Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 20 de Julho de 2008
Desde o dia 1 de Junho, a Rádio Comunitária Balafon tem melhores instalações. Fruto do impacto anterior das suas emissões para toda a zona compreendida entre Sedengal, Barro e Bigene, os jovens da comunidade de Ingoré meteram mãos à obra e construíram um edifício novo, abandonando as exíguas instalações cedidas temporariamente pela União dos Pequenos Agricultores de Ingoré.
Para além de ser uma fonte de informação de notícias locais e regionais, esta Rádio contribui decisivamente para a participação cívica e activa das organizações de agricultores, jovens e mulheres, tornando-as mais capazes para abordar as eleições legislativas que se realizarão em Novembro próximo.
O radialista Djalam Mané entrevista Maimuna Djaló, presidente da Associação das Mulheres “Nô Djunta Cabeça”, acerca das iniciativas que esta organização está a pensar levar a cabo para aumentar a produção de culturas alimentares.
Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 13 de Julho de 2008
Os participantes no Simpósio Internacional de Guiledje visitam a TVMassar, a primeira televisão comunitária da Guiné-Bissau a emitir por ondas hertzianas, cobrindo um raio de 20 Km à volta de Iemberém.
Isabel Buscardini, Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria da Guiné-Bissau, e Diana Andringa, jornalista portuguesa, recebem de Amarildo, Director da TV, explicações sobre a sua organização e funcionamento.
Com base numa equipa voluntária de jovens nascidos em Cantanhez, esta TV produz programas de informação, culturais, ambientais e de saúde que têm vindo a constituir uma referência para toda a população do sul do país.
Fotos e legendas: Cortesia de: © AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.
1. Damos início à publicação do
relatório de actividades de 2007, da ONG
AD - Acção para o Desenvolvimento, com quem mantemos desde finais de 2005 uma relação, franca, aberta, privilegiada, de cooperação, tendo como pretexto inicial o Projecto Guileje que deu origem, entre outras iniciativas que tiveram o nosso apoio, à realização do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008), e que abriu portas a outras iniciativas mais recentes, como por exemplo
a recolha de sementes.
Ao nível das individualidades temos sido tratados - de maneira generosa, convenhamos - como parceiros da AD. Sobre o nosso blogue, diz o seguinte o relatório de 2007 desta ONG guineense:
" [O] Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné [...] tem trazido para o seio da AD muitos camaradas que, para além de se interessarem pela recuperação da memória histórica antes da independência, se propõem colaborar com as iniciativas de hoje. O seu envolvimento na promoção do Simpósio de Guiledje é decisivo para o seu êxito".A publicação desta relatório não é uma mera cortesia nem um simples troca de galhardetes. A sua leitura vai-nos permitir aprofundar o nosso conhecimento dos problemas actuais da Guiné-Bissau, nomeadamente no campo económico, social e cultural. Ao mesmo tempo, ficamos melhor informados sobre (e, portanto, a poder conhecer e a valorizar) o notável trabalho que, com fundos comunitários, portugueses e outros, os nossos amigos da AD estão a fazer com as populações das suas principais zonas de intervenção, duas rurais (S. Domingos - Bigene, no norte; Cubacuré- Quitafine, no sul) e uma urbana (Bissau - Bairro do Quelele).
Dá-nos algum conforto saber que, pelo menos, a estas populações - que nós conhecemos no passado ou com quem nos relacionámos mais recentemente - chegam ajudas, conhecimento, tecnologia, modernidade, programas, ideias, dinheiro, solidariedade, esperança...É bom saber que na Guiné-Bissau há gente competentíssima, fantástica, generosa, guineense e estrangeira, a trabalhar com e através dos outros para que a palavra desenvolvimento não seja uma mera figura de retórica... Desenvolvimento, cidadania, direitos humanos, democracia, liberdade, solidariedade, cooperação... enfim, belas palavras que muitas vezes usamos em vão, ou de ânimo leve...
O citado relatório está disponível do sítio da AD, em formato pdf. Tem 24 páginas. Vamos reproduzi-lo em quatro partes, omitindo apenas as fotos. Tomamos a liberdade de inserir outras imagens, do nosso arquivo ou da própria AD. Uma única ressalva: a publicação deste relatório não significa concordância ou discordância de pontos de vista. Muito menos sugere qualquer tipo de ingerência na vida interna da Guiné-Bissau, o que nos é interdito pelas nossas regras éticas e editoriais.
O nosso blogue, enquanto comunidade colectiva virtual, não têm opinião sobre questões da actualidade, seja em Portugal, seja na Guiné-Bissau. O nosso propósito, como editores, é dar informação relevante sobre o que faz a AD, onde, porquê, com quem, como e com que resultados... Individualmente podemos ter as opiniões que acharmos justas e correctas sobre a metodologia de trabalho da AD, a sua filosofia de acção, os seus colaboradores, os seus programas, a sua eficácia e a sua eficiência, etc.
Esperemos que nos cheguem críticas, comentários e sugestões sobre este documento onde, obviamente, há trabalho colectivo mas onde também é notório o pensamento do co-fundador e actual director executivo da AD,
o nosso amigo Pepito, o Eng. Agrónomo Carlos Schwarz com quem estarei hoje em São Martinho do Porto. LG
2. AD -Acção para o Desenvolvimento: Relatório de actividades de 2007 > Parte ISubtítulos, revisão e fixação de texto: L.G.
A. O CONTEXTO POLITICOO ano de 2007 fica claramente marcado por uma má campanha agrícola,
caracterizada por um começo tardio da época das chuvas e a sua interrupção brusca no final.
Embora todo o país tenha sofrido as consequências desta situação, ela foi
muito marcante na zona litoral norte e ao longo de toda a linha da fronteira com o Senegal, nos sectores de S. Domingos e Bigene, onde por norma a queda pluviométrica é mais reduzida. Na pene-planície de Varela, as bolanhas entre Sucudjaque e Djufunco viram as suas produções de arroz drasticamente reduzidas e em muitas situações as colheitas foram nulas.
(i) O espectro da fome e a questão da segurança alimentarComo que de imediato, sobreveio a fome e os jovens iniciaram uma migração para os países vizinhos (Senegal e Gâmbia) e Bissau. A fome, ou se quisermos ser mais precisos o forte défice alimentar que daí resultou, veio trazer à ordem do dia a discussão sobre o contexto político global da segurança alimentar na Guiné-Bissau e a nível internacional.
Em meados dos anos 80, o Banco Mundial (BM) e o FMI, impuseram ao nosso país o chamado ajustamento estrutural e a liberalização económica selvagem: manda o mercado, dono e senhor do crescimento, que tudo regula e tudo dirige. Para quê pensar no aumento da produção de arroz e outras culturas alimentares na Guiné-Bissau, se é preferível apostar na exportação de castanha de caju e com a receita comprar arroz muito mais barato que o produzido localmente. Diziam eles, sem nunca o provarem.
Os técnicos e quadros que então discordaram e se opuseram, foram rapidamente apelidados de “profetas da catástrofe” pelos compadrios internos destas politicas. Nada como a memória para os mais esquecidos,
pabia di amanhã. A Guiné-Bissau virou de repente um cajual à beira mar plantado e o caju entrou na máxima força nos sistemas familiares de segurança alimentar.
Ao mesmo tempo que a área ocupada com caju ia crescendo exponencialmente, as superfícies dedicadas às culturas alimentares iam diminuindo. Qualquer agricultor prefere substituir uma cultura que lhe exige muito maior esforço físico e cujas produções estão dependentes de factores incontroláveis como as chuvas e as pragas, por um pomar em que os próprios frutos nem sequer necessitam de ser colhidos nas árvores, bastando enviar as crianças fazer a recolha no chão. É bom enquanto dá, mas quando o preço vem por aí abaixo é impossível transformar o caju em bianda.
Quando a política comercial é liberal, arriscamo-nos a colocar em concorrência os nossos produtos agrícolas a preços reais com os que vêm do exterior, devidamente subvencionados e a medir forças com quem tem capacidade de fazer dumping para conquistar mercados. Por isso não é de estranhar ver-se a maçã Golden a ser vendida habitualmente na jangada de São Vicente, ou a importar-se farinha de trigo, quando com a farinha de mandioca se pode fazer igualmente pão.
Será que, com este tipo de incentivos, os nossos fruticultores e agricultores se sentirão encorajados a produzir mais? É preciso que os nossos decisores procurem conhecer mais a micro-economia, compreender a vitalidade e dinamismo do sector informal, acompanhar mais de perto as preocupações sociais daqueles que podem garantir a segurança alimentar e não se esquecerem que a fome está na origem de muitas convulsões sociais representando uma autêntica arma de destruição massiva.
Hoje assiste-se à emigração descontrolada daqueles que são as principais vítimas das decisões e escolhas macroeconómicas e de um desajustamento estrutural: os jovens. Com o futuro comprometido, sem esperança e a viverem no limiar da fome, refugiam-se na miragem idílica de uma Europa acolhedora, progressista onde poderão ter uma vida digna e condigna. Emigram por necessidade e não porque sejam criminosos ou delinquentes. Se o fazem de forma “ilegal” é porque a História lhes ensina que, antes deles, muitos outros povos europeus emigraram da mesma forma para os Estados Unidos da América, para a Venezuela, para a África e até mesmo para França. Para não falar dos tempos da pirataria dos recursos naturais e da escravatura, em que a Europa chegava a África igualmente de forma “ilegal”, dizendo vir “dar novos mundos ao mundo” e “evangelizar e civilizar os indígenas”.
O que ontem pelos vistos era legal, hoje deixou de o ser...
(ii) O futuro da economia da Guiné-Bissau: Oportunidades e ameaçasIronia suprema, é ver a forma rápida e prestimosa com que alguns se prestam a fazer serviços de repressão aos “clandestinos”, a troco de campos fortificados em Varela e doações financeiras de vergonha, recusando seguir a posição do presidente argelino Abdelaziz Bouteflika quando afirma: “recusamos construir estes campos porque nunca seremos os estranguladores dos nossos irmãos”.
Mais grave ainda é quando alguns membros da sociedade civil embarcam nestes combates que não são nossos e denunciam a localização dos refugiados, apelando às autoridades policiais para a sua prisão e deportação. Reprimem-se os emigrantes e não os que transformaram a emigração num negócio em que as vítimas são exploradas duas vezes.
Infelizmente, tudo parece conjugar-se para que em 2008 a Guiné-Bissau assista a uma tensão social de origem alimentar, vitima das opções globais de certas multinacionais que fazem da fome negócio e dos seus próprios erros e opções internas.
Os factores internos que estão na sua origem, prendem-se com aspectos de ordem climática, atrás referidos, em particular a diminuição da precipitação nos últimos 30 anos e o muito mau ano orizícola de 2007, de origem económica com a omnipresença do caju como cultura de substituição do arroz e a queda do seu preço a nível internacional, de ordem social com o êxodo rápido dos jovens do campo para a cidade, a deterioração drástica do poder de compra as famílias, a desintegração de núcleos familiares e a redução da solidariedade nos centros urbanos.
A estes devem-se acrescentar os de ordem urbanística, em especial a rápida diminuição dos campos agrícolas e hortícolas na cintura de Bissau, para darem lugar à construção massiva de alojamentos, os de ordem agronómica com o desaparecimento de boas variedades saídas da pesquisa agrícola e do desaparecimento das redes de agricultores produtores de sementes e, finalmente, de ordem política com a falta de uma visão estratégica clara para a segurança alimentar, que vá para além da repetição de banalidades e lugares comuns por parte dos decisores.
Já em termos de factores externos, há a considerar que para certas multinacionais do ramo especializadas na venda de agroquímicos e sementes de transgénicos, a fome tornou-se um negócio muito lucrativo, ao qual se associam comerciantes que vivem da especulação dos mercados.
É preocupante ver organizações internacionais como as Nações Unidas, BM e FMI desenterrar velhas políticas como a Revolução Verde, de tão má memória para os pequenos agricultores africanos, e apostar numa “nova agricultura ao serviço do desenvolvimento”, em que os pequenos agricultores devem modernizar-se utilizando novas tecnologias para se integrarem no mercado internacional liberalizado, sob pena de se excluírem da actividade agrícola e serem obrigados a orientarem-se para empregos não-agrícolas ou emigrarem para os centros urbanos.
Persiste-se em medidas economicistas em vez de se propor uma visão da questão mais social, cultural e ambiental, preparando-se a nova moda dos “planos de acção” que nos irão submergir a todos, em vez de se afinarem e concertarem as políticas dos diferentes actores, públicos, comunitários e privados.
Na moda estarão agriculturas baseadas em produções de elevado valor acrescentado, em que já se fazem anunciar o uso de alimentos para biocombustível, um autêntico paradoxo no nosso país, isto para não considerar um verdadeiro crime contra a humanidade. Mais uma vez os nossos países a resolver as preocupações da alta de preços de energia nos mercados do norte.
Seria interessante analisar em que áreas e sectores, organizações como o PNUD, o BM e o FMI investiram nos últimos 20 anos na Guiné-Bissau e quais os resultados obtidos. Verificou-se um brutal desinvestimento na agricultura com a produção alimentar a ser inserida numa lógica de mercado, a desvalorização do papel fundamental das pequenas unidades familiares agrícolas na segurança alimentar e o abandono total dos programas de pesquisa agrícola, base da inovação e avanço da agricultura alimentar.
A todos estes desafios, impõe-se que a nível nacional se procure uma resposta baseada numa agenda própria que não seja subserviente às políticas dos grandes doadores internacionais, aproveitando-se este momento para se proceder a uma reflexão interna e revisão de políticas, não nos esquecendo que se o colonialismo durou 500 anos foi porque contou com conivências e beneficiários internos, tudo indicando que com a fome, assim voltará a ser enquanto os recursos naturais (petróleo, fosfatos e bauxite) só servirem interesses individuais.
(Continua)