1. O Sílvio Faguntes Abrantes é, doravante, membro da nossa Tabanca Grande (*).
Nasceu a 23 de Janeiro de 1948, na freguesia de Aguada de Cima, concelho de Águeda. É, portanto, da terra do Paulo Santiago, ex-Alferes Miliciano, que comandou o Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/2).
Além disso, foi colega de escola do Paulo. Do mesmo concelho é outro paraquedista, o nosso camarada Victor Tavares, embora de doutra freguesia, Recardães, e mais novo (1972/74). (Sei, pelo Paulo, que infelizmente não está em boas condições de saúde, não estando a acompanhar o nosso blogue: Força, Victor!, a má onda vai passar!).
O Hoss pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Ele próprio nos conta, era soldado, enfermeiro, mas "um colega trazia a bolsa e eu uma MG 42, nada mau, dadas as circunstâncias". É também amigo do nosso camarada Tino (Contantino Neves).
Combinei com ele abrir uma série para as histórias que ele nos vai contar. Começamos hoje com a 1ª parte da emboscada que sofreu, em Junho de 1970, quando os páras se deslocavam, por estrada, de Bissau para Teixeira Pinto. O resultado foi trágico: 6 mortos e 9 feridos, entre graves e ligeiros.
Ontem escrevi ao filho Leonel:
O pai já está formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande. Queria agora saber se ele está disposto a escrever pelo menos uma meia dúzia de histórias... Já temos o relato da emboscada no Pelundo, que deve dar para dois ou três postes... Vou publicar a primeira parte... Mas gostava de abrir rma série para ele... Sugestões de título, por exemplo: Histórias do Hoss... Ou: Recordações de um soldado paraquedista (Sílvio Abrantes, o Hoss)... Ou outro título sugerido pelo pai... Um Alfa Bravo do Luís Graça
O Sílvio respondeu-me, ele próprio, logo a seguir nestes termos:
Amigo Luís Graça, espero que continue de boa saúde. É pena estarmos longe porque convidava-o para ajudar a comer um leitão cá da Bairrada, assado por mim. O último foi no passado sábado, houve festa cá na terra, mas fica prometido que um dia nos havemos de encontrar a saborear uma sardinha amarela assada por mim.
Quanto aos e-mails, sobre a emboscada vou publicar no mínimo três. Quanto ao título deixo à vontade do meu amigo. Não vou perder mais tempo, são 19h30, vou-me deitar que vou trabalhar da meia noite às oito do manhã.
Um abraço, Hoss.
Sei, através do Paulo, que o Sílvio (ou Hoss, como ele gosta de se chamar) trabalha numa fábrica de cerâmica, e por vezes no turno da noite. O Paulo aproveitou para me dizer que o pára que aparece na fotografia que publiquei ontem, não é o Hoss, mas um camarada dele... Eu já tinha dado conta do lapso... Vou corrigir.
Respondi-lhe, ao Hoss, hoje de manhã:
Sílvio: Obrigado pelo teu gesto de amizade, camaradagem e hospitalidade... Haveremos de estar juntos, com o Paulo e o Victor que são "senadores" do blogue e já grandes amigos... Dia 26 de Junho vamo-nos encontrar em Monte Real, é o nosso V Encontro Nacional... Não queres aparecer ?
Não te esqueças que na Tabanca Grande tratamo-nos todos por tu, como camaradas que somos, independentemente do que fomos na guerra ou somos hoje, na vida civil... Fica bem. Saúde e longa vida. Luís Graça
Guiné > Algures > CCP 121 > BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, a uma poderosa armas nas mãos dos páras...
Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (1ª parte)
Seguia-mos de Bissau para Teixeira Pinto, de coluna, quando fomos atacados cerca de 3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado cifrou-se em 6 mortos e 9 feridos, alguns com gravidade.
Nos Paraquedistas, no tempo do então Capitão, hoje Coronel na reforma, o meu grande amigo Terras Marques [, foto à direita, cortesia do Portal do Exército Português,], teve a ideia de aplicar às MG um punho em madeira no fuste à medida do braçodo apontador.
Quando a emboscada rebentou e na confusão de saltar da viatura, a minha MG ficou engatada com o punho no banco.
Saltar da viatura sem a arma estava fora de questão, foi assim que me ensinaram os meus instrutores em Tancos, ao contrário de um oficial (que não vou dizer o nome porque seria uma vergonha ainda hoje passados tantos anos), que saltou da viatura e deixou a G3 lá dentro e em pleno combate pede ao soldado Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou e com toda a razão. O que aconteceu a seguir é que não é digno de um homem. O vocabulário português é muito rico e eu não encontro um adjectivo para classificar este oficial,que fez a vida negra ao Folhas durante o resto da comissão.
Eu fico em cima da viatura a ver onde o IN estava emboscado atrás dos baga-bagas e só acordei para a realidade quando ouço um zumbido a passar junto à minha cabeça. Salto da viatura e corro para a zona de fogo, fico de pé a meter a fita na arma que teimava em não dar fogo e foi o meu colega Alberto quem me puxou para eu me abaixar e me ajudou a meter a fita na arma, tal era a minha aflição.
Foto: © Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Eu fiquei cego deraiva. Fui eu que orientei o fogo para destruir os baga-bagas onde o IN estava instalado, e que motivou a sua fuga, mas o mal aos meus colegas estava feito. Não vou dizer que foi desta ou daquela maneira, porque todos vós passaram decerto por situações iguais.As palavras por vezes dizem pouco. A fotografia dum bravo açoriano que junto, fala por todos, diz tudo, não são necessárias mais palavras.
Fomos atacados do lado esquerdo que era amplo, só havia capim rasteiro e baga-bagas, do lado direito era mata com árvores. Nem todos correram para o lado esquerdo, devido à potência do fogo IN, não o puderam fazer, ficando debaixo das árvores, então o IN atacou as árvores à roquetada, oque provocou a maioria dos feridos pelos estilhaços.
Depois da resfrega e com os nervos a rebentar, outra tarefa mais delicada, tinha de tratar dos feridos, o que exigia de mim e dos meus colegas enfermeiros um grande poder de concentração e mais uma vez não podíamos falhar, tinhamos na mão a última réstia de esperança de vida daqueles bravos que tiveram a infeliz sorte de ficarem feridos.
Como um mal nunca vem só, não se conseguia ligação via rádio com Bissau, Teixeira Pinto nem com o Pelundo a escassos 3 kms, mas eis que passa uma parelha da Fiats e o nosso operador de rádio manda um S.O.S. E de imediato os Fiats passam em voo rasante, entram em contacto com Bissau, passado pouco tempo estavam os helicópteros e as nossas queridas enfermeiras a fazer a devida evacuação.
Por hoje fico por aqui, que relatar isto ainda dói muito.
(Continua)
________________
Nota de LG.:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6189: Tabanca Grande (214): Sílvio Fagundes de Abrantes, de alcunha o Hoss, CCP 121 / BCP 12, 1970