Festas do tempo de Guiné... O Mamuel Serôdio mandou-nos também as boas festas de França, onde vive desde 1972


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Operação Queiroz

Situação:

A região de Caur de Baixo Balanta é frequentemente percorrida e patrulhada por grupos inimigos mais ou menos numerosos, que também com muita frequência cambam a bolanha de Cancumba, e vêm flagelar Empada e Ualada, ou arruinar as culturas da população de Empada. Há muito estão referenciados acampamentos inimigos em Iangqê, e de um modo geral, o inimigo possui vários acampamentos secundários, mais ou menos dispersos em toda a península da Pobreza. Esta península, por assim dizer, é controlada pelo inimigo desde o início do terrorismo.

Missão:

Patrulhar ofensivamente a área de Cancumba Beafada e Caur de Baixo Balanta, montando neste último local, uma rede de emboscadas.

Forças executantes: (i) 3 grupos de combate da Companhia 1787; (ii) 3 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato. Detetados vários vestígios de passagem do inimigo

Durante este período, regressou à Unidade o grupo de combate da Companhia 1791, que se encontrava a reforçar o sub-setor de Empada.

Agosto de 1968

Atividade operacional. (i) Patrulhamentos e picagem diários às estradas para o Cais e Ualada, e à pista de aterragem; (ii) Segurança aos barcos e aviões que demandaram Empada; conjugados com emboscadas (4) (iii) Segurança aos trabalhos agrícolas

Operação Naipe

Situação:

A península de S. Miguel Balanta, hà muito tempo que não é patrulhada pelas nossas tropas. Nela, parecem existir algumas cambanças de canos, que os grupos inimigos vindos de Cã e Aidará, utilizam, embora não muito frequentemente.

Antes da evacuação de Ualada, o inimigo desta zona costumava flagelar o destacamento.

Missão:

Bater a área anteriormente mencionada, montar uma rede de emboscadas, aprisionando ou aniquilando os elementos inimigos que se revelassem às nossas tropas, quer durante a batida ,quer durante as emboscadas.

Forças executantes: (i) 2 grupos de combate da Companhia 1787; (ii) 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato nem vestígios.

Operação Quarentão

Situação:

A região de Caur de Cima, Beja e Bijante, embora não seja direta e frequentemente atingida pela atividade inimiga, desde Março último que não é patrulhada pelas nossas tropas. O inimigo desenvolve intensa atividade, patrulhando constantemente a região (um pouco mais ao sul) do cruzamento da estrada Empada-Buba, com a estrada de Caur de Cima.

Missão:

Bater a área acima referida, montar uma rede de emboscadas, aprisionar ou aniquilar os elementos inimigos que se revelassem às nossas tropas, quer durante a batida quer durante as emboscadas

Forças executantes; (i) 2 grupos de combate da Companhia 1787; (ii) 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato nem vestígios.

(Continua)
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10758: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte VI): Subsetor de Empada: atividade operacional em junho e julho de 1968

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10696: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte III): Um operação com baixas de um lado e outro (2ª sequência): uma evacuação em helicóptero Alouette II


Foto nº 20


Foto nº 19


Foto nº 14


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 8



Foto nº 7



Foto nº 9



Foto nº 10


Foto nº 11



Foto nº 12

Foto nº 1


Foto nº 1  (do lote "Guerrilheiros mortos" )



Foto nº 2 (do lote "Guerrilheiros mortos" )


Guiné > Região de Tombali > Guileje > > CCAÇ 726 (out 64/jun 66) > s/d > Uma "operação militar"... Segunda (e última)  parte... 

Não se percebe, na ausência de legendas, se o burro ou mula é um despojo de guerra (foto nº 20). Sabemos que nessa época o PAIGC usava animais de carga para transporte de armas e munições, nomeadamente no norte da Guiné (região do Oio). A foto nº 20 sugere "partilha de despojos", depois de um bem sucedido assalto ao objetivo (*)... 

A foto nº 19, tudo indica que seja de um guerrilheiro morto nesta operação. Já as outras duas fotos (nº 1 e 2) do lote "Guerrilheiros mortos", não temos a certeza se dizem respeito a esta operação... É muito provável até que não. Por outro lado, não é nossa intenção chocar ou melindrar os nossos leitores mais sensíveis: é bom não esquecer que estávamos em guerra, e que há alguns fotográficos de camaradas nossos que documentam esse facto...

Também não temos a certeza se todas as fotos dizem respeito à "mesma" operação... As fotos nºs 5,6,7,8, 9, 10, 11 e 12 formam uma sequência lógica e cronológica: houve pelo menos um ferido (, africano, provavelmente milícia,) das NT, ferido esse que é levado em maca improvisada até a uma clareira na mata (fotos nºs 5 e 6), esperando a chegada de um heli; o local para o heli pousar em segurança  é devidamente sinalizado por granada de fumos e panos vermelhos (fotos nºs 7,8, 9 e 10); a seguir, um outro ferido (que parece ser um soldado metropolitano), é  levado às costas (foto nº 11), e colocado numa espécie de maca afixada na parte lateral esquerda do heli, um AL II, portanto do lado de  fora, e evacuado  para o HM 241 (Bissau) (foto nº 12).

 É-nos mais difícil perceber o que se passa na foto nº 14 (abertura de uma cova ?) e sobretudo na foto nº 1 (restos humanos ? material do IN escondido ?). (LG)

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. [Editadas por L.G.]. Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Alberto Pires, mais conhecido por Teco,  natural de Angola, ex-fur mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)... A companhia esteve em Guileje entre Outubro de 1974 e Junho de 1966. Ocupou Mejo e mantinha lá um destacamento em 1965 (*).

As fotos que estamos a publicar pertencem a um lote que o Teco pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje e do nosso blogue (são mais de 60 fotos). Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas: (i) CCAÇ 726 (Guileje); (ii) construção de abrigos (Guilje); (iii) destacamento de Mejo; (iv) operação militar; e (v) guerrilheiros mortos (neste caso, são apenas duas as fotos disponibilizadas)...


Estas fotos que publicamos hoje, têm a ver com uma "operação militar" (não se sabe onde nem quando, de qualquer modo só pode ter decorrido  entre 1964 e 1966,  durante a comissão da CCAÇ 726, numa  época em que ainda se usava o capacete de aço). São 20 imagens no total, numeradas de 1 a 20, e que foram todas editadas por nós, com vista à melhoria da sua resolução e qualidade. 

Não sabemos qual a ordem lógica e cronológica destas 20 fotos, pese embora a sua numeração. Presumimos que as NT partiram de Guileje, e progrediram até um objetivo IN (*). Houve contacto, mortos e feridos, helievacuações, destruição de uma tabanca (ou acampamento temporário: parece-nos mais verosímil ser uma tabanca, uma vez que há estruturas de adobe, paredes, cobertura de capim...).

Nesta segunda sequência mostra-se o resto das fotos, incluindo uma notável sequência de uma helievacuação: na época, 1964/66, ainda não havia o heli Alouette III, apenas o II (**)... Não sabemos se o contacto havido na altura com o IN, aconteceu  no assalto ao objetivo ou no regresso a Guileje. 

Peço tanto ao Teco (que esperamos venha a aceitar o nosso convite para integrar formalmente a nossa Tabanca Grande, e que tem um fabuloso álbum fotográfico sobre a Guiné, estimado em 500 fotos)  como ao Carlos Guedes (, nosso grã-tabanqueiro, e também camarada do Teco na CCAÇ 726), que nos ajudem a esclarecer esta e outras dúvidas.  

De qualquer modo, são imagens, muito sugestivas, que valem por si e que nos ajudam a recordar muitas das nossas operações efetuadas nas difíceis condições do teatro de guerra da Guiné.

_________________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10690: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte II): Um operação com baixas de um lado e outro (1ª sequência)

(**) Sobre o Alouette II vd os seguintes postes:





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968).

Fotos: © Alberto Pires (Teco)./ AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.



7 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5420: FAP (38) : O helicóptero Alouette II ou uma arrepiante viagem na 'montanha russa' até ao HM 241 (Jorge Félix)


(...) Como o teu Blogue, já nosso, tem antes de mais, a qualidade de recordar para tratar, vou falar do Heli onde aprendi a pilotar os "zingarelhos" e está numa foto deste P5417. A foto do Alberto Pires [Teco] era a BW [preto e branco] e eu dei-lhe uma coloração para se perceber melhor.

O heli era o Alouette II (dois). O que está na foto [, acima,] já tem rodas, os que conhecia eram todos com Patins. Nesta altura, os feridos eram transportados no "caixão" que eu destaquei a amarelo. Podes imaginar como arrepiante seria vajar, amarrado e bem amarrado, naquele cubículo do lado de fora da carlinga...

Cada um de nós teve o pior da guerra, (eu felizmente tinha whisky servido de bandeja à chegada na placa), mas um ferido evacuado num Heli Al II, deve ter tido a pior experiência da sua vida.

Como é que de um Blogue tão extenso fui dar importância a este pequeno acontecimento? (...)


23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970

(...) "A partir daí a guerra na Guiné estava instalada e assim que foi possível fomos colocadas na Base de Bissalanca, para o início das evacuações aéreas com enfermeiras. Havia os aviões Auster e os helicópteros Alouette II; nestes não nos era possível acompanhar de perto os feridos, os quais eram transportados fora do helicóptero, numa espécie de caixas colocadas por cima dos patins do heli, uma de cada lado. Nos Auster a maca quase entrava pela cadeira ao lado do piloto e na cauda do avião. 

"Felizmente mais tarde chegaram os DO-27 e os Alouette III, onde passámos a fazer inúmeras evacuações, adaptando e modificando os meios sanitários e a nossa actuação, com a finalidade de uma mais eficaz prestação de cuidados aos feridos, os quais iam sendo cada vez em maior número. Infelizmente tivemos que chegar a fazer evacuações no Dakota, quando havia ao mesmo tempo muitos feridos e a pista era adequada para a sua aterragem." (...) 

Vd. também Wikipedia > Aérospatiale Alouette II (em português)

(... ) O Alouette II é um helicóptero ligeiro, produzido, sob diversas versões, pelo construtor aeronáutico francês, SNCASE, que em 1957deu origem à Sud Aviation, em 1970 à Aérospatiale, em 1992 à Eurocopter e que em 2000 passou a integrar a EADS (...)

Foi o primeiro helicóptero do mundo, motorizado com turbina a gás a ser certificado para voo.

As versões militares eram usadas essencialmente em, fotografia aérea, observação, salvamento marítimo. ligação e treino. Na parte civil era usado essencialmente na evacuação médica principalmente em grande altitude, tirando partido do seu motor de turbina. (...)

domingo, 18 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10690: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte II): Um operação com baixas de um lado e outro (1ª sequência)


Foto nº 16





Foto nº 15


Foto nº 13



Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 17


Foto nº 18


Guiné > Região de Tombali > Guileje >  > CCAÇ 726 (out 64/jun 66) > s/d >  Uma "operação militar"...  Primeira parte...


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Alberto Pires, mais conhecido por Teco, O Teco, natural de Angola, ex-fur mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)...A companhia esteve em Guileje entre de Outubro de 1974 e Junho de 1966. Ocupou Mejo e mantinha lá um destacamento em 1965 (*).

As fotos que estamos a publicar pertencem a um lote de fotos que o Teco pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje e do nosso blogue (são mais de 60 fotos). Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas: (i) CCAÇ 726 (Guileje); (ii) construção de abrigos (Guileje); (iii) destacamento de Mejo; (iv) operação militar; e (v) guerrilheiros mortos...

Estas que publicamos hoje, têm a ver uma "operação militar" (não se sabe onde nem quando, de qualquer modo foi entre 1964 e 1966, na época ainda se usava o capacete de aço). São  20 imagens no total, numeradas de 1 a 20, e que foram todas editadas por nós, com vista à melhoria da sua resolução e qualidade. Não sabemos qual a sua ordem lógica e cronológica.  Presumimos que as NT partiram de Guileje, e progrediram até um objetivo IN.  Houve contacto, mortos e feridos, helievacuações, destruição de uma tabanca (ou acampamento)...

Nesta primeira parte mostra-se aquilo que presumimos que seja a progressão, penosa, difícil,  das NT até ao objetivo e depois a destruição dos meios de vida (moranças, etc.). No próximo poste mostraremos o resto das fotos, incluindo uma notável sequência de uma helievacuação (na época, 1964/66, ainda não havia o heli Alouette III, apenas o II)... Não sabemos se o contacto havido na na altura com o IN, foi no assalto ao objetivo ou no regresso a Guileje. Talvez o Carlos Guedes nos possa ajudar a esclarecer esta e outras dúvidas. De qualquer modo, são imagens,  muito sugestivas, que valem por si e que nos ajudam a recordar muitas das nossas operações nas difíceis condições do terreno, do clima e do teatro de guerra da Guiné.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. [Editadas por L.G.]. Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10576: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte I): Tabanca e destacamento de Mejo, 1965

domingo, 14 de outubro de 2012

Guiné 63/74 – P10531: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (21): Operação Outra Vez, objectivo: Iracunda

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 11 de Outubro de 2012:

Caríssimos Luís, Vinhal e M. Ribeiro.O que sai logo à ideia é enviar-vos um grande abraço, e este mail encontrar-vos em plena boa saúde.
Aqui vai mais uma página “ arrancada” do meu caderno de memórias “ Páginas negras com Salpicos cor-de-rosa”.

Passem bem
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

- 22 de Junho de 1965 (quase 1 mês de Guiné) -

IRACUNDA 
(ainda hoje, ao falar, há ainda uma residual sensação)

Foi o batismo de fogo da 816: mais de 20 minutos de fogachada em Iracunda. Julgo que toda a espécie de arma que o inimigo usava na altura em toda a Guiné, estava toda ali.
Não foi a minha primeira vez no mato mas lá que foi a primeira vez que chamei a Nossa Senhora lá isso foi!
Iracunda ao tempo era o verdadeiro braço armado da base de Morés, no OIO.

Localização de Iracunda, estrada Bissorã-Mansabá, a sul do Olossato e a NW do Morés, bastião do PAIGC no Oio. 
Vd. carta da Província da Guiné.
Legenda de CV

Certo dia então chegou a ordem para os 2.º e 3.º Grupos de combate prepararem-se para saírem para o Olossato. Não sabíamos, mesmo nós os Sargentos, qual seria o objetivo. Se bem que não estranhássemos (?) a falta de dados, uma vez que sabíamos que na guerra o sigilo tem toda a importância, ficamos na desusada expectativa quanto ao que nos estava reservado com a Operação Olossato. A ordem veio lacónica embora concisa, à boa maneira militar. Sem fazermos qualquer objeção (pudera!) ou simples pergunta (pr’a quê?), embora a nossa curiosidade nos incitasse a tal, vestimos uma vez mais o camuflado, armamo-nos como de costume e abalamos rumo às viaturas que se encontravam já alinhadas, à saída do aquartelamento de Bissorã, na direção da estrada para o Olossato, ali bem perto do edifício civil da Administração de Bissorã e da rotunda com um pequeno monumento no meio. O centro de Bissorã, afinal.

Encarávamos o trajeto com certo pessimismo, (periquitices) pois a estrada que liga Bissorã a Olossato tinha fama de aparecerem muitas emboscadas, principalmente na zona da “carreira-de-tiro”, nome que a tropa deu e que ficava sensivelmente a meio caminho até Maqué e que atravessava um local de capim muito denso, mesmo propício a uma cilada. Também nesta estrada era frequente aparecerem minas e fornilhos, dizia-se. Sabíamos também que era uma zona batida pelos terroristas da fortíssima base de Morés e que a estrada passava por Maqué, a meio caminho, onde algures também existia uma casa-de-mato.

No entanto, uma vez que esta nossa saída foi rodeada do maior segredo (o que até em Bissorã parecia não funcionar muito bem), havia toda a possibilidade de os não termos à perna, o que não queria dizer que, pelo menos, não tivéssemos de depararmo-nos com minas e outras quaisquer armadilhas. Assim, e como era de contar com isto, a estrada foi picada por uma secção e à vez. Porque a coluna levava à frente homens apeados - os picadores -, obrigava a uma progressão lenta, embora segura, quanto a minas.

Os cerca de 15 quilómetros que separavam Bissorã do Olossato, ou melhor até Maqué (~8-9 Kms.) , percorridos de tal forma, pareciam não ter fim. As secções alternavam-se à frente na picagem da estrada, e quando essa mudança acontecia, havia uma longa paragem da coluna, o que fazia ainda mais enervar.

O trajeto, o primeiro que fazíamos naquela estrada, que tão badalada era - já em Bissau, quando passamos por Brá, ouvíamos falar dela, pelos seus perigos -, foi feita no clima da maior “suspense” e expetativa. Os “longos” quilómetros foram-se então calcorreando até que chegamos a Maqué sem qualquer novidade.

Logo divisei do lado oposto e do outro lado do pontão (ponto de encontro) uma auto-metralhadora e alguns soldados de camuflado já muito coçado, muito queimados (era a velhice). Rostos queimados do impiedoso sol, grandes barbas e/ou bigodes, tudo aquilo denunciador de velhos amigos daquelas paragens. Eram elementos da Companhia de Artilharia n.º 566, a Companhia que estava sediada no Olossato. Tinham picado a estrada do lado deles e portanto dali para a frente já ninguém foi apeado, pelo que a marcha foi imposta pela velocidade das viaturas.

Alguns quilómetros volvidos, deparam-se então as primeiras moranças, outras mais, mais ainda e eis que nos aparece o aquartelamento de Olossato. Troncos de palmeiras já muito gastos a fazerem de paliçada em toda a volta do aquartelamento; abrigos de sentinela cilíndricos e em cone no teto nos 4 cantos do quadrado da fortificação. Tudo no entanto bem arrumadinho e cuidado. Troncos de palmeiras, chapa dos bidões da gasolina e barro da Guiné para encher, eram os materiais utilizados. Na ponta de um mastro, já bem dentro do quartel, bem alto, ondulava a bandeira portuguesa, orgulho nosso e a chama do nosso valor e coragem. Numa alisada chapa de bidão logo sobre a “Porta d’armas”, podia-se ler em letras e números bem grandes, pintados à mão e com relativa habilidade: “C. ART. 566”. Esta chapa estava bem ao alto e logo à entrada do quartel. Eram ali que moravam os “velhinhos” da 566, Companhia que tinha muita fama pelo valor evidenciado através de êxitos e mais êxitos por aquela temerosa zona do Oio.

Tive mais tarde ocasião de o assim constatar, ao trabalhar com eles no mato.

Poucos meses atrás, pouco antes de virmos para a Guiné, tinham eles tido um formidável êxito na base de Morés. Aprisionaram entre 2 a 3 toneladas de material de guerra entre ele diversas e valiosas metralhadoras pesadas.

Aquele cenário no Olossato fez-me lembrar logo os filmes de cow-boys do western americano: muros construídos com trocos de palmeiras, cavalo-de-frisa e arame farpado a embrulhar tudo, e homens armados de carabina (diga-se G3) e em tronco nu e bem queimados; barbas, barbichas e exóticos bigodes e muita descontração; chão vermelho e poeirento também.

Olhei em redor a ver se encontrava por ali algum conhecido, mas não encontrei ninguém. Ouvi então risos e palmadas nas costas, mesmo atrás de mim. Virei-me e era o Zé Baião que tinha encontrado um seu conterrâneo eborense e amigo. Este era o Furriel Martins. Conversaram, riram, mas não era preciso haver conhecimentos, pois ficávamos logo em família sempre que se davam estes encontros. O Martins usava um chapéu à cow-boy, mais um dado característico dentro daquela encenação.

Receberam-nos muito bem e logo se aprontaram a arranjarem-nos comer na messe deles. Embora fosse da praxe, os visitantes serem bem recebidos pelos seus anfitriões, o certo é que os camaradas da 566 foram inexcedíveis em gentilezas, pelo que, viríamos a manifestar o nosso reconhecimento com grande ênfase. Ficamos desde o primeiro minuto a gostar daquela maralha e, diga-se de passagem, que também conquistamos a simpatia deles. Almoçamos então em clima de grande confraternização e depois de contarmos, e principalmente ouvirmos as aventuras da malta ali na Guiné, fizemos uma partida de futebol na parte da tarde.

O pequeno campo de futebol dentro do aquartelamento do Olossato que ficava junto às messes quer dos Oficiais quer dos Sargentos onde, antes umas horas de irmos à base de Iracunda, jogamos à bola com a malta da 566. A casa atrás da baliza seria mais tarde a secretaria da 816 onde estava o saudoso 1.º Rodrigues (falecido cá e já com alguma idade - paz à sua alma) e o desenfiado do “Boavista”, sempre com o Primeiro a perguntar-nos onde andava este, …na bola quase sempre. A casa do lado direito, já civil, e fora do aquartelamento, julgo ser a casa do Sr. Fodé, nativo,vendedor de panos e outras miudezas e apetências nativas.

Ao fim desta, fomos então, nós os da 816, chamados ao nosso Capitão (não foi preciso lembrar-nos que não fomos ali para jogar futebol) e por ele fomos postos ao corrente da nossa missão, agora com a informação em detalhe. O objetivo era para nós desconhecido, mas que lá ia ficar bem no nosso conhecimento lá isso ficou. Os velhinhos da 566 já o conheciam, e bem o notei logo no olhar apreensivo dos que iam alinhar com a gente, que tal refúgio não era nenhuma pera doce. Diante de um mapa estendido sobre uma mesa, fomos então elucidados pelo Alferes Victor da 566 coadjuvado pelo nosso Capitão, quanto ao efetivo do inimigo, seu armamento, quantidade e posição dos sentinelas, dispositivo que nós íamos adotar, etc., etc. A hora de saída do aquartelamento foi fixada para a 1 hora da madrugada. Objetivo: IRACUNDA!

Nada nos dizia (a nós os da 816), mas, só até lá chegar…

Depois da operação ficamos com a certeza que na verdade Iracunda era uma grande base terrorista, talvez até mais bem operacional do que a de Morés, isto dito também pelos da 566 e pelo chinfrim que houve também.

As lavadeiras do Olossato evidenciavam bem como a Guiné era muito fértil em boa fruta

Por gentileza de um colega Furriel da 566, dormitei um pouco na cama dele, acumulando energias, até à hora da partida. O jogo da bola tinha sido um grande desgaste, mas como havia o maior segredo, esse desgaste não foi poupado. Nesta altura, calmamente e com tempo, foi-me preparando. Peguei na minha G3, verifiquei o funcionamento da culatra, apalpei os carregadores nas cartucheiras, fixei bem a fivela do cinto do camuflado e fui beber um pouco de café. Um pouco de bagaço também para aquecer e a malta foi aparecendo. A noite estava com um intenso luar. A coluna foi-se formando no maior dos silêncios e, como autómatos, depois de tudo verificado, guarnições de “bazooka” e de morteiro, pessoal indígena carregador de granadas, nativos voluntários (de Mauser”!!) etc., fomos deixando Olossato no sentido oposto aquele pelo qual tínhamos vindo de manhã de Bissorã. A operação Iracunda tinha-se iniciado.

Olossato ia ficando para trás e a sua iluminação ia-se assim reduzindo para dar lugar às trevas. Como sempre, calculávamos o tempo de maneira que chegássemos às imediações do objetivo (refúgio) algumas dezenas de minutos antes da hora previamente combinada para o assalto. Servia tal interregno para nos refazermos um pouco da caminhada e ultimarmos também pormenores (se necessário), sobre o assalto. O facto de na maior parte das vezes chegarmos muito cedo às proximidades do objetivo devia-se também à progressão ter sido feita sem sobressaltos, nomeadamente do guia não nos ter feito andar às voltas, como não raras vezes acontecia, e que o tempo previsto também contemplava estes tipos de atraso mais ou menos previsíveis. Com o dito descanso, recuperávamos da caminhada e as nossas condições quer físicas quer psicológicas (sem nos vermos livres do nervoso miudinho, contudo), eram bem melhores. Até que chegamos junto de uma zona mais ou menos descoberta mas com folhagem suficiente para nos encobrir e camuflar uma vez sentados ou deitados. Estávamos ao longo de uma sebe e a escuridão da noite fazia o resto. Teríamos os cantares dos variadíssimos pássaros em breve a denunciar o nascer do dia.

(A descrição seguinte, em itálico, que faz parte integrante da narração desta operação “tirei-a” para introito do livro das minhas memórias - “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”- e nessa qualidade já saiu no Blogue (post 1809). Para aqueles que não gostam de ver coisas repetidas, as minhas desculpas)

"Eram 4 horas e meia da madrugada quando paramos. Fazia noite, noite escura. Já tínhamos andado um bom par de quilómetros.

Olhares que se interrogam e… era a espera.

Era aquele terrível espaço de tempo que se repetia sempre em todas as operações de “Golpes de mão”. Era aquela inquietante altura do tempo que nos punha na maior tensão e ansiedade. Era o aguardar da hora H, a hora do assalto ao refúgio inimigo e era ao mesmo tempo o retempero das energias gastas ao longo da caminhada.

Algumas dezenas de metros mais adiante estava o inimigo, oculto, algures acoitado naquela densa e emaranhada mata. A obscuridade dava às árvores e à sua folhagem feições de figuras fantasmagóricas e assustadoras. Estávamos todos reunidos, uns sentados, outros deitados, outros ainda nas posições que mais lhes apeteciam. Havia o maior silêncio, apenas cortado por um ou outro pigarrear inevitável ou pelo estalar de folhas secas provocadas pela mudança de posição deste ou daquele.

De olhos extasiados, circunspectos e de músculos contraídos, entreolhávamo-nos e parecia interrogarmo-nos: Como vai ser?..., Haverá surpresa?..., Conseguiremos o objetivo?, ou estarão eles já alertados e à nossa espera com uma emboscada montada?

Eram estas as pertinentes interrogações que nos martelavam o cérebro numa expectativa profundamente emocional. Que pesadelo!!... Não, naquela altura não éramos seres humanos, sentíamos e pensávamos como irracionais, quais animais selvagens prontos a atacar a presa.

Estávamos ali para matar, sim, matar, matar o semelhante, só que este tratava-se do inimigo, que, também… nos queria matar.

…E chegou a hora!!

O dia começou a nascer. Era na semi-obscuridade a altura ideal para atacar. Em pé e como autómatos tomamos as posições iniciais de fila indiana e a coluna retomou a marcha. Os cuidados agora redobravam-se. Era a etapa final, a curta etapa que precedia o ataque. As armas foram tomando nas mãos a posição adequada e os cuidados de progressão cingiram-se ao máximo.

De repente, inesperadamente, soa um tiro!... e foi o começo! Foi como que uma gigantesca trovoada então entoasse no silêncio da madrugada. As rajadas ouviam-se incessantemente; o matraquear da metralhadora pesada inimiga fazia-se destacar com as suas fortes detonações; os rebentamentos de granadas de “bazooka” e lança-“rockets” faziam-se aqui e acolá; o fogo era pleno… de parte a parte. A nossa reação, como que impelida por uma mola, foi imediata. Vi os soldados de dentes cerrados e feições crispadas apertarem com raiva os gatilhos, e trocarem os carregadores em movimentos nervosos mas calculados.

Foram 25 minutos de fogo cerrado e ininterrupto, e… embora lentamente, o inimigo foi cedendo… cedendo….

A peito descoberto e ainda debaixo de fogo, avançamos em “leque” em passos firmes e decididos na direção do refúgio inimigo que, entretanto, se põe em debandada, mas sem, no entanto deixar de atirar na nossa direção, com rajadas cada vez mais esporádicas e cada vez também mais distantes.

E o refúgio de Iracunda deu então lugar a gigantescas chamas que reduziram a cinzas aquela importante e estratégica base inimiga algures no Oio, zona de grande poderio e concentração inimiga.

O inimigo reagiu, e, de que maneira! Reagiu forte e decididamente!

Aliás foi o primeiro a atacar, pois tinha-se gorado o fator surpresa que contávamos, o que aliás acontecia em grande parte das vezes, e então emboscou-se aguardando a nossa aproximação.

O tal tiro era o sinal para abrir fogo.

Deram bem a noção da sua força, quer humana quer bélica. Tinham-nos também escapado, mas o seu tributo não tinha deixado de ali ser pago e de forma implacável: no chão, jaziam os corpos de três inimigos; três corpos despedaçados, por, presumivelmente, granadas das nossas “bazookas” ou dos nossos morteiros".

Foi uma terrível emboscada junto àquela base, e a atestar essa força, viu-se no que alguém da 566 nos disse já no regresso: “Eu já sabia que isto era assim, mas não convinha vos dizer”. Compreensivelmente aquiesci.

Depois do inimigo desbaratado e destruído completamente o seu refúgio, começamos a reagrupar as respetivas Secções. O intenso e demorado tiroteio tinha-nos tirado parte da lucidez e por momentos a malta viu-se desorganizada. O Capitão Riquito e o Alferes Castro tiveram mesmo que gritar para que a malta começasse a andar e ao mesmo tempo a reorganizar-se. As casas-de-mato mais importantes na Guiné (julgo) tinham também uma escola. A de Iracunda tinha a sua. Deu bem para ver. Os djubinhos das tabancas adjacentes não andavam ao Deus dará, não. Escola limpa, bem arrumada e asseada que indiciava muita disciplina e ordenação e que me ficou na retina.

Uma escola do PAIGC algures nas matas da Guiné. A que presenciei em Iracunda não fazia muita diferença no ordenamento, mas era mais simples e artesanal. Ao legítimo proprietário da foto a minha vénia pela reprodução aqui feita por mim.

Folhas de papel impressas, soltas (algumas podem ser vistas em reprodução de seguida) que recolhi para recordação (!!) que serviam para ensinar as crianças a escrever e a ler. As folhas que ensinavam o A E I O U e nas “entrelinhas” o incentivo ao combate aos colonialistas e à independência do povo nativo. Muito pedagógicas em todo o sentido.


Entretanto aqueles minutos de hesitação e desorganização permitiram ao inimigo o seu reagrupamento e o ensejo de fazerem ainda algum fogo bem dirigido àquilo que fora o seu refúgio e onde nos encontrávamos agora nós. Imediatamente ripostamos, embora que com poucas armas, pois estávamos desorganizados e até de algum modo desprevenidos. Ficamos a saber que era assim, quando o inimigo era desalojado reagrupava-se adiante umas dezenas de metros e agora disparava sobre os novos locatários do refúgio. Isto deveu-se mais à falta de experiência do que a outra coisa, pois se para o meu Grupo de combate era ainda o segundo contacto com o inimigo, para o 2.º Grupo era mesmo o primeiro. O inimigo “calou-se” então, se bem que tornasse a fazer-se ouvir através de tiros isolados e de muito longe, mais a querer dizer “até logo”. Começamos então a andar rumo à origem: Olossato.

Dada a resistência inimiga e às possibilidades de reagrupamento do mesmo, e uma vez que o nosso abandono do refúgio foi demorado, contávamos com emboscadas por o caminho. No entanto, e ao contrário do que era de supor, o inimigo não se emboscou, razão a que não foi alheia, concerteza, a impressão que lhe causamos com o destemido assalto ao refúgio ainda debaixo de fogo. E por vezes também haviam erros de cálculo. Talvez isto. Terá acontecido isso.

No regresso fomos queimando, sistematicamente, as tabancas e moranças que nos iam aparecendo, aliás como era habitual em análogas circunstâncias. Ao chegarmos a elas e como também invariavelmente acontecia, encontrávamo-las com um aspeto de recentemente abandonadas, portanto numa ação denunciadora de que ali habitavam terroristas ou pró-terroristas.

Completamente extenuados física e psicologicamente, chegamos junto do cruzamento, local, que como tinha ficado combinado, nos encontrávamos com as viaturas. Pousei o capacete no chão e deixei-me cair, deitando-me um pouco. Naquelas alturas que se lixe a guerra. O desgaste físico e psicológico fazia-nos olhar para o céu de forma absorta e descontraidamente. A segurança, se bem que em caso algum era de descuidar, não seria muito pertinente, pois estávamos muito perto do Olossato. E às vezes que se lixe a segurança também; queríamos era o chão para as costas e a lembrança: “Oh(!) Rui olha a nossa cervejinha à espera”, como me dizia muitas vezes no mato o meu amigo, Furriel também, o açoriano Vieira, falecido recentemente - paz à sua alma.

Iracunda tinha então ficado bem conhecida da 816. Chegados ao Olossato logo tratamos de regressar a Bissorã. Uma vez chegados aqui fomos logo “assaltados” por os colegas que ali tinham ficado, que nos “metralharam” com perguntas e mais perguntas, satisfazendo assim a sua curiosidade e o conhecimento de causa. Afinal a 816 tinha andado aos tiros pela primeira vez.

Compreensivelmente, fomos respondendo com maior ou menor humor, se bem que o que mais me apetecia era sentir o mais depressa possível a água a jorrar pelo corpo abaixo e de seguida abocanhar o gargalo de uma garrafa de cerveja bem fresquinha. Estas duas coisas (banho logo seguido de uma cerveja fresca ou, ao contrário, a maior parte das vezes - haja paciência!- era o nosso prazer e a nossa alegria quando chegávamos do mato. A operação “Outra vez”, que curiosamente até era a primeira para a 816, a Iracunda, marcou-me indelevelmente para sempre e porquê: Saraivada de fogo durante longos e longos minutos a abrir a nossa operacionalidade. Só em ficção e em filme tinha visto daquilo. Armamento atualizado e estratégia poderosa do lado do inimigo.

E carago(!), aquilo não era para brincar, vi que andava por ali muito quem me queria tirar o sarampo e sem me conhecer de lado nenhum e sem eu ter feito mal a alguém.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 – P10348: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (20): Um sapo com asas no Olossato

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (95): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)

1. Segunda parte da narrativa da "Operação Mamute Doido", trabalho enviado pelo nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária)  que participou nesta operação levada a efeito no fatídico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO ”MAMUTE DOIDO” (2)

Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu

António Dâmaso



Apesar de passados 39 anos e ter havido alterações da paisagem, agora com menos árvores e área de cultivo através desta imagem captada por satélite, a memória visual levou-me até ao local da emboscada de 23 de Maio de 1973. Lembro-me muito bem porque estive no local 4 vezes, por outro lado a carta topográfica neste pormenor é pouco elucidativa, nesta imagem pode-se compreender o porquê de toda a Companhia ficar debaixo de fogo, que os homens da frente estiveram sempre mais expostos. Mais dez, menos dez metros posso garantir que o local da emboscada foi este, as árvores mais grossas que lá existiam foram cortadas, tal como palmeiras e outras, as árvores de maior copa são muito poucas, restam apenas os arbustos e isto vem mostrar a rarefacção da floresta como se pode verificar através da imagem “que vale mais vale uma imagem do que mil palavras”.

Toda esta conversa só tem uma intenção que é repor a verdade dos factos, quando dizem que a emboscada foi na bolanha do Cufeu são imprecisos, porque bolanha propriamente dita, é aquela zona mais à frente sem vegetação onde passa a linha de água, em 1973 a Tabanca estava desabitada e o terreno inculto, nem sei se existiam lá algumas moranças.

Entre os mil e os quinhentos metros antes do Cufeu, depois de atravessar a estrada e descer a encosta, deparei-me com uma clareira enorme antes da bolanha, a mata circundante era muita rala e com árvores de reduzido diâmetro, palmeiras e outras árvores mais grossas eram muito poucas. Seguimos pela orla em direcção a uma ponta de mata mais avançada para a bolanha, para fazer a travessia da mesma na parte mais estreita, íamos com os sentidos alerta nomeadamente o primeiro homem, ciente que da sua capacidade de apuramento de três sentidos: visão, perscrutando todos os movimentos normais e anormais, o olfacto e a audição e que em grande parte, sabia que naquele momento os camaradas que o seguiam contavam com ele, daí que sentia a responsabilidade sobre ombros.

O primeiro homem, o Peixoto, era apontador de uma MG mas naquela operação levava uma HK 21 nova, em virtude da sua MG estar para reparação. Entrou na orla de uma clareira, a fronteira entre a mata e a clareira era quase inexistente, em virtude da raridade e espessura das árvores, detectou movimentações dos guerrilheiros a montarem o dispositivo da emboscada, não teve tempo de fazer quaisquer gesto  e abriu fogo imediatamente. Por azar a arma nova encravou-se logo, assim que a arma se encravou ele virou-se para mim muito aborrecido, lamentando-se disse:
- Meu primeiro, logo aqui é que me acontece uma coisa destas!

Quando se virou para mim foi atingido com um tiro no flanco direito, caiu de joelhos e ainda fez uma tentativa de desencravar a arma sem o conseguir e pediu-me que o tirasse dali.

Não podia ignorar um pedido daquele dirigido à minha pessoa, pois se ele o fez, lá tinha os seus motivos para o fazer. Embora o Peixoto fosse rebelde por natureza, havia respeito mútuo entre nós, aliás, como havia entre mim e todos os elementos do pelotão, até porque se eu fosse incumbido para realizar uma missão difícil, eu ia convidar os rebeldes porque apesar de não saber nada de psicologia, sabia que podia contar com eles até ao limite.

Nunca cheguei a saber o que tinha visto naquela emboscada para me solicitar que o tirasse dali, pois era auto-suficiente e aguerrido apesar da tenra idade, capaz dos maiores sacrifícios. A emboscada tinha rebentado, a Companhia ficou toda debaixo de fogo, em décimos de segundo avaliei a situação de risco, não pensei duas vezes, não havia tempo para pensar duas vezes, não podia deixar um homem meu que confiava em mim para o tirar ficar naquela situação. Saí detrás da árvore onde estava que não tinha mais de um palmo de diâmetro, corri para ele, agarrei-o para o trazer mas não tive forças suficientes para o arrastar mais ao armamento e equipamento que estava preso a ele. Vi-me na necessidade de pedir ajuda, o segundo homem, o Lourenço, foi imediatamente ajudar-me mas quando já tinha pegado no Peixoto, estávamos os dois de costas para a emboscada em progressão, foi atingido com um tiro na região posterior da cervical, ficando logo ali e só disse:
- Ai que já me mataram.

Fiquei cosido ao chão com o Peixoto encostado a mim e o Lourenço atingido do outro lado. Apesar do risco, o Ferreira de Carvalho, “o comprido” ou Vila de Rei, foi lá e ajudou-me a levar o Peixoto para trás do baga-baga, onde foi assistido pelo maqueiro Carvalho. Vi que tinha um pequeno orifício de entrada que quase não sangrou, sempre pensei que se safava, na altura muito embora tivesse um curso de primeiros socorros com a duração de uma semana, não tinha tempo nem os conhecimentos que tenho hoje para avaliar da gravidade de um ferimento, estava entregue aos cuidados do enfermeiro, eu naquele momento estava preocupado em sair daquela enrascada.

Os restantes homens do pelotão tiveram que se deslocar por lances, para a minha direita na procura de reagir à emboscada e ao mesmo tempo procurar protecção e foi aí que o Vitoriano foi atingido com um ou mais tiros que o atravessaram de flanco a flanco, segundo a versão de uns, mas segundo a versão de outros, foi quando procurou sair debaixo de uma árvore para ter ângulo tiro, isto por informação à posterior, uma vez que estava na minha retaguarda e não tinha ligação à vista de uma maneira ou de outra, lamento a sua morte.

Choviam morteiradas, roquetadas, canhoadas e tiros de armas automáticas, consta que tinham dois canhões sem recuo na emboscada, pois estavam à espera das viaturas, era um ruído ensurdecedor com tanto rebentamento, os nossos diminutos baga-baga iam ficando reduzidos drasticamente, os que estavam na parte de fora estavam alapados ao chão. Com o som ensurdecedor, fiquei com um zumbido permanente nos ouvidos que nunca mais me deixou e se tem agravado ao longo do tempo.

Além das baixas, tivemos algumas armas encravadas outras que não puderam ser usadas por falta de protecção dos atiradores, fui alternando a fazer fogo e falar no rádio, até que repentinamente chega junto de mim o Sargento Marques e larga o morteiro 60. No momento exacto que se baixa para deixar o morteiro, uma bala levou-lhe o chapéu camuflado, deixando-lhe um sulco de raspão no coiro cabeludo, desapareceu imediatamente para a posição dele, não me deu tempo de lhe perguntar nada.

Agarrei-me ao morteiro e comecei a “despachar” granadas para a zona onde estavam emboscados. Apercebi-me que as primeiras estavam a sair longas, eles estavam tão perto de nós que fui obrigado a quase endireitar o tubo para corrigir o tiro, em virtude da proximidade as granadas saiam quase na vertical. Enquanto tive granadas foi a despachar, o tubo do morteiro ficou muito quente, ainda me queimei mas sem gravidade, as granadas que pedimos em Binta deram-nos uma grande ajuda, depois comecei a fazer tiro de pontaria para um baga-baga onde vi vários guerrilheiros, só via sombras de um lado para o outro, pela movimentação é natural que estivessem a preparar a retirada, eles também me ripostavam da mesma maneira, o sol já estava baixo e dificultava-me a visão. Não sei se acertei em algum, os alvos não estavam estáticos, uma vez que não fomos lá ver, gastei as minhas munições todas e tive de pedir carregadores. Pensei em mandar uma granada de róquete, olhei para o lado, vi o apontador de RPG com a arma a seu lado, estava a esgravatar com as mãos para poder proteger a cabeça, não tive coragem de lhe perguntar se ainda tinha granadas, para o mandar expor-se mais, nunca o censurei porque se estivesse na pele dele teria feito o mesmo, provavelmente foi o que lhe salvou a vida pois à sua frente já não restava nada do bagabaga que tinha sido totalmente arrasado. Eu tinha começado a fazer tiro com a G3 e com o morteiro na posição de joelhos e já estava na posição de deitado, um tinha-me gritado:
- Meu Primeiro, tenho a arma encravada!

A minha resposta foi:
- Desencrava-a e deixa-te de estar para aí aos berros senão ainda te vêm apanhar à mão!

No momento compreendi que ele estava preocupado com a situação, mas não havia tempo para ir junto dele e explicar, fazes assim ou assado, havia que o acordar drasticamente para aquela realidade

Estávamos no mesmo lado da mata, mesmo no Cufeu e no ar andava o PCA (Posto de Comando Aéreo), bastante alto para estar fora do alcance dos mísseis, sabia que andava lá pelas comunicações que ouvia, aquele chamou apoio aéreo os Fiat, os pilotos afirmaram que tinham dificuldade em determinar uma linha de separação, foi aí que mandei colocar uma tela a indicar a nossa posição e a direcção do inimigo.

Entretanto deu-se o bombardeamento dos Fiat, foi muito providencial, porque os guerrilheiros terão pensado que atrás daqueles vinham outros e talvez, tal como nós, as suas munições também estivessem à beira de se esgotarem, ainda vi a retirada de alguns “turras” para o meu lado direito por uma picada que ficava junto à bolanha.

Foi um dia terrível, tínhamos uma sede horrível, vi homens a beber soro que era destinado a feridos, vi um urinar e senti um forte desejo de beber urina.

Fiz o que estava ao meu alcance fazer, os outros camaradas também fizeram o que puderam, enquanto estive com a adrenalina do combate a coisa correu bem mas quando este acabou, com o quadro que se me deparou, senti uma apatia momentânea como se não quisesse acreditar no que tinha acontecido aos meus camaradas. Estava com a ideia de organizar uma equipa e ir fazer uma batida ao local onde tinha estado a fazer tiro de pontaria, ao mesmo tempo pensei que por questões de segurança tinha de dar conhecimento ao Comandante da Companhia, depois o passa palavra que demorava muito tempo, ainda nos sujeitávamos a ser alvejados pelos nossos camaradas, tempo era aquilo que não dispúnhamos devido ao adiantado da hora, nesse momento veio uma ordem de cima, fazer macas improvisadas, mesmo assim ainda fiquei com a ideia de ir ao local a martelar-me na cabeça, mas depois o bom senso aconselhou-me que o melhor era sair dali rapidamente.

Era quase noite, o Comandante da Companhia mandou cortar varas para fazer macas improvisadas para o transporte de feridos e mortos, foi aí quando andava com os homens a escolher as varas melhores, que me apercebi da existência no local de esqueletos espalhados, e de uma estrada que não estava na carta, sem o saber, fomos ter mesmo ao local onde eles costumavam fazer as emboscadas, conhecedores do terreno movimentavam-se com rapidez.

O Comandante da Companhia deu ordens para que o pelotão que estava atrás de nós, avançasse para a frente para manter a segurança enquanto andávamos nos preparativos para transportar os nossos mortos e feridos.

O meu pelotão ficou inoperativo, dois mortos e um ferido grave para transportar, era um empenhamento de 15 homens, sobravam menos de 10. Desmoralizados por uma situação de que até ali não estavam habituados, era-lhes difícil entender porque antes eram evacuados por tudo e por nada e naquela situação, exaustos famintos mas mais grave ainda sedentos e desidratados, quase que a arrastar-se tinham que andar com os seus camaradas às costas. Fizeram-no porque existia aquele espírito de entreajuda, de irmandade e camaradagem entre combatentes, que caracteriza o ser humano nestas situações difíceis, dando-lhes forças para ultrapassar o limite e foi-lhe incutido na instrução, “que um pára-quedista depois de morto ainda faz dez flexões”.

O sol já se tinha posto, pegamos nos feridos e mortos, eu peguei num lado da maca do Peixoto e com três equipamentos às costas, entendi que naquele momento mais que mandar era preciso dar o exemplo. Aguentei até chegar ao Ujeque, enquanto os outros transportadores se foram revezando. Em Ujeque estavam os Fusos com viaturas, só aí é que conseguimos beber alguma água, sei que o Peixoto ainda chegou vivo a Ujeque, uma vez que o transportei até lá, os Fuzileiros que nos esperavam disseram estar admirados com a duração do combate, eles próprios já tinham tido um combate na zona, seguimos nas viaturas até Guidage onde chegamos já de noite escuro. Entramos pelo lado da pista, aí lembro-me que tive ordem para colocar o meu pelotão junto da vala, mais valeta do que vala, nas traseiras da cozinha perto do balneário, o 2.º ficou na vala que dava para a “pista”, onde mais tarde vieram a ser sepultados os militares falecidos.

Não cheguei a saber porque não fomos apoiados pelos obuses de Guidage, falta de munições, ou falta de lembrança?

Hoje é muito bonito dizer, temos de apostar mais na formação, a formação ajuda mas não é tudo, na altura se não estivesse debaixo de uma emboscada, tinha feito uma barragem de fogo e iam dois pegavam no ferido e tiravam-no para zona protegida, na teoria é muito fácil mas na prática é mais difícil, naquele dia caiu-nos um inferno de metralha em cima, improvisou-se.

Reflectindo sobre a maneira que os homens foram atingidos, o tiro que levou o chapéu ao Sargento Marques e ainda como me tentaram atingir, leva-me a crer que foram abatidos com tiros de precisão e que existia um atirador na emboscada, interrogo-me como não fiquei a fazer companhia àqueles bravos e chego à conclusão que se não fiquei lá, foi porque não tinha chegado a minha hora.

Saudações Aeronáuticas
Dâmaso
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 27 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (60): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

terça-feira, 3 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9700: Efemérides (86): Operação Topázio Maior - Páscoa de 1972 (Adriano Neto)

1. Mensagem do nosso camarada Adriano Neto (ex-Fur Mil da CART 3521 (Piche) e CCAÇ 11 (Paunca), 1971/74), com data de 29 de Março de 2012:
 
Quando regressei da Guiné, pensei que a maneira mais fácil de encerrar o capítulo de 25 meses de calor, sede, humidade, pó, abelhas, minas etc., seria rasgar todas as cartas, aerogramas, outros objectos e apontamentos que tinha trazido, ficando apenas com algumas fotos.
Foi o que fiz. A integração na vida civil tomou o seu rumo normal, sem qualquer mazela ou trauma de guerra.

O Luís que me perdoe, a ideia maravilhosa que teve, em criar e editar o Blogue, que comecei a acompanhar em 2009, mas que só em finais de 2011 passei a integrar, avivou-me memórias que estavam bem enterradas.
Deste modo, não resisto em partilhar com todos os ex combatentes da Guiné e em especial com os da CART 3521, a tão marcante “Operação Topázio Maior".

Como já disse, tudo o que me fazia lembrar a Guiné, foi destruído, assim peço a vossa melhor compreensão para alguma falha no meu testemunho.

Terminado o IAO tirado em Bolama, a CART 3521 chegou a Piche a 29/01/72, onde foi recebida de braços abertos pelo pessoal da CART 3332, Companhia que fomos substituir e do BCAV 2922.

Até 18/02/72 foi feita a sobreposição, sempre com o acompanhamento de grupos de combate da CART 3332, que se despediu de Piche a 19/02/72. Os primeiros vinte dias de acção foram tempo suficiente para percebermos que estávamos em zona de grande perigo, onde a qualquer passo o IN espreitava. Bastava recordar o malogrado dia 26/10/71, na estrada Piche-Nova Lamego a CART 3332 sofreu uma emboscada, onde morreram 4 dos seus homens e vários ficaram feridos.

Continuámos a nossa actividade, com grandes acções de patrulhamento, diurno e nocturno, bem como colunas a Buruntuma, Canquelifá, Nova Lamego, Bafatá etc.

“Zona de Guerra” (foi a mensagem deixada pelos companheiros da CART 3332, corroborada pelo pessoal do BCAV 2922: Buruntuma CCAV 2747, Canquelifá CCAV 2748 e Piche CCAV 2749).

Estávamos em finais de Março de 72, dois meses de acções continuadas, alguns quilómetros de patrulhamento e muitos mais de Unimog ou Berliet. Ainda hoje tenho consciência, que não seria ofensa para ninguém, se à data nos chamassem “periquitos”.

Com ou sem experiência, é sob ordem de alta patente, que muitas vezes era surda, cega e muda, que tínhamos que obedecer. Será que, com apenas dois meses de teatro operacional, seria razoável mandar tropas para a zona de Madina do Boé? Eles eram quem sabia… e sem escrúpulo, mandaram-nos para terras que ninguém gostou de pisar. Assim, com obediência, a CART 3521 teve o seu primeiro baptismo numa grande operação, de código “Topázio Maior” .



CRONOLOGIA “OPERAÇÃO TOPÁZIO MAIOR" 

Dia 31/03/72 (Sexta-Feira Santa)
É sob as ordens do Comandante de Sector que toda a Companhia ainda “periquitos”, partiu de armas e bagagens, para Nova Lamego, com o objectivo de participar na "Operação Topázio Maior", que se desenrolou nos chãos de Madina do Boé e tendo como missão o patrulhamento de Canjadude até Bilonco, eixo Ché Ché-Madina do Boé. Não sei se esta zona, depois do fatídico acidente de 06/02/69, que envolveu as CCAÇ 1970 e 2405 (Desastre de Ché Ché/Retirada de Madina do Boé), mais alguma vez tinha sido patrulhada pelas NT.

À data a (tragédia de Ché Ché) estava bem presente na memória de todos os combatentes CTIG. O pessoal da CART 3521 não foi excepção. Retomando o dia 31/03/72, nesse mesmo dia, o 4.º Grupo de Combate, escoltando o 28.º Pelotão de Artilharia, que nos foi apoiar, deslocou-se para Canjadude e restante pessoal pernoitou em Nova Lamego.

Dia 01/04/72 (Sábado de Aleluia)
O 1.º, 2.º e 3.º Grupos de Combate juntaram-se ao 4.º. Foi em Canjadude, terras da CCAÇ 5 e base de apoio para esta Operação, que os comandos da CART 3521 detalharam ao pormenor o que foram os dias seguintes.

Estávamos em plena época seca, o sol tórrido que fazia subir os termómetros até aos 35º, a zona despovoada para onde íamos seguir, obriga-nos a redobradas atenções, com explicação detalhada a todos os intervenientes, como com coragem e determinação devíamos enfrentar os piores cenários que nos pudessem aparecer.

Dia 02/04/72 (Domingo de Páscoa)
Pelas 7h30, com o apoio de um pelotão da CCAC 5, que foi incumbido de fazer a picagem, a CART 3521, deixou Canjadude e deslocou-se pela estrada de Ché Ché, em direcção à margem direita do rio Corubal. No percurso foram detectadas pelos homens da CCAÇ 5, várias minas anti-pessoais PMD6, no total de 16, sendo o pessoal especializado da nossa Companhia, que com grande sucesso, as desarmou e levantou. Cerca das 11H30, debaixo de um calor escaldante, chegámos ao rio Corubal. Tanto calor e um rio onde a água corria com abundância, convidavam a um banho, alguns soldados ainda o sugeriram, mas não, os perigos eram enormes e foi muito fácil controlar toda a gente.

É com o cenário das águas do rio, deslizando suavemente, que a Companhia se instalou no seu esquema de segurança, garantindo toda a tranquilidade aos homens, que iniciaram a montagem dos barcos, que minutos depois nos transportaram para a margem esquerda (Sul).

Sabíamos que estávamos em zona de domínio total do IN, o pessoal estava apreensivo, à memória de todos, veio o desastre de Ché Ché, pois estávamos no mesmo local e tínhamos que cambar as mesmas águas do Corubal, onde no dia 06/02/69 tinham perdido a vida 47 camaradas.

O ambiente estava pesado, diria mesmo fúnebre e tudo começava a ficar pronto, para que se desse início aos trabalhos, com passagem de toda a Companhia para a outra margem.

Inesperadamente, vindos do céu, ouvem-se ruídos estranhos. Para a maioria do pessoal, o roncar do motor dos T-6, era mesmo uma novidade. Para nossa segurança estes pássaros roncantes patrulharam na zona, toda a margem esquerda (sul) do Corubal, local para onde nos iríamos deslocar. Um T-6 fez mesmo um ou dois voos rasantes ao leito do rio.

Do mesmo modo que os T-6 apareceram, desapareceram! Silêncio absoluto. No rosto dos camaradas foram visíveis sinais de segurança e confiança. Foi dada ordem para avançar, não me lembro qual o primeiro Grupo de Combate que se fez aos barcos, mas foram estes homens na margem oposta e em terras de Ché, Ché que emboscados fizeram segurança, permitindo a continuidade da travessia. Pelas 13h30 foi concluído e ultrapassado este obstáculo. A CCAÇ 5, que fazia segurança aos últimos homens da Companhia que navegavam as águas do Rio, regressou a Canjadude, a CART 3521, já em chão de Ché Ché, seguiu a missão.

Em formação bem ordenada, cumprindo meticulosamente os ensinamentos transmitidos, progredimos em direcção a sul, até à margem direita do Rio Cauchã. Aqui, ainda com sol, sem qualquer incidente, nem sinais do IN, montou-se, conforme mandavam as normas a emboscada nocturna.

Dia 03/04/72 (Segunda-Feira de Páscoa e dia de Páscoa nas terras de muitos dos que compunham a CART 3521).
Com o despontar do sol, deu-se início ao levantamento da emboscada. Um sol escaldante, água a conta gotas, zona totalmente deserta, inimigo que era dono e senhor daquelas terras, era o que constava no detalhe da Operação. Com este puzzle bem definido, iniciámos o patrulhamento em direcção ainda mais a sul, rumo ao monte de Bugafal. Aqui, quando contornávamos em fila de pirilau, o monte pelo lado esquerdo e utilizado o velho meio de comunicação, “palavra passa palavra” foi dada uma ordem de paragem, com indicação que seria necessário informar o Comando Superior, da nossa posição no terreno. A Companhia ficou parada conforme seguia, se não me falha a memória, a posição no terreno dos Grupos de Combate foi a seguinte: à cabeça o 3.º do qual eu fazia parte, seguido do 1.º, 2.º e 4.º.

Expectantes aguardávamos a ordem para avançar, mas esta tardava a chegar. Ouviram-se dois rebentamentos seguidos de dois tiros, logo verificámos que era fogo de armas da nossa tropa. Exactamente. Os tiros foram de G3, os rebentamentos de granadas defensivas. Não tivemos qualquer dúvida, algo de anormal se estava a passar. Segundos depois chegou a informação; situação gravíssima! Estávamos a ser flagelados por um violento ataque de abelhas que atingiu fortemente metade da Companhia, 1.º e 2.º Pelotões, com especial incidência, no nosso querido Agostinho Mendes, homem das transmissões que com a antena do Rádio deve ter tocado nos bichinhos, estes sem hesitar abateram-se sobre ele e não mais o deixaram fugir. Viu-se desesperado e terá pensado que com o rebentamento das granadas resolvia o problema, sem êxito, sem forças e carregado de dores, terá posto a G3 em posição automática e disparou dois tiros no peito, ao nível do coração.

Com o ataque deste exército natural, que eram aos milhões, metade da Companhia fugindo dos insectos, abandonou completamente a zona. Afastaram-se tanto, que cerca de 20 homens perderam totalmente o contacto com o restante pessoal. Com esta flagelação, executada pelos principais aliados do IN, a Companhia ficou operacionalmente reduzida a dois grupos, um à frente e outro atrás do foco do ataque. Tínhamos muita gente dispersa na mata e completamente perdidos. Havia necessidade de os encontrar para que fossem reagrupados. Em poucos minutos formou-se um grupo de homens e iniciou-se uma batida de zona num raio de 2 quilómetros.

As horas passavam, estávamos no pico mais alto do sol que em brasa se abatia sobre nós. Cansados, extenuados, sem água e forças, lá se conseguiu reagrupar quase todo o pessoal, sim quase todo, faltava-nos ainda o Comandante do primeiro Grupo de Combate que continuava a monte. Este companheiro, já antes do ataque, manifestava sinais de grande fragilidade física, arrastando-se com dificuldade. Por esta razão, aquando da paragem, foi logo pedida a sua evacuação.

Com a chegada dos meios aéreos, foi-lhes solicitado que nos dessem apoio, para a localização do oficial que continuava fora do nosso alcance. Foi o piloto do bombardeiro T-6 que fazia protecção ao helicóptero que vinha fazer a evacuação quem detectou, a cerca de 2 quilómetros do local onde nos encontrávamos, o nosso camarada Alferes Jorge O. Martins. Seguindo as orientações dadas pelos pilotos do T-6 e helicóptero e graças à força, coragem e determinação do Alferes José António Novais, conseguimos recolher o camarada completamente desfalecido e brutalmente picado.

Informado do que se passou, o General António de Spínola, deslocou-se ao local, inteirou-se da ocorrência e autorizou a evacuação da vítima mortal, bem como dos feridos.

O cenário foi dramático, muitos companheiros; soldados, cabos, furriéis e alferes, estavam exaustos, sem forças e sem água para molhar os lábios, que de secos teimavam em se colar. Mas era preciso tratar dos feridos e dar início às evacuações por ordem de urgência, pois tínhamos combatentes, que com tantas mordeduras, estavam completamente irreconhecíveis, correndo risco de vida. Depois de prestada toda a assistência, chega finalmente a água que vinha em bidões, talvez por lavar, pois foram visíveis sinais de muita gordura. Mais limpa ou menos limpa, não era importante, precisávamos era do tão precioso líquido e esse brilhou aos nossos olhos.

Controlar tanta gente que quase morria de sede e manter toda a segurança, não foi tarefa fácil, valeu a ordem de comando dos que por força das circunstâncias, tinham sido mais poupados e ainda conseguiam manter a cabeça fria, para ir transmitindo a todo aquele pessoal, que estávamos à beira do abismo, logo a ordem foi; “manter rigor e segurança, cuidar de nós seria o mais importante”. Com muita ordem e moderação, o pessoal bebeu e encheu os cantis do tão desejado líquido.

Admitíamos que o número de evacuados fosse grande, mas só no fim das evacuações, pudemos apurar com rigor o seu total (25): Feridos graves (picadas de abelha) 4, insolação 15, astenia 2, paludismo 1, ataque cardíaco 1, epilepsia 1, mortos 1.

Os grandes aliados do IN, sem utilizarem armas de fogo provocaram uma tragédia. No momento contabilizávamos um morto, mas dado o estado crítico em que alguns companheiros foram evacuados, temíamos que mais pudessem vir a falecer. Felizmente que não e todos recuperaram. Com a Companhia reduzida a 2/3 do seu pessoal e o moral da tropa muito em baixo, o Comando-Chefe depois de informado de toda a situação, deu instruções para que a missão fosse alterada.

Por toda a movimentação dos T-6, bem como do vai e vem dos helicópteros, sabíamos que o IN nos teria bem identificados, tínhamos que sair dali rapidamente. Recebidas todas as instruções, o pessoal abandonou a zona, com uma alteração radical, do que anteriormente estava definido para a missão.

De novo em progressão, a Companhia com menos 25 homens, seguiu em direcção ao Rio Cauchã, palmilhou toda a sua margem direita, até à confluência com o Rio Corubal. Neste percurso avistámos pessoas na margem esquerda, supostamente seriam elementos afectos ao PAIGC, não deram pela nossa presença e nós evitamos o contacto. Continuámos o patrulhamento até ao ponto de altitude 72, aqui, já sem sol, montámos nova emboscada e passámos a noite.

Penso que ninguém passou pelas brasas, primeiro porque sabíamos que o IN andava por perto, segundo porque as duas bocas de fogo do 28.º Pelotão de Artilharia, que nos dava apoio na missão, toda a noite fez fogo com o objectivo de dissuadir o IN.

Dia 04/04/72 - Com o romper do sol e aproveitando o fresco da manhã, dirigimo-nos para o Ché Ché e dali para a margem esquerda do Corubal. De novo tivemos que repetir o que dias antes tínhamos feito. Na margem direita, aguardava por nós um grupo de combate da CCAÇ 5, que nos escoltou até Canjadude e daí até Nova Lamego. Aqui, aparentemente em segurança, pernoitámos em casa emprestada, de 4 para 5/4/72.

Dia 05/04/72 - Em coluna militar, regressámos ao Quartel General (Piche), sem qualquer incidente.

FIM DA OPERAÇÃO
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9290: Efemérides (62): A CART 3521 chegou à Guiné no dia 29 de Dezembro de 1971 (Adriano Neto)