1. Começamos hoje a reproduzir aqui o testemunho de um camarada nosso, grã-tabanqueiro (*), que foi alf graduado capelão no BART 1913 (Catió, 1967/69), Horácio Fernandes.
[Foto á esquerda, tirada pelo nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mec armam, CCS/BART 1913]
Tenho a autorização verbal do autor (que de resto é meu parente e conterrâneo), nais de 50 anos depois do nosso último encontro, para reproduzir um excerto do seu livro autobiográfico, "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto; Papiro Editora, 2009, pp. 127-162), relativamente à sua experiênciade como capelão militar na Guiné, muito marcante e decisiva para o seu futuro como homem e como padre.
O livro já aqui foi objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (**).
Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em Ciências da Educação, pela Univeridade do Porto (1995): Francisco Caboz: de angélico ao trânsfuga, uma autobiografia.
O Horácio Fernandes vive no Porto. Deixou o sacerdócio. É casado, tem 3 filhos. Foi o nosso camarada e amigo Alberto Branquinho quem descobriu o paradeiro do seu antigo capelão (***).
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Notas do editor:
(*) Vd poste de 12 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...
(**) Vd. psote de 3 de fevereiro dfe 2012 > Guiné 63/74 - P9439: Notas de leitura (329): Francisco Caboz, A Construção e a desconstrução de um Padre, por Horácio Neto Fernandes (Mário Beja Santos)
(..) “Francisco Caboz, A construção e a desconstrução de um Padre”, por Horácio Neto Fernandes (Papiro Editora, 2009), é um relato ímpar pela simplicidade do que documenta, pela coragem em pôr por escrito recordações por vezes pungentes da criança sofrida que o adulto guardou em bom recato. Algures, na Lourinhã [, Ribamar,] num ambiente de pobreza austera, um menino solícito e participativo nas fainas duras do campo e das pescarias do pai, guardou esculpido a cinzel as memórias de um meio rústico, das brincadeiras das crianças e da religiosidade dos actos litúrgicos, dos bodos e da catequese. Terá sido na escola primária, no princípio dos anos 40, que se sentiu impelido a ser padre. Com 11 anos partiu para o Colégio Seráfico, em Braga, partiu com o enxoval mínimo (...)
O padre construiu-se a partir deste colégio que era um pesado e frio edifício de quatro pisos, circundado por densa e verdejante mata (...)
Francisco não esqueceu a composição do pequeno-almoço, do almoço e do jantar, as diversões, os passeios, as orações e a composição dos estudos. É uma descrição por vezes arrepiante, o leitor segue-o pelos lugares, envolve-se nos sacrifícios e nas medidas disciplinares, Francisco é tão evidente que aceitamos que se tenha habituado a cumprir sem pestanejar, sentindo-se sempre devedor dos padres. Cresce e habitua-se a afastar as tentações da carne. Aliás, segundo o director espiritual, as mulheres catalogavam-se da seguinte maneira: as freiras que se tinham consagrado a Deus; as mulheres casadas, sobretudo as mães dos padres, porque tinham dado um filho a Deus; depois as outras mulheres que procriavam; e as solteiras eram sempre um perigo porque causavam maus pensamentos aos homens. No final do 5º ano partiu para o Convento do Varatojo, agora era um rapaz de fato preto e chapéu na cabeça, é aqui que ele vai fazer um ano de noviciado, aqui também há castigos e penitências para as faltas. A nova etapa serão três anos de curso filosófico e depois quatro anos de curso teológico, no Seminário da Luz, em Carnide. De vez em quando, Francisco corre o risco de ser expulso, uma vez enviam uma carta anónima denunciando um tio que vivia amancebado, era o suficiente para a sua expulsão, felizmente que tudo se esclareceu. Temo-lo agora padre, em Agosto de1959, começa a sua missão, reza missas em casas senhoriais, presta serviço religioso nas igrejas, é professor.
A desconstrução de um padre começa nas suas hesitações ou vacilações: está apto a exercer a sua missão de sacerdote? Se o autor carpinteirou admiravelmente o contexto onde nasceu um padre e o modo como ele foi construído, há que confessar que esta desconstrução é descosida, frouxa, perdeu o nervo, é uma narrativa arrancada à força, um testemunho que não agarra o leitor pela gola.
Imprevistamente, é indigitado para capelão militar, frequenta a Academia Militar, aprende a manejar a G3 e ouve o bispo de Madarsuma a explicar a razão do compromisso com a pátria e a razoabilidade da guerra aos terroristas, Portugal estava a defender a civilização cristã contra as agressões externas. É nomeado capelão militar no BART 1913, segue para Catió num DO pilotado pelo lendário sargento Honório. É logo praxado na sala de oficiais, à mesa, no almoço, o major passa-lhe fotografia com mulheres nuas e Francisco pergunta-lhe se eram fotos da mulher dele, valeu o médico do batalhão que conseguiu que o caso ficasse abafado. Temos uma descrição de Catió como uma vila isolada e cercada de florestas e rios com um administrador cabo-verdiano, um administrador adjunto alentejano e uma dúzia de cipaios; havia duas casas comerciais e um comerciante conservava o seu estabelecimento na outra margem do rio, num local chamado Ganjola, onde esteve um destacamento que depois veio a ser abandonado com consequências sérias para Catió. É uma descrição cuidada mas pouco vibrante, sabemos que houve ataques à sede do batalhão mas ele é praticamente omisso quanto ao seu relacionamento com os militares. Há igualmente uma descrição de Cabedu, um aquartelamento mais a sul onde Francisco apanhou um susto quando os guerrilheiros invadiram a pista e entraram na povoação.
Tenho a autorização verbal do autor (que de resto é meu parente e conterrâneo), nais de 50 anos depois do nosso último encontro, para reproduzir um excerto do seu livro autobiográfico, "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto; Papiro Editora, 2009, pp. 127-162), relativamente à sua experiênciade como capelão militar na Guiné, muito marcante e decisiva para o seu futuro como homem e como padre.
O livro já aqui foi objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (**).
Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em Ciências da Educação, pela Univeridade do Porto (1995): Francisco Caboz: de angélico ao trânsfuga, uma autobiografia.
O Horácio Fernandes vive no Porto. Deixou o sacerdócio. É casado, tem 3 filhos. Foi o nosso camarada e amigo Alberto Branquinho quem descobriu o paradeiro do seu antigo capelão (***).
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Notas do editor:
(*) Vd poste de 12 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...
(**) Vd. psote de 3 de fevereiro dfe 2012 > Guiné 63/74 - P9439: Notas de leitura (329): Francisco Caboz, A Construção e a desconstrução de um Padre, por Horácio Neto Fernandes (Mário Beja Santos)
O padre construiu-se a partir deste colégio que era um pesado e frio edifício de quatro pisos, circundado por densa e verdejante mata (...)
Francisco não esqueceu a composição do pequeno-almoço, do almoço e do jantar, as diversões, os passeios, as orações e a composição dos estudos. É uma descrição por vezes arrepiante, o leitor segue-o pelos lugares, envolve-se nos sacrifícios e nas medidas disciplinares, Francisco é tão evidente que aceitamos que se tenha habituado a cumprir sem pestanejar, sentindo-se sempre devedor dos padres. Cresce e habitua-se a afastar as tentações da carne. Aliás, segundo o director espiritual, as mulheres catalogavam-se da seguinte maneira: as freiras que se tinham consagrado a Deus; as mulheres casadas, sobretudo as mães dos padres, porque tinham dado um filho a Deus; depois as outras mulheres que procriavam; e as solteiras eram sempre um perigo porque causavam maus pensamentos aos homens. No final do 5º ano partiu para o Convento do Varatojo, agora era um rapaz de fato preto e chapéu na cabeça, é aqui que ele vai fazer um ano de noviciado, aqui também há castigos e penitências para as faltas. A nova etapa serão três anos de curso filosófico e depois quatro anos de curso teológico, no Seminário da Luz, em Carnide. De vez em quando, Francisco corre o risco de ser expulso, uma vez enviam uma carta anónima denunciando um tio que vivia amancebado, era o suficiente para a sua expulsão, felizmente que tudo se esclareceu. Temo-lo agora padre, em Agosto de1959, começa a sua missão, reza missas em casas senhoriais, presta serviço religioso nas igrejas, é professor.
A desconstrução de um padre começa nas suas hesitações ou vacilações: está apto a exercer a sua missão de sacerdote? Se o autor carpinteirou admiravelmente o contexto onde nasceu um padre e o modo como ele foi construído, há que confessar que esta desconstrução é descosida, frouxa, perdeu o nervo, é uma narrativa arrancada à força, um testemunho que não agarra o leitor pela gola.
Imprevistamente, é indigitado para capelão militar, frequenta a Academia Militar, aprende a manejar a G3 e ouve o bispo de Madarsuma a explicar a razão do compromisso com a pátria e a razoabilidade da guerra aos terroristas, Portugal estava a defender a civilização cristã contra as agressões externas. É nomeado capelão militar no BART 1913, segue para Catió num DO pilotado pelo lendário sargento Honório. É logo praxado na sala de oficiais, à mesa, no almoço, o major passa-lhe fotografia com mulheres nuas e Francisco pergunta-lhe se eram fotos da mulher dele, valeu o médico do batalhão que conseguiu que o caso ficasse abafado. Temos uma descrição de Catió como uma vila isolada e cercada de florestas e rios com um administrador cabo-verdiano, um administrador adjunto alentejano e uma dúzia de cipaios; havia duas casas comerciais e um comerciante conservava o seu estabelecimento na outra margem do rio, num local chamado Ganjola, onde esteve um destacamento que depois veio a ser abandonado com consequências sérias para Catió. É uma descrição cuidada mas pouco vibrante, sabemos que houve ataques à sede do batalhão mas ele é praticamente omisso quanto ao seu relacionamento com os militares. Há igualmente uma descrição de Cabedu, um aquartelamento mais a sul onde Francisco apanhou um susto quando os guerrilheiros invadiram a pista e entraram na povoação.
Pouco também ficamos a saber do seu múnus apostólico fora do quartel, ele é lacónico: “Francisco nunca foi visita assídua nem das populações nem dos comerciantes brancos. Naturalmente reservado, nunca actuou como se fosse o pastor do rebanho com as obrigações inerentes. Tinha o papel de capelão, procurava desempenhá-lo, mas pouco mais do que isso”. As suas homilias eram obrigatoriamente para falar do heroísmo dos nossos soldados e da vida difícil da Guiné. O BART 1913 foi rendido, Francisco foi colocado em Bambadinca, numa zona que ele classifica como a mais cobiçada pelo inimigo. Adoece e entretanto a sua comissão chegou ao fim, regressa em Dezembro de 1969. Com o dinheiro que juntou, vai estudar e ajuda a irmã, que está a tirar o curso de contabilidade. (...)
(***) Vd. poste de 17 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8437: Contraponto (Alberto Branquinho) (36): A construção e a desconstrução de um Padre
(***) Vd. poste de 17 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8437: Contraponto (Alberto Branquinho) (36): A construção e a desconstrução de um Padre