([Reproduzido com a devida vénia de
Dicionário de História de Portugal, coordenação de Joel Serrão, vol. III. Porto: Livraria Figueirinhas, reedição de 1981, p. 180].
1. Com a devida vénia, e devidamente adaptado reproduzimos aqui um texto, interessante, didático, informativo, sobre a organização político-administrativa da Guiné, desde 1890 até à independência, texto esse disponível, em formato pdf, na página da
CART 1525,
Os Falcões (Bissorã, 1966/67). O documento é da autoria do nosso camarada José Gouveia, madeirense, ex-fur mil, e hoje advogado, fazendo parte de um livro, de mais de 200 páginas, sobre a Guiné, em pré-lançamento no sítio da CART 1525. Já aqui fizemos referência, em tempos,
ao livro ("Guiné-Bissau, de colónia a independente") e ao autor. Aproveitamos o ensejo para convidar o José Gouveia a integrar a nossa Tabanca Grande, e para mandar um grande abraço ao Rogério Freire que criou e mantém, com outros camaradas, o sitio, na Net, da CART 1525, e que é nosso grã-tabanqueiro da primeira hora (, ou seja, da I Série do nosso blogue).
Estatuto político-administrativo da Guiné
por José Gouveia [adaptado]
Em 1879 a Guiné separa-se de Cabo Verde. ´
Em
1890, passa a ter a categoria de
Província.O Governador é escolhido pelo Governo de Portugal. O poder autárquico limita-se aos municípios mais importantes (Bolama, Cacheu e Bissau).
Em
1892, passa a designar-se Distrito Militar Autónomo, com maior concentração de poderes no Governador, na sequência da derrota portuguesa face aos Papéis. Apenas Bolama manteve o estatuto de
concelho, embora uma Junta Municipal venha substituir a Câmara, e os respectivos membros passem a ser nomeados pelo governador. Bissau, Cacheu, Geba e Buba tornam-se comandos militares (1).
Em
1895, a Guiné regressa à categoria de Província por um decreto de 18 de Abril. Mantém-se em vigor o estatuto jurídico de 1892. Cabe ao
governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909) [,
contra-almirante, em 1934, e
chefe do Estado Maior Naval, entre 1934 e 1937, tendo nascido em 1872 e morrido em 1937] reorganizar a administração da colónia, mantendo, não obstante, a posição dos militares. Bolama continua concelho, enquanto Cacheu, Farim, Geba/Bafatá, Cacine, Buba e Bissau passam a
residências, sedes de destacamento, cujos comandantes assumem as funções militares e civis (2).
Em
1910, a residência de Buba divide cada um dos seus quatro
regulados (Bolola, Contabane, Cumbijã e Corubal) em
chefados, para maior facilidade no cumprimento de ordens e para reduzir a isenção no pagamento do
imposto de palhota (3) aos chefes as povoações.
Anteriormente as isenções excediam as 200 palhotas. Com esta nova medida exceptua-se do encargo apenas 25 dirigentes indígenas. Algumas dessas residências abrangiam extensas áreas de terreno nem sempre fácil de transpor. Em Dezembro de 1910, Bissau volta a ter comissão municipal nomeada pelo governador, a qual se mantém em funções até à eleição de 1918 (4).
Em
1912, em plena Repúblcia, dá-se uma nova reorganização pelo decreto de 7 de Setembro. A Guiné fica dividida em sete
circunscrições civis: Bolama, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Buba e Cacine.
Por razões de maior eficiência e falta de disponibilidade dos
administradores de Bissau e Bolama, pelo decreto nº 2742, de 7 de Novembro de
1916, há nova reorganização: dois concelhos (Bolama e Bissau) e nove circunscrições civis (Geba, Farim, Cacheu, Buba, Cacine, Bijagós, Brames, Costa de Baixo e Balantas)
Em
1917, a Carta Orgânica mantém a divisão anterior, continuando a reconhecer a autoridade dos
régulos e
chefes de povoação como delegados dos administradores. Cada um dos concelhos passa a ter uma Câmara Municipal com cinco vereadores eleitos. Cada circunscrição civil conta com comissões municipais, constituídas pelo respectivo administrador e por dois vogais eleitos.
Em
1921 e 1922 já existiam, para além de dois concelhos (Bissau e Bolama), 14 circunscrições: Domingos, Cacheu, Farim, Costa de Baixo (Canchungo), Brames (Bula), Papéis (Bór), Bissorã, Mansoa, Bafatá, Oco-Babú, Buba, Quinará, Bijagós e Cacine. [Observação: Vê-se que neste período de 1917 a 1922, Geba perdeu importância em detrimento de Bafatá].
Em
1927, já em plena Ditadura Militar, pelo diploma nº 329, de 3 de Setembro, as circunscrições são reduzidas para sete, na sequência da maior facilidade de comunicações, bem como da
pacificação da Guiné. Essas circunscrições são: Cacheu, Canchungo, Farim, Mansoa, Bafatá, Buba e Bubaque.
Não obstante algum tempo depois terem sido restabelecidas as circunscrições civis de Bissau e de Gabú Sara e o comando militar de Canhabaque, só em
1928 surge alteração mais pronunciada, justificada quer pela necessária compressão de despesas, quer pela procura de maior qualidade de organização, impedindo a continuação da fragmentação do poder. Desta forma, a Guiné passou a contar com quatro
intendências (Bolama, Bissau, Bafatá e Cacheu), subdivididas em doze
residências. Localmente há ainda outros órgãos de poder, como por exemplo o
juiz do povo (5).
Nos
anos cinquenta do Século XX, os principais centros populacionais eram Bissau (capital e sede do Governo), Bafatá, Bolama, Cacheu e Farim. Cada centro com cerca de 5 mil habitantes.
O Estatuto Político-Administrativo da Província da Guiné, de
1963, vem entretanto introduzir uma nova reestruturação administrativa. Na sequência da Lei nº 2.048, de 11 de Junho de
1951, que introduz alterações à Constituição da República Portuguesa, inclusivamente na parte relacionada com as
colónias que passam a chamar-se
províncias, bem como da Lei nº 2.119, de 24 de Junho de 1963, que aprova a
Lei Orgânica do Ultramar, é revisto e aprovado o novo
Estatuto da Guiné.
Pelo Decreto nº 45.372, de 22 de Novembro de
1963, assinado por Américo Deus Rodrigues Thomaz (Presidente da República), António de Oliveira Salazar (Presidente do Conselho) e António Augusto Peixoto Correia (Ministro do Ultramar), é aprovado o
Estatuto Político- Administrativo da Guiné, para entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de
1964.
A província da Guiné abrange os territórios indicados na Convenção luso-francesa de 12 de Maio de
1886 e delimitados por troca de notas diplomáticas em 29 de Outubro e 4 de Novembro de
1904 e 6 e 12 de Julho de
1906, tendo Bissau como capital (, tinha sido Bolama, até 1943). Tem órgãos de governo próprios, constituídos pelo (i) Governador (o mais alto representante do Governo da Nação Portuguesa), (ii) o Conselho Legislativo e (iii) o Conselho de Governo.
O
Governador tem funções executivas mas também legislativas em certas casos, a saber: a) no intervalo das sessões do Conselho Legislativo; b) durante o funcionamento efectivo do Conselho Legislativo, em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva do mesmo Conselho; c) e quando o Conselho Legislativo haja sido dissolvido.
O
Conselho Legislativo é constituído por 11 vogais, eleitos para um mandato de 4 anos, tendo como Presidente o Governador. Tem competência legislativa e outras como autorizar o Governador a contrair empréstimos, nos termos da Lei Orgânica do Ultramar.
Também fazem parte do Conselho Legislativo, como vogais natos, o Secretário-geral, o delegado do procurador da República da comarca da capital da província e o chefe da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.
As condições para ser eleito para o Conselho Legislativo são as seguintes: a) ser cidadão português originário; b) ser maior; c) saber ler e escrever português; d) reesidir na província há mais de três anos; e) não ser funcionário do Estado ou dos corpos administrativos em efectividade de serviço, salvo se exercer funções docentes.
Os 11 vogais são eleitos da seguinte forma, num único círculo eleitoral: a) três, por sufrágio directo dos cidadãos inscritos nos cadernos gerais de recenseamento eleitoral; b) sois, são-no pelos contribuintes, pessoas singulares, recenseados com um mínimo de contribuições directas de 1.000$00; c) dois, eleitos pelos corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, legalmente reconhecidas; d) três, pelas autoridades das regedorias, de entre elas próprias; e) um é eleito pelos organismos representativos dos interesses morais e culturais.
O
Conselho do Governo funciona junto do Governador, que preside. Colabora com o governador nas suas funções, nomeadamente na função legislativa. É constituído por: (i) secretário-geral; (ii) comandante-chefe das forças armadas, quando o houver, ou, na sua falta ou quando o comandante-chefe for o governador, pelo mais graduado ou antigo dos comandantes dos três ramos das força armadas; (iii) delegado do procurador da República da comarca da capital da província; (iv) chefe da repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade; e (v) três vogais do Conselho Legislativo por este eleitos na primeira sessão ordinária de cada legislatura, um dos quais deverá ser sempre um representante das regedorias.
Os
serviços públicos de administração provincial compreendem:
a) A Repartição de Gabinete;
b) As repartições provinciais de serviços;
c) Os serviços autónomos;
d) As divisões de serviços integrados em serviços nacionais;
e) Os outros serviços dotados de organização especial.
Quanto a
repartições provinciais, há as seguintes repartições provinciais de serviços:
a) Administração civil;
b) Agricultura e florestas;
c) Alfândegas;
d) Economia e estatística Geral;
e) Educação;
f) Fazenda e Contabilidade;
g) Geográficos e Cadastrais;
h) Marinha;
i) Obras Públicas, Portos e Transportes;
j) Saúde e Assistência;
l) Veterinária.
No que respeita à
Administração Local, a Guiné divide-se em
Concelhos que se formam, de freguesias. Onde não for possível criar freguesias existem
postos administrativos (por ex., Bambadinca). E nas regiões que não tenham atingido o necessário desenvolvimento económico e social, poderão, transitoriamente, os concelhos ser substituídos por
circunscrições administrativas, que se formam de postos administrativos, salvo nas localidades onde seja possível a criação de freguesias. Os postos administrativos podem dividir-se em regedorias e estas em grupos de povoações. O concelho de Bissau pode ser dividido em bairros.
Concelhos e Circunscrições
O estatuto de 1963 vem criar os seguintes concelhos, tendo a
câmara municipal como corpo administrativo:
a) Bissau;
b) Bissorã;
c) Bolama;
d) Bafatá;
e) Catió;
f) Gabu;
g) Mansoa;
h) Farim;
i) Cacheu.
São criadas, além disso, as seguintes circunscrições:
a) Bijagós;
b) Fulacunda;
c) S. Domingos
Compete ao
Governo da província criar ou suprimir bairros, freguesias e postos administrativos e fixar as respectivas designações, áreas e sedes. As designações deverão, sempre que possível, basear-se na tradição histórica ou nas consagradas pelos usos e costumes.
A Guiné tem um
Boletim Oficial onde são publicados os diplomas legais que, se nada estipularem, entram em vigor: (i) cinco dias depois, no concelho de Bissau; ou (ii) quinze dias depois, no restante território da província.
As atuais oito regiões da Guiné-Bissau (Mapa: Cortesia da Wikpédia)
Divisão Administrativa após a independência
Após a independência, a Guiné- Bissau institui a divisão administrativa constituída por um Setor Autónomo de Bissau (capital Bissau) e
oito regiões:
Bafatá (capital Bafatá) [6 setores: Bafatá, Bambadinca, Contubuel, Galomaro/Cossé, Ganadu e Xitole];
Biombo (capital Quinhamel) [3 setores: Prabis, Quinhamel e Safim];
Bolama/Bijagós (capital Bolama)[ 4 setores: Bolama, Bubaque, Caravela e Uno];
Cacheu (capital Cacheu) [ 7 setores: Bigene, Bula, Cacheu, Caio, Calequisse, Canchungo e São Domingos];
Gabu (capital Gabu) [5 setores: Boé, Gabú, Pirada, Piche e Sonaco];
Oio (capital Farim) {5 setores: Bissorã, Farim, Mansabá, Mansoa e Nhacra];
Quinara (capital Quinara) [4 setores: Buba, Empada, Fulacunda e Tite];
Tombali (capital Catió) [5 setores: Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine (Cacine)].
Entre 1970 e 1975, o principal centro continuava a ser Bissau, capital da Província, que reune funções de comércio e administração, sendo servida pelo porto mais movimentado, por onde se faz o comércio externo.
[Texto de José Gouveia, adapt. por L.G.]
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Notas do autor, José Gouveia:
(1) «Nova História da Expansão Portuguesa», direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques. O Império Africano 1890-1930, coordenação de A.H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, 2001, p.154.
(2) Idem, pág. 155.
(3) «Imposto de palhota»: contribuição predial aplicada pela propriedade das vivendas, baseadas nas casas de colmo que serviam de habitação [moranças].
(4) "Nova História da Expansão Portuguesa», direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques. O Império Africano 1890-1930, coordenação de A.H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, 2001, p.157.