terça-feira, 29 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2800: Em bom português nos entendemos (1): Guidaje e não Guidage (Luís Graça / Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Guidaje > Novembro de 2008 > O regresso do Albano Costa, acompanhado do seu filho Hugo Costa e de outros camaradas, a Guidaje, o antigo aquartelamento da CCAÇ 4150 (1973/74), junto à fronteira do Senegal.

Tal como Guileje e outros aquartelamentos no sul, Guidaje, no norte, é um ponto no mapa da Guiné-Bissau que faz parte da nossa história comum, e que dificilmente cairá no esquecimento, de ambos os povos. Em Novembro de 2000, o Albano Costa foi lá encontrar o último soldado (guineense) da martirizada CCAÇ 19. Guidaje nunca será esquecida, mas os falantes da língua portuguesa têm dúvidas sobre a sua grafia correcta: Guidaje ou Guidage ? Entretanto, os jilas (e não gilas) continuam, como dantes, a atravessar a fronteira e a falar melhor o francês do que o português...

Segundo o Observatório da Língua Portuguesa, em 7 de Julho de 2007, o cálculo de Falantes de Português como Língua Materna nos países da CPLP era de 204.654.678, num universo de menos de 236 milhões de habitantes. A Guiné-Bissau com um total de 1.565.000 habitantes era o país da CPLP, com a menor percentagem de Falantes de Português como Língua Materna: 5% (em números absolutos, 78.250), atrás de Timor Leste (6%) e de Moçambique (6,5%), longe de São Tomé e Príncipe (20%), Cabo Verde (40%), Angola (40%), Portugal (96%) e Brasil (99,7%).

Foto: © Albano Costa (2008). Direitos reservados.


1. Pergunta a (e resposta de) o Ciberdúvidas da Língua Portiuguesa:

A grafia de Guidage/Guidaje (Guiné-Bissau)

[Pergunta]

A toponomia da Guiné-Bissau é fonte de grande confusão para os falantes da língua portuguesa. Já aqui em tempos levantámos a questão da grafia de Guileje/Guilege/Guiledje... Ainda recentemente participei num Simpósio Internacional de Guiledje (e não Guileje), em Bissau (1 a 7 de Março de 2008).

Há dias passou na televisão (SIC) e foi publicado num semanário (Visão) uma reportagem sobre Guidage, e a exumação e a identicação de restos mortais de militares portugueses, que lá morreram e ficaram sepultados, em Maio de 1973...

Eu costumo seguir a fixação dos topónimos feita, na antiga Guiné portuguesa, pelos nossos magníficos cartógrafos militares. Mas também eles erra(va)m. Consagraram duas grafias para esta obscura povoação no Norte, na zona fronteiriça, junto ao Senegal, povoação onde havia um aquartelamento português no tempo da guerra colonial/guerra do ultramar.

Guileje e Guidaje são hoje dois topónimos que fazem parte da história de ambos os países, a Guiné-Bissau e Portugal... Seria bom que nos entendêssemos sobre a sua grafia correcta...
Ver as cartas sobre Guidage/Guidaje, disponíveis em linha, a partir do meu blogue:

Luís Graça & Camaradas da Guiné
Carta da Província da Guiné, 1961
Carta de Guidaje, 1953

Parabéns pelo vosso magnífico trabalho em prol da língua portuguesa e dos falantes da língua portuguesa (tão pouco falada, infelizmente, na Guiné-Bissau).

Luís Graça,
Professor do ensino superior universitário,
Lisboa, Portugal

[Resposta]

Na transcrição de nomes africanos de origem banta, que pertencem ao grupo Benue-Congo do ramo Níger-Congo da família níger-cordofânia (1) , a tendência é usar o grafema j antes das letras e e i para representar uma série de sons vozeados (sonoros), realizados como fricativa pré-palatal [j] ( o j de janela), africada pré-palatal [dj](como em italiano, Giovanni) ou qualquer outro som que soe semelhante ao ouvido português. Assim, em nomes de lugar de países onde se falam tais línguas, dever-se-ia usar o j para representar tais sons: Malanje e Uíje (em Angola; cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966).

No caso da Guiné-Bissau, não temos línguas bantas, mas línguas da mesma família e do mesmo ramo, mas de grupos diferentes: o mandinga e o soninqué são membros do grupo mande, e as restantes, do grupo atlântico (2). Também neste caso me parece de aconselhar o j para transcrever os sons que, nestas línguas da Guiné-Bissau, soarem como fricativa, africada ou som semelhante. Recomendo, portanto, que se escreva Guidaje e Guileje, pelo menos, em português europeu.

Dito isto, sabemos que a norma brasileira aceita o dígrafo dj em variação com j (ver Dicionário Houaiss); por exemplo: djila/jila («mascate que circula entre a Guiné-Bissau (África) e os países vizinhos»). Surge aqui uma alternativa à disposição dos países africanos em que o português é língua oficial: sabendo que estamos numa fase de mudança, é possível que a adopção do novo Acordo Ortográfico dê azo a que em África se redefinam os critérios a aplicar na grafia e na forma portuguesas de topónimos com origem em línguas pré-coloniais.

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas palavras finais.

(1) Ver Ernesto d´Andrade, Línguas Africanas: Breve Introdução à Fonologia e à Morfologia, Lisboa, A. Santos, págs. 19-45.


(2) Idem, pág. 64.


Carlos Rocha. 24/04/2008

Textos Relacionados

Guileje (e não "Guiledje")

2. Outros sítios na Net a pôr na lista dos favoritos:

CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Idiomático - Revista Digital de Didáctica de Português > A Língua Portuguesa na Guiné-Bissau

Dicionário Caboverdiano Português On-Line

Instituto Camões Portugal

Língua Portuguesa - Gramática, Ortografia, Literatura

Museu da Língua Portuguesa

Observatório da Língua Portuguesa

Por Detrás das Letras

Portal da Língua Portuguesa

Priberam Informática - Língua Portuguesa On-Line

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2799: Lista dos militares portugueses metropolitanos mortos e enterrados em cemitérios locais (1): De 1963 a 1964 (A. Marques Lopes)



Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério municipal > Talhão militar português > Abril de 2006 > Campa nº 1271, de Anastácio Vieira Domingos, Soldado, CCAÇ 727, falecido em 13 de Dezembro de 1964, por doença, HM 241, Bissau.

Era natural de Santa Clara-a-Velha, concelho de Odemira, distrito de Beja. O Soldado Anastácio Vieira Domingos, nº 688/64, teve como unidade mobilizadora o RI 16, de Évora. A comissão foi de Outubro de 1964 a Agosto de 1966. O Soldado Anastácio não chegou a conhecer a época das chuvas: morreu ao fim de dois meses de Guiné, mais exactamente a 13 de Dezembro de 1964. O seu nome consta do memorial aos mortos das guerras do ultramar, junto à torre de Belém.


Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério municipal > Talhão militar português > Abril de 2006 > Campa [nº 1173] do Manuel Rogério Lopes Torres, Soldado da CART 566, que morreu a 10 de Novembro de 1964, em Bissorã, devido a ferimentos em combate.

O Torres era natural de Geraz do Lima, Viana do Castelo. Esta como muitas outras lápides funerárias de soldados portugueses cujos corpos por aqui ficaram, estava praticamente ilegível (e em estado de abandono) quando o A. Marques Lopes fez uma visita ao cemitério, em Abril de 2006. A CART 566 teve como unidade mobilizadora o RAP 2, de Vila Nova de Gaia. Esteve na Guiné de Agosto de 1964 a Novembro de 1965. O Soldado Torres também morreu na época seca, ao fim de escassos três meses de Guiné.
Fotos: © A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados


1. Mensagem do A. Marques Lopes:

Caros camaradas Já há meses (muitos, creio eu) enviei-vos este quadro, entre outros, que fiz de dados colhidos do Livro dos Mortos na Guiné, da CECA (atenção, que não estão os guineenses). Está aqui novamente, agora que se fala [dos camaradas que ficaram enterrados em Guidaje e em muitos outros locais da Guiné]. Se servir...

A. Marques Lopes


Quadro 1 - Guiné 1963/74: Militares portugueses metropolitanos, mortos por ferimentos em combate, doença, acidente ou outros motivos, e cujos corpos ficaram em cemitérios locais. Parte I: 1963 e 1964, por trimestre.


Quadro 2 – Guiné 1963/74: Distribuição, por cemitério, dos corpos dos militares portugueses metropolitanos, mortos por ferimentos em combate, doença, acidente ou outros motivos, e cujos corpos foram enterrados em cemitérios locais. Parte I: 1963/1964 (n=80).

Comentário: Num total de 80 militares que morreram, em 1963 e 1964, no CTIG e cujos corpos não regressaram à Pátria, 2/3 ficaram sepultados no Cemitério de Bissau. Seguem--se, por ordem de frequência, os cemitérios de NOva Lamego (n=7), Bafatá (n=5) e Fulacunda (n=2). Outros cemitérios, com uma sepultura cada: Bedanda, Bolama, Buba, Cacine, Catió e Farim. Neste período (1963/64) houve 7 corpos que não foram recuperados: 4 mortos em combate (possivelmente, vítimas de explosão de minas A/C); 3 mortos por afogamento.

Imagens: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Aqueles que nem no caixão regressaram

(Organização por ordem cronológica da data de morte: A. Marques Lopes) (1)


NOME e POSTO / UNIDADE / DATA da MORTE / LOCAL da MORTE / CAUSA da MORTE NATURALIDADE / LOCAL DA SEPULTURA


1963

Abílio Monteiro de Brito, Furriel / CCaç 152 / 27.01.63 / Bissalã, Buba / Ferimentos em combate / Aldeia de Neiva, Barcelos /Corpo não recuperado.

Francisco Gonçalves Moreira, 1º Cabo /CCaç 152 / 27.01.63 / Bissalã, Buba / Ferimentos em combate / Padim da Graça, Braga / Corpo não recuperado.

João Nogueira Marques, Soldado / CPMil 257 / 05.02.63 / Doença / Lameiras, S. João da Boavista / Cemitério de Bissau, Campa 49, Guiné.

José da Graça Marques, 1º Cabo / Pel Caç 871 / 01.03.63 / Cabedú / Ferimentos em combate / Castelo, Sertã / Cemitério de Bedanda, Guiné.

Vitorino Chainho Pereira, Soldado / Pel Caç 860 / 26.03.63 / Susana / Ferimentos em combate / Melides, Grândola / Cemitério de Bissau, Guiné.

João Freitas Pereira, Soldado / CCaç 274 / 22.04.63 / Estrada Tite-Fulacunda /Ferimentos em combate / Santo Espírito, Ponta Delgada / Cemitério de Fulacunda, Guiné.

Casimiro Ferreira Neto, Soldado / Pel Caç 871 / 23.05.73 / Nova Lamego / Acidente com arma de fogo / São Simão de Lítem, Pombal / Cemitério de Nova Lamego.

Fernando João José Cerqueira, Soldado / ER 385 / 02.06.63 / Aldeia Formosa / Acidente com arma de fogo / Porto / Cemitério de Bafatá, Guiné.

António Augusto Esteves Magalhães, 1.º Cabo / CCaç 423 / 03.07.63 / Estrada Nova Sintra-Fulacunda, HM241 / Ferimentos em combate / Amares / Cemitério de Bissau, Campa 291, Guiné.

Alberto dos Santos Monteiro, Soldado / CCaç 423 / 03.07.63 / Estrada Nova Sintra-Fulacunda / Ferimentos em combate / Rio Tinto, Gondomar / Cemitério de Fulacunda, Guiné.

José Carmo Cunha, Soldado / CCaç 411 / 11.07.63 / Buba / Ferimentos em combate / Coriscada, Meda / Cemitério de Buba, Guiné.

Jeremias Barcelos Cosme Damião, Soldado / CCaç 273 / 14.07.63 / Cacine / Acidente com arma de fogo / Praia da Vitória, Praia da Vitória / Cemitério de Cacine, Guiné.

José Rato Casaleiro, Soldado / CCaç 423 / 18.07.63 / Estrada Tite-Nova Sintra / Ferimentos em combate / Freiria, Torres Vedras / Cemitério de Bissau, Campa 360, Guiné.

José Gonçalves Pereira, Soldado / CCaç 413 / 20.10.63 / Porto Gole / Ferimentos em combate / Alcanena / Cemitério de Bissau, Campa 559, Guiné.

Marcelino Duarte, Soldado / CCaç 509 / 29.10.63 / Rio Bigador / Afogamento / Marmelete, Monchique / Cemitério de Nova Lamego, Guiné.

Adosindo Carvalho Brito, 1º. Cabo / CCav 489 / 02.11.63 / Morés / Ferimentos em combate / Boas Eiras, Penacova / Cemitério de Bissau, Campa 529, Guiné.

Domingos Rodrigues Torres, Soldado / CCaç 510 / 05.11.63 / Estrada Xitole-Bambadinca / Ferimentos em combate / Santa Maria Maior, Viana do Castelo / Cemitério de Bafatá, Guiné.

Manuel da Costa Domingos, Soldado / CCaç 510 / 05.11.63 / Estrada Xitole-Bambadinca / Ferimentos em combate / Almaceda, Castelo Branco / Cemitério de Bafatá, Guiné.

Joaquim Romualdo Mesquita, Furrel / CCaç 509 / 05.11.63 / Nova Lamego / Acidente de viação / S. Vicente da Beira, Castelo Branco / Cemitério de Nova Lamego, Guiné.

Joaquim da Luz Assis, Soldado / CCaç 870 / 13.11.63 / Bafatá / Doença / S. Pedro da Cadeira, Torres Vedras / Cemitério de Bafatá, Guiné.

Joaquim da Silva Mota, 1.º Cabo / CCaç 509 / 14.11.63 / Enxalé / Ferimentos em combate / Mondim de Basto, Mondim de Basto / Corpo não recuperado.


1964

José Ramos Picão, Soldado CCaç 413 / 03.01.64 / Dame, Mansoa / Ferimentos em combate / Ega, Condeixa-a-Nova / Cemitério de Bissau, Campa 636, Guiné.

Armédio Dias de Almeida, Furriel / CCaç 423 / 09.01.64 / São João, Nova Sintra / Ferimentos em combate / Vila Cova de Perrinho, Vale de Cambra / Cemitério de Bolama, Campa 3/64, Guiné.

Henrique José Pinto, 1.º Cabo / CCaç 487 / 24.01.64 / Cumemene, Ilha do Como / Ferimentos em combate / Santo Agostinho, Moura / Cemitério de Bissau, Guiné.

António João Pinheiro Bicho, Soldado / CCaç 557 / 29.01.64 / Ilha do Como / Ferimentos em combate / Fortios, Portalegre / Cemitério de Bissau, Campa 670, Guiné.

Albano Ferreira Lourenço, Soldado / CCaç 493 / 01.02.64 / Mansabá / Ferimentos em combate / S. Sebastião da Pedreira, Lisboa / Cemitério de Bissau, Campa 675, Guiné.

Joaquim Maria Lopes, Soldado / CCaç 413 / 01.02.64 / Mansabá / Ferimentos em combate / Castanheira de Pera, Castanheira de Pera / Cemitério de Bissau, Campa 676, Guiné.

Manuel Bispo Rodrigues, Soldado / CCaç 510 / 10.02.64 / Acidente de viação / Margem, Gavião / Cemitério de Bissau, Campa 690, Guiné.

Antonio Fernando Teixeira Vilela, Soldado CCaç508 / 12.02.64 Olossato Ferimentos em combate Rio Tinto, Gondomar Cemitério de Bissau, Campa 692, Guiné

José Paulo Fonseca, Soldado / CCaç 508 / 12.02.64 / Olossato / Ferimentos em combate / Aljubarrota, Alcobaça / Cemitério de Bissau, Campa 692, Guiné.

Cândido Augusto Silva Dias, Soldado / CCaç 412 / 27.02.64 / Ponta do Inglês / Ferimentos em combate / Chacim, Macedo de Cavaleiros / Cemitério de Bafatá, Guiné.

João Martins Lourenço, 1.º Cabo / CCaç 556 / 28.02.64 / Enxalé / Ferimentos em combate / Alvoco das Várzeas, Oliveira do Hospital / Cemitério de Bissau, Campa 718, Guiné.

José da Conceição Francisco, Soldado / CCaç 556 / 28.02.64 / Enxalé / Ferimentos em combate / Odemira / Cemitério de Bissau, Campa 719, Guiné.

António Barata Farinha, Soldado / CCaç 594 / 04.03.64 / Estrada Farim-Mansabá /Ferimentos em combate / Ermida, Sertã / Cemitério de Bissau, Campa 727, Guiné.

José Pereira Rodrigues, Soldado / CCaç 413 / 05.03.64 / Estrada Bissorã-Mansoa / Ferimentos em combate / Dardavaz, Tondela / Cemitério de Bissau, Campa 726, Guiné.

Alberto Teixeira Oliveira, Soldado / CArt 640 / 24.03.64 / Sangonhá / Ferimentos em combate / Burgo, Arouca / Cemitério de Bissau, Campa 752, Guiné.

José da Silva Ferreira Duarte, 1.º Cabo / CArt 640 / 24.03.64 / Sangonhá / Ferimentos em combate / Trandeira, Braga / Cemitério de Bissau, Campa 751, Guiné.

António Monteiro da Silva, Soldado / CArt 640 / 24 .03.64 / Sangonhá / Ferimentos em combate / Alvarenga, Arouca / Cemitério de Bissau, Campa 754, Guiné.

José Fonseca Rua, Soldado / CCaç 622 / 06.04.64 / Binar / Ferimentos em combate / Fonte Arcada, Cernancelhe / Cemitério de Bissau, Campa 1594, Guiné.

José Rosa Louro, Soldado / CCaç 642 / 02.05.64 / HM 241 / Doença / Portela, Abrantes / Cemitério de Bissau, Campa 817, Guiné.

Leonel António Viegas Marcos, 1.º Cabo / Pel Rec 947 / 05.05.64 / Farim / Ferimentos em combate / Quelfes, Olhão / Cemitério de Farim, Guiné .

António José Pereira, 1.º Cabo / CArt 640 / 09.05.64 / Estrada Cuntima - Farim / Ferimentos em combate / Vilarinho de Samardã, Vila Real / Cemitério de Bissau, Campa 864, Guiné.

Nascimento Machado Antenor, Soldado / CCaç 622 / 16.05.64 / Binar / Ferimentos em combate / Vila de Ala, Mogadouro / Cemitério de Bissau, Campa 1593, Guiné.

Francisco António Feiteira, Soldado / CCaç 556 / 31.05.64 / Enxalé / Ferimentos em combate / Alegrete, Portalegre / Cemitério de Bissau, Campa 864, Guiné.

José Félix Pereira dos Santos, Soldado / CCav 487 / 01.06.64 / Farim / Ferimentos em combate / Samora Correia, Benavente / Cemitério de Bissau, Campa 865, Guiné.

António Ferreira da Rocha Caseiro, Soldado / CArt 642 / 06.06.64 / Mansabá / Ferimentos em combate / Sobrado, Valongo / Cemitério de Bissau, Campa 867, Guiné.

José da Silva Peixeiro, Soldado / CCav 488 / 06.06.64 / HM 241 / Acidente com arma de fogo / Relíquias, Odemira / Cemitério de Bissau, Campa 866, Guiné.

Álvaro Henriques Espinheira, Soldado / CArt 642 / 27.06.64 / Mansoa / Ferimentos em combate / Lourosa, Vila da Feira / Cemitério de Bissau, Campa 906, Guiné.

José Joaquim dos Reis Maria Zoio, Soldado CCS/ BCaç 599 / 02.07.64/ Tabanca de Jufá Ferimentos em combate / Santo Ildefonso, Porto / Corpo não recuperado.

Vitorino António Marques, 1.º Cabo / Pel Rec 42 / 02.07.64 / Cumbijã / Ferimentos em combate / Monchique / Cemitério de Bissau, Campa 956, Guiné.

José António Cordeiro Lopes, 2.º Sargento / BCav 705 / 16.07.64 / Afogamento / Ciladas, Vila Viçosa / Corpo não recuperado.

José Oliveira Grancho, Soldado / Pel Caç 955 / 10.08.64 / Nova Lamego / Acidente de viação e afogamento / Monsanto, Idanha-a-Nova / Cemitério de Nova Lamego, Guiné.

António Emílio de Melo, 1.º Cabo / CArt 643 / 16.08.64 / Bedanda / Ferimentos em combate / São João das Areias, Santa Comba Dão / Cemitério de Bissau, Campa 1055, Guiné.

Jesuíno Bilro Simões, Soldado / Pel Caç 953 / 16.08.64 / Cacheu / Acidente com arma de fogo / Escoural, Montemor-o-Novo / Cemitério de Bissau, Campa 1132, Guiné.

Luís Ferreira Faria, Soldado CTrans 735 / 24.08.64 / Afogamento / Cercal, Cadaval / Corpo não recuperado.

Fernando Guedes de Oliveira, 1.º Cabo / CCav 567 / 26.08.64 / Rio Blassar / Afogamento / Milheiros de Poiares, Vila da Feira / Corpo não recuperado.

Américo dos Santos Alves, Soldado / CArt 565 / 27.08.64 / Fulacunda / Ferimentos em combate / Friões, Valpaços / Cemitério de Bissau, Campa 1058, Guiné.

José Gonçalves Rua, 1.º Cabo / CCaç 462 / 27.08.64 / Acidente com arma de fogo / Penude, Lamego / Cemitério de Bissau, Campa 1020, Guiné.

José Henriques Ferreira, Soldado / CArt 565 / 27.08.64 / Fulacunda / Ferimentos em combate / Lombada, Vila Nova de Poiares / Cemitério de Bissau, Campa 1017, Guiné.

José Pereira Durães, Soldado / Dest Intendência 707 / 28.08.64 / HM 241 / Acidente de viação / Vitorino dos Piães, Ponte de Lima / Cemitério de Bissau, Campa 1023, Guiné.

Luís Pestana Dinis, Soldado / Pel Caç 955 / 01.10.64 / Acidente com arma de fogo / Serra Água, Ribeira Brava, Madeira / Cemitério de Bissau, Campa 1078, Guiné.

Artur Branco Gonçalves, 1.º Cabo / CCaç 462 / 13.10.64 / HM241 / Doença / Vilarelho da Raia, Chaves / Cemitério de Bissau, Campa 1108, Guiné.

António Neves Ferreira, Soldado / Pel Caç 955 / 22.10.64 / Nova Lamego / Doença / São Cosme, Gondomar / Cemitério de Nova Lamego, Guiné.

Albino Mendes Carvalho, Soldado / CArt 494 / 23.10.64 / Afogamento / Chavão, Barcelos / Cemitério de Bissau, Campa 1280, Guiné.

Horácio Rocha Ferreira, Soldado / CCaç 509 / 26.10.64 / Doença / Melres, Gondomar / Cemitério de Nova Lamego, Campa 16, Guiné.

Aníbal dos Santos Afonso, Soldado Cart495/ CIC/Grupo Cmds "Panteras" / 29.10.64 / Aldeia Formosa / Ferimentos em combate / Alvaradas, Vinhais / Cemitério de Bissau, Campa 1112, Guiné.

Elias António Emídio, Soldado / CCav 489 / 29.10.64 / HM 241 / Doença / São Bartolomeu do Outeiro, Portel / Cemitério de Bissau, Campa 1128, Guiné.

Manuel Bernardes, Soldado / CArt 643 / 07.11.64 / HM 241 / Acidente, outros motivos / Figueira do Lorvão, Penacova / Cemitério de Bissau, Campa 1171, Guiné.

Manuel Rogério Lopes Torres, Soldado / CArt 566 / 10.11.64 / Bissorã / Ferimentos em combate / Geraz do Lima, Viana do Castelo / Cemitério de Bissau, Campa 1173, Guiné.

José Lourenço da Silva, Furrriel CCS/ BCaç 619 / 18.11.64 / Estrada de Quibil / Ferimentos em combate / Sardoal / Cemitério de Catió, Guiné.

Fernando Lucrécia, Soldado / 3.ª CCaç / 21.11.64 / Nova Lamego / Doença / Melides, Grândola / Cemitério de Nova Lamego, Guiné.

José Francisco Pombo de Matos, Soldado / CCav 704 / 21.11.64 / HM 241 / Doença / Urra, Portalegre / Cemitério de Bissau, Campa 1266, Guiné.

Manuel Coito Narciso, Soldado / CCS/ BCaç 599 / CIC / GrCmds "Fantasmas" / 28.11.64 / Madina do Boé / Ferimentos em combate / Santa Catarina, Caldas da Rainha / Cemitério de Bissau, Campa 1248, Guiné.

Ramiro de Jesus Silva, 1.º Cabo / CArt 495 / CIC / GrCmds "Fantasmas / 28.11.64 / Madina do Boé / Ferimentos em combate / Colmeias, Leiria / Cemitério de Bissau, Campa 1245, Guiné.

Adelino da Silva Costa, Soldado / CCS/ BCaç 599 / 30.11.64 / HM 241 / Doença Figueira do Lobão, Penacova / Cemitério de Bissau, Campa 1268, Guiné.

António Rodrigues Abreu, Soldado / CCaç 461 / 12.12.64 / HM 241 / Doença / Rio da Loba, Viseu / Cemitério de Bissau, Campa 1269, Guiné.

Anastácio Vieira Domingos, Soldado / CCaç 727 / 13.12.64 / HM 241 / Doença / Santa Clara-a-Velha, Odemira / Cemitério de Bissau, Campa 1271, Guiné.

António Henriques Oliveira Marques, Soldado / CCaç 727 / 13.12.64 / HM 241 / Doença / Midões, Tábua / Cemitério de Bissau, Campa 1270, Guiné.

José Augusto Mateus Neto, Soldado / CArt 642 / 16.12.64 / HM 241 / Acidente de Viação / Torre do Torrenho, Trancoso / Cemitério de Bissau, Campa 1281, Guiné.

Ataliba Pereira Faustino, 1.º Cabo / CCaç 413 / 25.12.64 / Acidente outros motivos / Aljubarrota, Alcobaça / Cemitério de Bissau, Campa 1291, Guiné.

(Continua)
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Nota de AML:

(1) Fonte: Tomo II, Guiné - Livro 2, do 8º Volume, Mortos em Campanha, da autoria de CECA - Comissão para o Estudo das Campanhas de África. Editado em 2001 pelo Estado Maior do Exército.

Guiné 63/74 - P2798: Em busca de ... (24): Sargento Diniz, amigo de meu pai, chefe dos correios, Catió, 1967/68 (Leopoldo Amado)

Guiné > Região de Tombali > Cat~ió > 1967/68 > O Leoopoldo Amado (1), em criança (6/7anos), mais o irmão José Pedro (o mais novo) e o sargento Diniz... Alguém, da nossa Tabanca Grande, se lembra do sargento Diniz ? Talvez o Vitor Condeço (2), que foi furriel miliciano de armamento na CCS do BART 1913, e que esteve justamente em Catió nessa época (1967/68).

Foto: © Leopoldo Amado (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Leopoldo Amado, o nosso historiador, doutorado pela Universidade de Lisboa que agora foi viver para o Porto. Ouviu-o há dias na RDP - África, falando da sua vinda para Portugal, em 1980, para estudar. Foi colocado no Porto, de que não gostou, pedindo de imediato ao reitor da Univerdide a sua transferência para Lisboa. Hoje, voltou ao Porto, por razões profissionais e está a adorar viver lá. Há sempe um Porto desconhecido à nossa espera, meu caro Leopoldo. (Soube, além disso, pela tua entrevista, que querias ser psicólogo, o raio da matemática é que te tramou... Mas, deixa estar, em troca ganhámos um historiador que, infelizmente, ainda não pode trabalhar na sua terra, onde falta tudo ou quase tudo a um historiador, a começar pelos arquivos...).

Espero que a malta da tertúlia de Matosinhos te convide um dia destes para o almoço das 4ªas feiras, na casa Teresa. Com eles, irás perceber melhor quanto a malta a malta do norte e os amigos e camaradas da Guiné são gente fixe. Espero que continues a dar-te bem por aí. Agora vamos à tua mensagem, que enviaste em 10 de Abril último. Espero que alguém te possa ajudar.

Caro Luís, Briote e Vinhal,


Assunto - Diniz ainda é vivo ?


Como é do vosso conhecimento (se não é, passa a ser), o meu pai foi durante muitos anos Chefe dos Correios em várias localidades da Guiné. Foi assim que percorremos Bambadinca (1960-1963), Bafatá (1963-1964), Fulacunda (1964-1966), Catió (1966-1969) e Bolama (1969-1973). Na realidade, de dois em dois anos (máximo três) éramos transferidos de um local para o outro até que, em 69, regressamos novamente à Bolama, nossa terra e nosso ponto de partida inicial, antes de rumarmos definitivamente para Bissau, em 1973, já nas vésperas da independência.

Em todas as localidades, o meu pai fazia e possuía imensos amigos, designadamente, entre a soldadesca portuguesa. Dentre esses, lembro-me com saudades do sargento Diniz que, sendo um grande amigo do meu pai, encarregava-se de passear connosco (eu e meu irmão) pelas ruelas de Catió, aí pelos anos idos de 1967-1968.

A foto que vos envio (em anexo) foi feita nessa altura em Catió, no quintal da minha casa, ou seja, defronte aos Correios e o então quartel, que ficavam lado a lado. Da esquerda para a direita, o Diniz (de camuflado) e, no seu colo, o José Pedro (meu irmão mais novo, que vive há muitos anos em Paris) e eu próprio (de pé), com a idade provável de 6/7 anos.

A foto é da autoria de um soldado-fotógrafo profissional (o meu pai não se lembra do nome) a quem cedeu uma divisão na parte traseira da nossa casa, onde ele estabeleceu um improvisado e funcional estúdio-laboratório que servia a tropa toda e ainda os civis.

Eu e o meu pai gostaríamos de rever o Diniz e talvez o TABANCA GRANDE nos possa ser útil nisso.

Diniz, ainda é vivo?

Oxalá!


Leopoldo Amado

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Notas de L.G.:

(1) Sobre o Leopoldo Amado:

7 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXIX: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1782: O nosso doutorando Leopoldo Amado vai ter o seu 'baptismo de fogo' no próximo dia 28, na Universidade de Lisboa (Luís Graça)

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1783: Tese de doutoramento de Leopoldo Amado: Guerra colonial 'versus' guerra de libertação (João Tunes)


29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1794: Blogoterapia (21): Falar da guerra, com pudor... e com alegria do novo Doutor, Leopoldo Amado (Luís Graça)


(2) Sobre o Vitor Condeço:

1. Mensagem enviada a 21 de Agosto de 2005:

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)

3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2453: O que fazia um militar da ferrugem como eu ? (Victor Condeço, ex- Fur Mil Mec Armamento, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69)

domingo, 27 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2797: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (29): Lá estarei em Bissalanca à tua espera!


Missa Luba, por Os Trovadores do Rei Balduíno. Nos anos 50 e 60,as missões em África procuraram conciliar a mensagem religiosa comos usos e costumes tradicionais.A Missa Luba é um desses resultados, em que os ritmos dos Luba entrelaçaram maravilhosamente na estrutura convencional de um missa em latim.Foi um êxito à escala mundial, os jovens congolenses emocionaram inúmeras plateias.Tiveram um grande acolhimento na ponte de Udunduma... (BS)


Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 4 de Fevereiro de 2008:



Luís, já seguiu a capa da 9ª Sinfonia de Mahler, juntarei a carta do Ruy Cinatti, uma imagem que tenho aqui da Missa Luba (lembro-te que tens aí o disco para digitalizar) juntarei também os livros do Vergílio Ferreira e da Elsa Triolet. Almocei com o Virgínio Briote, inevitavelmente falámos do 6 de Março [de 2008]. O programa cultural, das 14h30 às 15h30, será uma surpresa para muitos: A conservadora irá mostrar aos visitantes tesouros da arte nalu, balanta e bijagó, isto para além dos grandes clássicos, já que a entidade científica detém um património em livros e mapas que faz da Sociedade de Geografia o mais valioso arquivo do período imperial. Para a semana terás aí o episódio n.º 30, e começo a acreditar que este livro qualquer dia chegará ao fim. Um abraço do Mário.

Operação Macaréu à Vista – II Parte > Episódio n.º XXIX: VEM, VEM, VEM! (1)


por Beja Santos

(i) Uma proposta de Jovelino Corte Real

A região do Xime está agora no centro das atenções do comando de Bambadinca. O relato que lhes fiz do potencial humano do PAIGC existente em Ponta Varela, Poindom e Foz do Corubal não os deixou surpreendidos mas não puderam esconder a preocupação, logo prevendo novas operações para esta região, ainda em Março e depois Abril. Em parte nenhuma do sector L1 o inimigo estava tão perto das nossas tropas. Tão perto e tão forte.

Conhecedor do meu desejo de ir casar a Bissau, Pamplona Corte Real convidou-me a conversar no seu gabinete para sondar as minhas pretensões . Regressara do Xime derreado, considerava, no entanto, que tínhamos escrito no Pel Caç Nat 52 uma bela página de audácia, afinal o morteiro 81 é uma arma eloquente e indiscutível, mesmo com todas as suas dificuldades de transporte. Eu não cabia em mim de contente e escrevo à Cristina:

“Vou enviar-te o relatório da operação mas peço-te que não deixes sair um só instante o documento de casa. Seria para mim altamente comprometedor vir a saber-se que mandava material tão delicado, de carácter confidencial, à mulher. Não te telefonei no teu aniversário, estou cheio de vergonha, amanhã vou à D. Leontina ver se é possível telefonar-te”.

A 16 [de Março de 1970], estou eufórico e volto a escrever à Cristina:

“Estou muito contente de queres vir em Abril, falei com o comandante, ele aceita a sugestão do David Payne em eu sair daqui para ir à consulta externa, escrever-se-á no relatório que eu estou doente e a necessitar de uma baixa ao hospital. Não conformo de ter que ir para a psiquiatria, mas foi-me dito que não tenho outra doença possível que justifique uma baixa...”

Depois, como se estivesse a programar a acção, começo a orientar as actividades: já estás casada, vais utilizar o nosso dinheiro, quem paga a passagem de avião sou eu, és livre de escolher ou não a cerimónia religiosa, diz o que pensas sem preconceitos, vem, vem, vem!, como diz o tenente Pinkerton à sua jovem esposa Madame Butterfly.

Estava mesmo eufórico, incapaz de perceber que ia interromper os estudos da Cristina num período crucial, só falo em lua-de-mel nos Bijagós e Bolama, como se eu estivesse endinheirado e com liberdade para viajar.

“Lá estarei em Bissalanca à tua espera, agora paro de escrever porque amanhã, ao raiar da aurora, vou levar petróleo, bolachas, açúcar, arroz e conservas às gentes do Xitole. Toma atenção que a seguir vou passar alguns dias a Sansacuta, na construção de abrigos. Olha, imagina que descobri o 'Hamlet' nas arrecadações de material, aqui em Bambadinca. O livro estava cheio de pó e sujidade, ninguém se lembrava dele. Já estou a lê-lo, voltei ao reino da Dinamarca”.

Voltemos a Pamplona Corte Real. Depois de me felicitar pelo o que acontecera no Poindom, abre a conversa desta maneira:
-Coitadita da sua mulher, que vem por aí fora, você na guerra, casa e regressa a esta fonte de trabalhos.

Depois, com a voz modulada, enceta a proposta:
-Enquanto casa e não regressa, o pelotão fica entregue aos sargentos, nessa altura lanço-o na ponte de Udunduma, nas visitas às tabancas, colunas e emboscadas, compreenda que até partir sinto que posso contar incondicionalmente com o seu esforço, o seu total empenho, o major Sampaio está a preparar um conjunto de operações com várias companhias, você vai alinhar, se lhe dou a possibilidade de partir para Bissau ao menos volte a fazer coisas como as que aconteceram na bolanha do Poindom.

Garanti-lhe que estava pronto a seguir com os meus soldados para onde me mandassem, nunca me recusara a combater, até partir para Bissau contariam indeclinavelmente comigo.

Confesso que não gostei desta proposta contratual, mas não exteriorizei a indignação. Ficara claro na proposta de Jovelino Corte Real que me daria a vanguarda em várias operações mas que não voltaria a comandá-las. E recomeçaram as fainas triviais, logo a seguir ao Xitole coube-nos montar a segurança à volta do Bambadincazinho, onde o Ministro do Ultramar, Spínola e Felgas visitaram o reordenamento, em 14. Por esta altura, sentia-se uma certa acalmia, havia, é certo, as minas, já se picava regularmente entre a ponte de Udunduma e Amedalai, um contigente da CCaç 12 passou a estacionar em Missirá e em Fá, surgiram rumores que o PAIGC se preparava para pregar uma amarga surpresa à 1ª Companhia de Comandos Africana, em preparação, em Fá, chegaram a ser levantadas algumas minas à volta de Missirá. Mas sentíamos que era uma bonança a preceder uma tempestade.

Cópia da carta do Rui Cinatti, de 7 de Março de 1970.
Guardo a recordação de uma bonita carta que o Ruy Cinatti me enviou neste tempo. Dizia que se sentia dolorosamente atingido quer pela morte do Carlos Sampaio quer pelas guerras em Ponta Varela. Como eu não tinha chegado a 19 de Fevereiro, a Lisboa, como era suposto, levara os feridos do Hospital Militar Principal a uma bifalhada no Cais do Sodré: “Creia, Mário, que não posso ser mais amigo do que sou. Espero agora que você se conforme com a perda do seu amigo e transforme o sacrifício em solução positiva”. Por essa altura, o Almeida Faria ajudava-o a corrigir alguns textos e o Cinatti mostrara-lhe os meus. Fiquei orgulhoso e contente.

Trouxe imenso conforto esta carta. Consegui telefonar-lhe de Bambadinca, leu-me ao telefone um admirável poema. Falámos em D.H.Lawrence, a seguir escrevi-lhe acerca de O Amante de Lady Chatterley.Eu gostava da Lady, ele detestava-a.


(ii) Começam os preparativos para Bissau

A cerca de um mês do meu casamento, disparo mensagens para Bissau e arredores: o Emílio Rosa está formalmente convidado para ser meu padrinho, oferece os seus préstimos para levar as certidões à igreja, preparar os banhos, cede a casa para a lua-de-mel; a Isabel e o David [Payne] serão os padrinhos da Cristina, receberão a Elzira e o Emílio lá em casa durante a lua-de-mel; são expedidos convites para a Inês e o Alexandre Carvalho Neto, que prontamente aceitaram; também aceitou o Rui Gamito, como o capitão Laranjeira Henriques e a mulher; o comando autorizara a deslocação de quatro praças, assentou-se no Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva, Cherno e Teixeira (irão igualmente aparecer o Barbosa e o capitão Maltez, do Xime, o primeiro gozava férias, o segundo fazia tratamentos).

O Vidal Saraiva avisou que havia uma surpresa por parte dos oficiais, como veio a acontecer. Escrevi longamente aos meus sogros, falando de despesas e da minha tristeza de eles não estarem presentes. Escrevi à minha mãe, aos meus irmãos, às minhas tias, até o Pimbas e a mulher receberam a participação, a todos comuniquei a festa de felicidade que me aguardava na capital das bolanhas. Sinto-me tão desafogado de sentimentos que começo desabridamente a explicar à Cristina que me aguardam três operações até chegar a Bissau: Jaqueta Lisa, Tigre Vadio e Pavão Real, perdi a consciência que há coisas indizíveis, há sustos que se devem evitar, ainda por cima a caminho do casamento.

Capa da 9ª Sinfonia, de Gustave Mahler
No entretanto, Cherno vem anunciar que gostava de, no final da minha comissão, vir trabalhar para Portugal. É nessa altura que escrevo ao Cinatti a pedir-lhe que esclarecesse a situação na Junta de Colonização Interna. Apareceu o substituto de Uam Sambu, apareceu o furriel Pina com o seu dedo entortado e partiu para o Pel Caç Nat 63. Houve discussão acesa com Pamplona Corte Real acerca de uma proposta de promoção por distinção para o António Queirós, dados os seus inequívocos dotes para a chefia. O comandante estava reticente, achava que lhe faltava um ferimento em combate ou uma proeza muito acima daquele fogo de morteiro 81 na bolanha de Poidom.
Escrevo febrilmente a todos: peço à Cristina que visite a D. Maria José de Sampaio e lhe peça uma fotografia do Carlos, uma fotografia que ele tenha tirado nas últimas férias; escrevo à Amélia Lança, ao Paulo Costa, até o Mário Braga foi importunado com o meu casamento. Eu parecia o noivo mais feliz do mundo. Nas próximas semanas vou prolongar este delírio dos preparativos, haja as guerras que houver.


(iii) Conversas “históricas” com D. Violete

Um dia, quando regresso de Sansacuta no Unimog com restos de cimento, rachas de cibe, pregos de vários tamanhos e motosserra, Bala, o ordenança do comando, faz-me um sinal, aproximo-me e ele diz-me mostrando todos os seus dentes de ouro:
-D. Violete tem perguntado por si. Parece que já tem respostas para lhe satisfazer a sua curiosidade.

O sargento Cascalheira que procurava intimidades fáceis, não resistiu a observar, com o olho amarotado:
-Então o meu alferes tem uma professora que lhe satisfaz a curiosidade, hem?
Lancei-lhe um olhar gelado e pedi ao Bala que transmitisse que teria muito gosto em passar lá em casa depois do jantar. Como aconteceu.

D. Violete parecia exuberante com os resultados das suas investigações. Enquanto beberricávamos chá verde, e na companhia de D. Ema, foi desfiando o produto das suas descobertas. Num anuário da Guiné dos anos 40 tinha encontrado referência à Sociedade Agrícola do Gambiel, com capitais exclusivamente portugueses, sucessora da antiga Companhia de Fomento Nacional, fundada em 1921. E mostrou-me uma fotografia com várias construções, apeteceu-me logo atravessar o rio Gambiel e saber se era ali que tinha trabalhado o Prof. Armando Cortesão. Deste, recordava ter encontrado um artigo num boletim da Agência Geral das Colónias, com data de Julho de 1928, e impressionara-me o que ele escrevera naquele tempo:

“Ainda há dez anos Bissau era um pequeno povoado, cercado por uma muralha, e ai do europeu que dele atrevesse a afastar-se umas centenas de metros - o menos que lhe sucedia era o gentio cortar-lhe a cabeça... Hoje, as muralhas de Bissau de há dez anos desapareceram”.

D. Violete não se recordava quando fora extinta a Sociedade Agrícola do Gambiel, mais uma curiosidade que iria transferir para o comandante Teixeira da Mota. Depois, a professora de Bambadinca sorriu e informou-me:
- Sr. alferes, confirmo o que lhe disse acerca da Guiné quando se separou de Cabo Verde, o território era uma desgraça, não tinha praticamente brancos, era constituído mais por presídios e casas comerciais que por agentes do Estado. Havia presídios em Zeguinchor, em Farim e em Geba, praças em Cacheu e Rio Grande, bem como Bissau, Bolama e ilhéu do Rei, a tropa era mínima e só se via a bandeira portuguesa na capital e nos presídios, o resto era a ordem definida pelos régulos. Outro dia falávamos de Sambel Nhanta e estou um pouco confusa, para mim Sambel Nhanta era Caraquecunda mas já ouvi também dizer que era um nome de um régulo antes da chegada dos Soncó, vou procurar confirmar. Quanto a São Belchior, antigamente escrevia-se Sambel-Chiór, era uma povoação biafada onde não havia bandeira nem autoridade portuguesa, tornou-se uma importante localidade de comércio no fim do século XIX, daqui partia muita comida do Oio, do Enxalé e do Cuor, aqui chegavam as mercadorias e mantimentos de Bissau e Bolama, aqui se fazia comércio com Aldeia Formosa. Vamos agora falar dos mandingas. Penso que também tem o livro sobre os mandingas do António Carreira, um livro do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, de 1947. Tirei aqui umas notas que não resisto a ler-lhe: “Os mandingas têm boa vistas, bom ouvido, razoável olfacto, paladar pouco apurado e mau sentido do tacto”. Ou: “Os mandingas são sentimentais, pouco expansivos e pouco aduladores”. Tirei aqui umas notas para si sobre o vestuário e os costumes. Creio tratar-se de um longo retrato desta etnia, se amanhã escrever sobre eles, e como eu os conheço, tenho todos os elementos para dizer a verdade.

Começava a admirar esta gentil senhora que ocupava os seus tempos livres a catar-me alguma informação histórica, abençoava a praxe maquinada por Jovelino Corte Real que me fizera estribeiro-mor de D. Violete. Sabedora do meu interesse por Infali Soncó, a sua traição e a sua redenção, a filha do administrador Aires referiu-me que fora a Bafatá falar com o tio que trabalhava para o Governo da Província, e que conseguira apurar que a guerra do Cuor começara entre os biafadas e os balantas, ao que parece devido às incursões destes últimos no território dos Soncó, a fim de roubar mulheres e gado, depois, quando os representantes de Bolama foram a Sambel Nhanta, tabanca de Infali, começaram as desconsiderações e a guerra.

É nesse preciso instante em que D. Violete narrava as intrigas de Infali envolvendo os régulos de Badora, Xime, Corubal e Cossé que bateram à porta, era o Ocante a pedir-me para vir cá fora, tratava-se de assunto urgente:
- O Cascalheira embebedou-se em Nova Lamego, parece que agrediu um major, veja o que é que se deve fazer.

Pedi desculpa a D. Ema e a D. Violete, saí furioso naquela narrativa cheia de clímax. O Cascalheira entrara definitivamente numa era de turbulência, tinha um sargento combativo e ferrabrás, urgia procurar um compromisso antes de partir para Bissau, o Pires em breve iria colaborar na CCS, não podia deixar o Ocante sozinho a tomar conta do barco.

(iv) As leituras surpreendentes do mês de Fevereiro

Enquanto estou na ponte de Udunduma procuro, dentro das disponibilidades, ouvir a música que não é grata no quartel. A 9ª Sinfonia de Mahler é bem agradável, se bem que o gira-discos a pilhas distorça a grandiosidade interpretativa de Sir John Barbirolli. Quem veio obter aplauso unânime foi a Missa Luba, na interpretação de Os Trovadores do Rei Balduino. O Kyrie, o Sanctus e o Agnus Dei são de uma enorme beleza, alturas houve em que os soldados pediam para bisar.


Nº 8 da Colecção Contemporânea, da Portugália Editora, capa de Sebastião Rodrigues, 2ª edição. Aparição foi uma obra de quase ruptura na literatura portuguesa, o estilo realista e neo-realista ficam decidamente para trás com esta aventura pelo romance existencialista. Recebeu o Prémio Camilo Castelo Branco, a mais alta distinção literária do tempo. (BS)



Mas quero dar ênfase a dois livros que li logo a seguir a vir do Poindom. Primeiro, Aparição, de Vergílio Ferreira. Alberto Soares, colocado como professor de Português e Latim em Évora, vai ser confrontado com os seus problemas de consciência e o relacionamento com as filhas do Dr. Moura. João Gaspar Simões considera este livro notável. Gosto muito da estrutura estilística e do tumulto interior, deve ser da guerra, passa-me à margem o problema existencial deste professor zangado com Deus, cheio de angústias e com dificuldade para controlar os ímpetos de uma adolescente. Gosto do discurso directo e da relembrança, a banalidade do quotidiano e o posterior juízo:

“Boa noite, reitor. Falo-te daqui, da montanha, ouvindo os cepos a estalar na chaminé, ouvindo as vagas do vento. Nada soube de ti, amigo. Nunca. Mas dos teus pecados ou virtudes, o que me relembra agora é essa amável perfeição de uma face cansada de quem esgotou a vida e essa boa tolerância para quem a estava anunciando”.
É como se depois da estética neo-realista se estivesse a progredir para um existencialismo através da aventura da revelação interior, a brutal iluminação do ser e do mundo, a fatalidade da paixão de Sofia e o seu assassinato às mãos de um jovem ciumento. Gosto da língua, das imagens, da mistura dos tempos, da condição do apego às lembranças, mas não percebo o temor da condição humana, um quase sentido de condenação, como se a aparição fosse a descoberta da solidão definitiva do homem. Mas é literatura do nosso tempo, Vergílio Ferreira é incontestavelmente um grande prosador.


1º livro de Elsa Triolet traduzido em português, 1º livro do ciclo A Idade do Nylon. Tradução de Maria Helena da Costa Dias, capa de Maria Keil,s/data.Assinala o triunfo do consumo de massas, alerta para a escravidão de viver permanentemente, e em todas as situações,a crédito. Até ao suicídio... (BS).


Rosa a prestações, de Elsa Triolet, é um olhar diferente. A protagonista chama-se Martin, veio da barracas, vai subir a pulso no mundo, será uma cabeleireira de prestígio, sentir-se-á seduzida pelos bens, a tal ponto que começará a comprar a prestações, de roupas a propriedades. Será nesse inferno de viver a crédito que toda a sua vida se irá desmoronar, perdendo o amor, a dignidade, os bens avidamente acumulados. Os credores batem à porta levam-lhe a máquina de lavar, o faqueiro a mobília, tudo. Depois, incapaz de se adaptar às realidades, Martin suicida-se, exactamente na cabana onde tinha começado. É a primeira vez que leio Elsa Triolet, nunca me tinha apercebido aonde nos pode levar a servidão das coisas, a paranóia das prestações. Portugal não é uma sociedade de consumo, mas temos aqui uma poderosa e comovente reflexão sobre os seus danos, quando não se controla o corpo das necessidades.

Amanhã, haverá uma reunião com o major Sampaio. Já ouvi falar na Jaqueta Lisa e Colete Encarnado. Parece-me um disparate pôr cerca de trezentos homens a remexer de Ponta Varela ao Poidom, novamente, de Gundaguê Beafada até à Ponta do Inglês, é fatal como o destino que um dos destacamentos vai ser referenciado e anular a actividade do outro. Como, desastrosamente, veio a acontecer

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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 18 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2771: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (28): A euforia de comandar cem homens na Op Rinoceronte Temível

Guiné 63/74 - P2796: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (6): Controvérsia (Virgínio Briote)

Ontem na SIC Notícias, a questão das trasladações das ossadas dos militares portugueses sepultados em Guidage

Presentes, o Presidente de uma Associação de Combatentes com sede em Braga (não fixei o nome), a antropóloga forense Eugénia Cunha e o Coronel Matos Gomes.

Depois do filme produzido pela SIC, aquando da deslocação à Guiné-Bissau dos especialistas em antropologia forense e geofísica, teve lugar a discussão sobre o controverso tema das trasladações dos restos mortais dos Camaradas pára-quedistas mortos naquele interminável mês de Maio de 1973.

Em 8 de Maio, Guidage (Bigene e Binta) foi atacada pelo PAIGC. Todos os acessos a essa povoação na fronteira Norte com o Senegal, foram sujeitos a uma das mais violentas acções de toda a Guerra da Guiné. Minas, emboscadas, abates de Fiats G-91, Dorniers, helis, houve de tudo naquele interminável mês (a acção prolongou-se até 8 de Junho).

As forças do PAIGC empenhadas nesta acção foram comandadas por Francisco Mendes (Chico Té) e pelo Comissário Político Manuel dos Santos (Manecas).

Na zona de Guidage estiveram envolvidos cerca de mil homens das Forças Armadas Portuguesas, segundo os Cors. Matos Gomes e Aniceto Afonso.

Em 20 dias de cerco, Guidage sofreu 43 ataques com foguetões de 122 mm, artilharia e morteiros.
39 mortos, 122 feridos, 3 desaparecidos, seis viaturas destruídas, três aviões abatidos (um T6 e dois DO 27) foi o saldo negativo para as forças portuguesas.
No decorrer do assalto do PAIGC a Guidage, a base do PAIGC estacionada em Kumbamory, Senegal, foi assaltada e destruída pelo BCmds do Exército Português em 17 de Maio. Nesta acção, segundo Almeida Bruno, o Cmdt da op Ametista Real, as tropas portuguesas reclamaram a destruição de mais de quatro centenas de armas automáticas, de mais de 100 morteiros, 14 canhões s/r e quase centena e meia de lança-granadas, para além de milhares de munições, minas anti-carro e anti-pessoal, granadas de mão, granadas de morteiro e de RPG, rampas de foguetes, etc.
No decorrer da operação o BCmds sofreu treze mortos e vinte e três feridos graves.
Notas retiradas do livro Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes e inserto em Guiné, Ir e Voltar (A Guerra da Guiné em datas). Editorial Notícias. Com a devida vénia.


A antropóloga forense Eugénia Cunha falou das questões técnicas relacionadas com a identificação das ossadas. Que foi essa a tarefa de que se incumbiram. O Presidente da referida Associação de Combatentes defendeu que a transladação dos restos mortais dos nossos Camaradas era um desígnio nacional e que o Governo Português deveria assumir as suas responsabilidades.

A surpresa surgiu quando foi dada a palavra a Matos Gomes, Coronel dos Cmds. Matos Gomes que combateu nos três palcos da Guerra Colonial, Angola, Moçambique e Guiné, apesar do notável documentário a que tinha assistido, manifestou as maiores reservas em relação ao empreendimento. Que era um assunto privado e que, como tal, se devia manter ao nível das famílias dos Camaradas mortos. Que estávamos a assistir à profanação pública, transmitida por órgãos de comunicação, de uma questão que devia ser da exclusiva responsabilidade das famílias. E que não nos podíamos esquecer que Portugal tem corpos de combatentes espalhados por tudo quanto é mundo, desde o Paraguai à China.

Cachil, Ilha do Como. A Cruz assinala as mortes dos Furriéis Mils. Condeça e Boneca.

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2008). Direitos reservados.

Que só na Guiné, ossadas de militares portugueses estão dispersas por mais de cem locais. E que não podemos estar a cavar em todo o lado, onde haja restos de portugueses. Para além de questões de natureza diplomática, perguntou-se se não estaríamos a abrir um questão de consequências imprevisíveis. Lembrou que em Moçambique, um Unimog tinha rebentado uma mina e que dos militares e da viatura, o que se conseguiu identificar, sem margem para dúvidas, tinha sido a caixa de velocidades da viatura. E que no entanto, pelo que depreendi, as famílias receberam em Portugal os restos mortais...

O talhão militar do cemitério de Bissau, em 1966.

Foto: © Virgínio Briote (2008). Direitos reservados.

O Cor Matos Gomes concorda que as ossadas devem ficar reunidas em locais onde seja possível manter a mínima dignidade para quem deu à Pátria o melhor que tinha. Que, insistiu Matos Gomes, estava contra o espectáculo público da devassa do que restava dos que galhardamente se bateram até ao limite no campo da batalha e que este era um local digno, como digno tinha sido o enterro possível que, na altura os Camaradas lhes fizeram.

Uma controvérsia que vai certamente continuar.
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Nota de vb: artigo relacionado em

22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2795: Tabanca Grande (65): Amilcar Ramos, ex-Fur Mil, BAA 7040, Nova Lamego (1972/74)



Amilcar Ramos
Ex-Fur Mil
BAA 7040
Nova Lamego (Gabu)
1972/74



1. Em 24 de Abril de 1974, recebi esta mensagem do nosso novo camarada Amilcar Ramos

Amigo Vinhal

Depois daquele almoço/II Encontro ex-combatentes na Guiné do concelho de Matosinhos no qual estive presente e onde se relembraram tempos de Guiné, quero saudar-te e solicitar minha inscrição na TERTÚLIA/TABANCA GRANDE.

Amilcar Ramos, ex-furriel mil, BAA 7040, Nova Lamego (Gabu), 1972/74,
Residência - Retaxo/Castelo Branco,
contactos: amilcar-ramos@sapo.pt, amilcar_ramos@hotmail.com
Telemóvel - 965311768.

Anexos: foto 1972 - foto 2008 - Foto 09Fev74 (Obtida quartel em NLamego: ambulância capturada IN pelo grupo Marcelino da Mata).

Um abraço
Amilcar Ramos


Foto 1> Nova Lamego> Amilcar Ramos sentado na ambulância que o Grupo de Marcelino da Mata capturou ao PAIGC (1)



Foto 2> Matosinhos 12 de Abril de 2008> Amilcar Ramos e o seu amigo João Moreira, no II Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos


2. Neste mesmo dia foi enviada resposta ao Amilcar

Caro Amilcar Ramos
Foi com a maior alegria que recebi a tua mensagem com o desejo de aderir à nossa Tabanca Grande ou Caserna Virtual, também assim chamada.

Conhecemo-nos no passado dia 12, em Matosinhos, graças ao nosso comum amigo João Moreira.

Em diálogo contigo, apercebi-me de que és uma pessoa solidária e preocupada com os problemas que afligem alguns dos nossos camaradas menos afortunados com o destino que a guerra lhes proporcionou. Ficaste extremamente apreensivo com o problema do nosso camarada Batista, que todos esperamos venha a ter um desfecho favorável que é reconhecer o seu estatuto de ex-prisioneiro de guerra.

Quero em nome de todos os tertulianos dar-te as boas vindas.

Como digo a todos os quantos entram de novo, e vão sendo muitos felizmente, queremos que sejas participativo começando por contar um pouco da história da tua Unidade. Posteriormente conta-nos algumas estórias de situações que de algum modo te marcaram, em acções de guerra ou não. Aceitamos fotografias devidamente legendadas para ilustrar essas estórias.

Os teus trabalhos devem ser endereçados preferencialmente para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e se quiseres, em complemento, para os endereços dos editores.

Tudo serve para aumentar este manancial de informação que queremos deixar para memória futura.

Parafraseando o nosso Editor Luís Graça, Não deixes que sejam os outros a contar a tua história por ti.

Em nome da malta vai para ti um abraço de boas vindas.
Carlos Vinhal

3. Comentário de C.V.

Caro Amilcar, no mail que te mandei esqueci-me de falar no próximo encontro da Tertúlia do nosso Blogue. Se quiseres aparecer só tens que te inscrever. Todos os editores e alguns camaradas, com as respectivas famílias, vão confraternizar no dia 17 de Maio em Monte Real.

No Poste 2770 poderás ver as últimas novidades quanto a inscrições, programa e preços.
____________________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 23 de Maio de 2007> Guiné 63/74 - P1781: Ambulância do PAIGC, de fabrico soviético, capturada pelo Marcelino da Mata, em Copá (A. Santos)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Vista aérea da tabanca e do aquartelamento de Mampatá.

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1).

Ao Albuquerque (*)

O teu sangue não manchou
só a terra onde caiste
apagou o futuro e
os filhos que não terás
causou dor
nos que te perderam
despertou loucuras
em noites perdidas
a recordar-te
o teu sangue vertido
marcará para sempre
bem fundo, dentro de nós
prometo não mais chorar
quero rir por ti
quero viver por ti
quero gritar ao mundo
como foi inutil o teu sacrificio
assim nunca serás esquecido.

Mampatá 1973
josema
__________

Nota do autor:

(*) Albuquerque era um soldado do 3º grupo de combate. A segunda baixa da nossa companhia em Abril de 1973. Vítima de uma mina antipessoal quando o seu grupo procedia à picagem na frente de trabalhos da estrada [Quebo-Salancaur] que a Engenharia estava a abrir. Todos os dias se fazia a picagem até à frente de trabalhos, foram detectadas dezenas de minas antipessoal e anticarro. Era um trabalho que aqueles homens faziam com muito rigor e segurança, e que correu bem até aquele dia. Albuquerque era um jovem alegre, quase sem barba, ainda hoje o vejo na vespera de Natal de 1972 a tourear uma cabra entre os arames farpados de Mampatá. O Furriel Vieira um dos Furriéis do 3º. grupo assistiu também à cena pois já o ouvi num dos nossos encontros referir-se a ela.

Luís: Se vieres neste fim de semana [, cá acima], na Sexta às 8 horas estou a iniciar uma caminhada da Régua ao Marão, com mais 130 caminheiros que acaba num almoço lá na serra, hoje mesmo vou fazer o reconhecimento do percurso, que é duma beleza e paz impressionantes. O resto do fim de semana estou em casa, o meu contacto é 916651640. Um abraço, jose manuel.
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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

Guiné 63/74 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Era domingo, para nós, participantes do Simpósio Internacional de Guiledje, de visita ao sul do país... mas não para o pescador, que precisa de remendar as redes e ir à pesca... A região de Tombali, com pouco mais de 3700 km2 (o que representa cerca de 10,3% do território da Guiné) e pouco mais de 90 mil habitantes (7,1% do total) tem grandes potencialidades, devido ao seu património ambiental e cultural, ainda insuficientemente conhecido e valorizado pelos próprios guineenses. A jóia da coroa é o massiço florestal do Cantanhez e os dois rios principais que o atravessam, o Cumbijã e o Cacine.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Aqui não há praias de areia fina... Cananima é uma praia fluvial e um aldeia piscatória. Gente de vários pontos, desde os Bijagós até à Guiné-Conacri, vêm para aqui trabalhar na actividade piscatória. No entanto, é preciso saber gerir os recursos do rio e do mar com sabedoria... A sobre-exploração de certas espécies pode ser um desastre... Por outro aldo, as infra-estrututuras de apoio à pesca são precárias ou inexistentes.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > No estaleiro naval artesanal, de Cananima, também se constroem barcos, segundo os modelos tradicionais. A matéria-prima, a madeira, é abundante. Abate-se uma árvore centenária para fazer uma piroga. Felizmente, as pirogas não são feitas em série. E hoje há, também felizmente, restrições ao abate de árvores no Cantanhez. O problema são, muitas vezes, os projectos megalómanos e inconsistentes, que acabam por morrer na praia, como estas embarcações.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma típica paisagem de tarrafe, na margem dierita do Rio Cacine, onde almoçámos, numa tarde domingueira, antes do início dos trabalhos do Simpósio Internacional de Guileje, cuja inauguração oficial seria no dia seguinte à tarde, em Bissau, no Hotel Palace, um hotel moderníssimo, de cinco estrelas... Mas eu preferi as cinco estrelas de Iemberém e de Cananima...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Do outro aldo do rio, fica Cacine, que tem muito que contar, aos nossos camaradas do exército e da marinha... Alguns deles ficaram por aqui, enterrados e abandonados... A guerra e as suas memórias estão por todo o lado, não nos largam.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Antes de nós, no tempo da guerra, poucos tugas se poderão ter gabado de ter feito um piquenique tão agradável, tão calmo, tão saboroso, tão fraterno como o nosso... Aqui, nesta praia fluvial, frente a Cacine...


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A areia não é fina, as águas não são azuis, nem a paisagem é a mais bela do mundo, mas tudo depende dos olhos com que se olha, dos ouvidos com que se ouvem, das emoções com que se capta o instante, o eféremo, o diferente...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > É preciso salvar o Cantanhez, dando uma chance às crianças de Tombali. Projectos como o ecoturismo, ou o turismo de natureza, podem vir a ser um factor dinamizador de mudanças, a nível local e regional.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Esta criança, felizmente, já não conheceu a guerra, e sobreviveu com sucesso ao 365º dia... Uma em cada crianças na Guiné morre antes de antingir um ano. O sorriso tímido (e ao mesmo desafiador) desta criança desarma-nos, perturba-nos, interpela-nos: o que é que fizeste hoje por mim ?
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A diversidade étnico-linguístico e cultural da Guiné-Bissau, em geral, e do Tombai, em particular, não deve ser vista como uma obstáculo, mas sim como um factor potenciador da cidadania e do desenvolvimento... Os demónios étnicos não podem é dormir descansados na Caixinha de Pandora... Combatem-se com as armas da saúde, da educação, da democracia, da integração, do desenvolvimento económico, social e cultural... Esta criança tem de ter sentir orgulho na terra onde nasceu, e onde vive...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O inconfundível barrete vermelho, tradicional, dos balantas. Com Kumba Ialá, tornou-se um ícone. Os balanta foram a principal base de apoio do PAIGC. Têm também hoje um peso considerável (excessivo, para alguns analistas e observadores da situação político-militar) na estrutura das Forças Armadas. Amílcar Cabral falava, com particular simpatia, da sociedade balanta, horizontal, sem classes... Alguns mitos ou estereótipos foram-se construíndo, à volta do grupo étnico e social dos balantas, uns pela etnografia colonial, outros pela análise marxista. Como se o balanta fosse aqui o representante do bom selvagem do Rousseau...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cananime > 2 de Março de 2008 > Dança de boas vindas aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje. Se os meus rudimentares conhecimentos etnográficos da Guiné não me atraiçoam, trata-se de um grupo de dançarinos balantas, misto, composto por rapazes e raparigas. Há uma energia telúrica e uma alegria vital nos seus cantares e nas suas danças, que eu nunca encontrei, no tempo da guerra, por exemplo, em Nhabijões, , que era um um importante aglomerado populacional balanta (e com alguns mandingas), junto ao Rio Geba, entre Bambadinca e Xime. Os balantas de Nhabijões nunca poderiam sentir-se felizes e livres, sob a dupla tutela dos fulas e dos tugas...

Fostos e vídeo (1' 21''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes



Guiné-Bissau > Mapa do sector de Bedanda que, juntamente com o sector de Cacine, alberga as matas do Cantanhez, um espaço que é urgente preservar, salvaguardar, proteger e potenciar, numa perspectiva de desenvolvimento integrado e sustentado... A verde assinala-se o trajecto que os participantes do Simpósio Internacional de Guileje fizeram no fim de semana de 1 e 2 de Março de 2008, na sua visita ao Cantanhez... A vermelho assinalam-se algumas das localidades por onde passámos e onde parámos: Balana, Guileje, Mejo, Imberem (passámos aqui duas noites)...

Vindos do Acampamento de Osvaldo Vieira (1), onde passámos uam parte da manhã de domingo, fomos almoçar a uma praia piscatória, deslumbrante... Do almoço (de peixe galo - gato ? - pescado nas águas do Rio Cacine (que em rigor é um braço de mar, como todos os outros, com a excepção do Rio Corubal - falarei em próxima crónica. Agora, deixem-me saborear este pedaço de paraíso que ainda existe na terra e na Guiné: O Cantanhez...Tenho pudor em falar de paraíso, num terra que as estatísticas dizem ser um dos mais pobres do mundo... O paraíso não existe, é uma utopia que os homens criaram. Falemos então de um sítio, na crosta terrestre, que ainda é capaz de nos encantar, em que nos sentimos em harmomia com os homens, com os bichos, com a floresta, com a água, com o ar...


Fonte: Brito (2007) (com a devida vénia...)




22 de Abril, Dia Mundial da Terra

(...) Em Abril, tomem por favor boa nota do sete,
na vossa agenda-planning de executivos,
porque é Dia Mundial da Saúde.
E um semana depois
o Dia da Conservação do Solo (15),
bem como do pobre Índio (19)
e do paupérrimo ou depauperado Planeta Terra (22),
finalizando a maratona das comemorações
no Dia da Educação (28),
tão pouco ou nada ambiental…

Não sei explicar se o Índio
é o que está em vias de extinção
ou o Índio, escalpelizado, morto e enterrado,
depois da chegada ao Novo Mundo
do idiota que acreditava ter chegado à Índia
e que hoje tem nome de praças
e estatuária pomposa
por tudo o que são cidades hispânicas.(...)

Luís Graça > Blogue Fora Nada... e Vão Dois

5 de Novembro de 2007 > Blogantologia(s) II - (59): Hoje é dia mundial de qualquer coisa...


O nosso camarada Juvenal Amado veio, gentilmente, (re)lembrar-nos que ontem foi o Dia Mundial da Terra, criado em 1970 a partir da ideia do norte-americano John McConnell, que a apresentou, na conferência da UNESCO sobre o Ambiente. «Só temos esta Terra para vivermos e sermos felizes»...

E mais: só há uma terra, só um mar, só há uma floresta, só há uma espécie humana, só há uma raça, o Homo Sapiens Sapiens. Talvez por isso valha a pena evocar aqui a nossa (sem paternalismos, saudosismos...) Guiné-Bissau, um pequeno país da África Ocidental, com o qual temos particulares afinidades, pela história, pela língua ... Mesmo se apenas 70 e poucos mil falam e escrevem o português que nos une e às vezes nos separa...

Falemos, pois, dessa terra (vermelha, verde, negra...) que se chama Guiné-Bissau. E duma parcela dessa terra que se chama Tombali, Região de Tombali, onde outrora travámos feros e feios combates... Voltámos lá, em missão de paz e de amizade, nos princípios de Março de 2008. E vimos coisas bonitas, até promessas de futuro.

Pessoalmente, descobri (ou entrevi) o Cantanhez, que era no meu tempo de soldado um topónimo que se pronunciava com um misto de respeito e de temor. Tomei conhecimento de projectos de desenvolvimento para a rehgião do Tombali, e que passariam também por essa coisa nova que se chama ecoturismo, e que se calhar para os guineenses é mais um palavrão que entra por um ouvido e sai por outro. Conversa de e para as elites. Enfim, li - se bem que ainda por alto - uma brochura de Brígida Rocha Brito (40 anos de idade, especialista em estudos africanos, socióloga, doutorada pelo ISCTE) e em que ela apresenta o seu estudo das potencialidades e dos constrangimentos do ecoturismo na Região de Tomnbali.

É um trabalho que me despertou a atenção e o interesse, elaborada no âmbito do projecto U' Anan (Construir o Desenvolvimento Comunitário Sustentável na Região de Tombali: Ecoturismmo e Cidadania, ONG - PVD/2004/095-097). E edição, em Abril de 2007, é da responsabilidade da ONG portuguesa, Instituto Valle Flor, um dos parceiros privilegiados da AD - Acção para o Desenvolvimento.

Independentemente de uma leitura mais aprofundada e mais crítica deste relatório, e das suas principais conclusões e recomendações (2), apetece-me hoje transcrever apenas - com a devida vénia à editora e à autora, que é uma apaixonada de África (veja-se o seu blogue África de Todos os Sonhos) - alguns excertos. Por razões de economia e de legibilidade bloguísticas, cortei as referências bibliográficas e adaptei as notas de pé de página. Nalguns casos cortei um ou outro páragrafo. Eliminei também quadros e figuras. Espero que a autora me perdoe a ousadia. Em nome do comum paixão pelo Cantanhez. Não tenho o prazer de conhecer, pessoalmente, a minha colega de academia (é professora e investigadora no ISCTE, onde também eume licenciei em sociologia). Mas aproveito para a cumprimentar, dar-lhe os parabéns e oferecer este espaço para... blogar connosco. L.G.


II. O Turismo na região de Tombali
por Brígida Rocha Brito


A região de Tombali dista de Bissau em cerca de 250 Km, localizando-se a sul da Guiné-Bissau, concretamente a sul e sudoeste, fazendo fronteira com o norte da Guiné Conacri e sendo parcialmente rodeada pelo oceano atlântico (...). A região é constituída por 3.736,5 Km2, correspondendo a 10,3% do total do território nacional, destacando-se por ser uma zona fronteiriça dominada, do ponto de vista ambiental, por uma área florestal de grande densidade (…), rica em biodiversidade de fauna e de flora, definida como uma das últimas florestas primárias a nível mundial e considerada o ícone da luta pela independência.

Administrativamente, a região subdivide-se em sectores, sendo privilegiados no Estudo os de Bedanda e Cacine, já que são os que estão mais directamente relacionados com o Projecto Ecoturístico (…). Os dois sectores destacam-se devido ao enquadramento pelo conjunto dos Matos que constituem as Floresta de Cantanhez, sendo limitados por dois grandes rios, Cacine e Cumbidjan, fazendo fronteira com o Oceano Atlântico, e sendo dotados de diversidade étnica e cultural.

As características ambientais da região evidenciam especificidades únicas resultantes da densidade florestal e do estado de preservação dos espaços naturais, que em parte têm beneficiado da distância e do isolamento em relação aos principais centros urbanos, nomeadamente da capital.

Do ponto de vista turístico, a região apresenta um conjunto alargado de potencialidades que, no decorrer da missão, foram identificadas, estando contudo em “estado bruto”, requerendo uma acção planeada e concertada no sentido da valorização dos aspectos chave para o ecoturismo, nomeadamente relativos à preservação ambiental, à protecção de espécies ameaçadas e à dinamização das práticas e dos traços culturais característicos das comunidades residentes.

Contudo, em Tombali, evidenciam-se alguns constrangimentos que, se não forem controlados e minimizados, podem ser condicionantes, limitando a implementação do Projecto. Neste contexto, destacam-se factores estruturais, que são comuns a todo o País e que requerem uma intervenção global de âmbito nacional por ultrapassarem a acção do Projecto U'Anan, e factores conjunturais, que podem ser minimizados através da adopção de medidas estratégicas sectoriais direccionadas e enquadradas por um planeamento adequado.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Em pleno coração do Cantanhez > 2 de Março de 2008 > Um dos jovens guias ecoturísticos, recentemente formados, no âmbito do projecto U'Anan.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > No coração do Cantanhez > 2 de Março de 2008 > Logótipo do projecto U'Anan, estampado na T-shirt de um dos jovens guias ecoturísticos. O dari (chimpanzé), espécie em vias de extinção em África, é o ex-libris do Cantanhez.


Fotos: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Identificação das principais potencialidades

Apesar da relativa instabilidade político-governativa que pode naturalmente influenciar a dinamização do sector do turismo, as relações entre as Organizações promotoras do Projecto e as Instituições, nacionais e internacionais, vocacionadas para o planeamento ambiental, preservação de áreas protegidas e conservação de espécies, são de grande entendimento, havendo lugar para o estabelecimento de parcerias. Estes são os casos do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) e da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

No contexto das potencialidades regionais e locais, ou factores perspectivados como positivos, foram identificados três tipos principais: as especificidades ambientais; os elementos culturais; os factores históricos e de pendor nacionalista.

Por um lado, os factores tipológicos, entendidos isoladamente ou de forma conjugada, são considerados como determinantes na construção e no reforço das identidades comunitárias; por outro, para a prática do turismo, são elementos apelativos e dinamizadores de diferentes segmentos: Turismo de Natureza ou Ecoturismo; Turismo Étnico; Turismo Cultural e Turismo Científico.

1.1. As particularidades ambientais

Tal como acontece na maioria do território guineense, na região de Tombali o clima é caracteristicamente tropical húmido, evidenciando-se duas estações principais, a seca (entre Novembro e Maio) e a estação das chuvas (entre Junho e Outubro). O principal factor diferenciador no que respeita ao clima é que no sul a intensidade das chuvas é maior do que em qualquer outra região, podendo atingir níveis de precipitação na ordem dos 2.000 a 2.500 mm anuais, com temperaturas médias entre os 28º e os 31º (…).

Se a acção humana de exploração e utilização de recursos for planeada e controlada, verifica-se uma tendência para a renovação do manto florestal com carácter espontâneo, em resultado das condições climatéricas, traduzidas na intensidade e nos elevados níveis pluviométricos anuais associados ao calor.

A região de Tombali é caracterizada por uma mancha florestal de grandes dimensões, com cerca de 650 Km2 (…) denominada de Floresta de Cantanhez (a), que consiste num agrupamento de catorze áreas florestais densas e húmidas, habitualmente referenciadas como Matos.

Actualmente existe a proposta de alteração do estatuto para área protegida, com a criação de um Parque Natural, envolvendo três sectores da região, Bedanda, Cacine e Quebo, perfazendo um total de 1.067 Km2 (…).

Os matos são caracterizados pela densidade típica da floresta tropical, sendo considerada como uma das últimas florestas primárias pelo estado de preservação e de manutenção do ecossistema, resultado da fraca penetração humana, tornando-a num habitat privilegiado para a vida de numerosas espécies de flora e de fauna.

No que respeita à flora, destacam-se as árvores de grande porte, centenárias, muitas vezes identificadas como sagradas e locais de culto, de inspiração e de aconselhamento junto do “irã”, a entidade sobrenatural, tanto venerada como temida. Entre a multiplicidade de espécies arbóreas (b) existentes, referenciam-se como observáveis a Tagara, o Manpataz e o Poilão. O interesse turístico da Floresta de Cantanhez consiste na possibilidade de, no decurso das actividades e das visitas, observar a diversidade biológica que coexiste de forma equilibrada: árvores de grandes dimensões; árvores de médio porte; arbustos .

Também no que respeita à fauna, a região é rica em diversidade, encontrando-se diferentes espécies de grandes mamíferos (c), cefalofos, ungulados, primatas (d), aves (e), répteis (f), peixes e insectos (g), de entre os quais algumas estão ameaçadas ou em risco, pelo que têm estatuto reconhecido de espécie protegida. A maioria destes animais reveste interesse turístico, existindo, a nível internacional, mercado potencial por segmentos. Contudo, a observação nem sempre é facilitada visto que os animais a viverem em habitat natural são fugidios, o que também evidencia o estado ainda virgem do parque florestal.

Paralelamente, a acção conjugada do IBAP, da IUCN e da AD tem viabilizado a demarcação das áreas através da colocação de placas indicativas em algumas áreas, com classificação de “corredores de animais” (…), de forma a facilitar a identificação tanto das zonas como das espécies mais importantes. Nos Matos de Cantanhez, existem sete corredores, dos quais dois são transfronteiriços, cruzando o sul da Guiné-Bissau com o norte da Guiné Conacri, e delimitam áreas prioritárias de passagem de grandes mamíferos, como o elefante africano, o búfalo da floresta e a gazela pintada. Estas são acções que, do ponto de vista ecoturístico, representam uma mais-valia importante por evidenciarem preocupação com a preservação espacial e com a conservação de espécies ameaçadas.

Por outro lado, todos os Matos estão também identificados com placas indicativas do início e do fim de cada área, o que permite ao turista um acompanhamento dos percursos, a distinção dos Matos a partir da identificação das características florestais e a valorização do conhecimento sobre os locais de passagem e de visita. Além de ser fundamental para a prossecução das actividades do ecoturismo, esta sinalética representa um esforço na sensibilização das comunidades no sentido da identificação de locais “intocáveis” porque protegidos, ou seja onde é proibido desflorestar, provocar o abate de árvores, proceder a queimadas ou capturar os animais referenciados como protegidos.

As Floresta de Cantanhez são caracteristicamente fechadas e de difícil penetração, mas não representam o único tipo de paisagem ambiental que caracteriza a região, já que se encontram, de forma intercalada, áreas de savana arbórea e herbácea, e com maior importância mangal ou tarrafes, rios, estuários e paisagem fluvial, costa marítima e, com menor destaque, praias.

Toda a região é caracterizada pela existência de cursos de água, sob a forma de grandes e pequenos rios, afluentes e braços fluviais que penetram para o interior das áreas florestadas (…). Os principais rios são o Cacine e o Cumbidjan, qualquer um navegável em pequenas embarcações, desde que pouco fundas, devido à existência de grandes flutuações na quantidade de água em resultado da variação das marés e à existência de bancos de areia que conferem pouca profundidade aos cursos fluviais. Proliferam ainda os pequenos rios afluentes dos principais, como o Balana e o Balanazinho, o Gadamael, o Bendungo, o Cachadeba e o Gaduar, revestindo contudo menor importância.

O meio fluvial é particular do ponto de vista paisagístico já que apresenta uma estrutura diferenciada da que caracteriza a floresta, mas também por ser rico em flora e fauna. Do ponto de vista turístico, este é um meio de grande valor porque, além de propiciar a realização de actividades diferenciadas e complementares às florestais, de observação de animais e de contemplação, representa uma possibilidade alternativa e acrescida de acesso e de transporte, estabelecendo a ponte com outras localidades.

Contudo, não é aconselhada a utilização das águas dos rios para banhos ou natação, devido à existência de crocodilos, que mesmo que não visíveis se tornam perigosos pondo em risco a segurança. As águas dos rios sendo turvas e barrentas, e as areias lodosas, não favorecem a prática balnear em meio fluvial, mas proporcionam o desenvolvimento de práticas ecoturísticas.

Os rios são assim uma forte potencialidade para o turismo de contemplação de paisagens e de observação de animais como aves, nomeadamente grupos de pelicanos, e espécies migratórias, dada a proximidade e a facilidade de acesso para a Ilha de Melo e Ilha dos Pássaros, situados na foz do rio Cacine.

Por fim, a região de Tombali, em particular na zona oeste dos sectores de Bedanda e de Cacine, pelo contacto com o Oceano Atlântico, é marcada pela proximidade em relação ao sul do arquipélago dos Bijagós, nomeadamente no que respeita ao Parque Natural Marinho de João Vieira e Poilão.

Esta coincidência geográfica de elementos naturais de reconhecida importância, e que revestem interesse turístico, evidencia a possibilidade de estabelecer ligações entre o meio florestal, propiciada pelos Matos de Cantanhez, o meio fluvial, favorecida pelos rios e inúmeros cursos de água, e o meio marinho, em que se destacam espécies diferenciadas, tais como os cetáceos e as tartarugas marinhas. Por outro lado, está favorecida a complementaridade entre meio continental e insular, viabilizando o desenvolvimento de actividades diferenciadas tendentes à preservação ambiental e à conservação de espécies. (...)

pp. 31-35

(Continua)

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Notas da autora, BRB:

(a) É comum entender estas áreas como florestas sagradas, dotadas de pontos específicos e identificáveis por guias locais, como fontes sagradas, árvores sagradas ou simplesmente zonas referenciadas e que os animistas acreditam que têm poderes, realizando práticas de veneração.

(b) Podem ainda referir-se outras espécies como pau veludo, pau miséria, malagueta preta, lianas lenhosas, figueira estranguladora, líquenes.

(c) Os grandes mamíferos que podem ser observados são os elefantes, os búfalos da floresta, as gazelas, e mais raros os felinos como a onça pintada, vulgarmente conhecida como leopardo.

(d) Os primatas são comuns e apresentam diversidade: chimpanzé, babuíno ou macaco cão e colobus ou macaco fidalgo e preto.

(e) As aves apresentam grande diversidade: garças, picanço, abelharuco, pica-peixe, calao grande, pica-pau, cotovia, andorinha, melro, pardal, entre outras.

(f) Os principais répteis terrestres são a cobra preta, cuspideira ou bida, a cobra tutu, a cobra verde, da palmeira ou kakuba, a cobra vermelha e a jibóia ou irã seco. Nos rios pode encontrar-se crocodilo ou lagarto preto e no mar tartarugas marinhas.

(g) Os insectos com maior interesse turístico e que podem ser enquadrados nas potencialidades ambientais são a borboleta, que existe na região em quantidade, destacando-se pelas cores, e as térmites ou baga baga, devido às construções de terra. Por outro lado, existem abelhas associadas à actividade da apicultura.


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Notas de L.G.

(1) Vd. poste de 12 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2752: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (14): Acampamento Osvaldo Vieira (II)

(2) Esta publicação está disponível, em formato.pdf, no sítio do Instituto Marquês de Valle Flôr :
ESTUDO DAS POTENCIALIDADES E DOS CONSTRANGIMENTOS DO ECOTURISMO NA REGIÃO DE TOMBALI