sábado, 10 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6138: O Spínola que eu conheci (5): Os depoimentos de Joaquim Mexias Alves e José Manuel Matos Diniz




Vídeo: 6' 47'' Luís Graça (2010). Direitos reservados (Alojado em You Tube > Nhabijoes)

Apresentação do livro Spínola: Biografia, da autoria do historiador Luis Nuno Rodrigues (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2010). Local: Lisboa, Fundação Mário Soares, 8 de Abril de 2010. Sessão presidida por Mário Soares.

Excerto da intervenção do Embaixador João Diogo Nunes Barata, antigo chefe de gabinete de Spínola na Guiné. Neste excerto, é feita uma apreciação global do autor, o historiador Luís Nuno Rodrigues (ISCTE e IPRI)  e da obra. Embora este vídeo tenha sido gravado em contexto público, pedi a devida autorização ao autor, Embaixador Nunes Barata, para reproduzir aqui a sua imagem e as suas palavras, pedido esse que foi gentilmente deferido.


Lisboa > Fundação Mário Soares > 8 de Abril de 2010 > Sessão de apresentação do livro Spinola: Biografia, de Luís Nuno Rodrigues (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010). Da esquerda para a direita: o embaixador João Diogo Nunes Rodrigues, o presidente da Fundação, Mário Soares, o autor, Luís Nuno Rodrigues, e a representante da editora, Margarida Damião.

Foto: © Luís Graça  (2010). Direitos reservados.




... (
1. António Sebastião de Spínola (1910-1986) faria 100 anos no próximo dia 11 de Abril, domingo, se fosse vivo. Morreu em 13 de Agosto de 1966, aos 86 anos. "Vítima de embolia pulmonar, no Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas do Hospital Militar, na Ajuda, em Lisboa" (Manuel Catarino e Miriam Assor - Spínola: Senhor da Guerra. S/l: Presselivre, Imprensa Livre SA, 2010, p. 235). O centenário do seu nascimento será necessariamente objecto de diversas celebrações e eventos, algumas já anunciadas (*).

"Quem era, quem foi - o que não é exactamente o mesmo - António de Spínola ?", pergunta Carlos Matos Gomes, no prefácio ao supracitado livro... Acaba de sair, na editora A Esfera dos Livros, aquela que já é considerada a sua primeira grande biografia (pela quantidade e qualidade da informação, pelo rigor metodológico do autor, um conceituado académico): Spínola: Biografia, do historiador Luis Nuno Rodrigues (748 pp.).

Para já, queremos continuar a publicar os testemunhos e depoimentos dos nossos camaradas que serviram sob as ordens de (e conheceram, mesmo que supercialmente) o brigadeiro e depois general António Spínola, (ou simplesmente Spínola) como Governador Geral e Comandante Chefe no TO da Guiné (1968-1973) (**). Para já dois comentários, de Joaquim Mexia Alves e José Manuel Dinis (*).  Outros comentários, ou mesmo texto mais elaborados, serão bem vindos.

Como escrevi há dias, aquele que foi, para muitos de nós, o Velho, o Caco, o  Caco Baldé, o Homem Grande, o Bispo, algumas  das alcunhas por que era conhecido entre a tropa,  o Com-Chefe  e Governador-Geral António Spínola,  não o conhecemos assim tão bem quanto o julgamos... Temos a tendência, bem portuguesa, por ficarmos pela rama, pelo anedótico, pela pequena história, pelo boato, pelo preconceito, pelo  fait-divers...

É a altura de confrontarmos as nossas recordações de Spínola com a biografia do homem, do português, do militar e do político que passou à História (ou que, pelo menos, é já hoje objecto da investigação historiográfica).

É altura de olharmos, critica mas desapaixonadamente, para aquele que foi um dos mais importantes actores da cena político-militar do nosso tempo de jovens, combatentes e cidadãos ... Venham daí mais testemunhos a acrescentar aos dos nossos camaradas Vasco da Gama, Jorge Félix, Jorge Picado, Joaquim Mexias Alves e José Manuel Dinis.


(i) Joaquim Mexia Alves:

O General Spínola foi, independentemente do ódio de alguns, um digníssimo oficial superior das Forças Armadas Portuguesas, que muito as prestigiou.

Foi sem dúvida um comandante de homens que nunca voltou a cara ao perigo, arriscando às vezes até mais do que seria desejável na sua posição de Comandante Chefe.

Se numa dessas temeridades acontecesse o pior, qual não seria a vitória para o PAIGC ?!

Numa operação com desembarque de LDG no Corubal, abaixo da Ponta do Inglês, estava à nossa espera no cimo do talude do rio, para nos incentivar. Não vi lá mais nenhum oficial superior, nem comandantes de Batalhão.

Como todas as pessoas também cometeu erros, mas no computo geral, julgo que foi um grande Português e um Grande e Competente Militar.

Já tardava esta homenagem.

Se puder lá estarei com orgulho de ter servido sob as suas ordens.

(ii) José Manuel Matos Dinis

O Gen Spínola não foi, seguramente, uma figura consensual. Na aplicação disciplinar, usou de vários critérios e incongruências; do ponto de vista estratégico, não se lhe conheceu um golpe de asa capaz de virar o rumo dos acontecimentos; enquanto Com-Chefe não foi capaz de montar uma máquina de auditoria e fiscalização, no sentido de moralizar e solidarizar os serviços de intendência e os comandos das diversas unidades; também as diversas Repartições, muitas vezes deram mostras de alheamento face às necessidades da guerra; enquanto político não manifestou um pensamento coerente, e só com o Portugal e o Futuro deu uma nota da sua visão, mas foi impotente para condicionar o Movimento dos Capitães a tomar a linha de rumo ali traçada, apesar de "envolvido" ab initio; com a lei que regulamentou a carreira dos oficiais, tanto alinhou com os milicianos, como com os do QP; enfim, vaidoso e ambicioso, desde cedo deu a ideia de querer vir a ser a 1ª figura da nação. Claro que também teve qualidades, mas acho relevantes as críticas anteriores.

Uma ocasião, enquanto estive hospitalizado, o meu pelotão foi colocado numa aldeia, em autogestão, até que um dia a abandonou face aos sucessivos atrasos na distribuição do almoço. Era um pelotão valente, esforçado, generoso e optimista, apesar das reiteradas manifestações de desprezo e castigo por parte do comando (capitão e sargentos).

Pois nesse período, o General Spínola deslocou-se a Tabassi onde teve um cordial encontro com a rapaziada, de tronco nú e barbas por cortar.

Foi o meu Comandante, estarei presente numa homenagem de veteranos, se assim for decidido, mas afastada pelo menos cem metros da oficial, pois não posso alinhar e dar um agreement aos hipócritas, incompetentes, e metidos em trapalhadas, que dominam este país. O General, pelo menos, não deu ideia de se ter servido da posição em proveito pessoal, e foi corajoso, talvez excessivamente.

Abraços fraternos.

J.Dinis

__________________

Notas de L.G.:

 (*) Vd. poste de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6097: Agenda Cultural (67): Homenagem da Câmara Municipal de Lisboa ao Marechal António Spínola (Mário G. R. Pinto)

(**) Vd. postes anteriores desta série:

17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4041: O Spínola que eu conheci (4): Mansoa, 17 de Março de 1970, com o Ministro do Ultramar (Jorge Picado)

 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3929: O Spínola que eu conheci (1): Antes que me chamem spinolista... (Vasco da Gama)




sexta-feira, 9 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6137: Notas de leitura (91): Depois da guerra, as recordações da região de Cacine... e algo mais , de Luís Rosa - II (Beja Santos)

1. O nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou-nos, com data de 9 de Abril de 2010:

Queridos amigos,

Graças ao camarada Manuel Joaquim, conheci a primeira edição de “Memória dos Dias Sem Fim”, que se encontra facilmente nas livrarias.

Tenho para mim que há parágrafos deste livro que irão passar à posteridade.



Depois da guerra, as recordações da região de Cacine... e algo mais

Referimos aqui, há uns tempos atrás (poste P5503, de 19 de Dezembro de 2009), a obra do escritor Luís Rosa “Memória dos Dias Sem Fim” (Editorial Presença, 2009).
Luís Rosa é hoje um autor conceituado e a literatura da guerra colonial da Guiné fica a dever-lhe páginas sublimes.
Na recensão então feita, houve a preocupação de mencionar parágrafos desta obra que seguramente farão parte das antologias do género, tendo deplorado o final do romance, de um mau gosto enorme pela sua impossibilidade cultural, guineense não é macaco de feira, ocidental de ocasião.
Graças ao nosso camarada Manuel Joaquim, acabo de descobrir que o Luís Rosa já tinha feito uma edição de autor desta mesmíssima obra em 1990, tendo-a intitulado “Depois da Guerra”.
Tudo começa no cais do Pidjiquiti e com uma conversa com o comandante Nalu, ali se aborda o massacre do Pidjiquiti de 1959. As páginas dedicadas a Sangonhá são de uma enorme beleza:
“Tínhamos chegado a Sangonhá na véspera. Ao cair da noite ouvimos para sul três tiros em Canefaque.
Três tiros de arma grossa. Era o sinal.
O percurso para Sangonhá tinha sido difícil. Com os guerrilheiros a emboscarem a coluna.
Os guinchos a puxarem as enormes árvores tombadas na estrada.
As serras mecânicas gemendo num esforço entrecortado.
A ramaria caindo e sendo arrastada. Os sapadores pesquisando as minas no chão poeirento e nas abatizes.

Os tiros dispersos vindos do mato, levavam a morte num silvo ou morriam nos troncos.
De um lado e de outro uma vontade decidida de avançar ou vender cara a retirada. Mais atrás seguia o grosso da coluna, apenas pelo ruído se apercebendo do que passava à frente...
Assim se entrou de rompante no cruzamento de Sangonhá, blindados à frente, cortando com as rajadas as largas folhas das bananeiras, enquanto os tiros do mato iam rareando, dizendo pela distância e por fim pelo silêncio, a resignação, pela retirada forçada.
Os homens do mato refugiaram-se no Quitafine, enviando mensagens para toda a área de que a tropa ocupara Sangonhá.
Depois tinham surgido aqueles três tiros em Canefaque, no extremo sul. Era o sinal de reunir todos os grupos da guerrilha, da área de Cacine a Cabedu, de Cameconde à Ilha de Melo...
Aqueles três tiros para o lado de Canefaque fizeram-nos prever o pior. Tínhamos dois blindados Fox e dois velhos granadeiros.
Pusemo-los aos cantos, para cruzarem o fogo e imporem respeito. E assim, uns na vala, outros nos carros, passámos aquela noite.
A segunda noite, porém, chegou com a sensação rasgante e densa de que qualquer coisa ia acontecer.
Logo que a escuridão caiu sobre as palmeiras, começaram-se a ver pequenas luzes, como de isqueiros ou pirilampos.
Todas as forças da guerrilha da península do Quitafine se tinham juntado para acabar com a guarnição...
A escuridão e os mangueiros, ajudaram a aproximação. A ponto de um homem do blindado se aperceber de uma sombra a deslocar-se a uns cinquenta metros.
Abriu fogo e o inferno explodiu, escancarando a gorge por todo o lado. Não durou muito. Talvez uma meia hora.
Quando a manhã surgiu ainda embrulhada em trevas, mas já deixando distinguir a nitidez das formas, ouviu-se uma voz seguida de muitas, exclamações de espanto interrogativo.
À volta do quartel viam-se capacetes imóveis, um homem semi-erguido, ainda agarrado ao arame farpado e aquela arma imponente espreitando em desafio por detrás do “mangueiro”. São descrições de uma elevada contenção, a sobriedade que não deixa margens para a lamechice.
Aqui e em muitos pontos da obra, o horror é sempre condicionado pela justa medida, não se dissimula o olhar de África por outra observação que seja a do militar que põe perguntas sóbrias e concretas, que executa sem vanglória ou à procura de ficar no retrato.
Assim fala de um prisioneiro barbaramente tratado, no fundo não passa de um doente, foi preciso um diagnóstico do médico para acabar com a pancadaria selvagem.
Assim fala de uma velha mulher que terá vindo de um acampamento inimigo, que atravessa Sangonhá sem uma palavra e que caminhou para o lado da fronteira, à procura de um destino que ninguém entendia.
Assim se fala da brutalidade das relações sexuais com uma sinceridade que nos recorda a fio-de-prumo o que vimos, ouvimos ou soubemos que existiu.
É um livro que merece ser lido, independentemente do juízo crítico que faço ao final da obra. Há aqui páginas de ouro, aqui se gravou em pedra rija muita dor incontida num encadeamento de relatos de elevado valor literário.

Luís Rosa


Um abraço,
Mário Santos
Alf Mil At Inf Cmdt do Pel Caç Nat 52
__________

Notas de M.R.:

Vd. também, sobre esta obra e seu autor, o poste desta série publicado em:

19 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5503: Notas de leitura (44): MEMÓRIA DOS DIAS SEM FIM, romance de Luís Rosa - I (Beja Santos)

Vd. último poste da série publicado em:

7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6124: Notas de leitura (90): Relação de Bordo, de Cristóvão de Aguiar (I) (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6136: Agenda cultural (70): A banda portuguesa, de música klezmer, Melech Mechaya, em Lisboa, no Teatro Villaret, 12 de Abril, 2ª feira, às 21h30






Fonte: Melech Mechaya (2010).

1. Os Melech Mechaya [lê-se Melec Mecaia], banda portuguesa de música klezmer, a que pertence o João Graça (violino), membro da nossa Tabanca Grande desde Dezembro de 2009, têm encontro marcado dia 12 do corrente,às 21h30, no Teatro Villaret, com os seus fãs, amigos e admiradores. O concerto,  que marca o seu regresso à capital portuguesa,  terá como destaque o disco Budja Ba, mas também será pretexto para a apresentação de algumas faixas novas.
Fundado em 1964,  por Raul Solnado, o Teatro Villaret reabre agora ao público, com a apresentação da banda que lotou o Santiago Alquimista, na noite de passagem de ano.

Teatro Villaret

Avenida Fontes Pereira de Melo, 30 A
1050-122 Lisboa
Telefone: 213 538 586
E-Mail: teatrovillaret.reservas@gmail.com
teatrovillaret@gmail.com
 

2. Próximos concertos dos Melech Mechaya

25 Abr 2010,  21:30 > Fórum Romeu Correia,  Almada

1 Mai 2010,  22:00 > A anunciar
22 Mai 2010,  22:00 > Cine-Teatro [1ª parte: Old Blind Mole Orkestra (FR)],  Estarreja

10 Jun 2010 22:00 > Festas de Abrantes,  Abrantes

11 Jun 2010 21:30 > Ivanov, peça de teatro de Techov, pelo grupo Truta, Centro Cultural Vila Flor,  Guimarães

12 Jun 2010 22:00 > Ciclo da Primavera,  Montemor-O-Novo

24 Jul 2010 22:00 > Festa Privada,  Mafra

20 Ago 2010 1:00 > Festival Bons Sons,  Tomar

21 Ago 2010 22:00 > Festival Ecos da Terra,  Celorico de Basto

3. Crítica de Eelco Schilder a Budja Ba, in FolkWorld Magazine


" (...) Very different is the approach of Portuguese band Melech Mechaya. This band exists out of five outstanding musicians and mixes the tradition of Klezmer and Yiddish music from several (European) regions with an occasional Arabic or Balkan vibe and also some Portuguese traditional influences now and then. They can be party animals but also play more melancholic songs like the beautiful Fado Tantz. Most material they play is known (yes, Hava Nagila is there as well). A nice album, well played and occasionally really catchy but also predictable at moments."


Tradução livre: Muito diferente é a abordagem de banda ortuguesa Melech Mechaya, onde se destacam cinco excelentes músicos, que mistura a tradição da música  klezmer e yiddish de várias regiões (Europa) regiões com umas ocasionais sonaridades árabes ou balcãs e  mas também com alguma influência da música tradicional portuguesa. Eles tanto podem ser animais de festa, mas tocar canções mais melancólicas como o belo Fado Tantz.  A maioria ds temas que eles tocam é conhecido (sim, Hava Nagila lá está também). Um belo álbum, bem executado, com momentos realmente cativantes.

Guiné 63/74 - P6135: Parabéns a você (102): Miguel, uma Pessoa de Cinco Strelas, mas também o Pil...antra que levou a nossa camarada Giselda ao altar (Luís Graça)


Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12  (1972/1974 > O então Ten Pilav Miguel Pessoa.



Comunicado das Forças Armadas Portuguesas, publicado na imprensa da época, em que se relatava o "acidente" de que foi vítima o Tenente Pil Av Miguel Pessoa.  Por não dar trunfos ao IN(inimigo), o abate de um Fiat G91 por uma nova arma, o míssil terra-ar Strela, era apresentado à opinião pública da Metrópole em versão muito mais soft... O excerto que aqui se reproduz, creio que era do extinto Diário Popular.

Fotos: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservado.


1. Não se pode falar do Miguel (Pessoa) sem falar de outra Pessoa, a Giselda … Uma e outra são Pessoas de Cinco Strelas. Foi a guerra e a Guiné que os juntaram (até agora, para sempre)…Essa é, de resto, uma história, do seu foro íntímo, que eles não contaram no nosso blogue (nem estamos à espera que venham a contar, com muita pena nossa)…

Não sei exactamente quando nem onde se casaram… Mas subsiste a humana curiosidade dos tabanqueiros (e não há tabanqueiro que não tenha um pouco de louco e voyeurista): Como é que um jovem tenente pilav [, pil...antra ? ] se apaixona por uma jovem sargento enfermeira pára-quedista, em tempos tramados, strelados, como eram aqueles, de fim-de-guerra (ou de saldos de guerra) ?

Por muitas voltas que dê à história, não sei quem foi a culpa: de Guileje ? do Strela ? do milagre da recuperação no dia 26 de Março de 1973 ? da lotaria das escalas e dos turnos ? Nesse dia, a Giselda estava de serviço… Coincidências ? Destino ? Fado ? De fado, não foi, mas também não terá sido propriamente uma história de fadas… Gosto de imaginar que, noutra encarnação, ela foi a fada e o Miguel o seu príncipe encantado (e encanado como a perna da rã)…

O Miguel Pessoa (n. 1946) já aqui nos contou como foi parar à Metrópole, e ao fim de uns largos meses de tratamento e recuperação no Hospital Militar Principal, em Lisboa, regressou a casa, neste caso, Base Aérea nº 12, Bissalanca, Guiné-Bissau…

Outra pergunta, que fica sem resposta: voltou, porquê ? por motivos patrióticos ? por dever profissional ? ou por que deixara a Giselda, de coração destroçado, em Bissalanca ? (Bem, sabemos que as enfermeiras pára-quedistas não dormiam na base, mas sim em Bissau, longe das vistas dos pil…antras).

Não se pode fala do Miguel sem falar da Giselda,  mesmo em dia de anos do Miguel, porque eles são o mais mediático casal de camaradas da Guiné, o mais amoroso, o mais simpático, o mais encantador, o mais glamouroso, mas também  o mais discreto, o mais tudo... Bom, eles são únicos… Por muitas razões e mais uma: de facto, são o único casal de camaradas da Guiné com licença de residência (e com direito a cama, mesa e roupa lavada) na Tabanca Grande!...

E quem são eles, exactamente ? Ele é o Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74, hoje Cor Pilav Ref). Ela é a Srgt Pára-quedista Giselda Antunes (apelido de solteira)... Seguramente o único casal do mundo que foi atingido - cada um deles, separadamente, em ocasiões diferentes, e em areonaves diferentes - , por um míssil SAM 7 Strela...

Já em tempos escrevi: “A Guiné e o Strela os juntou, sob a benção da FAP... Por mim já estavam no Guiness Book of Records se isso ajudasse a aumentar o PIB do nosso país e a contribuir para tornar ainda maior a nossa Tabanca Grande, além de mais felizes [os nossos tabanqueiros]... E, claro, Ele & Ela”.

 Acontece que hoje é o dia  de aniversário do Miguel (*), e daqui a vinte dias, a 29, o da Giselda. Ele é nativo do signo Carneiro. Ela é Touro. Como eu, pessoalmente, não acredito na astrologia, julgo que eles não são nem melhores nem piores pessoas por serem, ele, Carneiro, e ela, Touro. Só sei que são duas excelentes aquisições do blogue, das melhores que  já fizemos…

Há quanto tempo está o Miguel connosco ? Não sei, assim de repente, responder a essa pergunta... Creio até que não houve uma entrada formal, com fanfarra militar, na nossa Tabanca Grande. Ele foi entrando, no início de 2009,  e ficou. E está de pedra e cal. E,  mais tarde, trouxe a prenda da... Giselda, que é a única verdadeira camarada, até agora,  que nós temos na nossa Tabanca da Guiné.

O nosso Carlos Vinhal meteu "uns dias de férias" por motivos de convívio (anual) da malta da sua companhia. Parte hoje para o Funchal. Fica, pois, para mim a difícil (mas grata) tarefa de saudar o Miguel e dizer-lhe quanto ele é estimado e acarinhado no nosso blogue (sem esquecer o blogue dos Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74, fundado e animado pelo nosso camarada e amigo Victor Barata, o primeiro elemento da FAP a entrar para a nossa Tabanca Grande).

Sempre o conheci, ao Miguel,  com um acentuado low profile. Não gosta de dar nas vistas, de se pôr em  bicos de pés, de falar de si... Não entra em polémicas. Incomoda-se quando nos desviamos do nosso objectivo comum é que pôr em letra de forma, bem arrumadinhas, no blogue, as nossas recordações do tempo da guerra colonial na Guiné.  É sempre muito crítico em relação aos textos que nos manda: Vejam lá se isto tem interesse, vejam lá se isto se enquadra no espírito do blogue... É, além um disso, um camarada que gosta de se voluntariar para tarefas do back office como, por exemplo, a organização dos nossos encontros anuais. E, como já vimos, tem um imenso sentido de humor... Adora andar de tabanca em tabanca a petiscar e sobretudo a dar dois dedos de conversa. Sempre som o seu asa, a Giselda... Em matéria de amigos, tem já uma lista de todo o tamanho... É impossível não gostar dele como Pessoa, com aquela cara e aquele corpinho de Ursinho de Peluche... Se o Caba Fati tivesse conhecido antes o Kurika da Mata se certeza que não teria disparado o seu Strela... para matar!

Mas assim consegui/conseguimos a pô-lo a escrever histórias que já dariam material para um livro. Registo mais de quatro dezenas no nosso blogue, ou seja, outros tantos postes, divididos pelos marcadores Miguel  Pessoa e Miguel Pessoa (Cor Pilav).  E se em ele tem talento para a escrita, que é uma coisa que só se quando  a gente decide... escrever para comunicar com os outros.

Miguel, grande tabanqueiro: parabéns por este dia, parabéns pela tua amizade e camaradagem, parabéns pela tua Giselda e demais família. Espero, amanhã, em Moura, dar-te, ao vivo, o abraço que hoje só  posso mandar-te por via digital...

Luís Graça

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de  9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4160: Parabéns a você (4): No dia 9 de Abril de 2009, ao camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (Editores)

Guiné 63/74 - P6134: Em busca de... (122): Procuro informações sobre meu pai: João José Viana Dias de Azevedo, do BCAÇ 2905 (João Azevedo)


1. O filho de um nosso Camarada, já falecido, de nome João Azevedo, enviou-nos um pedido de publicação do seguinte apelo, tentando obter algumas notícias sobre o seu falecido pai, João José Viana Dias de Azevedo, que foi Fur Mil a CCAÇ 2658:

APELO
Batalhão de Caçadores 2905

Boa tarde,

Chamo-me João Azevedo e sou filho de um antigo combatente na Guiné pertencente ao Bat Caç 2905, tendo estado na Guiné entre os anos de 1970 e 1972, sensivelmente.

Vi o vosso blogue, na internet, e verifiquei que o nome do meu pai não aparece nas listagens de antigos combatentes.

O nome do meu pai é igualmente João Azevedo (João José Viana Dias de Azevedo) e era natural de Viana do Castelo. Infelizmente já faleceu, em 2002, vítima de um cancro e se fosse vivo teria agora 62 anos.

Faleceu longe da família e por esse motivo, fiquei com poucas recordações fotográficas (antigas) dele.

Recordo-me de ver fotos do tempo da Guiné dele e dos seus camaradas, mas tudo isso está perdido, pelo motivo que referi.

Nesse sentido, gostaria de saber se me poderiam ajudar a encontrar camaradas de meu pai, que possuam fotos em que ele também apareça e me ofereçam cópias, em papel, ou em suporte informático, para eu poder ficar com algum registo fotográfico dele desse período marcante da sua vida.

Foto de meu pai: João José Viana Dias de Azevedo, que foi Fur Mil a CCAÇ 2658, com a idade de 20 anos, aproximadamente, correspondente ao período em que esteve na Guiné, para ajudar a identificá-lo.

Sei também que ele, até 2001, foi aos encontros anuais de antigos combatentes do seu batalhão, por isso, creio que algum camarada o poderá identificar e quem sabe ajudar-me neste meu pedido.

Fico a aguardar feedback de vossa parte

Atenciosamente,
João Azevedo

2. Numa busca pelo blogue, foi possível verificar que temos entre nós 4 elementos do BCAÇ 2905, que poderão dar alguma reposta, ou ajuda, ao João, começando pela Companhia a que ele pertenceu, já que o batalhão era composto por 4 companhias.

Os 4 Camaradas citados são:

  • O Rogério Ferreira, que foi Fur Mil Inf MA, da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905;
  • O Júlio César, que foi 1º Cabo da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905;
  • O Ângelo Alberto de Almeida Campos, que foi 1.º Cabo Escriturário da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905;

  • O Paulino Pereira, que foi Fur Mil At Inf da CCAÇ 2660/BCAÇ 2905.

3. O João Azevedo agradece, desde já, que toda e qualquer informação e, ou, fotos sejam enviadas para o seu e-mail pessoal: jjrazevedo@hotmail.com
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

25 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6046: Em busca de... (121): Camaradas do ex-1.º Cabo Manuel Silva Ferreira, CCAÇ 1684/BCAÇ 1912, Guiné 1969/71 (Júlio César)

Guiné 63/74 - P6133: Parabéns a você (101): Jorge Canhão (ex-Fur Mil At Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612), festeja hoje os seus 60 anos (Os Editores)

»»»» F*E*L*I*Z...A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O ««««1. O nosso camarada Jorge Canhão, ex-Fur Mil At Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, completa hoje 60 anos de idade-

2. Vamos recordar a sua apresentação neste blogue, que foi publicada no dia 18 de Junho de 2007, no poste P1855:

“Camaradas da Tertúlia, aqui vai um mini - historial da minha Companhia e duas fotos minhas, ou seja, os dados necessários para ser mais um tertuliano. Concordo inteiramente com os princípios da Tertúlia. Desde já os meus parabéns pela vossa atitude face à guerra colonial
Abraços. Jorge Canhão

Sou o Jorge A. F. Canhão, natural de Lisboa e nascido em 1950. Vivo em Nova Oeiras-Oeiras. E-mail: jorge.aferreira@netcabo.pt. Telemóvel (que pode ser divulgado) > 91 274 85 56.

Fui Furriel Miliciano Atirador de Infantaria. Tive o privilégio de, com um grupo de miúdos sensivelmente da mesma idade, formarmos a 3ª CCAÇ do BCAÇ 4612/72 que prestou serviço na Guiné.

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael" (não é indicado o dia nem o mês).
Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.

Chegámos à Guiné a 5/10/72, fizémos o IAO na zona do Cumeré e a 17/11/72 fomos para Mansoa.

A 18/6/73 deixámos o Batalhão e passámos a estar dependentes do COP 5 e do COT 9 como Companhia de Intervenção.

Fizémos operações nas zonas de Mansoa, Mansabá, Bissorã, Farim, Bula, Cacine e Gadamael, onde estivémos com as excepcionais Companhias de Paraquedistas 121 e 123.

A 12/5/74 deixámos de ser Companhia de Intervenção e regressámos ao Batalhão.

Em 26/8/74 embarcámos de avião para Portugal.

Em toda a comissão e após algumas centenas de operações, tivémos 2 mortos (um furriel e um soldado), 2 feridos graves (soldados) e uma dezena de ligeiros, entre oficiais, furriéis e praças.”

3. Como vem sendo habitual, sempre que me toca a mim – MR -, publicar estes postes aniversariantes, para melhor tentarmos avaliar o perfil do Jorge Canhão, recorri mais uma vez à consulta do seu signo de zodíaco – Carneiro -, para nativos entre 21/03 e 20/04”, num site que se tem vindo a tornar muito popular nesta matéria e ao qual se tem acesso através do endereço: KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm), que diz textualmente o seguinte:
Carneiro
21/03 a 20/04

Com os nativos de Carneiro e os que o têm com ascendente, a primeira impressão é a de uma pessoa egocêntrica e de um signo independente, assertivo e impulsivo. Os Carneiros não perdem tempo e quando tomam uma decisão, agem sobre ela de forma habitualmente rápida.

São energéticos e excelentes lideres mas nem sempre o melhor «seguidor». São óptimos a iniciar as coisas mas deixam-nas frequentemente para um dos signos fixos acabar. Altamente competitivos, gostam de se colocar à prova constantemente.

Apesar de governados por Marte e bastante temperamentais, a fúria é passageira e são em regra acolhedores e inspiradores. Apresentam qualidades como a coragem e lealdade mas também a impaciência e têm um forte sentido de individualidade.

Atraem e realçam estas qualidades também nos outros e o dia de um nativo de Carneiro começa normalmente com um entusiástico estrondo. Aparentam uma certa ingenuidade, por confiarem e acreditarem que os outros são tão directos e honestos como eles. Marte na primeira casa astrológica influência a personalidade de forma similar.

A frase chave para nativos de Carneiro é «eu sou». Com ascendente de Carneiro, as atracções viram-se para Balanças, governado na sétima casa, a dos parceiros.

Carneiro é um dos quatro signos Cardeais, por estar ligado à mudança de estação e do solstício, tendo como elemento o Fogo.

Anjo: O Arcanjo Cassiel é o protector dos nativos do Signo Carneiro. Cassiel é chamado Anjo Guerreiro e aqueles que nascem sob a sua influência são pessoas criativas, destemidas e determinadas. Líderes natos, gostam de ocupar cargos de chefia e de desempenhar funções de elevada responsabilidade.

Possuidores de um carisma e encanto naturais, são amados por todos e até mesmo as suas atitudes irreflectidas são perdoadas e encaradas como uma encantadora particularidade da sua personalidade.

O Arcanjo Cassiel desenvolve a coragem e a imaginação. Ajuda a moderar a ambição, o espírito de competição e o egocentrismo.

4. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca que por vários motivos não puderem enviar as suas mensagens, cantar-te a seguinte cantiguinha muito tradicional:


PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA,
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO JORGINHO,
UMA SALVA DE PALMAS!

E mais acrescentamos:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.
E mais te desejamos, que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.


Lisboa > 10 de Junho > O Jorge Canhão (de camisa encarnada), com o os nossos Camaradas Fernando Chapouto (ao seu lado direito), Amílcar Mendes ( da 38ª de COMANDOS, ao seu lado esquerdo) e outro Camarada COMANDO que não conseguimos identificar.
Com montanhas de abraços fraternos
____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6121: Parabéns a você (100): O meu coração cresceu mais um pouco para conter toda a amizade demonstrada (Joaquim Mexia Alves)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6132: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (5): Parte 5 (Sousa de Castro)


1. O nosso Camarada Sousa de Castro (*), que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos a quinta parte da actividade desenvolvida pela sua Companhia, em 8 de Abril de 2010, dando continuidade ao relato publicado nos postes P5965, P5986, P6019 e P6088:
ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873
NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (6)


DEZEMBRO1971/ABRIL 1974
Este texto foi elaborado a partir do livro:

BART 3873 “HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)

10 FASCÍCULO

JANEIRO 1973

48. SITUAÇÃO GERAL

- O assassinato de AMILCAR CABRAL pela facção dissidente do P.A.I.G.C., a concentração de forças na zona de PORTO GOLE, como medida impeditiva ou retardadora à abertura da nova estrada JUGUDUL/BAMBADINCA e a decisão dos elementos preponderantes do Partido, tendente ao incremento da actividade em todas as Frentes são as coordenadas com possíveis incidências no Sector L1.

Num âmbito mais restrito, suspeita-se da existência duma célula do P.A.I.G.C. em BAMBADINCA.

49- INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME

-Nos dias 17 às 21,05 horas, 24 às 18,58 horas e 29 às 19,40 horas o XIME sofreu sucessivamente 03 flagelações, por grupos não calculados que empregaram canhão S/R e Morteiro 82.

Não há a contar danos pessoais ou materiais em qualquer delas.

No dia 27 às 08,00 horas ocorreu um acidente, quando se procedia à limpeza de um «OBUS 10,5» de que resultou 02 feridos ligeiros e 01 ferido grave, todos Africanos.

Xime 1972 > Operando o AN/GRC-9

b) Conclusões

-É arriscado concluir-se se as flagelações ao XIME a 24 e 29 são ou não resultado da directiva emanada dos elementos preponderantes do Partido, reunidos em CONAKRY e referida no nº. 48, após a morte do seu SECRETÁRIO-GERAL, dia 20 do corrente mês.

O espaço de tempo intermediado é demasiado acanhado para que se afirme uma certeza.

Deve uma vez mais evidenciar-se a fraca eficiência das flagelações do adversário sobre as nossas bases.

50. POPULAÇÃO

- A população sob nosso controle manifestou regozijo pela morte de AMILCAR CABRAL. Motivos: ter começado a guerra; perspectiva consequente do seu termo; ser cabo-verdiano que juntamente com outros quer dominar a GUINÉ.

Analogamente a ocupação de lugares de chefia por naturais de CABO VERDE nos quadros da Administração Civil não é vista com agrado.

Aduz-se, assim, uma rivalidade de carácter geral entre Guinéus e cabo-verdianos que só a nacionalidade portuguesa e a presença de PORTUGAL conseguem atenuar e adormecer, mas que adentro do P.A.I.G.C., sendo elas renegadas, se configura muito mais viva e inflamável.

51. NOSSAS TROPAS

Para além da actividade rotineira, neste mês não houve Acções ou Operações que mereçam algum destaque.

As colunas de reabastecimento vão correndo sem incidentes e enquanto isso os patrulhamentos das NT processam-se sem confrontações directas com os guerrilheiros.

11 FASCÍCULO

FEVEREIRO 1973

52. SITUAÇÃO GERAL

- Durante o período voltou a constatar-se que o inimigo só enfrenta de perto as NT, quando estas penetram nas áreas que ele controla. Atestam-no a acção «GUARIDA 18» e a operação «BATE DURO», descritas adiante. O XIME voltou a ser flagelado como é habitual.

XIME 1972 > «CHAIMITE»

53. TERRENO

-As queimadas pegadas ao capim pelas NF constituem a alteração mais notória ao aspecto do terreno.

O próprio P.A.I.G.C., nos locais em que se encontra instalado, procede igualmente.

54. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME

- Em 14 às 18,30 horas, 02 canhões S/R e 01 morteiro 82 abriram fogo sobre o Quartel do XIME, durante 15 minutos e sem resultados.

Os postos de observação conjugada do XIME e ENXALÉ localizaram as bases de fogos o que permitiu uma reacção ajustada, às 23,00 horas foi executada retaliação, por meio de ÓBUS 10,5 sobre instalações IN.

b) Conclusões

- Destaca-se os postos de observação referidos na alínea a) permitem uma resposta certeira da Artilharia do XIME, através do 20º PEL ARTª e do ESQD do PEL MORT 4575 ali estacionados.

55. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes

- Acção «GUARIDA 18» de 03 às 05, 00 horas até 11,30 horas com patrulhamento, emboscada e montagem de armadilhas na região de PTA VARELA.

Intervieram 03 Gr Comb da CCAÇ 12 e 03 (-) da CART 3494. O IN teve 02 mortos e 01 ferido confirmados e as NF 01 ferido ligeiro.

- Operação «BATE DURO» de 25 às 05,30 horas a 27 até às 15,00 horas com patrulhamento, emboscada e montagem de armadilhas, na zona de PTA VARELA/PTA DO INGLÊS/PTA JOÃO DA SILVA/POIDON, por forças da CCAÇ 12 e CART 3494 no dia 25, GEMIL’s 309 e 310 no dia 26, CCAÇ 12 e CART 3494 no dia 27.

O inimigo sofreu 05 mortos (02 pela CCAÇ 12 e 03 pelos GEMIL’s 309 e 310).

As NT tiveram 07 feridos, todos da CCAÇ 12.

b) Conclusões

- A agressividade da Tropa e Milícia africanas cujos resultados estão patentes, prova à sociedade quanto é destra no combate e ciente da missão que cumpre em prol da GUINÉ.

Não se esquecerá também o espírito de sacrifício do Soldado Europeu que acusando já o desgaste psíquico e físico de 14 meses de comissão triunfou uma vez mais sobre os perigos que o rodearam.

12 FASCÍCULO

MARÇO 1973

56. SITUAÇÃO GERAL

- A flagelação do XIME com foguetões; a saída do 1º C/E da Frente BAFATÁ/XITOLE para a área de UNAL; a transferência da CCAÇ 12 (Companhia de Intervenção do CAOP 2) para o XIME, da CART 3494 para MANSAMBO, a deslocação da CART 3493 para fora da ZA do BART 3873 e finalmente a conclusão das 09 escolas no Sector foram os tópicos do período.

Xime 1972 > Cais no rio GEBA


57. INIMIGO

a) Sub-Sector do XIME

- Em 04 às 20,55 horas o XIME foi flagelado, utilizando 05 foguetões e canhão S/R. Atingiram apenas a pequena arrecadação do cais.

- Em 15 às 18,20 horas sofreu nova flagelação por RPG e MORT 82 mm. Sem consequências.

Deve todavia salientar-se que o grupo das RPG se instalou a 500 metros do arame farpado.

b) Conclusões

- Não é menosprezável a hipótese de as flagelações ao XIME serem uma retaliação da Operação «BATE DURO» do mês passado.

58. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações mais importantes

Para além da actividade rotineira, A CART 3494 neste mês não teve Acções ou Operações que mereçam algum destaque.

MANSAMBO 1973 > Em 1º plano Tropa da CCAÇ 21 ao fundo abrigo das TRMS


b)Alterações ao Dispositivo

- Em 27 de Março a CART 3494 foi transferida para MANSAMBO, substituindo igualmente a 01 SEC da CART 3493 sediada na PTE R. UDUNDUMA.

- A CART 3493 deixou a ZA do BART 3873.

- A CCAÇ 12 substituiu a CARA 3494 no XIME.

(continua)

Um abraço Amigo,
Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873

Fotos: © Sousa de Castro (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

1 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 – P6088: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (4): Parte 4 (Sousa de Castro)

Guiné 63/74 – P6131: Estórias avulsas (30): A participação do 2º Pel 2ª CCAÇ/BCAÇ 4512, na Coluna a Guidage (Fernando C. G. Araújo)

1. O nosso Camarada Fernando Costa Gomes de Araújo* (ex-Fur Mil da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a sua 3ª mensagem, com data de 6 de Abril de 2010:
10-05-1973 > Guidage > Início da coluna a Guidage, imeditamente antes da operação “Ametista Real”, apontada no meu diário e onde escrevi então: "Dormi na vala". 3 dias seguidos.
Camaradas,

Tal como havia dito nas mensagens P6098 e P6107, passo a narrar-vos, os acontecimentos da coluna a Guidage, onde participou o meu pelotão, imediatamente antes da execução operação Ametista Real, segundo a minha visão pessoal dos factos.

As datas e horas foram rebuscadas na minha agenda/diário, onde fui tomando pequenas anotações e que agora, como é evidente, me foram preciosas para a ultimação da presente narração.

Na próxima mensagem enviarei a minha descrição de uma terrível emboscada em Lamel (entre Jumbembem e Farim).



Coluna a Guidage (imeditamente antes da operação “Ametista Real”)
Intervenção do 2º Pel da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512

09-05-1973 - 15h00 -, Saíram de Jumbembem dois grupos de combate (com seis picadores na frente equipados com varas) e iniciaram a picagem para detectarem possíveis minas colocadas na picada até Lamel, com destino a Farim - sede do Batalhão de Caçadores 4512.
Fizeram o percurso sem incidentes.
Saímos depois nós, o 2º pelotão da 2ª Companhia do BCAÇ 4512.
O nosso destino final era Guidage, um destacamento situado no norte da Guiné, situado na fronteira com o Senegal.
Pernoitamos em Nema, junto a Farim, onde se encontrava a 1ª Companhia do nosso batalhão.
10-05-1973 - de manhã -, Partimos numa coluna até Binta, que era o local de encontro das tropas envolvidas na operação:
5 Grupos de combate do Batalhão de Caçadores 4512;
1 Bi-grupo da 38ª Companhia de Comandos;
1 Secção do Pelotão de Morteiros 4274.
Foram distribuídas rações de combate e munições, e definiram-se os pontos nevrálgicos da operação em curso.
Retomamos a marcha, agora apeada com destino a Guidage, cujo destacamento estava a ser flagelado, dia e noite, estando iminente a sua tomada de assalto pelos guerrilheiros do PAIGC e que necessitava, com urgência, de ser reabastecido com géneros frescos e munições, já que no dia anterior uma coluna de reabastecimento foi emboscada, tendo resultado 4 mortos, 18 feridos e 4 viaturas danificadas.
Pelo romper da manhã, os Fiat’s da nossa FA, foram bombardear as Berliet’s que foram danificadas no dia anterior e que estavam carregadas de granadas de Obus e de outras munições.
O sol escaldava e a sede apertava.
O reabastecimento de água era feito por uma viatura Berliet, que integrava a coluna. A meio do percurso na zona de Genicó, um elemento da 38ª de Comandos accionou uma mina anti-pessoal e fica sem um pé.
Após uma ou duas, sobre este incidente, ouviu-se nova explosão.
Desta vez foi atingido um homem do meu pelotão - o Geraldes -, que ficou despedaçado ao accionar uma mina anti-pessoal, e, esta por sua vez, ter accionado uma mina anti-carro que estava encostada à primeira.
Recolheram-se os restos mortais do infeliz soldado e continuamos a avançar no cumprimento do plano estabelecido.
Pela picada fora, rompendo a densa mata, ouviam-se os ruídos das viaturas (Berliet’s e Unimog’s) e apenas se via a nossa tropa apeada (flanqueando à direita e à esquerda).
Na frente da coluna, a abrir caminho, segui-a um bi-grupo da 38ª Companhia de Comandos.
Ao passar pela bolanha do Cufeu temíamos o pior, já que o PAIGC tinha uma base próxima.
A pouca distância da nossa coluna, a certa altura, ouviram-se disparos de armas, rajadas de metralhadoras e rebentamentos.
Eram dois grupos da CCaç 3 e da CCaç 19, que saíram de Guidage ao nosso encontro, efectuando a picagem e tinham sido, por sua vez, emboscados sofrendo 5 mortos e 9 feridos, todos da CCAÇ 19.
Passamos ao lado dos corpos de 5 africanos mortos, despidos e virados para baixo, deviam estar armadilhados com certeza.
As forças intervenientes encontraram-se finalmente e reagruparam-se, seguindo em conjunto até ao aquartelamento de Guidage.
Chegamos lá pelas 18h00, e instalamo-nos.
Fui até à enfermaria para ver se precisavam de auxílio, e vi que estava cheia de feridos.
As máquinas a petróleo funcionavam sem parar, para a esterilização de seringas, agulhas e outros utensílios médicos.
Ouviam-se gemidos de dor aqui e ali. O que eu vi à minha frente… é indescritível...
Caiu a noite e pouco tempo depois, fomos flagelados com granadas de morteiro 82 mm.
O quartel estava cheio de tropa.
Uma das granadas caiu dentro de uma das valas e feriu gravemente um sargento dos fuzileiros.
Uma dessas valas foi a minha instalação, o meu quarto, durante estes 3 dias.
11-05-1973 - 09h00 -, procedemos à cerimónia fúnebre, com uma salva de tiros, em honra do militar do meu pelotão que morreu vítima das minas.
Abriu-se uma cova junto ao arame farpado, lançou-se cal e colocaram-se os seus restos mortais embrulhados num lençol.
Continuamos no destacamento de Guidage e o “filme” repetia-se, éramos flagelados com granadas de morteiro 82 mm a qualquer hora.
Depois flagelavam Bigene.

Extracto do livro “Guiné”, com as colunas a Guidage e onde se relata a operação “Ametista Real”, executada no terreno em 18 e 19 de Maio de 1973
12-05-1973 - 11h00 -, fiquei perplexo, quando um militar bateu com um joelho numa porta e, em resultado dom estrondo, todos os que estavam no refeitório se precipitaram para as valas, tal era o desgaste psicológico que os transtornava.
Qualquer barulho, parecia-lhes mais um ataque de morteiros e refugiavam-se nas valas desordenadamente.
Contaram-me que a cerimónia do hastear da bandeira nacional no quartel deixara de se fazer, porque o corneteiro tinha morrido num dos ataques que de vez em quando o IN desferia a partir de um morro do lado oposto ao da pista de aviação.
Metade dessa pista era território Português e a outra era do Senegal.
Tinham um obus 10,5 cm que estava danificado pelos consecutivos ataques e, segundo informações que recolhi, tinha aí morrido um furriel.
13-05-1973 - por volta das 10h00 -, começamos a abandonar o destacamento de Guidage.
A partir de Binta consegui boleia numa viatura “Berliet”, onde ia o nosso Comandante.
À minha frente ia outra viatura do mesmo tipo, com corpos de militares mortos e alguns feridos ainda com soro.
Cenários de um pesadelo arrepiante de cujo desenrolar... JAMAIS ESQUECEREI!

Jumbembem > 1973
Jumbembem > 1973 > JUL13 > Picada de Sare Tenem
Jumbembem > 1973 > JUL13 > Picada de Sare Tenem
Jumbembem > 1973


Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512


Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
_____________


Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6125: Estórias avulsas (81): Um prisioneiro, no fundo, boa pessoa (António Paiva)

Guiné 63/74 - P6130: Os nossos regressos (23): Faz hoje 40 anos que regressei da Guiné, mas o meu espírito vagueia naquelas tabancas (José Teixeira)

1. Texto José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/7), alusivo à chegada da sua Companhia a Lisboa, faz hoje 40 anos**.


DIA 8 DE ABRIL DE 1970 – O REGRESSO À MÃE PÁTRIA

Uf. Cheguei !
Não. Ainda não cheguei.
Estou estacionado no Tejo, mais propriamente no Mar da Palha. Ali, mesmo ao lado de Lisboa.

É noite. Ao longe a marginal iluminada convida-nos a entrar, abrindo-nos as portas de regresso. Os automóveis da noite relembram-nos outras noites, em Lisboa, no Porto, na terra de cada um desde o Minho ao Algarve. Já lá vão dois anos.

Para lá se dirigem milhares de olhos. Os comentários “apimentados” sucedem-se. Há quem aposte que já vê a família lá ao longe no cais que se imagina para além da curva do rio.

Niassa > Navio misto (carga e passageiros) da Companhia Nacional de Navegação. Fonte: Navios Mercantes Portugueses Página de Carlos Russo Belo com a devida vénia.

Podíamos ter desembarcado hoje. O destino que alguém ainda controla marcou a hora do desembarque. O NIASSA ao avistar a costa reduziu a velocidade. Entrou na Barra ao pôr-do-sol e estacionou, para raiva dos milhares de homens que queriam fugir daquele mundo e esquecer para sempre aqueles dois anos na Guiné.

Como estavam enganados! Comprova-se hoje, nos encontros de convívio das Companhias e dos Batalhões, das tabancas e tabanquinhas que vão surgindo aqui e além. Nos grupos organizados que todos os anos, agora de forma voluntária, se deslocam à Guiné, levando amizade e fraternidade. Levando os bolsos cheios (leia-se contentores) de coisas úteis para aquela pobre gente que sonhava com a liberdade, como sinal de mudança de vida para melhor e encontraram um inferno ainda maior.

Ali ficamos mais uma noite, às ordens de sua senhoria os “senhores do exército” que naqueles dois anos foram os gestores do nosso destino. Seria a última.

Toda a gente debruçada na amurada do barco. Cotevelada daqui. Empurrão dacolá. Um palavrão pelo meio, porque me estás a calcar oh cabrão!

Cantou-se, dançou-se… sobretudo sonhou-se, bem acordados que estávamos, naquela noite, talvez a mais longa, depois das que tínhamos passado debaixo de fogo. Noite que nunca mais passava. Noite em que aprisionados no meio do Tejo vislumbrávamos com esperança (quase certa) a liberdade.

A manhã chegou. Os motores do Niassa dão sinal de vida. É o princípio do fim.

Ao longe, o cais espera-nos.
Não. Não são fantasmas!
São milhares de pessoas expectantes. Muitas delas montaram tenda, sem tendas, naquele lugar, naquela noite, para nos verem chegar.
São os nossos queridos familiares e amigos.
Outros, chegaram com a manhã, cedinho, na esperança de assistirem ao desembarque.

Chegada ao cais. As pernas tremem de alegria, as lágrimas teimosamente deslizam pela face abaixo. Os olhos ávidos de esperança vasculham o cais à procura de um sinal. O sinal combinado para o feliz encontro que teima em não chegar.
Por fim, lá ao longe, uma silhueta, um aceno, um grito de felicidade. Está ali! Está ali!
Aonde? Não o vejo!
Ali ao fundo…

Porto de Lisboa > NTT Niassa > Estação Marítima de Alcântara > 09/Abr/70 > Momento da tentativa de acostagem na Gare, com a emoção para visualização dos seus.

Porto de Lisboa > Placa da Estação Marítima de Alcântara > 09/Abril/1970 > Multidão aguardando a chegada de Militares, apresentando dísticos.
Fotos e legendas: © Américo Estorninho (2010). Direitos reservados


Seguem-se os abraços sem fim. O beijo afectuoso de uma mãe que sempre acreditou. A sua promessa de ir a Fátima a pé, agradecer à Virgem Maria, valeu. A Senhora protegeu o seu filho.
Agora vamos cumpri-la e ele vai comigo. Ai vai, vai!

A esposa que soube esperar e lhe trás o filho que ele ainda não conhecia. A namorada que teve a coragem de resistir por amor.

Ali estão todos. Ah felicidade de um raio! Finalmente chegou o dia do regresso.

Não sei porquê, mas nestas alturas as lágrimas são teimosas e continuam a deslizar pela face ao mesmo tempo que o coração rebenta de alegria e a boca deixa sair as mais ternas palavras de afecto, carinho e amor.

Mas o drama tem mais um acto que é preciso cumprir.

Há que partir para a GMC que nos espera. O comboio especial está em Santa Apolónia à nossa espera.
Porra! Nem agora que chegamos, nos dão uns momentos para a família!
Sim. Depois de ires a Abrantes, entregar a merda da rota e gasta farda e receberes o pré. Oito dias de pré são oito dias e a lei é para se cumprir.

O comboio parte abarrotado de ex-combatentes. Confesso que ainda duvido em me considerar ex-combatente. Ainda não entreguei a farda. “Eles” têm sempre razão. Quem sabe, se…

Àquele barulho ensurdecedor dos milhares de homens que se acotovelam nas janelas do comboio, correspondem os moradores que vêm às janelas, varandas, porta da rua e transeuntes, com acenos de alegria e… com lágrimas. Umas de alegria, outras, quem sabe… talvez de tristeza, porque recordam os seus queridos que estão “perdidos” lá na tal guerra de que nos safámos.

Abrantes. A farda entregue. Qual pré, qual carapuça. Boa noite e meia volta, (já não precisava de bater a pala) ainda a tempo de ouvir o pulha do primeiro-sargento dizer para o cabo que conferiu a farda: “Mais um que se esqueceu de receber o pré.”

Foda-se a guita, quero-me ir embora já!
A caminhada até à estação do comboio, que teimava em não chegar.

Entroncamento e novo comboio que parecia ter substituído os rodados por chancas. Parou em todos os sítios onde havia uma gare.

Por fim, já o sol despontara na manhá seguinte. Se fosse hoje, ouviria, “senhores passageiros, dentro de momentos chegaremos à Estação das Devesas - Vila Nova de Gaia. Pedimos desculpa pelo atraso”. Mas, não. Gaia surgiu e do lado de lá do rio, o meu Porto.
Foi agora e só agora. Aqui nas Devesas ao ver o Porto ao longe que senti.
Finalmente estou livre, carago!

Passaram quarenta anos. Pensava eu que a Guiné fora uma etapa para esquecer e que a vida continuava. Como estava errado. A Guiné grudou-se a mim, vive comigo todos os dias e irá comigo para a cova. O meu espírito vagueia por aquelas tabancas, olha de frente aquela gente terna e meiga que me acolheu, quando eu era “agressor” e me acolhe agora com terno carinho, sempre que vou até lá matar saudades.

Empada 2005 > José Teixeira com um ex-Milícia e sua filha



Zé Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) José Teixeira é co-fundador da Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné-Bissau - Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano.

Vd. último poste de José Teixeira de 20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6024: Convívios (119): Convívio Anual da CCAÇ 2382 & CCAÇ 2381, no próximo dia 1 de Maio de 2010, em Fátima (José Teixeira)

(**) Vd. poste de Arménio Estorninho de 1 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6089: Os nossos regressos (21): No dia 1 de Abril de 1970, a CCAÇ 2381 finalmente despede-se em Parada Militar (Arménio Estorninho)

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6095: Os nossos regressos (22): Os cruzeiros da minha vida (Armandino Alves)

Guiné 63/74 - P6129: (Ex)citações (66): Repondo a verdade sobre o ensino na Guiné Portuguesa (Mário Dias)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Dias (ex-sargento Comando, Brá, 1963/66), com data de 6 de Abril de 2010:

Caro Luis,
Caros editores,
Cá estou mais uma vez a rezingar. Achaques da idade que certamente me desculparão.
Como a prosa é longa vai em anexo. A sua publicação, ou não, fica ao vosso critério.

Um grande abraço do
Mário Dias



Repondo a verdade sobre o ensino na Guiné Portuguesa

Nos últimos tempos, embora visite regularmente a tabanca, tenho-me abstido de intervir ou comentar por vários motivos, sendo o principal a pouca disposição – leia-se preguiça.

Prefiro ser um leitor atento e “engolir” opiniões, por vezes absurdas, que vão sendo produzidas. Mas tratando-se de opiniões e como cada um tem direito à sua nada digo embora me pareça que, por vezes, se ultrapassam os propósitos do blogue: narrar os acontecimentos que cada um viveu na guerra.

Para mim, isto significa não ir além dos factos ocorridos, nem referir nada que não se tenha a certeza ser verdadeiro. Opiniões? Tudo bem... não passam disso mesmo: “opiniões” e nada digo.

Porém quando se fazem afirmações menos verdadeiras que futuramente poderão induzir em erro quem as leia, vejo-me obrigado a intervir a bem da verdade dos factos e da história.

Toda esta lengalenga vem a propósito do P6014** da autoria do camarada Daniel Matos onde refere que “até há poucos anos, em todo o território, apenas se podia estudar até ao 2.º ano do primeiro ciclo...”

Saltou-me logo a mola como se costuma dizer.

Em fui para a Guiné em Fevereiro de 1952 ainda muito jovem (15 anos) e já nessa altura estava em funcionamento o Colégio Liceu de Bissau. A minha irmã mais nova lá estudou e completou o 5.º ano (2.º ciclo). Pensei retorquir de imediato mas como a quente podemos ser menos agradáveis para com os visados nada disse e resolvi aguardar uns tempos e, sobretudo, procurar elementos de consulta para fundamentar a minha intervenção e não restassem dúvidas sobre a sua veracidade.

Pesquisando o sítio http://memoria-africa.uo.pt/ que recomendo vivamente a quantos se interessarem pela história, devidamente fundamentada, da nossa passagem por terras de África, lá fui encontrar no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa N.º 22 de Abril de 1951, pág. 477, o seguinte:


Colégio – Liceu

Analisando estatisticamente o movimento do ensino liceal nesta Província no ano lectivo de 1949-1950, apresentamos elementos deveras satisfatórios...”

No quadro apresentado podemos ver que o Colégio-Liceu leccionava o 1.º ciclo (1.º e 2.º anos) e 2.º ciclo (3.º, 4.º e 5.º anos). No ano lectivo referido teve a frequência de 46 alunos sendo 5 europeus, 4 euro-africanos, 11 mestiços, 24 negros e 2 “outros” (vai com aspas pois não sei o que estes “outros” seriam).

O número de alunos era bastante escasso mas é interessante referi-lo pois nos permite avaliar o progresso neste domínio registado poucos anos depois.


Era neste edifício que funcionava o Colégio-Liceu. Por decreto foi criado o Liceu Honório Barreto conforme se pode ler no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa N.º 50, de Abril de 1958.

No ano lectivo 1958/59 instalou-se na parte alta da cidade de Bissau, nas proximidades dos Serviços Meteorológicos, provisoriamente em pavilhões de rés-do-chão, e era frequentado por 249 alunos bem longe dos cerca de 50 inicialmente existentes.

Em data que não posso precisar, o Liceu Honório Barreto passou a ter um novo edifício na parte alta da cidade do qual certamente muitos se recordam ainda.

(com a devida vénia de rumuafulacunda.wodrpress.com/Bissau)

Paralelamente ao liceu existia uma Escola Técnica que começou a funcionar nos finais da década de 50 com 164 alunos. Conforme n.º 56, de Outubro de 1959 do já referido Boletim, esta escola “foi elevada à categoria de Industrial e Comercial por decreto ministerial e nela passarão a ministrar-se os seguintes cursos: Ciclo Preparatório Industrial, Formação de Serralheiros, Carpinteiros, Mecânicos, Montadores Electricistas, bem como o Curso Geral de Comércio e o de Formação Feminina.”

No ano lectivo de 1958/59 esta escola era frequentada por 1051 alunos.

Além destes estabelecimentos oficiais de ensino, muitas entidades públicas ministravam cursos práticos e estágios diversos a quem lá trabalhava como era o caso das Obras Públicas, Oficinas Navais etc., não podendo deixar de referir o relevante papel desempenhado neste campo pelas Missões Católicas.

Também as considerações do nosso camarada Daniel Matos quanto à assistência médica não são rigorosas. Poderei rebatê-las, devidamente fundamentado, se assim desejarem.

Mas como a prosa já vai longa, por aqui me fico. Apenas, a título de curiosidade e porque a grande maioria dos “atabancados” não deve saber, o Hospital Militar de Bissau não foi construído com essa finalidade. Foi construído e inaugurado em Maio de 1960, portanto muito antes da guerra, como Hospital de Tisiologia. Pelo facto de tratar doenças infecto-contagiosas é que foi escolhida uma localização num ponto elevado e afastado das populações. Na altura da sua construção e entrada em funcionamento não existiam quaisquer habitações nas proximidades. Passou a Hospital Militar por necessidades derivadas da guerra tal como aconteceu um pouco por toda a Guiné onde diversas instalações foram atribuídas e ocupadas pelas unidades militares.

Mantenhas para todos.
Mário Dias
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5228: Memória dos lugares (52): Rio Corubal: afinal, havia... 3 pontes !? (C. Silva / D. Guimarães / M. Dias / Luís Graça)

(**) Vd. poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado

Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6126: (Ex)citações (57): Os nossos Brandões desconhecidos que foram os antepassados dos pais fundadores do PAIGC, MPLA e FRELIMO (António Rosinha)