Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7048: A minha CCAÇ 12 (7): Op Pato Rufia, 7 de Setembro de 1969: golpe de mão a um acampamento IN, perto da antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, morte do Sold Iero Jaló, e ferimentos graves no prisioneiro-guia Malan Mané e no 1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus (Luís Graça)
Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que me reencontrei com a malta de Bambadinca (1968/70), incluindo os meus camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades adidas ao comando do BCAÇ 2852.
Na foto, estão alguns camaradas que participaram comigo na Op Pato Rufia, 7 de Setembro de 1969, agora aqui evocada... Não tenho a veleidade de ter boa memória, mesmo assim arrisco uma legenda: na primeira fila, da esquerda para a direita: Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vivia no Porto, na altura ]; sold cond auto Diniz Giblot Dalot [, empresário, vive em Aljubarrota, Prazeres]; um antigo escriturário da CCS/ BART 2917 (morava em Fão, Esposende); Alf Mil Inf António Manuel Carlão [,casado com a Helena, comerciante, vive em Fão, Esposende]; Fur Mil Arlindo Teixeira Roda [, natural de Pousos, Leiria; professor em Setúbal; damista, grande jogador de king e de lerpa, no nosso tempo, a par do Humberto Reis]; Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques [, prof univ., fundador deste blogue, vive em Alfragide / Amadora]; Arménio Monteiro Fonseca (taxista, no Porto, da empresa Invictuas, táxi nº 69, mais conhecido no nosso tempo como o "vermelhinha"); Fur Mil José Luís Vieira de Sousa [, natural do Funchal, onde vive, agente de seguros]...
Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita: Fernando Carvalho Taco Calado, Alf Mil Trms, CCS/BCAÇ 2852; Alf Mil Manutenção Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852; Fur Mil António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive em Martingal, Sagres, Vila do Bispo]; Capitão Inf Carlos Alberto Machado Brito [, Cor Ref, vive em Braga, passou pela GNR]; n/s; major Cunha Ribeiro, mais conhecido por "major elétrico", 2º comandante do BCAÇ 2852; Fur Mil Op Esp Humberto Simões dos Reis [, engenheiro técnico, vive Alfragide / Amadora; na foto, escondido, de óculos escuros]; n/s; Alf Mil Cav José Luís Vacas de Carvalho, Pel Rec Daimler 2206; Alf Mil Inf Mário Beja Santos, Pel Caç Nat 52; Fur Mil António Fernando R. Marques [, natural de Abrantes, vive em Cascais, empresário reformado]; Manuel Monteiro Valente (de bigode e de perfil, ex-1º Cabo, 1º Gr Comb, CCAÇ 12, apontador de dilagrama; Abel Rodrigues (hoje bancário reformado, ex-Alf Mil, 3º Gr Comb, CCAÇ 12); Alf Mil Op Esp Francisco Magalhães Moreira [, vive em V. N. Famalicão ou Fafe, se não erro]; Fur Mil Joaquim Augusto Matos Fernandes [, de óculos escuros, engenheiro técnico, vive no Barreiro]; 1º Cabo Carlos Alberto Alves Galvão [, o homem que foi ferido duas vezes numa operação, vive na Covilhã]; Fernando Sousa (ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 12, vive na Trofa); e, por fim, 2º Sarg Inf Alberto Martins Videira [, vive ou vivia em Vila Real].
Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paúnca > CCAÇ 11 > Pós-25 de Abril de 1974 > O ex-Fur Mil Op EspJ. Casimiro Carvalho, empunhando um RPG2 (ou 7 ?), e posando para a fotografia com um roqueteiro do PAIGC. O Malan Mané, aqui referido no texto a seguir, também era apontador de RPG2, na altura em que foi feito prisioneiro no decurso da Op Nada Consta (*).
RGP em russo quer dizer Ruchnoi Protivotankovii Granatomet (lança-granadas anti-tanque). Era uma temível arma que datava dos finais de 1940 ou princípios dos anos 50. Deixou, entretanto, de ser usada pelo exército russo por volta de 1960, sendo substituída pelo RPG 7, mais sofisticado e eficaz.
Esta arma era muito popular entre os grupos de guerrilha existentes em todo o mundo. Era a bazuca dos pobres... Na Guiné, era uma arma de má memória, altamente temida por nós (e pelo próprio PAIGC, quando usada com eles); matou e estropiou muitos camaradas nossos...
É uma arma muito leve (tubo= 2,86 kg.; tubo + granada= 4,48 kg.) e de fácil manobra: 0, 95 m de comprimento (o tubo) ou 1,20 m (tubo + granada). Rapidez: Até 6 tiros por minuto. Velocidade máxima: 84 m por segundo. Alcance efectivo= 100 metros. Munição: PG2, granada altamente explosiva, de pólvora preta. Penetração em chapa blindada: até 180 mm. (Agora imagine-se em pele, carne e osso...).
Especificações técnicas / Technical details: Fonte/Source: Cortesia de/ Courtesy of The Sword of Motherland Foundation (2000-2007)
Foto: © J. Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados
Resumo: A CCAÇ 2590/CCAÇ 12, composta por quadro metropolitanos, chegados à Guiné em finais de Maio de 1969 , e por soldados africanos, praticamente todos oriundos do chão fula que tinham feito a sua instrução básica e de especialidade em Contuboel, é dada como operacional, a partir de 18 de Julho de 1969.
Colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, fica pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Tem o seu baptismo de fogo logo imediatamente a seguir, em Madina Xaquili, ainda em Julho de 1969 e em farda nº 3, no sub-sector de Galomaro .
1. A minha CCAÇ 12 > Op Pato Rufia: golpe de mão a um acampamento do IN, perto da antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, morte do Sold Iero Jaló, e ferimentos graves no prisioneiro-guia Malan Mané e no 1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus
por Luís Graça
O guerrilheiro Malan Mané que foi aprisionado pelos pára-quedistas, na Op Nada Consta (*), realizada em conjunto com a CCAÇ 12 e outras forças, ficou depois à disposição do comando do BCAÇ 2852, na sede do sector L1, em Bambadinca. Sujeito a interrogatório (e explorando-se o seu estado psicológico), forneceu informações que levariam à localização de um outro acampamento IN, desta vez no sub-sector do Xime.
Tratava-se de um destacamento avançado, a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelamente à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata cerca de 150 metros.
O prisioneiro estivera lá três meses antes, e na altura os efectivos eram de cerca de 40 homens (mais ou menos um bigrupo), incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocavam para a Ponta Varela afim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba. O armamento era constituído por seis RPG-2 e armas ligeiras.
Com base nestas informações planeou-se imediatamente Op Pato Rufia afim de executar um golpe de mão sobre o acampamento em referência, com o prisioneiro a servir de guia.
O início do golpe de mão estava previsto para a madrugada do dia 25 de Agosto, mas o guia , o prisioneiro Malan Mané, perdeu-se, alegadamente devido à escuridão e à altura do capim. Foi decido então fazer um prévio reconhecimento da área.
A 27 de Agosto, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 e forças da CART 2520, do Xime, detectariam uma casa de mato abandonada e uma granada de morteiro 60 que não foi levantada por não apresentar garantias de segurança, a escassas centenas de metros do acampamento IN cujos trilhos de acesso foram devidamente reconhecidos pelo prisioneiro.
No regresso ao Xime verificou-se que o trilho, feito pelas NT dois dias antes, estava minado nos pontos de confluência com a estrada da Ponta do Inglês, tendo os picadores detectado cinco minas anti-pessoal. Tornava-se evidente que o IN fora alertado da presença das NT e que entretanto redobrara de vigilância.
A 7 de Setembro de 1969, repetia-se a Op Pato Rufia, com a duração previsível de dois dias, e com a seguinte composição e articulação das forças:
(i) Destacamento A: CCAÇ 12 (Bambadinca) a 3 Gr Comb (+);
(ii) Dest B: CART 2520 (Xime) a 2 Gr Comb (+ 1 Secção do Pel Mil 145, de Amedalai)
(iii) Dest C: PEL CAÇ NAT 53 (Saltinho), 63 (Fá Mandinga) e 52 (-) (Missirá).
A missão era executar um golpe de mão sobre o acampamento IN erm Xime (3C7 -28), por parte do Dest A, conjugado com emboscadas, ao cuidado dos Dest B e C.
Desenrolar da acção:
(i) A progressão iniciou-se, a partir do Xime, pelas 1.30h da noite, atingindo-se as proximidades do local do acampamento IN já perto da madrugada.
(ii) Os Dest B e C dirigiram-se para os seus locais de emboscada, enquanto o Dest A formava em linha paralelamente à estrada, a uns 200 m.
(iii) Sabia-se que o IN tinha uma sentinela avançada e que os elementos do grupo dormiam com as armas à cabeceira. A aproximação através do capim alto e da mata densa facilmente denunciava as NT.
(iv) E, de facto, ainda mal o Dest A (CCAÇ 12) tinha iniciado a progressão em linha quando foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme.
(v) Imediatamente as NT começaram a ser batidas por fogo de lança-rockets, morteiro 60 e armas automáticas a que reagiram prontamente.
(vi) Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané e o Soldado Iero Jaló (2º Gr Comb) que o conduzia e que teve morte quase instantânea.
(vii) Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (3º Cr Comb) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia do Xime.
(ix) Continuando a progressão, e tendo ficado 1 Gr Comb (-) a montar segurança aos feridos, atingiu-se o acampamento constituído por 9 cubatas, para quatro a cinco homens cada, e que o IN tinha abandonado precipitadamente.
(x) Na fuga urn pequeno grupo foi cair na zona de emboscada do Dest B que abriu fogo, tendo o IN reagido com um disparo de RPG-2 que causou vários feridos ligeiros às NT.
(xii) Entretanto já os Gr Comb do Dest A tinham literalmente saqueado as casas de mato, recolhendo documentos, livros didácticos, folhetos de propaganda e objectos pessoais (inclusive maços de tabaco russo), além de material de guerra.
(xiii) À ordem, as forças dos 3 Dest reuniram-se no local do acampamento e colaboraram numa batida minuciosa à zona a fim de detectar os vestígios deixados pelo IN que retirou, disperso, em debandada, na direcção de Buruntoni e Ponta Varela.
(xiv) Além de vários feridos prováveis, o IN sofreu 2 mortos confirmados (posteriormente).
(xv) Feita a evacuação dos feridos, os 3 Dest receberam ordem de retirar.
(xvi) Entre Gundagué Beafada e Madina Colhido foram ouvidos vários rebentamentos na área do acampamento. Presumindo que as NT ainda estivessem no local, o IN fizera fogo de reconhecimento na direcção do Buruntoni.
(xvii) Por volta das l6h do dia 7, as nossas forças chegavam ao aquartelamento do Xime, tendo o Dest A transportado em maca o cadáver do soldado Iero Jaló.
(xviii) O material capturado pelo Dest A (CCAÇ 12), no valor de 10.825$00, foi o seguinte:
Granadas de RPG2= 30
Granadas de Mort 60 = 6
Granadas de mão defensivas = 2
Minas anti-pessoal = 3
Munições 7,62 Pist Metr PPSH = 610
Munições 7,62 Esp Aut Kalashnikov e Met Lig Degtyarev = 88
Carregadores Esp Aut Kalashikov c/bolsa = 3
Carregadores Metr Lig Degtyarev=2
Carregadores Pist Metr PPSH = 2
Cartuchos propulsores = 9
Cargas suplementares de RPG-2 = 34
Saco de campanha = 1
Cantil = 1
Marmita = 1
Almotolias =2
(xix) Baixas das NT:
- Soldado do recrutamento local, nº82115969, Iero Jaló (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12);
- Feridos graves /(evacudos para o HM241): 1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus (3º Gr Comb, 1ª Secção, comandada pelo Fur Mil Arlindo T. Roda, CCAÇ 2590/CCAÇ 12); prisioneiro-guia Malan Mané;
- Feridos ligeiros: Sold At José Rosa Franciso (CCAÇ 2520); Sold Mil nº 385/64, Iero Só (Pel Caç Nat 145); Sold Mil nº 394/67, Alseine Canté (Pel Caç Nat 145).
Até ao fim do mês de Setembro de 1969, os grupos IN do Xime manifestar-se-iam três vezes:
(i) a 24, emboscando na área de Poindon/Ponta Varela (Xime 3D2-30) forças da CART 2520 (Xime) que tiveram um ferido; o grupo IN, não estimado, fez fogo, durante 3 minutos, de LGFog, Mort 60 e Armas Automáticas, tendo retirado na diercção de Baio;
(ii) a 28, flagelando em Darsalame/Baio com costureirinhas (pistolas metralhadoras PPSH) e rockets o 1º e o 3º Gr Comb da CCAÇ 12 durante a Op Prato Raso;
(iii) e a 29, desencadeando uma emboscada contra forças da CART 2339 (Mansambo) que sofreram um morto e um ferido grave, na estrada Mansambo-Bambadinca (Xime 8B4-72); o grupo IN estimado em 15 a 20 elementos fez fogo, durante 15 minutos, de LGFog, Mort 60 e Armas Automáticas.
2. Comentário de L.G.:
O dilagrama que provocou este trágico acidente era empunhado por um alferes da CCAÇ 12, que não era, obviamente, o apontador habitual de diligrama do seu grupo de combate (o apontador da 1ª Secção do 2º Gr Comb era o Sold nº 82116369 Sidi Jaló que, há quem diga, terá sido fuzilado pelo PAIGG em 1975).
O alferes, como se tratava do seu primeiro assalto, em linha, a um objectivo IN, fez questão de ser ele próprio a levar o diligrama... Tentou jogar a arma para longe quando se deu conta que a cavilha de segurança da granada se soltara prematuramente. Nem todos nós, que íamos em progressão, em linha, tivemos tempo de nos lançarmos ao chão... Foi um acontecimento trágico, que pessoalmente me marcou muito. O Iero Jaló foi o primeiro homem que ue vi morrer ao meu lado (**).
No relatório da operação omitiu-se, deliberadamente ou não, por razões que desconheço, o facto de o apontador do diligrama não ser o Sidi Jaló, mas sim o seu comandante... (Vd. excerto, a seguir, da História da Unidade, BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, Cap II, p. 106).
O Iero Jaló, de etnia fula, morreu ao meu lado. Fomos no dia seguinte enterrá-lo na sua aldeia, no regulado do Cossé (se não me engano...). Teve honras militares. Lembro-me do ridículo atroz da cerimónia (, pelo menos para mim, para a minha sensibilidade).
Por sua vez, o Malan Mané, o prisioneiro, de etnia mandinga, foi também gravemente ferido, tendo sido evacuado para Bissau. Soube, em Maio de 2006, através do Torcato Mendonça, que o Malan Mané conseguira sobreviver aos ferimentos... Não sei, porém, se hoje é ainda é vivo e, se sim, onde vive... Gostava muito de saber dele.
Eis o que na altura, ao entrar para o nosso blogue, me escreveu o Torcato:
(...) "Fui alferes miliciano na CART 2339 [Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69]. Li certos eventos que os vivi: por exemplo, o Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e recebia tratamento no Hospital Militar de Bissau. Abracei-o, causando espanto ao fuzo que o guardava. Só que eu estive na mata com o Malan Mané, soube que foi ferido... (Eu usava como arma, quando se justificava, o dilagrama)" (...)
Quanto ao ex-1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus, julgo que todos lhe perdemos o rasto. Há tempos, fazendo uma pesquisa na Internet, encontrei um nome igual, numa página do sítio da Câmara Municipal de Matosinhos, que não consegui abrir... Será que o Mateus vive para esses lados ?
Fontes consultadas:
História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 11-13. Selecção e notas de L.G.
Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné, I Série > 8 Agosto 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12
Diário de um Tuga (notas pessoais de L.G.)
_________________
Nota de L.G.:
(*) Último poste da série > 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai... (Luís Graça)
(**) Vd. Luís Graça > Blogpoesia > Dezembro 8, 2005 > Blogantologia(s) II - (22): Esquecer a Guiné
(...) Descansa em paz,
Ieró Jaló,
Soldado atirador nº 812117869,
Da 3ª secção do 1º Grupo de Combate
Da CCAÇ 2590
(Mais tarde CCAÇ 12).
Descansa em paz, djubi,
Debaixo do poilão da tua tabanca,
No chão fula....
Belíssimo poilão frondoso
De uma triste tabanca fula,
Cercada de arame farpado,
Trincheiras e valas de abrigo.Sete de Setembro
De mil novecentos
E sessenta e nove.
Região do Xime.
Operação Pato Rufia.
Morreste em linha.
Organizado.
No assalto a um aquartelamento do IN.
Estupidamente.
Morto por um dilagrama.
Por um dos nossos.
Um dilagrama nosso
Que explodiu na tua cara.
Por defeito de fabrico,
Disse o relator do relatório.
Nunca soube a tua idade.
Mas eu levei-te a enterrar
Na tua aldeia.
Com honras militares,
Tiros de salva,
Discursos patrioteiros,
Estúpida verborreia,
E a bandeira verde-rubra
Dos tugas
Por cima do teu caixão.
Chorei por ti,
Que morreste a meu lado,
E que levavas um prisioneiro,
O Malan Mané,
Que também ficou gravemente ferido.
Tu, que não eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Eras apenas um soldado-atirador
De 2ª classe.
Não eras turra, eras uma nharro.
Mas, para mim, eras apenas um homem.
O que primeiro que vi morrer a meu lado.
De morte matada.
Nunca mais chorei por mais ninguém.
Chorei por ti, Ieró Jaló.
De raiva. (...)
Guiné 63/74 - P7047: Em busca de... (145): Informações sobre a viatura blindada Chaimite e o seu comportamento no CTIG (Juvenal Amado / Pedro Monteiro)
Guiné > S/l > 1972 > Uma viatura blindada Chaimite V200. Foto de António Rogério Rodrigues Moura [ARRM]. Com a devida vénia...
Fonte: Portal Prof 2000 > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital
Guiné > Bafatá (presumivelmente) > Rio Geba > 1972 > Uma viatura blindada Chaimite V200, testando as suas capacidades como veículo anfíbio. Na prática, era usada sobretudo em colunas logísticas , por exemplo na grande estrada alcatroada da zona leste (Xime, Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Piche...).
Foto de António Rogério Rodrigues Moura [ARRM]. Com a devida vénia... (Pelo que consegui apurar, o António, natural de Cacia, teria pertencido à CART 3521, Piche, Bafatá e Safim, 1971/74, a mesma subunidade onde estiveram ou por onde passaram os nossos camaradas, membros da Tabanca Grande, Henrique Castro e António Sá Fernandes.
Fonte: Portal Prof 2000 > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital
Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Resposta de Juvenal Amado a um pedido, de um leitor nosso (vd. ponto 2), de informações sobre as Chaimites na Guiné:
Terei todo prazer em ajudá-lo embora eu não fosse de Cavalaria.
Fiz muitas colunas onde as Chaimites faziam segurança. Felizmente nunca precisaram de actuar na minha presença.
Lembro-me de haver uma equipada com canhão, embora a maioria fosse equipadas com HK 21, por torre. Depois eram os atiradores que também de dentro podiam fazer fogo.
Quanto ao que a malta pensava sobre a segurança que elas nos davam é difícil explicar. Sabe, aquilo era uma guerras de pobres e se uma Chaimite corresse perigo mandavam antes os homens à frente.
Eu numa manhã assisti ao efeito que os RPG perfurantes, fizeram a uma no caminho entre Bafatá e Nova Lamego (Gabu)
Os Guerrilheiros incendiaram e atacaram na noite anterior uma aldeia, quando a Chaimite chegou ficou toda iluminada e foi violentamente atacada.
Despistou-se e ficou com as metralhadoras num ângulo o qual não permitia defender-se. Foi toda crivada, tendo havido mortos e feridos.
Penso que o desastre se deveu também em parte a um certo facilitismo pois estariam convencidos que estavam protegidos e avançaram sem segurança.
Bem, coisas de guerra, não vale a pena arranjar culpados nem desculpas.
Se puder ser útil em mais alguma coisa estou ao seu inteiro dispor.
Entretanto dei conhecimento ao blogue, pois lá haverá muita malta que lidou de perto com elas.
Um abraço
2. Mensagem enviada ao Juvenal Amada, em 27 do corrente, pelo Pedro Monteiro: (**)
Caro senhor Juvenal Amado,
O meu nome é Pedro Monteiro e sou correspondente para Portugal e colaborador regular de diversas publicações militares (http://pedromonteiro-photography.blogspot.com/).
Como parte deste trabalho tenho desenvolvido um projecto de investigação sobre o blindado de concepção e fabrico português Chaimite que já levou à publicação de alguns trabalhos na revista portuguesa "Motor Clássico" e [noutras revistas] estrangeiras:
http://pedromonteiro-photography.blogspot.com/2008/11/chaimite-research-project-first-article.html
http://pedromonteiro-photography.blogspot.com/2008/12/chaimite-second-article-published.html
http://pedromonteiro-photography.blogspot.com/2009/04/first-article-history-of-familiy-of.html
http://pedromonteiro-photography.blogspot.com/2009/05/gazela-leopardo-and-pantera-history-of.html
http://pedromonteiro-photography.blogspot.com/2010/04/bravia-chaimite-history-of-first.html
Caso tenha interesse posso, aliás, disponibilizar as digitalizações destes trabalhos.
Estou, pois, a contactá-lo a propósito da sua colaboração com o blogue do senhor Luís Graça onde relata a sua experiência na Guiné. Numa das fotografias surgem duas viaturas Chaimite durante uma visita do General Spínola.
Poder-me-ia dar mais detalhes do emprego operacional das Chaimite na Guiné? Por exemplo, que impressões tinham os militares delas? Quantas estavam ao serviço da unidade de Bafatá? Recorda-se de uma viatura dotada de uma torre Mecar armada com uma peça de 90mm, muito idêntica à Chaimite?
Agradeço, desde já, a sua colaboração!
Cumprimentos,
Pedro Monteiro (Telemóvel: 93 441 75 34)
_______________
Notas de L.G.:
(*) Último poste da série > 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6960: Em busca de ... (144): O alferes médico miliciano da CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63 (George Freire)
Guiné 63/74 - P7046: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (22): O Largo do liceu, em Bissau, onde moravam as enfermeiras pára-quedistas (Miguel Pessoa)
1. O nosso Camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav da BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Ref), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 26 de Setembro de 2010:
Camaradas,
Estava eu aqui entretido a espreitar o blogue às tantas da matina e deparo-me com um texto do meu amigo e camarada António Martins de Matos.
Confesso que gostei pois o blogue tem sido para mim como uma boa pescada cozida - por vezes aparecem-me umas tantas espinhas, o que me tira um pouco a vontade de prosseguir...
Assim, na sequência daquele texto - de conteúdo mais ligeiro - lembrei-me de pôr à vossa disposição este escrito que já deve ter pr'aí mais de um ano, mas que não tinha ainda visto oportunidade de encaixar no blogue. Talvez agora...
Afinal talvez sirva para compensar a oportunidade perdida de ter participado naquela guerra do António...
Depois do serviço, infelizmente para as enfermeiras pára-quedistas, que ali moravam, uns tantos malandrins da BA12 demandavam o local para ali sacar um jantar ou garantir um bate-papo ao serão, que os fizesse esquecer o dia seguinte. Verdade seja que muitas vezes carregavam para ali as encomendas que recebiam, vindas da metrópole, que partilhavam com todos os presentes.
Habitava na vizinhança outro pessoal da unidade, algum vivendo com as respectivas famílias, por isso também era habitual que a miudagem do grupo circulasse pela casa com alguma frequência. Na prática, o refúgio das enfermeiras pára-quedistas não lhes garantia na maior parte dos dias o descanso de que precisariam.
À noite, depois do jantar, o pessoal na casa e alguns vizinhos vinham sentar-se no "muro das lamentações", que delimitava o prédio, onde se entretinham a beber um digestivo e a dizer mal da vida (tudo relativo, que sabíamos haver gente a viver um dia-a-dia bastante pior...).
No local existia um candeeiro que iluminava razoavelmente o local, embora com o inconveniente de chamar os mosquitos, os quais acabavam naturalmente por procurar a carne fresca ali abancada.
Por isso, normalmente tínhamos a iniciativa de ir à base do candeeiro desactivar o fusível, apagando a luz, o que reduzia os assaltos dos mosquitos. Depois de o piquete da electricidade se ter deslocado várias vezes ao local para reparar a avaria, decidiu aquele fazer uma ligação directa ao candeeiro, o que nos tirou a possibilidade de desligar a luz. Novas tentativas foram feitas pelos utilizadores do muro, com recurso a um deles, mais habilitado ao alpinismo. Assim, desatarrachou-se a lâmpada e, mais tarde, face à insistência do piquete em mostrar trabalho, até a lâmpada desapareceu. Mas logo foi reposta...
Uma noite, incomodado pelos mosquitos, um dos presentes resolveu pegar numa pedra e atirá-la à lâmpada, partindo-a. Empenhado, o piquete substituiu de imediato a lâmpada e o serão, na noite seguinte, voltou a ser bem iluminado - e também infestado de mosquitos. Igualmente empenhado em resolver este problema, alguém do grupo resolver tomar uma atitude ainda mais radical: pegou na sua pistola, dirigiu-se ao candeeiro e enfiou um tiro na lâmpada.
Sucedeu aqui uma coisa interessante, que foi o facto de a lâmpada, mesmo partida, continuar acesa - o que era fisicamente improvável, pois o vácuo já não existia na dita cuja. Até hoje ainda não compreendi bem a que se deveu tal facto; se à qualidade da lâmpada, que resistia a tudo e todos, se à qualidade do digestivo, que nos punha a ver coisas que afinal não existiam...
Um abraço,
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA 12 (1972/74)
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6920: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (21): Não posso levar a mal... por me/nos tratarem tão carinhosamente (Rosa Serra)
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7045: Notas de leitura (151): Manual Político do PAIGC (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Este manual é uma referência histórica incontornável, impressiona ver um partido que vivia na dependência exclusiva de um líder de craveira excepcional.
A sua leitura permite fazer o balanço entre o sonho realizável e a utopia, entre a grandeza e vulnerabilidade do PAIGC.
Um abraço do
Mário
Manual Político do PAIGC
Beja Santos
Foi publicado em 1972 e apresentava-se como “um instrumento capaz de aumentar a compreensão de cada militante pelos problemas da nossa vida e da nossa luta e de contribuir para a consolidação da sua consciência revolucionária”. Quem sentisse dificuldades na compreensão destas matérias devia pedir esclarecimento aos principais dirigentes do partido. O primeiro público do manual político era ferramenta de grande utilidade para os comissários políticos. No essencial as 24 perguntas e respostas do manual baseiam-se em intervenções de Amílcar Cabral. Lido à distância destas décadas, temos aqui registo do pensamento de Cabral, dos seus sonhos, mas também das tensões insaráveis que atravessaram a ideologia e a acção do PAIGC. Pela riqueza das suas considerações, tem a maior pertinência fazer o registo das propostas doutrinais e do pensamento visionário de Cabral.
Primeiro, a justificação da luta, o terreno em que ela se afirma, quem e como deve embarcar na viagem da libertação. A noção de partido sobrepõe-se à de movimento de libertação nacional, para triunfar era importante dispor-se de um partido coeso, da direcção às bases. Como se escreve: “É a direcção do Partido que comanda verdadeiramente as coisas e, a cada nível, há uma direcção estreitamente ligada ao nível superior. Evidentemente, até à base as ordens devem ser respeitadas, após a sua discussão na disciplina”. Temos pois o PAIGC como partido condutor, ciente da sua proposta revolucionária e conhecedor dos inimigos internos, aqueles que se prestaram a colaborar com os colonialistas portugueses. É uma parte da pequena burguesia quem deve conduzir a linha revolucionária, tendo em conta a realidade específica da Guiné. É a pequena burguesia quem se constitui na vanguarda do proletariado. Cabral alerta: “A pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe, para ressuscitar como trabalhador revolucionário, inteiramente identificada com as aspirações mais profundas do povo”. A luta de libertação passa por libertar as forças produtivas e pô-las em movimento ao serviço do povo. Marcará o fim do tribalismo e das chefias tradicionais. Esta luta de libertação poderá demorar vários anos mas o desfecho, diz Cabral, é inevitável: “No momento em que os portugueses forem levados a um ponto em que queiram regressar à política para respeitar os nossos direitos, estaremos no fim da guerra”.
Segundo, a questão da unidade entre a Guiné e Cabo Verde e a solidariedade com os outros povos africanos. Homem de cultura superior, Cabral sabia perfeitamente que não existia qualquer vínculo fatalista, inescapável, para poder declarar, em consciência, que havia uma realidade histórica indispensável entre a Guiné e Cabo Verde. Argumentou sempre que era a resposta indispensável para quebrar o imperialismo, que a independência de um território obrigava automaticamente a libertação do outro, que o PAIGC tinha sido criado por guineenses e cabo-verdianos e que à volta desse embrião a luta se consolidou, incessante, dando lógica à construção da unidade do povo em volta do partido. Chegou a argumentar com meias verdades e até argumentos sofismados. Dizer que as ilhas de Cabo Verde foram povoados por escravos levados até lá pelos portugueses, é dizer a verdade histórica e o seu oposto. E declarou, peremptório: “É imperioso evitar que os portugueses explorem a separação que há entre a Guiné e Cabo Verde, para nos lançar uns contra os outros. De facto, começamos a luta em conjunto, no seio de um mesmo partido”.
Por aqui se vê a fragilidade argumentativa de alguém, que a título excepcional, teve que encontrar motivos emocionais para substituir as razões históricas. Explica a política de formação de quadros do partido com base num princípio de assimilação crítica, usando do pragmatismo sem esquecer o que foi deixado pelo colonialismo. O PAIGC aceita a ajuda de todos mas não admite condições à ajuda que recebe. O PAIGC tem como tarefa fundamental libertar o país mas é igualmente sua tarefa prioritária estar ao lado de todos aqueles que combatem o racismo, o colonialismo e o apartheid, o tribalismo.
Terceiro, o manual do PAIGC, pela voz de Amílcar Cabral, procura dar resposta às razões da luta revolucionária e do porquê da fragilidade portuguesa. Professa que a violência é exclusivamente utilizada para responder à violência colonial. Com a independência pôr-se-á termo à luta armada. Se o Portugal economicamente atrasado mantém uma guerra em três frentes é porque está a ser auxiliado pelos interesses do colonialismo e do apartheid, quem fornece as armas a Portugal são os membros da NATO. Mas adverte que Portugal não tem condições para praticar o neo-colonialismo, está profundamente dependente das multinacionais, enumera exaustivamente as riquezas portuguesas nas mãos de capital estrangeiro, desde as indústrias extractivas, passando pelos transportes e comunicações, siderurgia, cimentos, derivado de petróleo, petroquímica, exportação de cortiça, refinação de açúcar, lacticínios e tabacos, entre outros. Defende a lógica anti-imperialista dos países socialistas e diz mesmo que a União Soviética pôs termos às colónias, a partir de 1917.
Quarto, Trata-se de um manual cheio de sonhos. Como num hino de esperança, Cabral faz balanço perspectivas do desenvolvimento e refere concretamente a mancarra, o óleo de palma, as madeiras, a borracha, a pecuária, o arroz, entre outras. Fará o mesmo com Cabo Verde, apela às economias inteligentemente orientadas com base para o progresso económico futuro da Guiné e de Cabo Verde. Ou foi um grande sonho, irrealizável, ou os seus sucessores não estiveram à altura da missão. Depois fala de táctica para a guerrilha do PAIGC e o modo como os combatentes dissuadiram as sucessivas estratégias do colonialismo português. Por último, alude à importância que é conferida às organizações nacionalistas das colónias portuguesas, deixando bem claro o papel desempenhado por ele próprio na ofensiva diplomática à escala mundial.
Há, pois, todas as razões, para ler o pensamento político de Cabral levado às células políticas do PAIGC. Estão ali as aspirações e os falhanços. A ideologia poderosa e a fragilidade dissimulada. Este manual é o espelho da vontade e da determinação de um líder ímpar que moveu o povo guineense para a sua libertação.
Onde foi bem sucedido e onde fracassou é ainda hoje motivo de reflexão na Guiné, em Cabo Verde e em Portugal, sobretudo.
As imagens que se juntam têm a ver com a edição do manual político em 1972 incluindo uma fotografia de Amílcar Cabral rodeado de combatentes e a edição portuguesa (Edições Maria da Fonte, Julho de 1974).
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7040: Notas de leitura (150): A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P7044: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (4): Olhar fatal
Caros Camaradas
Para inserir na série "Outras memórias da minha guerra", junto a história
"Olhar Fatal".
Com um abraço do
Silva da Cart 1689
Outras memórias da minha guerra (4)
Olhar fatal
Foi na tarde do dia 10 de Junho de 1967, a norte de Banjara, na região do OIO, uma das zonas da Guiné mais controladas pelo o PAIGC. Ainda mal recompostos do baptismo de fogo, do qual se extraiu a maior lição de todos os ensinamentos militares, estávamos em progressão lenta e muito cuidada mais para norte, rumo ao objectivo definido, com nome operacional “Inquietar”.
Mesmo serpenteando, não chegámos a andar 1 quilómetro sem novo combate. O IN já nos esperava em Cambaju e tentou travar-nos com forte tiroteio. Felizmente, a nossa Cart 1689 havia feito uma curva para a direita, o que nos proporcionou uma boa frente de fogo contra o IN, que nos atacou do lado esquerdo. Desta forma, grande parte da nossa Companhia podia fazer fogo.
De repente, avistaram-se, a uns 40 metros de distância, entrecortados pelos pequenos arbustos, vários indivíduos a correr da direita para a esquerda, fugindo do núcleo mais intenso de fogo. Foi nesse momento que surgiu a oportunidade para os 3.º e 4.º Pelotões (por ordem de posição na coluna) participarem melhor no combate.
O Furriel Simões, que era um militar bem preparado, não disparava de rajada. Tinha um controlo eficiente sobre os disparos, por forma a rentabilizar bem as munições. Deitado, com o cotovelo esquerdo bem apoiado, apontava a arma para onde desejava. Viu uma cabeça que subia e descia repentinamente e repetidas vezes. Prontamente disparou com precisão. Talvez, porque coincidia o disparo com o movimento de descer da cabeça, o Simões não acertou à primeira nem à segunda. Pensou que, segundo o que havia aprendido sobre a trajectória da bala, esta tem tendência a subir em relação ao alvo apontado. O tempo passava, o fogo continuava e a máxima da guerra “quem não mata, morre” era uma pressão permanente. Então, respirou fundo, fez de novo pontaria e calculou o disparo um pouco mais para baixo. Pareceu ter sido bem sucedido.
Acabado o tiroteio, avançámos para ver os possíveis “troféus” e o Simões foi directamente para o local onde estava o indivíduo que o obrigara a tanta pontaria. Ao ver que, afinal, era uma cara feminina de traços finos e já idosa, fitou o seu olhar fixo e acusador, que já o esperava. Ainda mexia os lábios, mas o buraco da bala, no pescoço e o sangue que dele saia não lhe permitiam transmitir aquilo que seria a sua última mensagem. No entanto, o Simões ficou convencido de ter ouvido dizer:
- A mim pude ser mãe di bo.
Chocado, entrou em choro convulso, acompanhado de repetidos lamentos, ao mesmo tempo que interrogava:
- É para isto, que aqui estamos? – Foi para isto que nos prepararam? - É isto defender a Pátria?
E concluía:
- Ai querida mãe, que sou um assassino... um assassino de inocentes!
O Capitão, que esteve sempre próximo e acompanhara a cena, foi o primeiro a agarrar e a confortar o Simões.
Hoje, o Simões, numa apreciação simples ao mundo que nos rodeia, está convicto de que a guerra é o maior absurdo dos humanos; porque não tem lógica, não tem lei nem tem justificação. O mundo dos homens deveria ser um exemplo permanente para todos os seres vivos da Terra, porque está cheio de gente boa, sábia e poderosa capaz de o fazer. Porém, desgraçadamente, anda à mercê de uns tantos Chico-espertos sem escrúpulos, cujo comportamento abusivo se manifesta pela prática das maiores crueldades. E é na guerra que se sente mais a ausência da justiça e a confirmação evidente de que também não há justiça divina.
Sempre que reunimos no encontro anual da nossa Companhia (e não só), falamos das memórias boas e rimo-nos de muitas delas, sobrevalorizamos essa alegria a todas as outras memórias (as que lutamos para esquecer). Então, ninguém fala destas coisas tristes. Todavia, volvidos a casa, regressam as malditas imagens que nos atormentam, desde o sofrimento físico e moral extremo até à morte injusta dos nossos amigos e de outros, que não eram inimigos.
E sempre que o Simões acorda ou desperta de algum período mais descontraído, lá vem aquela imagem da senhora de traços finos, olhos cor de avelã, de pele escura e macia, com o olhar fixo e acusador :
- A mim pude ser mãe di bo.
Neste momento, ele quer adormecer. Já percorreu os canais de TV a fugir das muitas más notícias, já se inteirou das poucas que são boas, mas continua a ver aquela mulher no mesmo local, na mesma posição e com o mesmo olhar fixo que o tem perseguido. Passaram 43 anos, 3 meses e 13 dias.
Silva da Cart 1689
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7004: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (3): A grande lição do baptismo de fogo
Guine 63/74 - P7043: O Nosso Livro de Visitas (101): "O pobre camarada de Crestuma" (José Campos, presidente da Sociedade Filarmónica de Crestuma, Vila Nova de Gaia)
De: bandadecrestuma@sapo.pt
Data: 27 Sep 2010
Assunto: Camarada de Crestuma
Exmo Sr. Luís Graça,
O meu nome é José Campos e sou o Presidente da Sociedade Filarmónica de Crestuma, instituição sem fins lucrativos que se dedica ao ensino da música e a manter uma Banda Filarmónica em funcionamento.
Estou a recolher elementos sobre os "desconhecidos" de Crestuma para elaborar um trabalho com vista a apresentar no próximo ano.
Li o seu blog. Gostei. Fiquei no entanto curioso sobre o "pobre camarada de Crestuma" que refere [, no poste P6037] (*):
(...) Quem leva a carta a Garcia
a dizer que a poesia caiu na rua
ou foi apanhada à unha?
Ou que o pombo-correio
foi abatido por um Strela.
Inútil Álvaro de Campos,
inútil Ode Triunfal,
pobre Fernando Pessoa,
menino de sua mãe,
pobre camarada de Crestuma,
morto no tabuleiro da ponte de Caium,
entre Piche e Buruntuma.(...)
Poderá, por obséquio, fornecer maior informação acerca deste seu camarada e meu conterrâneo?
Com os melhores cumprimentos,
José Campos,
http://www.bandafcrestuma.com.sapo.pt
Guiné 63/74 - P7042: Recortes de imprensa (31): A guerra do José Martins, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70 (Correio da Manhã)
O nosso Camarada José Marcelino Martins, (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais uma mensagem, com data de 25 de Setembro de 2010, para a série “Minha Guerra”:
Comissão: GUINÉ 1968/1970
Unidade: Companhia de Caçadores nº 5 /CTIG
Ramo: Exército
Arma: Infantaria
Especialidade: Transmissões
Posto: Furriel Miliciano
Fez parte de que Batalhão?
Fui mobilizado em rendição individual., isto é, sem ir integrado em qualquer tipo de unidade, já que era destinado à Companhia de Caçadores nº 5, uma unidade da Guarnição Normal do CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné).
Era uma unidade, havia apenas três no exército na Guiné, que era constituída por Oficiais e Sargentos, do Quadro Permanente ou Milicianos, recrutados e mobilizados para o ultramar, em rendição individual.
Também tinha praças metropolitanas, (Cabos e Soldados) de diversas especialidades. Os restantes elementos da companhia eram recrutados na província, começando por serem só atiradores, mas com o correr do tempo foram sendo ministradas outras especialidades, assim como muitos foram recrutados para cursos de sargentos milicianos.
Quando é que chegaram?
Cheguei no dia 2 de Junho de 1968 (embarquei em Lisboa em 28 de Maio) a bordo do NM Alenquer que, alem de duas tripulações (4 marinheiros/cada) de LDP (Lancha de Desembarque Pequena) seguiam mais quatro furriéis do exército. O barco transportava material de guerra e outros materiais para as tropas em serviço na província.
Soube logo para onde ia?
Estava no Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 2, em Torres Novas. Tinha sido promovido ao posto de 1º Cabo Miliciano, com a especialidade de Transmissões de Infantaria, no dia 18 de Abril de 1968. Fui informado da mobilização, teatro de operações e unidade de destino, perto do final desse mês, iniciando os 10 dias de licença NNAPU (Norma de Nomeação e Apoio às Províncias Ultramarinas).
A minha mobilização foi, como a de quase todos os combatentes, efectuados ao abrigo da alínea c) do art.º 3º de Decreto nº 42.937 de 22 de Abril de 1960.
O que sentiu quando chegou?
A par da preocupação da chegada a um teatro de guerra, havia a expectativa de tomar contacto com realidades, até aí desconhecidas.
A “ida para a guerra” já era como que uma certeza, já que se desenrolava desde 1961 e, contrariamente ao que o Regime pretendia deixar transparecer que era “um assunto já resolvido”, o que a realidade desmentia uma vez que se procedia à “formação de mais soldados” para aumentar a presença militar nos teatros de operações.
No ano de 1961, tinha eu 14/15 anos, foi um “ano beligerante”.
Em 22 de Janeiro é desencadeada a Operação Dulcineia, pelo Capitão Henrique Galvão, contra o paquete Santa Maria, onde perde a vida um oficial – João José do Nascimento Costa – quando se opôs aos assaltantes. Como tinha pertencido à Mocidade Portuguesa, como a maioria dos estudantes, o regime elevou-o às maiores honras, apresentando-o como herói nacional e modelo a seguir.
A 4 de Fevereiro desse mesmo ano, inicia-se o terrorismo em Angola, para outros Luta de Libertação, com o assalto às prisões que, nos anos seguintes, se estenderá a outras províncias ultramarinas.
No dia 18 de Dezembro, na Índia Portuguesa, consuma-se a invasão, por parte da União Indiana, dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu (em 1954 Portugal já tinha perdido os territórios de Dadrá e Nagar-Haveli). A força atacante composta por cerca de 45.000 elementos e tendo, para uma segunda vaga, um número ainda maior encontra, para fazer face à invasão, uma força portuguesa, mal armada e desmoralizada que, praticamente, se rendeu sem dar um tiro; entre 2.500 a 3.000 homens, que foram feitos prisioneiros. Foi nessa altura que se deu o último combate naval da nossa história, com a Lança Vega foi atacada e afundada em combate, com a morte da maioria da tripulação.
No final do ano, precisamente no último dia, é tentado um assalto ao Quartel de Infantaria nº 3, em Beja, dirigido pelo Capitão Varela Gomes, onde, na madrugada seguinte encontraria a morte o Subsecretario de Estado do Exercito, Tenente coronel Jaime Filipe da Fonseca, quando tentava entrar no quartel.
Quando cheguei à Guiné em 1968, com seis anos de guerra já decorridos, havia a expectativa de, no terreno, “viver” o que já me tinha sido relatado, apesar de muito pouco explícito, como eu próprio o faria ao regressar, como “defesa e tentativa de esquecer” esse passado recente e, “sempre presente”.
Como foram os primeiros tempos?
Para mim como para todos, mas todos, apesar de “muitos” quererem mostrar o contrário, estávamos numa terra que, apesar de a “sentir-mos como Portugal”, não era o nosso cantinho, na nossa cidade ou na nossa aldeia.
Numa unidade africana, como a minha, o número de metropolitanos era reduzido (seriamos no máximo 50 europeus). Também a rotação do pessoal era frequente, o que poderia ser, ou originar, um sentimento de “não integração”, dada a alteração ser cíclica, com a partida de camaradas e a chegada de novos, até que chega a nossa vez.
O clima era outra vicissitude, que provocava alterações “sensíveis” no nosso próprio comportamento, provocando alterações físicas e psicológicas.
O próprio ambiente de expectativa, em relação ao “minuto seguinte”, originava uma alteração comportamental que, ainda hoje, muitos de nós só lavem um ouvido ou um olho da cada vez, para que tenhamos os sentidos alertas e disponíveis.
A unidade, para a qual fui enviado, tinha a sede e o comando em Nova Lamego (actual Gabu) e os grupos de combate a guarnecer os destacamentos de Canjadude, Cabuca e Ché-che, todos na Zona Leste.
O meu primeiro contacto com as operações deu-se, ainda no mês de Junho de 1968, quando fui enviado para visitar os destacamentos da companhia instalados em Canjadude e Che-che, aproveitando a coluna que iria retirar as nossas tropas do destacamento de Béli e coloca-las em Madina do Boé (evacuada, posteriormente, em Fevereiro de 1969).
Ao longo do percurso viam-se viaturas destruídas por minas, seguidas de incêndio, as crateras abertas pelas mesmas minas, o ouvir o rebentamento das bombas lançadas pelos aviões tentando “limpar” os possíveis locais de esconderijo das forças adversas, o novo tipo de refeições (as celebres rações de combate) e a sede, fundamentalmente a sede.
Quando voltou?
Deixei o destacamento de Canjadude, para onde fora destacada a Companhia em Agosto de 1968, no dia 28 de Maio de 1970, exactamente dois anos após ter largado do Tejo. Passei por Nova Lamego, “arranjei” transporte numa avioneta militar para Bissau e, aqui, foi a corrida para encontrar transporte rápido para a metrópole. O “Rita Maria”, um barco de passageiros civil em que regressei, partiu de Bissau em 2 de Junho de 1970, tendo passado pelo arquipélago de Cabo Verde, aportado em Lisboa no dia 10 desse mesmo mês. Já lá vão 40 anos!
Qual foi o dia mais marcante? E porquê?
O dia 6 de Fevereiro de 1969. Nesse dia deu-se um dos maiores desastres da guerra do ultramar: o desastre do Che-che, em que morreram afogados 47 homens.
Acresce que, além do drama que envolveu este acidente, onde centenas de homens participaram, directamente e no terreno, na “Operação Mabecos Bravios” que retirou de Madina do Boé a Companhia de Caçadores nº 1790, que tinha assumido a responsabilidade daquele subsector em Janeiro de 1968, fui incumbido de recolher, junto dos comandantes das unidades envolvidas, o nome e a patente dos homens que tinham desaparecido, para sempre, nas águas do Rio Corubal. De posse da listagem, já transcrita para o impresso de mensagem, assinado pelo comandante da unidade e enviada para os escalões superiores, (Batalhão – Quartel General – Comando Chefe) foi altura de começar a receber, por parte de muitos militares, o pedido para que enviasse às suas famílias telegramas, através do sistema rádio militar, informando-os que se encontravam bem. Era assim. Mesmo em guerra, e talvez por isso, os militares nunca esqueciam a família.
O que lhe lembra a guerra?
Lembra algo que não devia existir, mas que, infelizmente existe desde o nascer dos tempos. Portugal sempre foi um “país em armas” desde a sua nacionalidade. No espaço de um século, Portugal enfrentou três guerras, de alguma dimensão, e outras que a história registou, mas a que não deu grande relevo. Muitas famílias estiveram presentes nessas guerras, incluindo a minha.
O meu avô materno esteve em Moçambique nas Campanhas de Ocupação, para onde embarcou em 5 de Julho de 1899, regressando em 24 de Junho de 1900. Em 1916 foi mobilizado, como 2º Sargento do Quadro Permanente, para o Batalhão do Regimento de Infantaria nº 7 (Leiria) afim de integrar o Corpo Expedicionário Português presente na I Grande Guerra, embarcando para França em 19 de Janeiro de 1917. Regressou, chegando a Lisboa em 23 de Julho de 1917, vítima do gás lançado sobre as trincheiras. Foi evacuado, após ter permanecido em hospital de campanha, tendo sido dado como incapaz para o serviço militar, pela junta médica militar a que foi submetido à chegada.
Nessa mesma unidade, Batalhão do RI 7, estava integrado um tio paterno que cumpriu todo o tempo que as tropas portuguesas estiveram em França, tendo participado no desfile da Vitória. Foi repatriado, como se dizia na época, em 31 de Julho de 1919. Em 1961, residindo em Angola, pegou em armas para defender os seus haveres e, um ano depois, era o primeiro comandante das Milícias de São Salvador do Congo (A Voz de Domingo, Leiria, de 30 de Maio de 1971, pagina 7).
Em 1968 foi a minha vez! Fui a terceira geração em armas.
Fazem-se irmãos?
Na guerra não se fazem irmãos, fazem-se camaradas: “Camarada não é bem irmão, amigo, companheiro, cúmplice… é uma mistura disto tudo com raiva, esperança, desespero, medo, alegria, revolta, coragem, indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas” (António Lobo Antunes, 2007).
Eu entrego nas tuas mãos a minha vida, enquanto recebo, nas minhas mãos, a tua vida. E “vida” é tudo. È a vida, é a amizade, é a camaradagem, é, se necessário, o morrer para que tu vivas. É um laço tão forte que, dezenas de anos depois, ainda somos os mesmos “miúdos” que fizeram a guerra. Parece que a vida parou e, entre a nossa despedida e o nosso reencontro, nada passou. E é curioso! O sentimento que liga os combatentes é tão forte, que consideramos que os “Filhos dos nossos camaradas, nossos filhos são”.
Esteve debaixo de fogo?
Por duas vezes, durante a operação “Lacoste” em 27 e 28 de Junho de 1969, por coincidência um ano após a minha partida de Lisboa, em que houve contacto com o inimigo, nos dois dias. Felizmente não houve baixas (feridos e/ou mortos), mas houve “autênticos” milagres:
Uma granada de RPG embateu num monte de baga-baga, monte com muita resistência formado pelas formigas, resvalando para junto das nossas tropas e acabando, por não explodir.
Um Alferes, o Gomes, quando regressou dessa operação retirou um estilhaço de granada de dentro de um dos carregadores de reserva da G3. Se não fosse o equipamento que trazia à cintura. Sem esta “protecção improvisada por Alguém”, as coisas teriam sido diferentes. Não lhe pôs fim à vida, por milagre.
A guerra marca para sempre?
A guerra, e tudo o que representa e tudo o que passamos, fica colada à nossa pele, e para sempre. É algo que nunca conseguiremos esquecer, e que se transmite, pelo nosso comportamento muitas vezes incontrolado, a quem connosco priva, quer familiar quer profissionalmente.
Marca quem esteve em teatro de operações e quem não esteve, mantendo-se na “retaguarda”, ansiando por noticias e tremendo quando “alguém batia à porta” a horas inesperadas.
Marca pela ausência e marca pela presença. Pela ausência em muitos momentos únicos, quer de alegria quer de dor, junto da família o dos amigos; pela presença junto de situações indesejadas mas normais numa guerra, assistindo àquilo que julgávamos impossível de existir.
Marca pela partida e marca pelo regresso.
E marca, mas marca muito fundo, quando se sente a incompreensão de tudo aquilo que “fomos obrigados a fazer e a viver”. Quando se ouve, os que estiveram ausentes daquelas situações, falar da guerra e da paz, sabemos que:
“Nenhuma voz é mais qualificada para defender a paz do que a dos homens que combateram na guerra”
Lema da FMAC – Federação Mundial dos Antigos Combatentes,
Organização internacional, não governamental, que reúne mais de 150 associações de antigos combatentes e vítimas de guerra de 88 países.
Nota Biográfica: Nascido em Leiria a 5 de Setembro de 1946, frequentei o Jardim-escola João de Deus e a escola Primária de Santo Estêvão, em Leiria e, depois, na Marinha Grande e Vila Nova de Gaia.
Iniciei a minha actividade profissional aos 16 anos, como empregado de escritório, enquanto continuava a frequentar o Curso Geral do Comercio, que conclui já no serviço militar.
Recrutado, fui integrado no Contingente Geral, fazendo a Instrução Básica e a Especialidade de Teleimpressor. Por ter terminado o curso comercial, fui mandado apresentar no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria) em Tavira, sendo colocado no GACA 2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 2) em Torres Novas, onde fui mobilizado.
Regressado do Ultramar, retomei a minha actividade profissional, passando durante sete anos por uma instituição bancária.
Adquirida a habilitação para a inscrição na Direcção Geral das Contribuições e Impostos, passei a exercer a função de Técnico Oficial de Contas, profissão que ainda desempenho.
Sou casado, há 39 anos, com a Maria Manuela, três filhos – Susana (38 anos), Tiago (34 anos) e Diogo (31 anos) – e netos David (14 anos), Duarte (num futuro próximo) e Gonçalo (15 anos, por laços de amizade recíproca).
Como hobby tenho o estudo/pesquisa e divulgação da História de Portugal, mormente desde 1890 até 1974, com especial incidência na área militar e africana.
José Marcelino Martins
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
25 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7037: Recortes de imprensa (30): A guerra do José Corceiro, CCAÇ 5, Canjadude, 1969/71 (Correio da Manhã)
Guiné 63/74 - P7041: Parabéns a você (155): Luís Filipe de Magalhães Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72 (Tertúlia e Editores)
Caro Luís, são nossos votos que mantenhas uma vida com qualidade, sentindo-te tão útil quanto possível à família e à sociedade em que te inseres.
Que passes um dia cheio de alegria junto dos que te são mais queridos. Na hora dos festejos lembra-te destes camaradas e amigos que se associam à tua alegria.
Pela Tertúlia e pelos Editores
CV
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5017: Parabéns a você (28): Luís Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72 (Os Editores)
Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2010 Guiné 63/74 - P7017: Parabéns a você (154): O veterano Coutinho e Lima, Cor Art Ref, Gadamael (1963/65), Bissau (1968/70), COP 5 (1972/73)
domingo, 26 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7040: Notas de leitura (150): A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, de António Duarte Silva (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Junto o que faltava quanto à recensão do importante livro de António E. Duarte Silva.
Escrito por investigadores portugueses, não conheço nada de mais profundo nem mais rigoroso instrumento de análise.
Um abraço do
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (2)
Beja Santos
A Guiné depois do 25 de Abril: o processo jurídico-político da descolonização
O processo de independência da Guiné-Bissau definiu os termos e os limites da descolonização portuguesa, foi o seu factor decisivo e o paradigma da formação dos novos Estados do PALOP. Esta tese aparece claramente desenvolvida no livro “A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa”, um incontornável estudo que adopta uma perspectiva multidisciplinar e de que é autor António E. Duarte Silva (Edições Afrontamento, 1997).
Este investigador não se compraz com a vertente política e jurídica, fá-la cruzar com as perspectivas históricas e sociais, entrosando-as com o desenvolvimento do nacionalismo guineense. Daí resulta um conjunto de olhares de grande angular, permitindo ler os porquês da formação da Guiné-Bissau, o seu modo e consequências. Vejamos abreviadamente o que nos permite a leitura do trabalho de António Duarte Silva.
Logo em 1961, quando Amílcar Cabral previu que o Governo de Salazar iria recusar conversações para a independência, escreveu: “Estamos seguros de que a liquidação do colonialismo português arrastará a destruição do fascismo em Portugal”. Nesse ano de 1961 a oposição ainda privilegiava a democratização, não punha frontalmente em causa o império colonial. A mudança virá sobretudo em 1964 quando o PCP passou a defender “o exercício pelos povos das colónias portuguesas do direito à auto-determinação”. Nessa época coincidiram os EUA e a URSS: descolonizar era fundamental. Não cabe aqui recapitular tudo quanto aconteceu entre 1961 e 1974, no campo da guerra colonial. “O problema do Ultramar” entrara, a partir de 1973, numa irreversível quadratura do círculo, com o triunfo do MFA, com a própria postura das Forças Armadas nos três teatros de operações, com o conjunto de exigências manifestadas pelo PAIGC, era impossível embarcar numa qualquer tentativa federalista, perdera-se tempo de mais para conjecturar processos democráticos ocidentais para a auto-determinação e referendos. A atmosfera internacional era igualmente inequívoca: a ONU reclamava a Portugal a aplicação dos princípios e resoluções referentes à auto-determinação e independência dos povos coloniais. E assim aconteceu.
O autor descreve detalhadamente o que aconteceu depois do 25 de Abril em Bissau e um pouco por toda a Guiné, a adesão popular ao fim das hostilidades, os comícios de apoio ao PAIGC, as sucessivas reuniões entre as novas autoridades e o movimento de libertação: Dakar, Londres, Argel. As propostas de Spínola, uma a uma, caíam por terra, ele foi obrigado a proceder à declaração de que Portugal ia negociar com os movimentos de independência. O acordo de Argel marcou o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau e consequente transferência de administração. Em 19 de Outubro de 1974 a direcção do PAIGC entrou oficialmente em Bissau. Uma multidão compacta enchia a antiga Praça do Império e aclamava Nino, Luís Cabral e Aristides Pereira. Chega o momento de apreciar os meandros políticos e jurídicos do novo Estado. Sem querer repetir o que aparecerá desenvolvido no seu livro “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” (Edições Almedina 2010), apercebe-se que a Constituição do Boé legitima um partido único que comanda a todos níveis um estado soberano. Importa relevar que a Guiné-Bissau é, quanto aos modos de formação do Estado, um Estado criado por descolonização graças a uma declaração unilateral de independência. Encontra legitimidade no direito à auto-determinação consagrado pela ONU e enquadra-se, a todos os níveis naquilo que foi a contestação colonial, a partir dos anos 50. Foi no uso desta argumentação e na demolição das teses do Governo de Salazar, mostrando aos observadores internacionais o controlo de largas parcelas do território que Cabral se impôs como nome sonante na arena internacional. Acresce que há um dado histórico que hoje se pode ver à lupa com absoluta nitidez: Cabral, além de impulsionador do PAIGC, foi um dos obreiros do MPLA e liderou claramente o movimento anti-colonial, de língua portuguesa.
Condicionou a independência da Guiné à das outras colónias. É, pois, legítimo dizer que o processo independentista da Guiné-Bissau se constituiu como uma locomotiva de toda a descolonização. Vale igualmente a pena acompanhar a vasta documentação brandida pelo autor relativa à formação do Estado, que permite uma leitura inequívoca sobre os termos do reconhecimento da Guiné-Bissau, um caso paradigmático de um país que começou por ter uma causa, consolidar um movimento político, encontrar um líder de craveira excepcional, dotar-se de um exército destemido e respeitado, assenhorear-se de largas parcelas do território, dotando-o de vida própria, fazer aprovar uma constituição, ver-se reconhecido na cena internacional e, na consonância deste procedimento, ter contribuído para a falência do regime colonizador.
É nestes termos que o autor desvela todo o processo de independência da Guiné-Bissau como o factor dominante que levou a escancarar as portas à descolonização, entre 1974 e 1975.
É um documento de trabalho imprescindível, pelo que se sugere que António E. Duarte Silva combine harmoniosamente o que escreveu em 1997 com o seu trabalho recentemente publicado este ano. Na actualidade, e numa perspectiva externa à Guiné-Bissau, nada há de mais profundo e objectivo, no campo das investigações sociais, políticas e jurídicas, em simultâneo.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7031: Notas de leitura (149): A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)