1. O nosso Camarada José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos - Canjadude -, 1969/71), enviou-nos em 30 de Setembro de 2010 uma mensagem, com a apresentação e o depoimento do nosso Camarada Alberto José dos Santos Antunes, que foi Furriel Miliciano na sua Companhia, a CCAÇ 5 “Gatos Pretos” e também da sua especialidade – Transmissões de Infantaria.
Camaradas,
Estou a enviar para o Blogue, o depoimento do Gato Preto, Alberto Antunes, que vai ser publicado na revista ”Domingo” que vem anexa no Jornal Correio da Manhã (edições dos Domingos).
O Alberto Antunes quer fazer parte da nossa Tertúlia e vem solicitar que seja aceite na Tabanca Grande como membro, comprometendo-se a cumprir e respeitar as normas do blogue e a enviar a sua história de guerra.
Um abraço
José Corceiro
1.º Cabo TRMS da CCaç 5
Alberto José dos Santos Antunes, 63 anos de idade, natural de Coimbra a residir actualmente em Ançã, Concelho de Cantanhede, Distrito de Coimbra, casado, dois filhos duas netas, Ex Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria, actualmente Engenheiro aposentado do Departamento de Física Universidade de Coimbra.
Eu na recruta em Santarém > Janeiro de 1969
Em 8 de Janeiro de 1969 fui forçado a abandonar os estudos em Coimbra, para frequentar o 1º ciclo do Curso de Sargentos Milicianos, na Escola Prática de Cavalaria em Santarém.
Após tirar a Especialidade de Transmissões de Infantaria em Tavira fui colocado RAL 2 em Coimbra, mas por razões que até hoje não consegui apurar (fui parar) ao RI 8 em Braga para dar instrução a recrutas do contingente geral.
Fui mobilizado para a Guiné, sem destino definido, quando ainda me encontrava no RI 8 em Braga.
Navio Mercante Arraiolos > Utilizado no meu transporte para a Guiné
Marcado o embarque para antes do Natal de 1969, adiado para depois do Natal desse ano, embarquei no Navio Mercante Arraiolos que dispunha de sete camarotes e transportava material de guerra, tendo sido promovido a Furriel Miliciano à data de embarque, fiz a viagem com mais seis elementos da classe de sargentos.
A chegada à Guiné não foi muito surpreendente pois nunca tive ideia de encontrar uma província desenvolvida.
Tinha um lema que era “viver um dia de cada vez e pensar que o dia seguinte seria melhor que o anterior ” o que me ajudou a passar o melhor possível os 2 anos e seis dias de comissão.
Partida para o Olossato
Ao fim de vários dias a tentar saber no Comando Chefe qual era a Companhia onde iria ser colocado, recebi finalmente informação que me deveria deslocar para o Olossato, onde se encontrava a Companhia de Caçadores 2402. Informaram-me também no Comando Chefe que de madrugada sairia da Companhia de Transportes uma coluna de abastecimentos destinada a Bissorâ, lá fui de madrugada com a bagagem que tinha trazido do Continente, para o local onde partiria a coluna, apresentei-me ao Oficial Comandante da coluna e embarquei, segui para Safim seguidamente para Mansôa e depois de muitos saltos e muito pó cheguei finalmente a Bissorã, segui em coluna da Companhia, onde tinha sido colocado, que andava a fazer protecção à estrada Olossato Bissorã.
Aplicou-se aqui aquela máxima “ a tropa manda desenrascar”porque quem ia para a Guiné em rendição individual ou se desenrascava ou perdia-se.
Emblema da CCAÇ 2402
Chegado ao Olossato deparei com uma Companhia em fim de Comissão e próximo da mata do Morês local muito perigoso. Um periquito no meio dos velhinhos.
Não encontrei o Furriel de Transmissões que ia substituir, (até hoje ainda não consegui saber quem fui substituir e porquê), só encontrei o Cabo Cripto e o já falecido Cabo Ferro de Transmissões que era de Coimbra, além de outros elementos de transmissões de que não me recordo os nomes.
Mostraram-me a Secção de Transmissões e os seus elementos, depois de estar inteirado de tudo, fiz a pergunta que achava mais pertinente, para onde vamos se formos atacados? Essa sim era a minha grande preocupação no momento.
Eu em cima do abrigo destinado às transmissões > Olossato
Foi me indicado qual o abrigo destinado aos elementos de Transmissões em caso de ataque.
No dia 6 de Fevereiro de 1970, às 18,50 tive o meu baptismo de fogo, quando um grupo inimigo estimado, entre 10 a 15 elementos flagelou com morteiro 82 e armas ligeiras automáticas a povoação e o quartel do Olossato , deste ataque não resultou nenhum ferido militar, tendo a povoação de etnia balanta que realizava um casamento, sofrido 7 mortos, 36 feridos graves e 55 feridos ligeiros.
Evacuação de civis após o ataque ao Olossato
Após a contagem dos feridos a precisarem de evacuação, foi enviada uma mensagem para o Comando Chefe em Bissau que disponibilizou para o dia seguinte um avião Dakota (Douglas C-47 Skytrain) para transportar os feridos graves do Olossato para Bissau.
A minha estadia na Companhia foi curta, pois ao conferir a carga do material de transmissões verifiquei que havia muitas faltas e ao dar conhecimento ao Comandante da Companhia, o mesmo disse-me que esse material deveria estar no destacamento de Có em Teixeira Pinto ou em outros locais onde a Companhia tinha estado, que o melhor seria eu ir lá buscá-lo.
Lá vim de regresso a Bissau cumprindo ordens, pois alguém não soube guardar convenientemente o material.
Desloquei-me ao aeroporto de Bissalanca onde de vez em quando se conseguiam arranjar uns transportes mais rápidos e assim foi, um Major Piloto ia fazer um revis numa DO 27 (Dornier 27), para a zona de Teixeira Pinto e cedeu-me um lugar, mas como verificou que era eu novo por aquelas paragens resolveu pregar-me uns sustos, pois sabia onde se encontravam os poços de ar que fazem estes frágeis aviões descer uns metros e como quem pede não escolhe lá tive que segurar o meu estômago.
Chegado a Teixeira Pinto com os números de série do material, só com a boa vontade dos elementos das Companhias no locais foi possível recuperar o material na totalidade, tendo mesmo sido necessário deslocar-me sozinho com um motorista num jipe a Jolmete local onde em 20 de Abril de 1970 seriam degolados os 3 Majores e um Alferes, de regresso passei por Có onde recuperei o resto do material que era na maior parte constituído por componentes do emissor receptor ANGRC-9 , como emissores, receptores, geradores de campanha e elementos de antenas verticais entre outros.
Com o material em caixotes apanhei coluna de Có para Mansôa tendo de atravessar no Ferry no Rio Mansoa, local onde se encontra agora construída a ponte Amílcar Cabral, chegado a Bissau entreguei o material ao Alferes Brito que chefiava a Comissão liquidatária e segui para o Olossato, para fazer as malas e regressar a Bissau.
Nestas andanças consegui passar o dia do Pai 19 de Março que também é o dia dos meus anos, em Bissau.
Durante o tempo que permaneci no Olossato fui professor nas escolas regimentais que ministravam o ensino primário.
Em 24 de Abril de 1970 regressei a Bissau em coluna com dois grupos de combate da Companhia de Caçadores 2402 em fim de comissão, coluna essa comandada pelo então Capitão Vargas Cardoso.
Acompanhei o Comandante da Companhia de Caçadores 2402 ao Comando Chefe onde foi entregar a informação sobre a minha pessoa, que posteriormente consegui saber não ter abonado nada a meu favor pois em termos gerais, dizia: - “Devido ao pouco tempo da minha permanência na companhia, não tinha elementos suficientes para me classificar”, claro que não teve em conta quem andou pela Guiné a correr perigos, à procura dos rádios e outro material e transmissões perdidos.
O comandante de Companhia tinha conhecimento da gravidade da perda desse material.
Esta informação valeu-me o passaporte para outro lugar perigoso Canjadude Companhia de Caçadores 5.
Antes de partir para Canjadude fui ao Cais de Bissau onde ainda se encontrava fundeado o navio Carvalho Araújo com os elementos da C.Caç 2402 entre outros, com a finalidade de conhecimento ao Comandante da Companhia do resultado da informação que tinha prestado sobre a minha pessoa.
Não vou relatar aqui o meu encontro com o Comandante de Companhia, no navio Carvalho Araújo, por achar a conversa pouco curial.
Emblema da CCAÇ 5
A C.Caç 5 era uma companhia de guarnição normal do comando territorial Independente da Guiné (C.T.I.G.), constituída uma maioria de militares africanos, sendo os quadro dos pelotões e dos restantes serviços, prestados por militares do Continente.
A C. Caç 5 era a Companhia que se encontrava mais próxima de Madina do Boé, depois da retirada de Madina e do Ché-Ché.
Partida para Canjadude
Indicaram-me no Comando Chefe que nessa noite partia uma lancha civil do cais de Bissau com destino a Bambadinca.
No cais encontrei alguns elementos da companhia que se encontrava em Bambadinca que me foram dando algumas instruções, lá embarcamos navegamos rio Geba acima, durante a noite e a certa altura do percurso foi dito pelo comandante da lancha que os militares que se encontravam no barco, deveriam esconder-se debaixo dos oleados existentes, assim procedemos e só depois soubemos que o barulho que ouvimos quando estávamos escondidos debaixo do oleado era resultante da descarga de mantimentos para o P.A.I.G.C., pois o barco tinha encostado para descarregar .
Seguimos viagem desta vez já fora do asfixiante oleado, sentindo a certa altura o casco do barco a tocar no chão, pois a maré estava a descer.
Chegado a Bambadinca consegui transporte para Nova Lamego numa coluna de Pára-quedistas que fez o trajecto tão rápido que quase não dava para ver a estrada.
Pernoitei em Nova Lamego na delegação da companhia C.Caç 5, consegui mais uma vez transporte aéreo, desta vez porque a companhia se encontrava em operações e não podia organizar coluna a Nova Lamego, então aproveitando mais uma vez um DO 27 que ia fazer uma revisão lá segui eu de Nova Lamego para Canjadude, onde cheguei no dia 24 de Maio de 1970.
Quando cheguei à C. Caç 5 Companhia dos Gatos Pretos (Justos e Valorosos), estava a proceder-se à substituição do Comando, estando presentes dois Capitães o Capitão Borges que estava de saída e o Capitão Costeira que iria ficar a comandar a Companhia, por essa razão os meu contactos foram sempre com o Capitão Costeira que seria o Comandante da Companhia durante os 19 meses da minhas da minha comissão.
Considero o Capitão Costeira como um bom comandante, sempre atento a todos os seus homens, com que mantinha contacto constante, mantive durante toda a minha comissão um excelente relacionamento com Capitão Arnaldo Costeira.
Chegado a Canjadude estava à minha espera o Furriel Martins de Transmissões a quem eu ia substituir (José Marcelino Martins, que elaborou artigo que foi publicado nas páginas 34 e35 da revista domingo do Correio da Manhã de 11/7/10).
Foram-me apresentado os elementos da Secção de transmissões que se encontravam naquele momento na unidade bem como as instalações da secção.
Os elementos da Secção de transmissões eram intitulados os “Barões das Transmissões”.
A secção de transmissões era constituída por um Furriel de Transmissões, Cabos Telegrafistas, Cabos Transmissões e um ou dois Soldados de Transmissões, um ou dois cabos Operadores Cripto, que perfaziam um total de 10 a 15 elementos, este número de elementos estava constantemente a variar, visto a C.Caç 5 ser um Companhia constituída por elementos de rendição individual.
Dispunha a Secção de Transmissões de um posto rádio onde eram enviadas e recebidas as mensagens vindas de vários locais onde o alcance dos emissores - receptores permitiam, chegando por vezes e devido à qualidade dos nossos serviços, servir de contacto entre outras companhias e o Batalhão.
Um Centro Cripto onde se encontrava um operador cripto que encriptava e desencriptava as mensagens que lhe eram entregues.
Um Gabinete de apoio a toda a Secção onde me encontrava e onde era feita toda a logística da Secção de Transmissões.
A logística era feita por mim e pelo Cabo de trms. Armando Pinto, que me substituía na minha ausência.
Preparação da viatura de transmissões para coluna a Nova Lamego > Eu estou ao volante. Atrás do lado esquerdo 1º Cabo Trms Corceiro. Do lado direito está o condutor da viatura
Estava destinada à Secção de Transmissões uma viatura Mercedes de Caixa aberta onde no cavalete era colocado um suporte para fixação através de correias o emissor receptor AN/GRC-9 , mais ao lado era afixado o suporte de antena vertical, no lastro da viatura eram colocadas duas baterias que alimentavam o referido rádio, o operador rádio sentado num caixote comunicava com a Companhia durante os trajectos.
Como não poderia deixar de ser devido à importância que as Transmissões têm em palco de guerra a organização desta secção tinha que ser irrepreensível.
Comandei a Secção de transmissões durante cerca de 19 meses tentando durante todo esse tempo, manter um bom relacionamento, com todos os elementos.
Não posso considerar que tive muitas saídas em operações, pois devido ao meu posto só saia para o mato a nível de companhia, e essas sim eram operações de alto risco.
Posso considerar que dispunha de um grupo de homem muito bons no que faziam, reunia com eles sempre que possível, para transmitir informações, não interferia em escalas de serviço, eles organizavam as referidas escalas davam-me conhecimento.
A Secção de Transmissões da C.Caç 5 era considerada das melhores Secção de Transmissões do Batalhão sediado em Nova Lamego.
No campo de promoção cultural como professor colaborei nas escolas regimentais da 3ª classe, para permitir aos soldados a obtenção de uma melhoria das suas condições socioeconómicas.
1º Cabo Radt Alex junto à viatura acidentada na mina de 3 de Agosto de 1970
Em 3 de Agosto de 1970 preparou-se uma coluna a Nova Lamego, nesse dia também eu iria a Nova Lamego local onde se podia comer uma bifana, pela manhã viaturas perfiladas, eu já de camuflado vestido e G3 ao lado, quando surge o Cabo Armando Pinto com um ar infeliz que me diz: “ Meu Furriel desculpe mas, eu passei uma noite horrível com dor de dentes, tenho que ir a Nova Lamego ao médico” ao irmos os dois poríamos em causa a logística da Secção de Transmissões, por essa razão foi o Cabo Pinto e fiquei eu.
Fiquei como é habito a ver sair a coluna, seguidamente sai da parada fui ao Posto Rádio para saber se havia comunicações da coluna com a Companhia estava tudo normal sai do posto rádio.
Estava a sair do Posto rádio quando ouvi um forte rebentamento, barulho vindo do lado da estrada de Nova Lamego, vi logo o que se tinha passado, não sabíamos pormenores pois a mina tinha rebentado , debaixo da roda da viatura de transmissões, preparou-se nova coluna para ir ao encontro da coluna acidentada.
De Nova Lamego foi preparada uma coluna com reboque para trazer a viatura destruída, pela mina.
Momento de lazer com alguns elementos de transmissões no posto de rádio. Da esquerda para a direita: 1º Cabo Tms Pimenta, 1º Cabo Cripo Albino, 1º Cabo Trms Gaspar, Eu, 1º Cabo Trms Esteireiro, 1º Cabo Trms Pinto e 1º Cabo Radt Faria
A viatura acidentada era a Mercedes caixa aberta destinada à Secção de Transmissões, que com a roda direita accionou uma mina anti –carro.
Daqui resultou a morte imediata do Furriel Atirador Cecílio que ia de pé ao lado condutor no lugar que me era destinado, sempre que eu me deslocava na viatura, visto ser esta a viatura de transmissões.
Faleceu também neste acidente da mina o 1º Cabo Aux. Enf. Carlos Diniz que seguia na viatura de transmissões acidentada.
O rebentamento foi de tal intensidade que o rádio que se encontrava fixado à viatura foi projectado a 50 metros de distância o mesmo acontecendo às baterias de alimentação que ficaram completamente destruídas.
Ao chegar ao aquartelamento o Cabo Pinto muito assustado, ainda teve tempo para me dizer Furriel se tivesse ido nesta coluna estava agora como o Furriel Cecílio.
Felizmente aquela mina não me estava destinada “Pois a dor de dentes do Cabo Armando Pinto tinha evitado a minha ida a Nova Lamego no lugar onde ia o malogrado Furriel Cecílio ”.
Momento de lazer junto à secretaria da companhia. Em 2º plano (ao volante) Cap Costeira, atrás (pernas pendentes) Eu. Em 3º plano (da esquerda para a direita) Fur Mil Penha, Fur Mil Aman. Perestrelo. Desconheço o nome dos africanos do 1º e 4º planos
Em todas as operação em que que estive presente a que considero mais complicada foi a operação “Duas Quinas” em 11 de Fevereiro de 1971 quando a C. Caç 5 retomou o destacamento do Ché-Ché, com mais dois pelotões da C. Art. 3332, a operação teve inicio em Canjadude era composta por 4 pelotões da C. Caç 5 e dois pelotões da C. Art 3332, o deslocamento até ao destacamento do Ché-Ché fez-se muito devagar pois teve que ser picada toda a estrada, chegados ao Ché-Ché retiraram-se todas as armadilhas existentes no Cavalo de Frisa (porta móvel constituída por arame farpado e madeira) a única viatura que entrou dentro do destacamento foi a Mercedes Benz ( viatura de Transmissões).
Estava a começar a escurecer ainda se encontrava o Cabo Silva e Cabo Viriato em cima das árvores a fixar as antena ( mencionado em louvor do Comandante de Companhia que segue em anexo)para o emissor-receptor AN/GR-C9 que iria ser o nosso meio de comunicação com Canjadude, quando se ouviram rajadas de metralhadora, rapidamente desceram e protegemo-nos, verificamos que o fogo vinha da margem esquerda do Rio Corubal, ou seja do lado da já abandonada Madina do Boé, respondemos ao fogo com tiro de morteiro, tudo voltou à normalidade, mas passadas 2 horas novo ataque desta feita com armamento mais pesado, cerca de duas em duas horas até ao nascer do sol fomos atacados, cada vez o armamento era mais pesado, por fim já se ouviam viaturas de transporte do outro lado do rio.
Ainda me lembro do Capitão Costeira de ter dito antes do ataque “Antunes guarde um lugar na viatura pois eu vou ai dormir “, mas a verdade é que ninguém dormiu.
Todos desejávamos o nascer do sol pois ai surgiria o apoio aéreo já pedido durante a noite, logo que o dia começou a clarear começou a ouvir-se o regresso das viaturas do outro lado do rio, deslocamento talvez para a Guiné Conakry.
Quando o dia nasceu tivemos a triste noticia que o soldado atirador João Alberto Lopes Vilela da Companhia de Artilharia 3332 que nos acompanhava nesta operação tinha morrido com um estilhaço.
Pela manhã não surgiram os fiat’s, para bombardear o local mas sim dois T6 , destinados a proteger o helicóptero onde se deslocava o Sr. General Spínola, mais o seu ajudante de Campo Almeida Bruno, que logo que saiu do helicóptero a primeira pergunta que foi feita... (onde está o Furriel de Transmissões), feitas as apresentações e depois de se inteirarem da situação pelo Cap. Costeira, O Ajudante de Campo solicitou-me que comunicasse com os T6 que faziam protecção, que bombardeassem a margem esquerda ao que os Pilotos dos T6 responderam de imediato lançando dois rockets para o local indicado.
De regresso a Canjadude a secção de Transmissões transportou e velou na viatura que lhe estava destinada o malogrado João Alberto.
Final de operação. Em 1º plano (da esquerda para a direita) Eu, com o rádio AVP-1, Fur Mil Alves com uma metralhadora. Não me recordo do nome dos restantes elementos
Fiz outras operações na companhia mas felizmente sem contactos.
Em 22 de Julho de 1971, próximo da hora de Jantar o grupo inimigo emboscado, junto à pista de aviação fez fogo com 3 canhões sem recuo sobre o aquartelamento direccionando o seu fogo para a parte central da companhia e para as pedras uma das granadas rebentou e destruiu completamente o abrigo de metralhadora que se encontrava junto ao abrigo de Sargentos perto da pista outra entrou na enfermaria a terceira rebentou nas pedras, e a partir dos três primeiros tiros todas as granadas rebentaram nos mangueiros cortando completamente todas as antenas horizontais existentes que se encontravam fixadas nos mesmos.
As transmissões da companhia passaram-se a fazer a partir desse momento e enquanto não eram repostas as antenas destruídas, pelo rádio PRC-10 que comunicava através de uma antena vertical que felizmente só foi afectada nas espias de suporte.
Foram disparadas cerca de 60 granadas de canhão sem recuo ou sejam cerca de 20 por canhão, só se verificaram as mortes de dois soldados africanos que se encontravam de sentinela no posto por cima do abrigo dos sargentos, talvez a sua morte se deva a estilhaços resultantes rebentamento da granada que destruiu o abrigo de metralhadora.
Operação Duas Quinas > Em 1º plano deitado estou Eu. Em 2º plano (sentados da esquerda para a direita): Fur Mil Moreira e Cap Costeira. Em 2º plano (da esquerda para a direita) Fur Mil Ramos (já falecido) e 1º Cabo Trms Silva. De pé (do lado esquerdo) Alf Mil Sousa e Silva e do lado direito 1º Cabo Trms Lúcio
Durante o tempo que estive em Canjadude tentei e consegui manter-me máximo de tempo ocupado, à noite depois de jantar era a hora da bica que era tomada num bar de oficiais e sargento e cuja decoração esteve a cargo dos mesmos, e cujo nome era CHAT NOIR CLUB, pela noite fora se cantavam as canções do cancioneiro da C. Caç 5.
Tertúlia no Chat Noir Clube > Em 1º Plano (da esquerda para a direita sentados) Fur Mil Germano (já falecido), Fur Mil Vag. Agostinho, Alf Martins, de pé estou Eu e de costas o Fur Mil Caetano. Atrás do Balcão (da esquerda para a direita) Fur Mil Moreira e Fur Mil Ramos (já falecido)
Para quem gostava de jornalismo ou de escrever alguns artigos foi criado pelo o Capitão Costeira o Jornal O Gato Preto.
Eu junto à placa toponímica de Canjadude
Saí de Canjadude em fim de comissão e depois de pagar o Leitão (da praxe) assado à moda da Bairrada, no dia 4 de Dezembro de 1971, por deferência do Capitão Costeira, pois o meu substituto já se encontrava em Bissau a estagiar (o que não me foi concedido a mim quando cheguei à Guiné) e porque a Secção trabalhava quase automaticamente.
Chegada o Bissau era altura de procurar transporte para a metrópole, não havia barco, mas disseram que se quisesse poderia aproveitar o transporte em avião militar um quadrimotor Douglas C-54 Skymaster, que sairia dentro de dias.
Foi uma correria a arranjar caixote para despachar o que tinha por barco pois o avião tinha limite de bagagem.
E finalmente em 6 de Janeiro de 1972 de noite aterrei no aeroporto do Figo Maduro depois de ter feito uma escala técnica em Cabo Verde.
Não pretendo dizer que sou melhor ou pior que os outros pois cada um tem a sua maneira de sentir as situações, e perante certas situações uns choram outros riem e outros ainda não choram nem riem.
Considero que fiz amizades que ainda hoje perduram, e quando se fala com alguém que já não se vê à quase 40 anos e se consegue manter um diálogo e dar um abraço, é porque algo existe entre essas pessoas.
Nunca iria voluntário para uma guerra destas, mas depois de lá estar teria que fazer o meu melhor, pois de mim dependia muita gente.
Claro que tinha um grupo de homens bons, de que muitos não se podem orgulhar, mas esses homem tem que ter confiança em quem o chefia, tentei e tenho a certeza que consegui.
Louvor
Um abraço
Alberto Antunes
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7069: Recortes de imprensa (32): A guerra do José Casimiro Carvalho, CCAV8350 e CCAÇ 11, 1972/74 (Correio da Manhã)