sábado, 23 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11299: Do Ninho D'Águia até África (60): O regresso a Portugal (Tony Borié)


1. Sexagésimo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 60



Era manhã, a maré estava a encher, cheirava um pouco a maresia e os barcos baloiçavam no cais de embarque. A ordem era todo o pessoal estar preparado, pois iam começar a embarcar, mas seguindo uma certa ordem, e como os do Comando do Cifra eram poucos, foi dos primeiros a embarcar. Quando o Cifra, com o saco ao ombro e a malita nas mãos, passava por algumas unidades, ao passar pela unidade onde estava o Curvas, alto e refilão, logo ouviu este dizer, alto e bom som:
- Os malandros são sempre os primeiros, tinha que ser!


No barco, o Cifra bebeu cerveja com o Setúbal e na primeira noite dormiu no convés, e só se lembra de acordar e ver umas luzes ao longe, pois já se encontrava no alto mar, de regresso a Portugal. De ver o Trinta e Seis a querer segurar o Curvas, alto e refilão, pois este agarrava pela camisa o empregado que estava encarregue do local onde vendiam cerveja e outros licores no barco, dizendo:
- Quero mais cerveja, filho da p...! Não vês esta medalha cruz guerra? Vou enfiá-la onde tu sabes e vou atirar-te ao mar, lá isso vou!


E mais tarde, o Trinta e Seis contou ao Cifra, rindo-se, um episódio que também fazia os outros rirem-se, que era o momento em que determinado coronel entregou as insígnias da campanha da Guiné ao Curvas, alto e refilão, e vendo-lhe a medalha cruz de guerra no peito, colocou-se na posição de sentido e fez-lhe a respectiva continência. E o Curvas, alto e refilão, dizia:
- Aqui até os coronéis me “batem a pala”, e lá em Portugal, vou carregar a caixa de engraxar sapatos, cheio de fome, sem ter onde dormir, desprezado por todos, eu até podia continuar, sendo um militar ou um polícia, mas não sei receber ordens, está dentro de mim, é mais forte do que eu!


No barco “Uíge”, o Cifra, dormia no terceiro piso, no porão, com camas improvisadas em madeira, parecidas com as que se usavam no aquartelamento de chão vermelho e arame farpado. Para usar o quarto de banho, tinham que subir as escadas, quase até ao convés. Muitos não o faziam e urinavam pelos cantos. Passados uns dias de alto mar, com o calor, era impossível descer uma dúzia de degraus para o porão. O cheiro pestilento era insuportável, por mais que lavassem e desinfectassem. Quase todos os militares dormiam no convés, a céu aberto.


No último dia de viagem, o Cifra despediu-se de todos os seus amigos, deu-lhes o seu endereço em Portugal, daquele grupo de amigos mais íntimos, no qual se incluía o Curvas, alto e refilão, o Setúbal, o Mister Hóstia, o Marafado, o Trinta e Seis e o furriel miliciano, porque o Pastilhas, o Arroz com Pão, e o sargento da messe vieram mais cedo umas semanas, talvez um mês, o Cifra não se recorda, todos queriam levar o Curvas, alto e refilão, para junto de si, para as suas aldeias, mas ele não queria ir com ninguém, excepto com o Trinta e Seis, e disse abraçado ao Cifra:
- Eu não tenho endereço em Portugal, para já vou com o Trinta e Seis, para a sua aldeia, que ele não me deixa ir para mais nenhum lado, e como sabes só recebo ordens dele. Veremos o que ele me arranja, depois, andarei por aí, tal como fazia antes, qualquer dia bato-te à porta.

Pela manhã, com quase todos os militares no convés do barco, começaram a ver umas nuvens ao longe. Passado um tempo, já não eram nuvens, mas sim terra. Era Portugal.


Entraram no rio Tejo, viram de perto o Forte do Bugio, foto em baixo, Cascais, Estoril, a ponte sobre o Tejo, já em fase de acabamento, e começaram a atracar no cais da Alfândega. Todos gritavam, faziam sinais, mostravam cartazes, tais como, “estou aqui, mãe”, “sou eu, o Zé”, “olá Évora, o Manel chegou”, “Isabel, anda pró meu colo”, “Pai, já cheguei”, e um que o Cifra se recorda, e era um pouco arrojado para a época, dizia assim: “P’ras Caldas, vou já, e em força”!


Todos queriam um lugar na borda do barco. O Cifra, empoleirado numa escada de corda e madeira, viu os primos de Lisboa, lá ao fundo, ela de lenço preto, amarrado à cabeça e ele com uns grandes óculos escuros e de bigode.

Sim eram eles.

Acenou, gesticulou com os braços, chamou por eles, com toda a força dos seus pulmões, fez tudo o que lhe era possível, mas nada, não o viam. Só em terra, já com o saco do exército às costas e a mala de papelão e fibra nos cantos, amarrada com uma corda, é que o Cifra correu para os primos de Lisboa, que estavam lá, banhados em lágrimas, pensando que o To d’Agar não tinha regressado a Portugal.

Ainda no cais da Alfândega, o comandante veio cumprimentar e despedir-se de todos os militares que faziam parte da sua unidade militar. Ao cumprimentar o Cifra, parou, olhou-o nos olhos e disse:
- És um bom homem, gostava de continuar a ter-te sobre o meu comando, desejo-te as maiores felicidades pela tua vida fora. Enquanto for vivo e necessitares de mim para alguma coisa, que entendas que posso ser útil, por favor contacta-me. Adeus, oh Cifra.

Depois de ouvir estas palavras, o Cifra abraçou-o e não pode conter uma lágrima.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11277: Do Ninho D'Águia até África (59): A saída de Mansoa com destino ao cais de embarque (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11298: Historiografia da presença portuguesa em África (45): Evolução do estatuto político-administrativo da Guiné, desde 1890 até à independência (José Gouveia, ex-fur mil, CART 1525, Os Falcões, Bissorã, 1966/67)


([Reproduzido com a devida vénia de Dicionário de História de Portugal, coordenação de Joel Serrão, vol. III. Porto: Livraria Figueirinhas, reedição de 1981, p. 180].


1. Com a devida vénia, e devidamente adaptado reproduzimos aqui um texto, interessante, didático, informativo,  sobre a organização político-administrativa da Guiné, desde 1890 até à independência, texto esse disponível, em formato pdf,  na página da CART 1525, Os Falcões  (Bissorã, 1966/67). O documento é da autoria do nosso camarada José Gouveia, madeirense, ex-fur mil, e hoje advogado, fazendo parte de um livro, de mais de 200 páginas,  sobre a Guiné, em pré-lançamento no sítio da CART 1525. Já aqui fizemos referência, em tempos, ao livro ("Guiné-Bissau, de colónia a independente") e ao autor.  Aproveitamos o ensejo para convidar o José Gouveia a integrar a nossa Tabanca Grande, e para mandar  um grande abraço ao Rogério Freire que criou e mantém, com outros camaradas,  o sitio, na Net, da CART 1525, e que é nosso grã-tabanqueiro da primeira hora (, ou seja, da I Série do nosso blogue).

Estatuto político-administrativo da Guiné
por José Gouveia [adaptado]

 Em 1879 a Guiné separa-se de  Cabo Verde. ´

Em 1890,  passa a ter a categoria de Província.O Governador é escolhido pelo Governo de Portugal. O poder autárquico limita-se aos municípios mais importantes (Bolama, Cacheu e Bissau).

Em 1892, passa a designar-se Distrito Militar Autónomo, com maior concentração de poderes no Governador, na sequência da derrota portuguesa face aos Papéis. Apenas Bolama manteve o estatuto de concelho, embora uma Junta Municipal venha substituir a Câmara, e os respectivos membros passem  a ser nomeados pelo governador. Bissau, Cacheu, Geba e Buba tornam-se comandos militares (1).

Em 1895, a Guiné regressa à categoria de Província por um decreto de 18 de Abril. Mantém-se em vigor o estatuto jurídico de 1892. Cabe ao governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909) [, contra-almirante, em 1934, e chefe do Estado Maior Naval, entre 1934 e 1937, tendo nascido em 1872 e morrido em 1937] reorganizar a administração da colónia, mantendo, não obstante, a posição dos militares. Bolama continua concelho, enquanto Cacheu, Farim, Geba/Bafatá, Cacine, Buba e Bissau passam a residências, sedes de destacamento, cujos comandantes assumem as funções militares e civis (2).

Em 1910, a residência de Buba divide cada um dos seus quatro regulados (Bolola, Contabane, Cumbijã  e Corubal) em chefados, para maior facilidade no cumprimento  de ordens e para reduzir a isenção no pagamento do imposto de palhota (3) aos chefes as povoações.

Anteriormente as isenções excediam as 200 palhotas. Com esta  nova medida exceptua-se do encargo apenas 25 dirigentes indígenas. Algumas dessas residências abrangiam extensas áreas de terreno nem sempre fácil de transpor. Em Dezembro de 1910, Bissau volta a ter comissão municipal nomeada pelo governador, a qual se mantém  em funções até à eleição de 1918 (4).

Em 1912, em plena Repúblcia,  dá-se uma nova reorganização pelo decreto de 7 de Setembro. A Guiné fica dividida em sete circunscrições civis: Bolama, Bissau, Geba, Cacheu, Farim, Buba e Cacine.

Por razões de maior eficiência e falta de disponibilidade dos administradores de Bissau e Bolama, pelo decreto nº 2742, de 7 de Novembro de 1916, há nova reorganização: dois concelhos (Bolama e Bissau) e nove circunscrições civis (Geba, Farim, Cacheu, Buba, Cacine, Bijagós, Brames, Costa de Baixo e Balantas)

Em 1917, a Carta Orgânica mantém a divisão anterior, continuando a reconhecer a autoridade dos régulos e chefes de povoação como delegados dos administradores. Cada um dos concelhos passa a ter uma Câmara Municipal com cinco vereadores eleitos. Cada circunscrição civil conta com comissões municipais, constituídas pelo respectivo administrador e por dois vogais eleitos.

Em 1921 e 1922 já existiam, para além de dois concelhos (Bissau e Bolama), 14 circunscrições:  Domingos, Cacheu, Farim, Costa de Baixo (Canchungo), Brames (Bula), Papéis (Bór), Bissorã, Mansoa, Bafatá, Oco-Babú, Buba, Quinará, Bijagós e Cacine. [Observação: Vê-se que neste período de 1917 a 1922, Geba perdeu importância em detrimento de Bafatá].

Em 1927, já em plena Ditadura Militar, pelo diploma nº 329, de 3 de Setembro, as circunscrições são  reduzidas para sete,  na sequência da  maior facilidade de comunicações, bem como da pacificação da Guiné. Essas circunscrições são: Cacheu, Canchungo, Farim, Mansoa, Bafatá, Buba e Bubaque.

Não obstante algum tempo depois terem sido restabelecidas as circunscrições civis de Bissau e de Gabú Sara e o comando militar de Canhabaque, só em 1928 surge alteração mais pronunciada, justificada quer pela necessária compressão de despesas, quer pela procura de maior qualidade de organização, impedindo a continuação da fragmentação do poder. Desta forma, a Guiné passou a contar com quatro intendências (Bolama, Bissau, Bafatá e Cacheu), subdivididas em doze residências. Localmente há ainda outros órgãos de poder, como por exemplo o juiz do povo (5).

Nos anos cinquenta do Século XX, os principais centros populacionais eram Bissau (capital e sede do Governo), Bafatá, Bolama, Cacheu e Farim. Cada centro com cerca de 5 mil  habitantes.

O Estatuto Político-Administrativo da Província da Guiné, de 1963, vem entretanto introduzir  uma nova reestruturação administrativa. Na sequência da Lei nº 2.048, de 11 de Junho de 1951, que introduz alterações à Constituição da República Portuguesa, inclusivamente na parte relacionada com as colónias que passam a chamar-se províncias, bem como da Lei nº 2.119, de 24 de Junho de 1963, que aprova a Lei Orgânica do Ultramar, é revisto e aprovado o novo Estatuto da Guiné.

Pelo Decreto nº 45.372, de 22 de Novembro de 1963, assinado por Américo Deus Rodrigues Thomaz (Presidente da República), António de Oliveira Salazar (Presidente do Conselho) e António Augusto Peixoto Correia (Ministro do Ultramar), é aprovado o Estatuto Político- Administrativo da Guiné, para entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 1964.

 A província da Guiné abrange os territórios indicados na Convenção luso-francesa de 12 de Maio de 1886 e delimitados por troca de notas diplomáticas em 29 de Outubro e 4 de Novembro de 1904 e 6 e 12 de Julho de 1906, tendo Bissau como capital (, tinha sido Bolama, até 1943). Tem órgãos de governo próprios, constituídos pelo (i) Governador (o mais alto representante do Governo da Nação Portuguesa), (ii) o Conselho Legislativo e (iii) o Conselho de Governo.

O Governador tem funções executivas mas também legislativas em certas casos, a saber: a) no intervalo das sessões do Conselho Legislativo; b) durante o funcionamento efectivo do Conselho Legislativo, em todas as matérias que não sejam da competência exclusiva do mesmo Conselho; c) e quando o Conselho Legislativo haja sido dissolvido.

O Conselho Legislativo é constituído por 11 vogais, eleitos para um mandato de 4 anos, tendo como Presidente o Governador. Tem competência legislativa e outras como autorizar o Governador a contrair empréstimos, nos termos da Lei Orgânica do Ultramar.

Também fazem parte do Conselho Legislativo, como vogais natos, o Secretário-geral, o delegado do procurador da República da comarca da capital da província e o chefe da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.

As condições para ser eleito para o Conselho Legislativo são as seguintes: a) ser cidadão português originário; b) ser maior; c) saber ler e escrever português; d) reesidir na província há mais de três anos; e) não ser funcionário do Estado ou dos corpos administrativos em efectividade de serviço, salvo se exercer funções docentes.

Os 11 vogais são eleitos da seguinte forma, num único círculo eleitoral: a) três, por sufrágio directo dos cidadãos inscritos nos cadernos gerais de recenseamento eleitoral; b) sois,  são-no   pelos contribuintes, pessoas singulares, recenseados com um mínimo de contribuições directas de 1.000$00; c) dois, eleitos pelos corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, legalmente reconhecidas; d) três, pelas autoridades das regedorias, de entre elas próprias; e) um é  eleito pelos organismos representativos dos interesses morais e culturais.

O Conselho do Governo funciona junto do Governador, que preside. Colabora com o governador nas suas funções, nomeadamente na função legislativa. É constituído por:  (i) secretário-geral; (ii) comandante-chefe das forças armadas, quando o houver, ou, na sua falta ou quando o comandante-chefe for o governador, pelo mais graduado ou antigo dos comandantes dos três ramos das força armadas;  (iii) delegado do procurador da República da comarca da capital da província; (iv) chefe da repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade; e (v) três vogais do Conselho Legislativo por este eleitos na primeira sessão ordinária de cada legislatura, um dos quais deverá ser sempre um representante das regedorias.

Os serviços públicos de administração provincial compreendem:

a) A Repartição de Gabinete;
b) As repartições provinciais de serviços;
c) Os serviços autónomos;
d) As divisões de serviços integrados em serviços nacionais;
e) Os outros serviços dotados de organização especial.

Quanto a repartições provinciais, há as seguintes repartições provinciais de serviços:

a) Administração civil;
b) Agricultura e florestas;
c) Alfândegas;
d) Economia e estatística Geral;
e) Educação;
f) Fazenda e Contabilidade;
g) Geográficos e Cadastrais;
h) Marinha;
i) Obras Públicas, Portos e Transportes;
j) Saúde e Assistência;
l) Veterinária.

No que respeita à Administração Local, a  Guiné divide-se em Concelhos que se formam, de freguesias. Onde não for possível criar freguesias existem postos administrativos (por ex., Bambadinca). E nas regiões que não tenham atingido o necessário desenvolvimento económico e social, poderão, transitoriamente, os concelhos ser substituídos por circunscrições administrativas, que se formam  de postos administrativos, salvo nas localidades onde seja  possível a criação de freguesias. Os postos administrativos podem dividir-se em regedorias e estas em grupos de povoações. O concelho de Bissau pode ser dividido em bairros.

Concelhos e Circunscrições

O estatuto de 1963 vem criar os seguintes concelhos, tendo a câmara municipal como corpo administrativo:

a) Bissau;
b) Bissorã;
c) Bolama;
d) Bafatá;
e) Catió;
f) Gabu;
g) Mansoa;
h) Farim;
i) Cacheu.

São criadas, além disso, as seguintes circunscrições:

a) Bijagós;
b) Fulacunda;
c) S. Domingos

Compete ao Governo da província criar ou suprimir bairros, freguesias e postos administrativos e fixar as respectivas designações, áreas e sedes. As designações deverão, sempre que possível, basear-se na tradição histórica ou nas consagradas pelos usos e costumes.

A Guiné tem um Boletim Oficial onde são  publicados os diplomas legais que, se nada estipularem, entram em vigor: (i) cinco dias depois, no concelho de Bissau; ou (ii) quinze dias depois, no restante território da província.





As atuais oito regiões da Guiné-Bissau (Mapa: Cortesia da Wikpédia)



Divisão Administrativa após a independência

Após a independência, a Guiné- Bissau institui a divisão administrativa constituída por um Setor Autónomo de Bissau (capital Bissau) e oito regiões:

Bafatá (capital Bafatá) [6 setores: Bafatá, Bambadinca, Contubuel, Galomaro/Cossé, Ganadu e Xitole];

Biombo (capital Quinhamel) [3 setores: Prabis, Quinhamel e Safim];

Bolama/Bijagós (capital Bolama)[ 4 setores: Bolama, Bubaque, Caravela e Uno];

Cacheu (capital Cacheu) [ 7 setores: Bigene, Bula, Cacheu, Caio, Calequisse, Canchungo e São Domingos];

Gabu (capital Gabu) [5 setores: Boé, Gabú, Pirada, Piche e Sonaco];

Oio (capital Farim) {5 setores: Bissorã, Farim, Mansabá, Mansoa e Nhacra];

Quinara (capital Quinara) [4 setores: Buba, Empada, Fulacunda e Tite];

Tombali (capital Catió) [5 setores: Bedanda, Catió, Como, Quebo e Quitafine (Cacine)].

Entre 1970 e 1975, o principal centro continuava a ser Bissau, capital da Província, que reune funções de comércio e administração, sendo servida pelo porto mais movimentado, por onde se faz o comércio externo.

[Texto de José Gouveia, adapt. por L.G.]
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Notas do autor, José Gouveia:

(1)  «Nova História da Expansão Portuguesa»,  direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques.  O Império Africano 1890-1930, coordenação de A.H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, 2001, p.154.

(2) Idem, pág. 155.

(3) «Imposto de palhota»: contribuição predial aplicada pela propriedade das vivendas, baseadas nas casas de colmo que serviam de habitação [moranças].

(4) "Nova História da Expansão Portuguesa», direcção de Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques. O Império Africano 1890-1930,  coordenação de A.H. de Oliveira Marques, Editorial Estampa, 2001, p.157.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11297: (Ex)citações (215): O ataque a Guileje (Maio de 1973) e o livro "Alpoim Calvão - Honra e Dever" (Coutinho e Lima)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. 
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel na situação de Reforma (*), com data de 19 de Março de 2013:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto envio, em anexo, um texto sobre uma referência ao ataque a Guileje (MAI 73), no livro ALPOIM CALVÃO.
Tal referência, conforme pode verificar, pela minha resposta, é perfeitamente desajustada ao que se passou. Solicito que, se possivel, seja o referido texto publicado, no nosso blogue, para conhecimento de todos, especialmente dos "Piratas de Guileje" que dele fazem parte.

Quanto ao próximo encontro da nossa Tabanca Grande, ainda não me inscrevi porque, neste momento, não sei se poderei estar presente. Logo que tenha certezas, agirei em conformidade.

Apresentando desde já os meus agradecimentos, envio um abraço amigo.
Coutinho e Lima


O ATAQUE A GUILEJE (MAI 73) E O LIVRO

ALPOIM CALVÃO - HONRA E DEVER

Na página 311 do livro ALPOIM CALVÂO – HONRA E DEVER, pode ler-se:
“Por outro lado, numa grande investida, o PAIGC cerca Guidage, a Norte, e Guileje, na fronteira com Conakry. A primeira resiste valorosamente e, pelo esforço conjunto de forças de terra, mar e ar, é libertada do estrangulamento a que se encontrava submetida; no sul, numa Guileje mal defendida por uma companhia novata naquele teatro de operações, vê-se sujeita a uma acção de comando pusilânime, indecisa e fraca, que vai permitir aos seus defensores entrar em pânico e abandonar vergonhosamente o quartel, deixando para trás importante documentação e toda a sua artilharia. Os militares da guarnição refugiaram-se então nos quartéis vizinhos, perante a incredulidade do inimigo que demorou muitas horas até se aperceber que estava a cercar uma instalação militar deserta."

Perante isto, enviei um mail, à Editora do livro, do seguinte teor:
“Solicito o endereço electrónico do/s Autores do livro ALPOIM CALVÃO – HONRA E DEVER. Este pedido destina-se a poder confrontar o/s referidos Autores, relativamente a uma referência a Guileje, constante na pág. 311 do livro. 
Sendo eu, na altura, Comandante do Comando Operacional nº. 5,com sede em Guileje,...”

Este mail não foi, respondido pela destinatária, o que significa que a Editora e/ou os Autores, não estão interessados no contraditório a que tenho direito.

Os Autores do livro são os Senhores:
. Rui Hortelão
. Luís Sanches de Bâena
. Abel Melo e Sousa

O primeiro ainda não tinha nascido, quando decorreram os acontecimentos relatados (1973), porque nasceu em 1976; os outros dois eram fuzileiros, prestando serviço em unidades de fuzileiros especiais na Guiné (72/74), e, por isso, tiveram conhecimento dos factos na Guiné; por essa razão, não se compreende a intenção com que escreveram a alusão a Guileje, nos termos em que foi feita.

Posto isto, vamos aos factos:

“...uma Guileje mal defendida por uma companhia novata naquele teatro de operações...” 

Não tive nenhuma responsabilidade pelo facto de Guileje ser defendida (mal, na opinião dos Autores); quando fui nomeado, em 8 JAN 73, Comandante do Comando Operacional nº.5 (COP 5), pelo Sr. General António de Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, este disse-me que não pedisse reforços e que fizesse a manobra de meios que entendesse.
Por isso, uma das primeiras medidas que tomei, quando cheguei a Guileje (22 JAN 73), foi reforçar a guarnição com:
. 1 Grupo de Combate da Companhia de Cacine;
. Pelotão de Reconhecimento Fox (incompleto), vindo de Gadamael;
. Pelotão de Milícia, que estava em Gadamael.

Portanto, a defesa de Guileje, que importava reforçar, foi por mim determinada, com os meios que estavam sob o meu Comando.

“...vê-se sujeita a uma acção de comando pusilânime, indecisa e fraca...” 

Não reconheço competência aos Autores para qualificar a minha acção de Comando, não só porque não me conhecem, mas também porque demonstraram não ter conhecimento das condições, extremamente adversas, que ocorreram em Guileje.

“...que vai permitir aos seus defensores entrar em pânico e abandonar vergonhosamente o quartel...” 

Não obstante a guarnição de Guileje ter sido submetida a 37 flagelações em 80 horas (1ª. em 18 MAI73, às 20 horas e a última em 22 MAI, às 4 horas), os seus defensores não entraram em pânico, aguardando pacientemente (não havia alternativa), até ao meu regresso. Isto porque eu tinha partido, no dia 19 MAI de manhã, para Cacine, via terrestre e fluvial, comandando a evacuação dos feridos e de um morto, resultantes da emboscada do Inimigo (IN) em 18 MAI de manhã, aos elementos das Nossas Tropas (NT) que montavam a segurança para permitir a realização de mais uma coluna de reabastecimento de Gadamael. Devo referir que, não obstante a afirmação do Sr. General Spínola, em 11 MAI 73, em Guileje (onde se deslocou de helicóptero), de que, embora o aparecimento dos mísseis terra ar do IN, tivessem imposto restrições à actuação da Força Aérea, em situações de emergência, as evacuações seriam feitas a partir do aquartelamento, tal não se verificou e, passadas 4 horas, após a emboscada, um ferido (cabo metropolitano), faleceu, por não ter sido evacuado.

Quando regressei a Guileje, ao fim da tarde do dia 21 MAI, perante a situação que encontrei, decidi efectuar a RETIRADA dos militares, incluindo o pelotão de milícia e toda a população, num total de cerca de 600 pessoas, ao raiar do dia seguinte (22 MAI).

Os factores que me levaram a tomar a decisão de retirar, foram os seguintes:
. a forte pressão do IN, que tudo indicava se iria intensificar;
. não atribuição de reforços, pedidos por mensagem e, pessoalmente em Bissau, no dia 20 à tarde, (quando a Força Aérea me transportou de Cacine), ao Sr. General Spínola;
. não evacuação de feridos;
. escassez de munições, especialmente de Artilharia e Morteiros e a impossibilidade do seu reabastecimento;
. falta de água no aquartelamento; o reabastecimento era feito a cerca de 4 quilómetros, na direcção de Mejo, zona onde se encontrava, desde essa tarde (21 MAI), o 3º. Corpo de Exército do IN;
. defesa da população (constante na MISSÃO do COP 5), que não podia garantir;
. destruição do Centro de Comunicações, resultante da flagelação dessa tarde (das 14 às 16 horas), a maior de todas;
. desconhecimento da data em que chegaria a Guileje o novo Comandante do COP5, Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão, nomeado pelo Sr, General Spínola para me substituir, passando eu a 2º. Comandante; mesmo quando o novo Comandante chegasse e este pedisse reforços, que a mim me foram negados, estes só estariam em Gadamael, na melhor das hipóteses, passados 2/3 dias, espaço de tempo que as NT não estavam em condições de aguentar, sem entrar em colapso;
. previsão da situação a curto prazo; dada a agressividade, frequência e intensidade do IN, reforçado com mais um Corpo de Exército, era previsível que o IN completasse o cerco ao quartel e provocasse um número considerável de feridos e mortos, bem como aprisionasse os restantes elementos das NT e população;
. existência de um morto; se houvesse mais mortos ou feridos, não seria viável a retirada, pela impossibilidade de os transportar em coluna apeada;
. efeito de surpresa; se esperasse, um só dia que fosse, o IN completaria o cerco, impedindo a nossa saída.

Por estes factores, considerei a posição insustentável e decidi (não abandono vergonhoso), mas uma retirada, operação prevista nos regulamentos militares.

“...deixando para trás importante documentação e toda a sua artilharia...” 

Relativamente à documentação, foi toda destruída pelo fogo e as cinzas deitadas numa fossa profunda, existente no quartel. A Artilharia, bem como as viaturas e todo o restante material foi deixado no aquartelamento, por impossibilidade de ser levado na retirada, que foi feita a corta mato, por um trilho utilizado apenas pela população. Como não podia deixar de ser, quer as peças de Artilharia, quer os morteiros, armamento pesado e as viaturas foram inutilizadas.

“...perante a incredubilidade do inimigo que demorou muitas horas até se aperceber que estava a cercar uma instalação militar deserta.” 

O IN só entrou em Guileje no dia 25 MAI (tínhamos saído em 22 MAI), isto é, 3 dias depois, o que demonstrou a surpresa que para ele foi a retirada.

Não tenho qualquer dúvida que, se Guileje tivesse sido oportunamente reforçado, como foi Guidage, também teria “resistido valorosamente”, como afirmaram os Autores.

Felizmente vivemos num País em que a EXPRESSÃO é LIVRE.
Ao fazerem a referência a Guileje, nos termos em que foi feita, os Autores demonstraram que não tinham conhecimento dos factos, tal qual ocorreram. Parece lícito concluir que, neste caso concreto, a ASNEIRA também foi LIVRE.

Coronel Alexandre Coutinho e Lima
Ex- Comandante do COP 5, em Guileje
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Notas do editor:

(*) Coutinho e Lima, na sua primeira comissão de serviço na Guiné, foi Comandante da CART 494, que esteve aquartelada em Gadamael (Dez 63/Mai 65); na segunda, entre 1968 e 1970, foi Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe das FA da Guiné e a terceira, iniciou-a em Setembro de 1972, tendo sido nomeado por Spínola comandante do COP 5, com sede em Guileje, em Janeiro de 1973.

Vd. postes de:

4 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10895: Notas de leitura (446): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (1) (Mário Beja Santos)
e
7 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10906: Notas de leitura (447): "Alpoim Calvão, Honra e Dever", por Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 15 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11259: (Ex)citações (214): Ainda a Operação "Aquiles Primeiro" (Manuel Carvalho)

Guiné 63/74 - P11296: Estórias avulsas (63): O menino que não sabia ler (António Eduardo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 18 de Março de 2013, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) enviou-nos a estória que se segue:


O MENINO QUE NÃO SABIA LER

O Germano, como quase todos os meninos da sua idade, era alegre e brincalhão. Havia no entanto uma pessoa já idosa com quem ele muito gostava de brincar e conversar, era o seu avô paterno, o ti João da Cerca. Viúvo há muitos anos, apesar da idade avançada continuava a morar na sua casinha, pequena e modesta, mas para ele a melhor.

O Germano, como a maioria das crianças do seu tempo, não sabia ler nem escrever; mas ele tinha os seus sonhos e, fazia projetos para quando fosse grande, conversava muito com o avô, que o escutava com toda a atenção e a alegria de quem tem por companhia alguém de quem muito gosta.

Quando chegava a sua vez de falar, o avô fazia uso de toda a sabedoria que acumulara ao longo dos seus noventa e três anos de idade. Era lindo de ver e ouvir a conversa que eles mantinham, um com uma vontade enorme de saber coisas, e o outro com uma vontade ainda maior de transmitir conhecimentos ao netinho. Respondia a todas as perguntas que este lhe fazia com a paciência de alguém que está a viver momentos de rara felicidade. O tempo foi passando, e numa manhã de Abril tudo mudou, a morte chegou, e o avô João partia para sempre, deixando em todos que o conheciam a sensação de ter morrido feliz.

O Germano, por essa altura com treze anos de idade, foi o que mais sentiu a perda do avô. Nas conversas com quem privava mais de perto dizia, quando for maior, hei -de ser como o meu avô João, quero casar, ter filhos e netos e quando chegar a velhinho, brincar com eles e ensinar-lhe muitas coisas como o meu avô me ensinou.

O tempo passou, e o Germano viria a casar aos dezanove anos com a Guilhermina, tiveram dois filhos a quem com muito esforço, conseguiram que eles alcançassem formação superior.

O Pedro licenciou-se em direito e abriu escritório na cidade do Porto, aí ficando a trabalhar, gostava muito dos pais mas raramente podia estar com eles. O Francisco formou-se em agronomia e arranjou trabalho no Ministério da Agricultura em Lisboa. Passado pouco tempo casou com uma mulher algarvia, o que dificultava ainda mais a ida à terra dos pais no Alto Minho. O tempo foi passando e um dia, também o Germano ficou viúvo, se até então na companhia da Guilhermina fora muito feliz, depressa os sonhos de menino se desmoronaram. A morte da esposa deixou-o bastante triste e só, raramente podia ver os filhos e os netos de quem muito gostava.

Atendendo à vida demasiado preenchida do advogado Pedro, assim como do engenheiro Francisco da Cerca, estes não podiam ter o pai com eles, mas para ele, queriam aquilo que lhes parecia ser o melhor. Arranjaram-lhe na cidade de Valença lugar num Lar que acharam acolhedor e com bom serviço. Mas o velhinho Germano, nas poucas conversas que tinha no Lar com as outras pessoas, de vez em quando ainda falava do seu avô João da Cerca e dos netos que quase não conhecia, poucos meses depois viria a falecer. Diziam os que com ele conviveram, que no pouco tempo que lá esteve, deixava transparecer o desânimo em cada olhar, próprio de quem apenas tem a tristeza e a saudade por companhia.

António E J Ferreira
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)

Guiné 63/74 - P11295: Convívios (505): Almoço de confraternização do pessoal da CCS/BCAÇ 4612/72, dia 27 de Abril de 2013 em Faro (Jorge Canhão)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Canhão (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74), com data de 21 de Março de 2013:

Camaradas
Em nome dos camaradas da CCS do meu batalhão, pedia para publicarem no blogue a convocatória para mais esta reunião (ataque à mesa) de camaradas da Guiné, para mais umas horas de recordações umas boas outras más, mas sempre com uma amizade que quase nada poderá acabar.

Abraços
JCanhão


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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 20 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11287: Convívios (504): 30.º Encontro nacional dos Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447, dia 20 de Abril de 2013 em Fátima (Lima Ferreira)

Guiné 63/74 - P11294: Ser solidário (144): A Tabanca Pequena ONGD (Matosinhos), em parceria com a AD, apoia a educação para a higiene oral das crianças da Guiné-Bissau (José Teixeira)

1. Continuam a chegar até nós, por intermédio do nosso camarada José Teixeira, notícias de novas iniciativas da Tabanca Pequena ONGD em colaboração com a AD do nosso amigo Pepito. 
Antemos à sua mensagem de 14 de Março de 2013:

Caros editores
A Tabanca Pequena continua a tentar ajudar os povos da Guiné-Bissau.
No caso presente é a educação para a saúde num plano de apoio à educação para a higiene oral das crianças, numa parceria entre a Tabanca Pequena que consegui o material de higiene oral, a AD que gere as escolas e a Associação Mundo a Sorrir, uma associação portuguesa que está no terreno.
Entre outros projetos pretende-se sensibilizar os professores do 1º Ciclo a necessidade de ensinarem as crianças a cuidarem da higiene oral. Material apropriado não lhe vai faltar.
Por favor ver site da AD: http://www.adbissau.org/

Abraço fraterno do
Zé Teixeira

Com a devida vénia à AD, reproduzimos a notícia inserta na sua página

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11226: Ser solidário (143): Rádio Comunitária Papagaio, Buba: "SOS!!!!... Querem fechar-nos as portas!... Ajudem-nos a adquirir um filtro de harmónicos!".... (Luís da Silva, diretor)

Guiné 63/74 - P11293: Memória dos lugares (226): Vistas aéreas da doce e tranquila Bafatá, princesa do Geba (Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71) (Parte I)


Guiné > Zona leste >  Bafatá  > Vista aérea > Foto nº 5 > Em primeiro plano, o rio Geba e a piscina de Bafatá (que tinha o nome do administrador Guerra Ribeiro e foi inaugurada em 1962, tendo sido construído - segundo a informação que temos - por militares de uma unidade aqui estacionada ainda antes do início da guerra).

Do lado esquerdo, o cais fluvial, uma zona ajardinada, a estátua do governador Oliveira Muzanty (1906-1909)... Ao centro,  a rua principal da cidade. Vê-se, ao fundo, a estrada que conduz à saída para Nova Lamego (Gabu), à direita,  e Bambadinca-Xime, à esquerda. À entrada de Bafatá, havia rotunda. Para quem entrava, o café do Teófiloi, o "desterrado", era à esquerda..

Do lado direito pode observar-se a traseira do mercado. Do lado esquerdo, no início da rua, um belo edifício, de arquitetura tipicamente colonial, pertencente à  famosa Casa Gouveia, que representava os interesses da CUF,  e que, no nosso tempo, era o principal bazar da cidade, tendo florescido com o patacão (dinheiro) da tropa. Por aqui passaram milhares e milhares de homens ao longo da guerra,. que aqui faziam as suas compras, iam aos restaurantes e se divertiam... comas meninas do Bataclã.



Foto nº 5 - >  A piscina de Bafatá, na altura vazia


Foto nº 5-B > Cais do Rio Geba e jardim de Bafatá.. Ao centro a estátua do governador Oliveira Muzanty (1906-1909)



Foto nº 5- C > Do lado direito, o principal estabelecimento da cidade, pertencente à Casa Gouveia


Foto nº 5-  D > Jardim, estátua de Oliveira Muzanty (governador, 1906-1909) e Casa Gouveia, no início da rua principal


Foto nº 5 - E > Rua Principal de Bafatá, com início na Casa Gouveia... O terceiro edifício parece ser o cinema  (?) e o sexto a casa das libanesas... Ao fundo do lado esquerdo, a igreja católica de Bafatá.  À frente à Casa Gouveia, do outro lado da rua, o Mercado de Bafatá, de estilo revivalista. [Ou o cinema era na rua do mercado que era perpendicular à rua principal ? Também não tenho a certeza onde era o edifício da administração civil... parece.-me que ficava a meio da rua principal, do lado direito, tal como o edifício dos correios. Também não consigo localizar aqui o restaurante A Transmontana].




Foto nº 5 - F > Do lado esquerdo, a igreja de Bafatá e a casa das libanesas. A diocese católica de Bafatá (, abrangendo a s regiões de Bafatá, Gabú, Quinara,Tombali e Bolama) só foi criada em 2001. Ao alto da rua, do lado direito, era o hospital de Bafatá, dirigido por missionários italianos. [ Do lado esquerdo, não longe da igreja, ficava  - se não erro - a mesquita, que não aparece na foto nº 5].


  
Foto nº 2 > A mesquita de Bafatá (1)


Foto nº 2 - A > A mesquita de Bafatá (2)


Foto nº 5 - F >  As traseiras do Mercado de Bafatá... Vê-se a sua fachada, de arquitetura revivalista, de inspiração árabe.




Foto nº 5- G > Vista parcial da cidade... Bafatá passou a concelho, pela reforma político-administartiva de 1963 (Decreto nº 45.372, de 22 de Novembro de 1963, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1964). Com o novo estatuto foram criado os seguintes concelhos, tendo a xâmara municipal como corpo administrativo: Bissau, Bissorã, Bolama, Bafatá, Catió, Gabu  Mansoa, Farim e Cacheu. E ainda as seguintes circunscrições: Bijagós, Fulacunda e S. Domingos.

Bafatá  foi elevada a cidade em março de 1970. No nosso tempo, meu e do Humberto Reis (CCAÇ 12, 1969/71), a cidade destacava-se pela beleza dos seus edifícios (incluindo os seus estabelecimentos comerciais) e a limpeza das ruas. Os lancis eram pintados a branco.

Fotos: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]



Guiné > Zona leste > Bafatá > Bafatá, a rua principal, vista de norte,  com o Rio Geba ao fundo... Do lado direito, pintada a azul, a famosa casa das libanesas (restaurante e pensão). Foto do ex-alf mil op esp António Barbosa (2ª CART / BART 6523, Cabuca, 1973/74).

Segundo a reconstituição feita pelo Humberto Reis, esta era "a rua principal (alcatroada, como todas as demais) da doce e tranquila Bafatá, com as suas casas de arquitectura tipicamente colonial. Ao fundo era o mercado e cortava-se à esquerda, para a piscina. Na primeira à direita, ficava o Restaurante A Transmontana. Do lado esquerdo, no início da foto, ficava a casa do Administrador e edifício da Administração civil  bem como os CTT e as Finanças. A meio, a rua era cortada pela estrada que ligava a Geba".

Fotos: © António Barbosa (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




Guiné > Zona leste > Bafatá > Estátua de Oliveira Muzanty... Foto do o José Luís Tavares, do Esq Rec Fox 2640 (Bafatá, 1969/71), sentado à direita... Foto gentilmenmte cedida pelo Manuel Mata, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora. Ao fundo, o edifício da Casa Gouveia.

Foto: © José Luís Tavares / Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados.


1. Esta é uma das sete vistas áreas de Bafatá, tiradas pela máquina fotográfica do Humberto Reis, o meu amigo, vizinho e camarada da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). O Reis tinha vários amigos na FAP e, de vez em quando, apanhava uma boleia de helicóptero ou de DO 27. Estas fotos foram tiradas de heli. E tem uma excelente resolução (mais de 2 MG), o que permitiu o seu recorte em várias imagens parciais.

Peço aos grã-tabanqueiros que viveram em Bafatá, como o Fernando Gouveia,  antigo alf mil em Bafatá, no Comando de Agrupamento nº 2957 (1968/70), autor do livro "Na Kontra Ka Kontra" , e arquiteto de profissão, para as comentar e completar a legendagem. São imagens notáveis, e únicas, que nos ajudam a matar saudades da doce e tranquila Bafatá, princesa do Geba. (LG).
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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11239: Memória dos lugares (225): Olossato, anos 60, no princípio era assim (8) (José Augusto Ribeiro)

Guiné 63/74 - P11292: Notas de leitura (467): A palavra aos desertores portugueses (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2013:

Queridos amigos,
Emigrados em França, Suíça, Países Baixos ou Suécia, os desertores foram rapidamente conquistados pelos movimentos anticolonialistas ou eles aderiram por explícita vontade.
Veremos adiante, na recensão do livro “Armas de Papel”, de José Pacheco Pereira, a natureza e os conteúdos dessa literatura panfletária, com um elevado sabor esquerdista.
O texto de hoje, é uma dessas amostras de jornais policopiados que estavam à venda num reduzido número de livrarias de Paris.
Três desertores resolveram dar a cara. Dois deles tiveram um destino trágico.

Um abraço do
Mário


A palavra aos desertores portugueses

Beja Santos

Vários grupos esquerdistas sediados em França publicaram dossiês que eram vendidos em diferentes livrarias. Este dossiê tem a data de 1970 e podia ser comprado na livraria La Comone, Rua Geoffroy St Hilaire, Paris 13. O ano é de 1970, apela-se, no editorial a um movimento revolucionário português para avançar e pôr termo às ilusões reformistas, recorda que a guerra colonial funciona como o motor dinâmico das lutas de classes. "A finalidade deste caderno é de fazer conhecer alguns aspetos da luta do povo português e favorecer o conhecimento internacional da problemática revolucionária portuguesa". Refere a invasão da Guiné Conacri. Traça um quadro de Alpoim Calvão e entrevista vários desertores, alguns deles combatentes na Guiné.

O primeiro é Manuel Alberto Costa Alfaiate, antigo fuzileiro naval. Queixa-se de que os seus oficiais lhe mentiram ao dizer que tinha vindo para a Guiné exclusivamente para manter a ordem. Um camarada de armas ter-lhe-á dito: se queres saber a verdade desta guerra, vai até à enfermaria. Depois de ter estado em serviço em Bissau, partiu para Garunti, onde viu um superior a matar um velho e uma criança. Desertou em Fevereiro de 1970.

Manuel Fernando Almeida Matos, primeiro-cabo, chegou à Guiné em Janeiro de 1969, participou em várias operações, sobretudo na região de Bula e desertou em Abril. Diz ter assistido a vários crimes praticados por um oficial e um sargento quando chegaram a uma tabanca o oficial ordenara aos seus soldados que executassem civis, os soldados recusaram, o oficial e o sargento executaram a sangue frio 14 homens. Mais tarde perto de Bula viu dois oficiais a cortar as orelhas a um prisioneiro. Afirma estar bem tratado pelos militantes do PAIGC que organizou a sua viagem para a Argélia onde foi recebido pela Frente Patriótica de Libertação Nacional.

Manuel Veríssimo Viseu pertencia à 15ª Companhia de Comandos, combateu em Jabadá, chegou à Guiné em Maio de 1968. Queixa-se que as companhias de comandos eram comandadas por autênticos torcionários, matavam prisioneiros do PAIGC. Quando a 15ª Companhia de Comandos estava em Cuntima, atravessou a fronteira e apresentou-se ao PAIGC. Afirma estar ciente de que lhe tinham imposto vir para a Guiné proteger os interesses dos capitalistas, a tropa estava enganada e ele não queria obedecer mais às ordens dos fascistas. Foi colocado no Lar do PAIGC em Dakar, e depois viajou para Conacri, onde fraternalmente recebido e fez declarações à rádio do PAIGC.

O dossiê inclui também uma notícia publicada no Le Monde de vários desertores portugueses que tinham denunciado numa conferência de imprensa, em Alger, cenas de tortura e execuções sumárias perpetradas por tropas portuguesas. Nessa conferência de imprensa esteve presente Amílcar Cabral que aproveitou para declarar que o Estado-maior português considerava ser impossível reconquistar os territórios da Guiné ocupados pelos guerrilheiros, e igualmente apelou à França para que mudasse a sua política com o regime de Lisboa.

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11272: Notas de leitura (466): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11291: Parabéns a você (549): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense da CCS/BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11264: Parabéns a você (548): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS da CCS/BART 2917 (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 21 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11290: Humor de caserna (32): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (5): A Família Mauser K98 (2)

1. Em mensagem do dia 7 de Março de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos mais este pensamento voador...





Ora cá estamos de novo com outro tema de guerra, tristeza, angústia, e mais um sem número de coisas que os amigos antigos combatentes e não só, ao lerem, se tiverem pachorra para lerem, vão ficar com o coração a transbordar de saudades, e também alguma mágoa destas jovens, que desprotegidas, viram no seu alistamento nas forças militares do seu país, um meio de sobrevivência.

De novo o Cifra vai começar com aquele blá, blá, blá, que já conhecem, e pedindo antecipadamente desculpas às digníssimas leitoras, que sempre têm a amabilidade de abriram a página do Luís Graça & Camaradas da Guiné, ao Luís Graça, Carlos Vinhal e demais editores, que são de uma paciência que “brada aos céus”, mas a linguagem é correcta, é uma cópia da verdade dos factos, só alguns dos antigos combatentes e não só, é que pensam logo coisas que não são, portanto, para os que vivem no mundo onde se fala inglês, vão por certo dizer:
- That story more poignant, the Cipher brings us today!

No mundo onde se fala francês, dizem:
- Cette histoire plus poignante, le Cipher nous apporte aujourd’hui!

Onde se fala germânico, friamente dizem:
- Diese Geschichte umso ergreifender, bringt das Cipher uns noch heute!

No mundo que se fala espanhol, entre dois ou três “zzz”, dizem:
- La historia más conmovedora, la Cifra nos lleva hoy!

Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e depois dizem:


 Perceberam? Não? Deixem lá, pois o Cifra também não percebeu!

E nós portugueses dizemos, numa expectativa quase frustrada:
- Que história mais comovedora o Cifra traz hoje!

Portanto cá vai.
Era uma família rural que vivia num país frio e do que lhe dava a natureza, os tempos não eram de paz, andavam em guerra, os homens eram raros, e os que havia foram combater, muitos morreram.

Elas desde pequenas, habituadas a viver em constante sobressalto, e como os tempos não eram de paz, toda a sua família morreu, ou em combate, ou única e simplesmente ao frio, à fome ou com aquelas enfermidades que sempre vêm a seguir à guerra.


Elas, as duas irmãs órfãs, que restaram desta família, não vendo outro meio de sobrevivência, resolveram alistar-se nas forças militares do seu país, iam para o que desse e viesse, como é costume dizer-se, pois pelo menos, não só iriam ter quem lhes desse de comer, dormir e alguma roupa para vestir, mas acima de tudo, iriam ser como nós já fomos, COMBATENTES. Logo nos primeiros tempos de treino, verificaram que se sentiam bem, mesmo muito bem, a mais velha adorava-a, principalmente quando a colocava, direita, entre as suas pernas, como podem admirar na foto, e a mais nova encostava-se a ela, estamos a falar da Mauser K98, agarrava-lhe no cano, depois com a mão percorria toda a distância que ia até à curva, onde estava o gatilho, aí introduzia o seu dedo indicador, mas nunca apertava, pois podia haver o perigo de um disparo, e no final encostava-a ao peito, com alguma ternura, como podem ver na foto, e fazia-o com tal confiança, como abraçasse a coisa mais importante do mundo, às vezes até dizia que ela, a sua querida Mauser K98, era a razão da sua sobrevivência.

Essa irmã mais nova era uma previlegiada, pois tinha muita pontaria, e os seus superiores vendo essas virtudes logo lhe deram treino e colocaram um telescópio na sua querida Mauser K98, iria ser no futuro uma “sniper”, como podem admirar também na foto, onde ela colocava o olho, mas só no momento de acção, pois às vezes as cápsulas das balas, na altura em que a sua querida Mauser K98 disparava, vinham-lhe pró olho direito, pois o esquerdo estava fechado fazendo pontaria, e ela, podia dar tudo do seu corpo, em favor do seu país, mas no olho, é que não queria levar, com as cápsulas das balas, não, isso não, podia levar em tudo menos no olho, pois a visão era o que ela considerava mais importante, e queria manter para o resto da sua vida.

O Cifra, em homenagem a esta família de combate, vai chamar-lhe “Família Mauser K98”, e virá de novo com mais informações a seu respeito, pois nós antigos combatentes, devido ao nosso passado de combate, temos tendência a gostar que nos falem de “armas e bombas”.

Às vezes dizem que uma boa foto equivale a mil palavras, e neste caso é verdade.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 7 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11206: Humor de caserna (31): Estou a fazer voar o meu pensamento (António Borié) (4): A família Mauser K98

Guiné 63/74 - P11289: Blogpoesia (330): No Dia Mundial da Poesia... Como é bom rever-te, Lisboa, Tejo e tudo (Luís Graça)




Lisboa, Mouraria, Largo da Severa > 11 de setembro de 2011

Foto:  © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados

1. No Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013... Para os amantes de Lisboa, para a Lisboa dos amantes... LG


O reordenamento de Lisboa, Tejo e tudo 
Luís Graça

Lisboa, sete colinas,
o rio, uma paixão,
que deram origem
à arte e à ciência da olissipografia.
E tu, querida,  eras uma das meninas
que ficava bem,
à janela,
recortada em pórtico manuelino
da Casa dos Bicos
ou no laranjal
da estória da Nau Catrineta,
desenhando frágeis castelos de Espanha
nas areias movediças de Portugal.

Lisboa, menina e moça,
tu podias não saber nada
de geografia,
nem da didática da educação de adultos,
nem da fisiologia do coração,

nem de macroeconomia,
nem de desenho a três dimensões,
nem do risco sísmico,
nem sequer do simples risco de existir e de estar viva.
Mas sempre tiveste por perto
o estúpido pirata de perna de pau,
vesgo e maneta,
irrompendo os teus sonhos
com o pesadelo do sentimento de um ocidental
na ponta mais fina de uma espada
guardada na Torre de Belém.

Lisboa, o casario, o castelo, a mouraria,
e rente ao chão,
a devoção, a procissão
da Senhora da Saúde,
que nos valia nos anos de peste,
nos meses de guerra,
nas semanas de fome
e nos dias de depressão,
a depressão funda, cavada,
do vale de Alcântara até Xabregas.

Lisboa, a Torre do Tombo,

os livros, os incunábulos,
os alfarrabistas,
as pedras, as cantarias,
as traves mestras
que nos falam da cidade
em construção,
dos arquitetos,
dos trolhas,
dos estucadores,
das gaiolas pombalinas,
dos tristes, saudosos da partida,
dos pintores de tabuletas
e de retábulos dourados das igrejas,
dos aguadeiros,
do poço do mouros
e do poço dos negros,
dos almoxarifes,
dos vedores,
dos provedores,
dos coveiros da pátria,
dos enfermeiros-mores,
dos físicos e dos tísicos,
do Carmo e da Trindade,
outrora de pedra e cal,

dos agiotas,
das tenças e das mercês,
dos engenheiros hidráulicos,
dos agrónomos,
dos agrimensores,
dos silvicultores do pinhal d’el-rei,
dos santos inquisidores,
das freiras e das frieiras
que é coçá-las e deixá-las

no cemitério de todos os prazeres.
Ah, aí onde a vida acaba
na ponta de uma naifa
no Bairro Alto
das fadistas

e na Baixa Chiado dos seus chulos.

Mas não de tédio,
minha querida,
diz o pregão da varina,

nem de desesperança,
que ainda a noite é uma criança,
e enquanto houver o 28 para a (Des)Graça
com bilhete de ida e volta,
as Escadinhas do Duque
ou a Calçada do Combro
e os escombros do terramoto
por subir, trepar ou escalar.
E os filetes de alfaquique
ou peixe-galo
com açorda de ovas

que não vão à mesa do rei.
E os pastéis de Belém com IVA
e o bife dos ricos
à Marrare
e as iscas, dos pobres,  com elas
nas carvoarias dos galegos
e o cheiro a carvão e a sardinha,
linda que tresanda
nas ruelas e vielas dos bairros populares,

por fim reordenados,
e livres do tifo, da febre amarela, da cólera,
do bacilo de Koch
e das paixões cegas da alma.
E o Portugal very tipical
do António de Ferro,

descalço e de barrete,
com que te quiseram tramar;
e as sécias e os peraltas da Belle Époque
que a Avenida da Liberdade
acaba na rotunda das edificantes públicas virtudes
e no beco dos mais torpes vícios privados.

Tu, terna, eterna, Olissipo, 
onde o azul do céu é único,

diz o ofício do turismo,
e nos leva a todos os caminhos do infinito.
Ulisses sabia-o
e bem guardado estava o segredo
do mais fundo do tempo.
E por isso fundeou no estuário do teu Tejo,

e te fundou e fecundou,
e trouxe com ele 
a caixinha de Pandora,
e os perfumes inebriantes
das mais belas:
troianas,
fenícias, gregas,
cartaginesas, romanas,
celtas, ibericíssimas,
godas, visigóticas,
mouras, berberes, azenegues, 

futa-fulas, mandingas, pretas da Senegâmbia,
crioulas de carapinha e olhos verdes,

ameríndias, guaranis, 
bárbaras, belas, pérfidas,
ubérrimas,
santas e penitentes,
errantes, caminhantes,
místicas, algures perdidas,
loucamente perdidas
nos caminhos marítimos para as Índias.

Que te importa, amor, 
se Lisboa já não é
uma praça forte,
uma bolsa contra os valores
daqui d’ el-rei
que o paço e o terreiro,
o trono e a régia cabeça,
tremem e estremecem,
entre o Martinho e a Arcádia,
na iminência de um ataque
terrorista

ou da implosão do euro.
Dantes chamava-se anarquista,
à bomba regicida,
quando a palavra de ordem era
a bolsa ou a vida, abaixo o Estado!
E não havia as avenidas novas,
do Ressano Garcia,
nem o risco dos engenheiros,

nem o cordão sanitário,
nem a construção a custos controlados,
nem o prémio Valmor,

nem o Siza nem o Moura,
nem o fundo de mão de obra,
nem o Dow Jones ou o NASDAK.
Nem a apagada e vil tristeza
que te matou, meu irmão Luís de Camões.

E estavas tu, querida,
postada à janela,

descalça e de xaile preto,
em sossego e bom recato,
com vistas largas
para o casario, a sé, o castelo,
o mar da palha,

o mundo vário,
a rua do ouro e a da prata,
o augusto senhor dom José a mata-cavalos,
a serra, a arrábida fóssil,
a armada outrora invencível,
a ribeira das naus,
o turista, o voyeurista,
o motorista
do senhor ministro sem pasta
nem forragem para o gado na canícula do verão,

nem para os puros sangues lusitanos da alcáçova,
nem sangue nem soro para os heróis menores, anónimos, 

da guerra colonial
que vieram morrer na praia
do 10 de junho,
o velho do Restelo,
que já foi praia sem bandeira azul nem glória,
o velho do Restelo agora ainda mais velho
e mais estupidamente lúcido e cruel,
o Cesário e a sua idiossincrasia,
o Cesário, verde e rubro,
nos estádios dos eurofutebóis,
mais o Eça de Queiroz,
o estrangeirado,
que te amava à maneira dele, 

a Sofia, a deusa, a olímpica,
o Almada e os seus marinheiros sem futuro,
o Ary, provocateur, panfletário,

mais o O'Neil, que era tão louco quanto irlandês,
e o luminoso Eugénio de Andrade,
e ainda a Amália 

e a nossa estranha forma de vida,
e tantos outros poetas que te cantaram,
e que morreram de amores por ti.
Ah, e o Pessoa, subindo e descendo o Chiado,
de braço dado contigo,
recitando-te o heterónimo:
A rapariga inglesa, tão loura, tão jovem, tão boa
Que queria casar comigo…
Que pena eu não ter casado com ela…

Teria sido feliz.
Mas como é que eu sei se teria sido feliz ?


Esquece o Álvaro, o Campos, o sedutor,
e deixa-me pôr-te a caminhar
pelos caminhos ínvios e íngremes
desta cidade-sortilégio,
que
nós amamos no singular 
e maltratamos no plural…
E se, contudo,
há um privilégio,
é sempre o da amizade e do amor,
é esse de poder ter-te
ao alcance da mão e do coração
dos amantes,
entre a Rua Augusta e o Cais de Sodré,
ou de permeio,

no Terreiro do Paço,
entre a liberdade sem rua nem abrigo
e os segredos de polichinelo da tua caixa de correio.
É, enfim, esse privilégio de poder dizer-te,
no regresso da última nau do império:
Como é bom rever-te,
Lisboa, Tejo e tudo.

Lisboa, Terreiro do Paço, maio de 2006