terça-feira, 20 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6197: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (5): Mentes com dúvidas

1. Mensagem de Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de 10 de Abril de 2010:

Caros Editores
Há bastante tempo que nada vos envio. Escritos tendes vós, certamente para dar e vender.
Acontece que hoje voltei a ver, noutra revista, a G3 na mão de militares em preparação. Talvez mais em pose para a fotografia.

Li um post relacionado com o livro, melhor com a apresentação da biografia do Marechal Spínola.
Fiz breve comentário a pedir a correcção da data do falecimento. Falei igualmente no Tenente Coronel Pimentel Bastos. E porquê? Somente porque ambos foram meus comandantes; um de certo modo afastado pois era o ComChefe na Guiné e o outro o Cmdt de um dos Batalhões (2852) a que pertenci. Ambos eram, muitas vezes tratados, sem grande mal por "nom de guerre". Por eu não usar esses nomes ou outros como: tugas, turras etc (em combate e não só chamava pelo In não só de turras mas ofendia as esposas, pais e mães etc aliviando tensões e incentivando outras coisas), não quer dizer que outros não os usem.

Nada escreverei sobre o Marechal; aparece num ou em mais escritos meus e, recentemente em comentário, creio que quando do poste da apresentação da biografia. Não sei bem e só indo ver e não vale a pena.
Certo é que quer com o Marechal Spínola quer com a G3 e não só mais adensam algumas dúvidas que se me apresentam.

Assim sendo envio dois escritos de alguns que por aqui andam.
Agradecia, mais ao Carlos Vinhal, que acusassem a recepção.

Farão deles (dos escritos claro) o que entenderem.

Bom fim de semana e um tri abraço do,
Torcato


AO CORRER DA BOLHA - V

MENTES COM DÚVIDAS


São já muitos e tão diversos os escritos, depoimentos, comentários lidos e relidos na vã tentativa de os compreender e posteriormente analisar, mesmo de forma simplista. Simplista claro e que não me seja pedida uma análise mais profunda ou os deuses de um Olimpo qualquer entravam em polvorosa.

Nesse ler e, mesmo relendo, assaltam-me dúvidas, assaltam-me muitas – ia dizer resmas ou montes – incertezas. Paro e não sei qual a realidade. Será a que eu vivi ali ou lá e senti aquilo? Não, não tenho disso recordação.

Dispo-me, desnudo mesmo a mente, procurando assim limpar o pensamento, a memória de outrora, e só então pergunto a mim: - onde estiveste? Na Guiné não certamente pois nunca por tal passaste. Sinto haver nomes, assuntos, temas, tomadas de posição que não compreendo. Mente fraca ou perturbada a minha. Porque pode ser essa a causa ou talvez não.

Porquê tantos contra a guerra, tantos a não darem tiros, tantos do contra lá, e mesmo agora cá, a enalteceram o feito e o acto dos que outrora contra nós se bateram? Sim, como se disso eles necessitassem e nós algo, de mau ou menos próprio, tivéssemos outrora praticado e a ser, hoje, projectado em vergonha.

Guerra justa, guerra injusta ou só guerra e, se só guerra é sempre o mal, o ódio, o desumano a estar presente. Mas praticado por quem? Por todos, ou não? Haverá, disfarçado claro, algum saudosismo desse passado? Não tanto.

Eu estive lá, levaram-me para lá em viagem só de ida e de possível vinda e vi, senti em somatório de vivências fortes a deixarem marcas indeléveis, recordações a desaparecerem e, sem saber como, a virarem, uma ou outra vez, presente, a serem confirmadas por cicatrizes na carne ou na mente. Procuro transformá-las em memórias que se esfumem. Difícil? Muito mesmo e, pior ainda, o não saber esquecer e perdoar. O passado, de quando em vez aparece assim quase presente, o passado onde a vida por vezes se vivia toda num minuto, naquele breve instante, entre a vida e a morte, ou, porque não, entre o azar e a sorte.

Sorte! Que sorte? A de estar vivo, a de ali me arrastar por picadas de morte, debaixo de sol de fogo, caminhando em quase esgotamento, arrastando-me por automatismos e só levando da vida um sopro. O sopro ou o instante da sorte? Agora leio, e releio a descrição do lugar, do fulano ou o tal combatente da liberdade, que a nós montou a emboscada, aquela onde n camaradas nossos encontraram, por azar ou falta de sorte, a morte.

Leio, releio e ainda hoje sinto o silêncio da morte, o cheiro a vir e a entranhar-se por todos nós, a revolta ainda hoje a ser quase a de ontem.

Leio, releio e já nem certeza tenho. Estarei assim tão só?

Haveria assim tantos que outrora pensavam ser a guerra injusta, serem contra impérios de opressões e estarem lá como usurpadores, continuadores do secular e injustificado ou errado conceito de propagar fé e civilização? Não, não pensavam assim. Só minoria, pequena minoria que se sentia humilhada e ofendida, a crescer é certo á medida que a guerra se prolongava. Mas só hoje, só hoje é maioria. Será? Ontem, outrora, não certamente. Outrora a maioria aceitava no espalhar a fé e a civilização, no desrespeito pela cultura, pelo ser e saberes de outros povos.

Leio, releio e tenho dúvida na análise; mesmo simplista claro.

Ah o império, o império. Um dia foi embrulhado cuidadosamente e veio debaixo de um braço.

Fico por aqui e irei ler aqui ou acolá. Certamente irei encontrar os feitos dos outrora inimigos. Curioso eles andarem sempre desavindos e nós, melhor eu, não perdoando ou esquecendo aceitar e pugnar, em silêncio e de forma comedida, pela paz. Curioso.

«««

Fiz bem em esperar. Fiz bem em colocar o escrito em letargia, em meio arquivo. Surge agora um outro escrito no blogue. Alguém, um camarada evidentemente, pede ajuda para perceber o que diz não entender.

Tento a ligação entre o que atrás disse e agora leio. Assumo a responsabilidade. São textos diferentes e em comum têm só a dúvida.

Certo é que, em comentários de diversidade opinativa, própria de um site plural, se tenta o esclarecimento. Não vou agora comentar ou falar no interessante poste. Relevo só, em alguns comentários uma certa confusão, talvez termo excessivo, entre politica e partidos políticos. Aqui não se fala abertamente em política. Só que ao opinar estou a fazer política, a tomar posição política. Nada tem a ver com o partido seja ele qual for, a não ser que tente encaixar essa tomada de posição com uma determinada ideologia partidária. Difícil ou sempre passível de contestação e divergência.

Mas, se assim fosse que mal teria isso? Felizmente temos partidos políticos, políticos e vivência democrática.

Nada mais acrescento aqui e agora ou, a faze-lo, iria infringir “as regras” do blog.

Atrevo-me somente a dar um exemplo: - há quem diga guerra do ultramar, guerra colonial, guerra de libertação.

Implícito está uma tomada de posição política. Ou não?

Claro que está. Claro que não afecta o blog como tal, mas pode interessar aos tertulianos que assim classificam a guerra. É que o todo é feito de partes e estas não são iguais ou seria um desastre.

Parece-me ter mais interesse a guerra ter acabado e hoje, independentemente das designações, se falar de paz. E tanto necessita aquela terra por onde andamos. Transcende-nos o pugnar hoje abertamente pela paz. Poderia parecer sobranceria ou ilegítima interferência. Podemos, contudo, tentar ajudar sem interferir. A nossa História, a história de séculos do nosso País não pode ser feita sem a história daqueles novos Países. Temos séculos de história comum, uma língua só e muito mais que convém aprofundar e será sempre indissociável.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6168: O Spínola que eu conheci (14): Sempre vi naquele homem, trinta e quatro anos mais velho do que eu, o Chefe Militar (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6002: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (4): Os apontamentos de Amílcar Cabral

Guiné 63/74 - P6196: Notas de leitura (96): Aquelas Longas Horas, de Manuel Barão da Cunha (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
Peço encarecidamente aos tertulianos que me ajudem a concluir o levantamento dos escritos dos anos 60, referentes à Guiné: quem mais, além do Armor Pires Mota, Álvaro Guerra, Amândio César e Barão da Cunha, escreveu nessa década?
Conhecem mais alguém? Se conhecem, por favor, indiquem-me.
E quanto aos anos 70, quem mais para além do José Martins Garcia?
Sei muito bem que o pior está para vir, no dobrar do século.
Mas até lá, seria bom que se deixasse para a posteridade um inventário asseado.

Um abraço do
Mário


Nós precisamos que não nos tratem com indiferença

Beja Santos

Manuel Barão da Cunha publicou “Aquelas Longas Horas – Narrativas sobre a actual epopeia africana” em 1968, no serviço de publicações da Mocidade Portuguesa, com capa e ilustrações de Neves e Sousa. Que o autor não teve ilusões sobre a datação da obra e os condicionalismos da escrita temos a prova na adaptação que fez a este e outro livro (“A Flor e a Guerra”) recriando as atmosferas no seu livro mais recente “Tempo Africano”, de que já se fez recensão no blogue.

Trata-se de uma narrativa épica, uma exaltação da gesta que os portugueses estavam a viver no continente africano. Barão da Cunha escreve para recordar o heroísmo, a generosidade e até a dádiva da vida dos soldados anónimos. Escreve com orgulho, apela à compreensão e ao respeito, como a exigir que nada caia no esquecimento: os desembarques no tarrafo, em que o soldado cai, levanta-se, torna a cair para de novo se levantar, caminha para o objectivo e mesmo com o equipamento destroçado segue destemido no cumprimento do dever; aqueles que na emboscada reagem a peito descoberto; denunciando os comportamentos daqueles que na metrópole se pavoneiam, indiferentes àqueles que combatem destemidamente; exaltando os portugueses de todas as cores que combatem o terrorismo; tirando do anonimato o capelão que reza junto do moribundo e que se segue estoicamente em todas as colunas para levar a fé aos combatentes nos lugares mais ermos; engrandecendo os soldados africanos que à sombra de bandeira portuguesa invadem os santuários do Morés.

O livro de Manuel Barão da Cunha é produto de quem esteve em Angola de 1961 a 1963 e na Guiné de 1964 a 1966. É um livro de moralidade, feito para sobressaltar os indiferentes e comodistas, lá longe, ignorando a dureza da vida do combatente, praticamente ignorado pelos órgãos de comunicação social. É um livro de solidariedade com os soldados anónimos, condenados ao esquecimento, com destaque para os africanos, mais também o enfermeiro, o condutor, o ordenança, o guarda-costas. Manuel Barão da Cunha vai ocupar o lugar do oficial do quadro permanente que se junta aos milicianos (Armor Pires Mota e Álvaro Guerra) e aos jornalistas de intervenção (destaque para Amândio César) ainda na década de 60. São soldados armados de Mauser, são operações efectuadas com poucos meios de transmissões, são soldados carregados com burros, são soldados de consciência tranquila, dispostos a derramar o sangue pela Pátria. São soldados que deixaram obra, permitindo que a bandeira verde-rubra continue a flutuar ao vento. São soldados que no fim da comissão estão alegres por terem cumprido a sua missão. Estes soldados tinham nascido de novo para a vida, libertados do medo, ligados àquela terra de combates tão castigadores. “A obra ficava, o homem partia. A obra ficava para outros homens e o homem partia para outras obras”. Não foi exactamente isso que aconteceu, como se sabe, mas Barão da Cunha destacara a transformação de uma geração implicada nesse esforço de guerra. É esse dever de memória que estamos a reter. E a saudar.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6181: Notas de leitura (95): Até Hoje (Memória de Cão), de Álamo Oliveira (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo

 1.  O Sílvio Faguntes Abrantes é, doravante, membro da nossa Tabanca Grande  (*). 

Nasceu a 23 de Janeiro de 1948, na freguesia de Aguada de Cima, concelho de Águeda. É, portanto, da terra do Paulo Santiago, ex-Alferes Miliciano, que comandou o Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/2). 

Além disso, foi colega de escola do Paulo. Do mesmo concelho é outro paraquedista, o nosso camarada Victor Tavares, embora de doutra freguesia, Recardães, e mais novo (1972/74). (Sei, pelo Paulo, que infelizmente não está em boas condições de saúde, não estando a acompanhar o nosso blogue: Força, Victor!, a má onda vai passar!).

O Hoss pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Ele próprio nos conta, era soldado, enfermeiro, mas "um colega trazia a bolsa e eu uma MG 42, nada mau,  dadas as circunstâncias". É também amigo do nosso camarada Tino (Contantino Neves).

Combinei com ele abrir uma série para as histórias que ele nos vai contar. Começamos hoje com a 1ª parte da emboscada que sofreu, em Junho de 1970, quando os páras se deslocavam, por estrada, de Bissau para Teixeira Pinto. O resultado foi trágico: 6 mortos e 9 feridos, entre graves e ligeiros.


Ontem escrevi ao filho Leonel: 

O pai já está formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande. Queria agora saber se ele está disposto a escrever pelo menos uma meia dúzia de histórias... Já temos o relato da emboscada no Pelundo, que deve dar para dois ou três postes... Vou publicar a primeira parte... Mas gostava de abrir rma série para ele... Sugestões de título, por exemplo: Histórias do Hoss...  Ou: Recordações de um soldado paraquedista (Sílvio Abrantes, o Hoss)... Ou outro título sugerido pelo pai... Um Alfa Bravo do Luís Graça

O Sílvio respondeu-me, ele próprio, logo a seguir nestes termos:

Amigo Luís Graça, espero que continue de boa saúde. É pena estarmos longe porque convidava-o para ajudar a comer um leitão cá da Bairrada, assado por mim. O último foi no passado sábado, houve festa cá na terra, mas fica prometido que um dia nos havemos de encontrar a saborear uma sardinha amarela assada por mim.

Quanto aos e-mails, sobre a emboscada vou publicar no mínimo três. Quanto ao título deixo à vontade do meu amigo. Não vou perder mais tempo,  são 19h30, vou-me deitar que vou trabalhar da meia noite às oito do manhã.

Um abraço, Hoss.

Sei, através do Paulo, que o Sílvio (ou Hoss, como ele gosta de se chamar) trabalha numa fábrica de cerâmica, e por vezes no turno da noite. O Paulo aproveitou para me dizer que o pára que aparece na  fotografia que publiquei ontem, não é o Hoss, mas um camarada dele... Eu já tinha dado conta do lapso... Vou corrigir.

Respondi-lhe, ao Hoss,  hoje de manhã:

Sílvio: Obrigado pelo teu gesto de amizade, camaradagem e hospitalidade... Haveremos de estar juntos,  com o Paulo e o Victor que são "senadores" do blogue e já grandes amigos... Dia 26 de Junho vamo-nos encontrar em Monte Real, é o nosso V Encontro Nacional... Não queres aparecer ? 

Não te esqueças que na Tabanca Grande tratamo-nos todos por tu, como camaradas que somos, independentemente do que fomos na guerra ou somos hoje, na vida civil... Fica bem. Saúde e longa vida. Luís Graça 



Guiné > Algures > CCP 121 >  BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, a uma poderosa armas nas mãos dos páras...

Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservado
s. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (1ª parte)



Seguia-mos de Bissau para Teixeira Pinto, de coluna, quando fomos atacados cerca de  3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado  cifrou-se em 6 mortos e  9 feridos,  alguns com gravidade.

Nos Paraquedistas,  no tempo do então Capitão,  hoje Coronel na reforma, o meu grande amigo   Terras  Marques [, foto à direita, cortesia do Portal do Exército Português,],  teve a ideia de aplicar às MG  um punho em madeira no fuste à medida do braçodo apontador.

Quando a emboscada rebentou e na confusão de saltar  da viatura,  a minha MG  ficou engatada com o  punho no banco. 

Saltar da viatura  sem a arma estava fora de questão, foi assim que me ensinaram os meus instrutores  em Tancos, ao contrário de um  oficial (que não vou dizer o nome porque seria uma vergonha ainda hoje passados tantos anos), que saltou da viatura e deixou a G3 lá dentro e  em pleno combate  pede ao soldado Folhas que lhe desse a dele,  ao que este rejeitou e com toda a razão. O que aconteceu a seguir é que não é digno de um homem. O vocabulário português é muito rico  e eu não encontro um adjectivo para classificar este oficial,que fez a vida negra ao Folhas durante o resto da comissão.

Eu fico em cima da viatura a ver onde o IN estava emboscado atrás dos baga-bagas e só acordei para a realidade quando ouço um zumbido a passar junto à minha cabeça. Salto da viatura e corro para  a zona de fogo,  fico de pé a meter a fita na arma que teimava em não dar fogo e foi o meu colega  Alberto quem me puxou para eu me abaixar e  me ajudou a meter a fita na arma, tal era a minha aflição.



Guiné >Zona Leste > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) > O soldado Mamadú Jau, "uma força da natureza" (segundo Paulo Santiago), apontador de metralhadora (empunhando aqui uma temível MG 42 - abreviatura do alemão Maschinengewehr 42 - que a HK 21 não conseguiu destronar, mesmo na guerra de África).

Foto: ©  Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Eu fiquei cego deraiva. Fui eu que orientei o fogo para destruir os baga-bagas onde o IN estava instalado,  e que motivou a sua fuga, mas o mal aos  meus colegas estava feito. Não vou dizer que foi desta ou daquela maneira,  porque todos vós passaram decerto por situações iguais.As palavras por vezes dizem pouco. A  fotografia dum bravo açoriano que junto, fala por todos, diz tudo, não são necessárias mais palavras.

Fomos  atacados do lado esquerdo que era amplo,  só havia capim rasteiro e baga-bagas, do lado direito era mata com árvores. Nem todos correram para o lado esquerdo, devido à potência do fogo IN,  não o puderam fazer, ficando debaixo das árvores, então o IN atacou as árvores à roquetada,  oque provocou a maioria dos feridos pelos estilhaços.

Depois da resfrega e com os nervos a rebentar, outra tarefa  mais delicada, tinha de tratar dos feridos, o que exigia de mim e dos meus colegas enfermeiros um grande poder  de concentração e mais uma vez não podíamos falhar, tinhamos na mão a última réstia de esperança de vida daqueles bravos que tiveram a infeliz sorte de ficarem feridos.

Como um mal nunca vem só, não se conseguia ligação via rádio  com Bissau, Teixeira Pinto nem com o Pelundo a escassos 3 kms, mas eis que passa uma parelha da Fiats e o nosso operador de rádio manda um S.O.S. E de imediato os Fiats passam em voo rasante, entram em contacto com  Bissau,  passado pouco tempo estavam os helicópteros e as nossas queridas enfermeiras a fazer a devida evacuação. 

Por hoje fico por aqui, que relatar isto ainda dói muito.

(Continua)
        
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Nota de LG.:


Guiné 63/74 - P6194: Convívios (219): Encontro comemorativo da ida da CART 2732 para a Guiné, Funchal 10 de Abril de 2010 (Inácio Silva/Carlos Vinhal)

Alguns camaradas naturais e/ou residentes no Continente, da CART 2732, encontraram-se, no Funchal, com um grupo alargado de camaradas residentes na Madeira, com o intuito de comemorar o 40.º aniversário da partida para a Guiné.

A ida para o Funchal foi feita, optando cada um pela data mais conveniente. O mesmo aconteceu em relação ao regresso, porque a deslocação foi aproveitada pela maioria para fazer um pouco de turismo na Ilha.

Os camaradas organizadores, que fizeram um excelente trabalho, programaram com todo o pormenor as diversas etapas do nosso encontro. Inclusivé, não subestimaram a recepção no aeroporto e o inestimável serviço de transporte do aeroporto para o Funchal, deixando-nos mesmo à porta do hotel. O transporte do Funchal ao aeroporto, mesmo em dias diferenciados, foi também assegurado aos continentais pelos camaradas naturais da Madeira. Registamos com muito agrado e simpatia esta louvável iniciativa que, aliás, foi distribuída, um pouco, por cada um dos membros da organização.

Este evento permitiu, como seria expectável, juntar alguns familiares mais próximos dos ex-combatentes, designadamente, com a inclusão do elemento feminino, atribuindo um colorido mais íntimo e harmonioso.

Assim, no dia 10 de Abril, sábado, logo pelas 10H00, fomos esperar um autocarro que nos levaria até junto de um grupo dos ex-camaradas madeirenses, cujas caras - a maior parte delas - não eram vistas, há quarenta anos.
Passado o primeiro impacto, com a dispensa de um relativo esforço de reactivação da memória visual e auditiva, foi possível estabelecer, nuns casos, mais rapidamente do que noutros, a ligação com o passado, já longínquo, e de relembrarmos certos episódios, vividos no colectivo, que, jamais, serão esquecidos.

Já dentro do autocarro, a curiosidade mútua era evidente e a pergunta, quem é aquele?, surgia amiúde.
Houve algumas situações, algo caricatas, de alguns camaradas dizerem cara-a-cara:

- Desculpa-me, mas eu não me lembro de ti... - dizendo, logo, o outro:

- Então, não te lembras... disto e... daquilo?

- Sim disso, eu lembro-me bem mas da tua cara, não...!

Pouco e pouco, a sã camaradagem sobrepôs-se as todas as dúvidas e as conversas foram sendo feitas com a maior cordialidade.

O autocarro dirigiu-se, então, para as antigas instalações do BAG-2 (Bateria de Artilharia de Guarnição), transformado em GAG-2 (Grupo de Artilharia de Guarnição) para se tornar numa Unidade Mobilizadora, onde a nossa Companhia recebeu instrução militar e de onde partiu, rumo à Guiné.

O GAG-2 foi entretanto transformado em Unidade de Apoio ao Comando da Zona Militar da Madeira.

Fomos recebidos pelo Oficial de Dia, senhor Capitão Urbano Correia em representação do Comandante que não pôde estar presente devido a ter que participar numa cerimónia que estava a decorrer no Funchal, alusiva ao Dia do Combatente.

O Oficial de Dia deu-nos as boas-vindas, num tom muito cordial e proporcionou-nos uma visita àquelas que foram as nossas instalações, algumas delas inexistentes e outras submetidas ao longo do tempo a obras de beneficiação.

Nesta parada se fez muita Ordem Unida, Ginástica e Aplicação Militar. Aqui recebemos o nosso Guião que nos acompanhou na Guiné e que lastimavelmente parece estar desaparecido.

À esquerda a antiga caserna dos Recrutas.

Fomos conduzidos ao monte mais alto da guarnição, onde se encontram instaladas algumas peças de artilharia, local que nos proporcionou uma excelente vista sobre a Ilha e onde nos detivemos, algum tempo, em amena cavaqueira.

Ex-combatentes e respectivos familiares a caminho do monte onde se encontram as peças de artilharia anti-aérea.

Uma das anti-aéreas apontando simbolicamente o céu, hoje verdadeiras peças de museu.

Uma vista da Ilha obtida a partir do monte adjacente ao Quartel

Descemos para a zona da Parada, sendo, já, acompanhados pelo Comandante da Unidade entretanto chegado, senhor Tenente Coronel Rui Manuel Sequeira de Seiça que nos deu as boas-vindas, de uma forma muito efusiva, manifestando o seu apreço pela nossa presença, salientando o facto de ser pouco comum, os ex-combatentes regressarem às Unidades que não lhes foram muito "simpáticas".
Não deixou, também, de salientar a presença do elemento feminino, chamando a atenção para a importância da mulher na participação, com o homem, nas questões relacionadas com os militares.

Um tema que nos mereceu algum reparo foi o facto do GAG-2, em tempos, ter erigido um pequeno monumento em memória dos que dali partiram para a Guerra do Ultramar e dos que, ao serviço da Pátria morreram, que por questões relacionadas com a construção da Via Rápida, que liga o Funchal à Ribeira Brava, foi destruído, não tendo sido, depois, reerguido.

Memorial fotografado por Carlos Vinhal em 1985, entretanto destruído.

Um dos elementos da CART 2732 pediu a palavra para reiterar, na presença de todos, aquilo que alguns já tinham feito chegar ao Comandante, em conversa privada...
Agradecendo a forma cordial e amiga como fomos recebidos, revelou uma certa mágoa pelo facto daquela Unidade não ter uma referência aos ex-militares que, dela, partiram para o Ultramar, deixando um repto para que o seu Comandante diligenciasse no sentido de não deixar caír no esquecimento um episódio marcante vivido, conjuntamente, pelo GAG-2 e pelos ex-combatentes, ali presentes.

O Ten Cor Rui Seiça, Comandante da Unidade, usou de seguida da palavra, para informar, solenemente, que assumia o compromisso e se iria empenhar no sentido de voltar a reerguer o referido monumento, deixando todos muito satisfeitos. Fazemos votos para que esse desiderato seja alcançado para que, numa próxima visita à Madeira e à nossa Unidade, possamos prestar a nossa profunda homenagem aos que já não voltaram connosco.

Parte da formatura, vendo-se à esquerda, de camuflado, o senhor Cap Urbano Correia e, com a farda n.º 1, o senhor Ten Cor Rui Seiça.

Um grupo de senhoras acompanhantes dos ex-combatentes.

O Comandante da Unidade dirige palavras sentidas de reconhecimento às esposas ali presentes.

Saímos do quartel já perto das 13H00, sendo conduzidos ao local onde na Madeira foi construída uma escultura e um pequeno edifício, dentro do qual estão gravados, em metal, os nomes dos madeirenses falecidos em campanha na guerra do ultramar.

Placa que assinala o local do Memorial.

Figura escultórica que encima o edifício, quanto a nós envergonhado, no interior do qual estão inscritos os nomes dos militares madeirenses tombados em campanha nos três Teatros de Operações. Por que estão estes nomes escondidos nesta espécie de meia-cave?

Como o estômago já reclamava, fomos, de imediato, para o restaurante que nos iria acolher para o almoço.
Este, decorreu tranquilamente, em formato self-service, podendo, cada um usufruir da variedade de produtos que foram colocados à nossa disposição, sendo, na generalidade, do nosso agrado.

Por fim, o camarada Pedro Reis, à sua maneira, surpreendeu-nos com a distribuição individual duma placa alusiva ao encontro.

Para rematar o final do encontro, foi fatiado o bolo alusivo à efeméride, decorado com os símbolos do Blogue da CART 2732, o que muito nos lisonjeou.

Depois, foi o dispersar, indo cada um para onde lhe apeteceu... não esquecendo, contudo, os bons momentos passados e que serão recordados com saudade.

Ficou a promessa de que se iria comemorar o 40.º aniversário do regresso, de novo no Funchal em 2012.

Texto - Inácio Silva e Carlos Vinhal
Fotos e legendas - Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6179: Convívios (132): 7º Convívio da CART 1746 (Manuel Vieira Moreira)

Guiné 63/74 - P6193: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69 / Mai 71) (9): Os padres missionários italianos de Bafatá


Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O ex-Alf Mil Capelão Arsénio Chaves Puim e o ex-Alf Mil Trms Antero Magalhães Pacheco da Silva.



Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O Antero Magalhães Pacheco da Silva, que vive no Porto e veio acompanhado da esposa.




Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > IV Encontro-convívio > 27 de Março de 2010 > O Furt Mil Mec Auto Joaquim Lourenço Gião Vinagre. Em segundo plano, o camarada, ajudado pela respectiva família, que organizou o convívio. Ao todo, marcaram presença 96 ex-Militares, com 27 totalistas.



Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > Dois camaradas de unidades adidas ao batalhão: o ex-1º Cabo Cripto Gabriel Gonçalves (CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) e ex-Alf Mil Art Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71).



Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > O ex-Alf Mil Médico António Rodrigues Marques Vilar, que veio do Olossato - se não erro - para o BART 2917, em Março de 1971. A seu lado, a esposa. Moram em Aveiro. O Dr. Vilar é um psiquiatra reformado. Deve estar neste momento na Guiné, aonde voltou, pela primeira vez, em 2001, com o David Guimarães e outros camaradas. No almoço, sentei-me à sua frente. A meu lado esquerdo, ficou o o ex-Alf Mil José Alexandre Pereira Braga Gonçalves (recomplemento da CCS, em Janeiro de 1971). Infelizmente não tenho nenhuma foto dele.

Fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados


1. Mensagem, com data de 16 do corrente, do nosso muito estimado amigo e camarada Arsénio Puim, açoriano de Santa Maria, ex-capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e com que estive, recentemente, convívio realizado em Coruche (27 de Março de 2010):

Luis:

O nosso encontro em Coruche, que me deixou muito boas recordações, quase não nos proporcionou ocasião para conversarmos. Mas outras ocasiões virão.

Mando um pequeno trabalho sobre a Igreja na Guiné, e que voltarei mais tarde a abordar no que toca aos capelães militares, o qual, como todos os outros, fica ao teu critério.

Cumprimentos à Alice. Um abraço amigo
Arsénio Puim



2. RECORDANDO... IX - OS PADRES MISSIONÁRIOS ITALIANOS DE BAFATÁ (*)
por Arsénio Puim

A Igreja na Guiné, em princípios da década de 70, tinha como autoridade eclesiástica máxima o Perfeito Apostólico (não era Bispo, nem a Guiné era então Diocese, ao contrário do que acontece hoje), com sede em Bissau e dependente directamente do Papa, em Roma.

Também em Bissau, e arredores, viviam os Padres Franciscanos, exercendo ao mesmo tempo o professorado no Liceu. Mais para o interior do território, haviam-se fixado os Padres Missionários Italianos, que tinham a sede em Bafatá e, se não erro, uma pequena extensão em Catió.

Para além destes, havia os capelães militares, dependentes do Vicariato Castrense, em Lisboa, em comissão de serviço temporária, por força da guerra existente, dispersos e isolados pelos quartéis do mato, onde às vezes existiam também minúsculos núcleos de cristãos nativos.

Normalmente, os capelães só encontravam outros colegas padres, para conviver um pouco e conversar sobre os problemas inerentes à sua actividade e difícil experiência eclesiástico militar, quando se deslocavam a Bissau, onde se situava a chefia da Capelania, que, diga-se, estava sempre aberta a todos os capelães do território. Razão, talvez, por que era apelidada de «Vaticano».

A ocasião magna, durante a minha comissão, de encontro dos 18 padres que prestavam assistência religiosa às forças militares estacionadas na Guiné foi a Reunião dos Capelães do CTIG, realizada em Março de 1971 durante três dias, a qual foi repartida por Bissau e Bolama e presidida pelo capelão chefe, Pe. Gamboa.

Para mim, que vivia na zona central da Guiné, proporcionava-se, ainda, a oportunidade, uma vez ou outra, de me deslocar à pequena cidade de Bafatá, trinta quilómetros a leste de Bambadinca, onde se encontravam, além do capelão da unidade local, os Padres Missionários Italianos.

Foi na Casa destes que me «refugiei» algumas vezes, para desanuviar o espírito do clima de guerra, para falar com outros colegas, para retemperar um bocadinho as forças e levar em diante, com a autenticidade que sempre prezei, a missão de padre da Igreja no Exército.

A primeira vez foi em meados de Junho de 1970 quando decorreu ali um encontro dos capelães militares do Sector Leste - Bafatá, Bambadinca, Galomaro, Nova Lamego e Piche – promovido e orientado pelo Capelão Chefe da Guiné.

Foram dois dias preenchidos com diversas reuniões de trabalho, onde os capelães presentes puderam, num ambiente de agradável convívio, analisar e reflectir sobre a sua missão e actividades, naturalmente vistas sob ângulos de opinião diferentes.

A encerrar o encontro teve lugar uma concelebração eucarística de ronco, um tanto ao estilo da Igreja no tempo do Estado Novo, que o Capelão Chefe Gamboa sabia muito bem valorizar, em que estiveram presentes autoridades militares e civis, assim como um bom grupo de chefes religiosos muçulmanos. À cerimónia, a que se pretendeu retirar qualquer conotação política e militar, deu-se o nome de Celebração Eucarística pela Unidade.

Lembro que ainda antes de regressarem às suas Unidades, os capelães foram brindados, pelo Comando Militar de Bafatá, com um longo roteiro pela zona norte, acompanhados dum pequeno pelotão de segurança, visitando os aquartelementos de Cantuboel, Cambaju e Fajonquito, que nos disseram ficar a cerca de 500 metros do Senegal.

Voltei a estar na hospitaleira Casa dos Padres Missionários Italianos, pelo menos, mais duas vezes, por menos tempo. Eram sempre excelentes ocasiões de repouso e de convívio, assim como de troca de opiniões sobre temas então muito actuais e vividos intensamente por muitas pessoas dentro da Igreja, como fascismo e colonialismo, Exército e Igreja, guerra e Guiné, além de outros temas de cariz religioso e eclesiástico.

Pude, assim, conhecer e aquilatar do trabalho que os Padres Missionários Italianos desenvolviam na Guiné, levados pelo seu espírito missionário arejado e contando com algum apoio financeiro do Governo Português. Um trabalho profundo, enraizado e isento, que assentou, essencialmente, na formação de cidadãos da própria Guiné, de forma que o desenvolvimento desta terra se pudesse fazer a partir de dentro, pelos próprios guineenses. Para isso, haviam fundado e dirigiam um Seminário em Bafatá, já então no terceiro ano de existência, e sei que projectavam construir um outro em Bissau, visando a formação de sacerdotes e catequistas nativos, sem os desenraizar do meio nem desafricanizar.

Uma acção que foi reconhecida por quantos tiveram oportunidade e interesse de observar o desempenho da Igreja na Guiné e dela esperavam que assumisse uma acção capaz de semear nesta terra o Evangelho, no seu espírito de justiça, liberdade e progresso.

Amílcar Cabral, numa entrevista dada depois da célebre recepção dos três líderes dos Movimentos africanos pelo Papa Paulo VI em princípios de 1971, e em que faz um forte ataque à Igreja na Guiné por considerar esta estar comprometida com a guerra colonial, não deixou de expressar o seu apreço pelos Padres italianos de Bafatá, assim como pelo Pe. António Grillo, que havia sido expulso na sequência do caso de Samba Silate. (**) Uma imprudência de Amílcar Cabral, a meu ver, por poder dar origem a certos juízos políticos, na verdade infundados.

Não sei o rumo que a grande obra dos Padres Missionários Italianos tomou após a independência do território, mas acredito que a sua eliminação ou cerceamento, a ter acontecido, terá constituído um revés para a acção missionária da Igreja neste país e para o próprio desenvolvimento da Guiné.

Arsénio Puim
____________


Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 11 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5626: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (8): Recordações da Belmira, da Manjaca, da Maria, da Safi, do Jamil...
(**) Vd. poste de 11 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2930: Bambadinca, 1963: Terror em Samba Silate e Poindom (Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto, CCAÇ 84, 1961/63


(...) Sem conseguir precisar o mês, um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana, acusado - não sabíamos se por denúncia se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate.

Este episódio motivou a intervenção militar do Comando de Bafatá com uma força equipada com as já na altura obsoletas auto-metralhadoras e lança-chamas. Essa força foi reforçada em Bambadinca com grande parte dos efectivos aí destacados e seguiu para Samba Silate.

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio. (...).



Vd. também poste de 14 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3059: Memórias dos lugares ( 9): Bambadinca , 1963 (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)


(...) Em frente, junto à vedação do quartel, estava o gerador que por economia só funcionava poucas horas depois do anoitecer, após o que tudo passava a funcionar a petróleo. Até a iluminação exterior do quartel era feita com alguns Petromax e vulgares lanternas. Felizmente, a geleira onde se refrescava a Sagres 7dl, só funcionava a petróleo e enquanto este não faltasse, havia cerveja fresca, isto quando havia cerveja...

Continuando na estrada, a seguir ao quartel e com vedações quase encostadas ficava a última construção, a igreja onde oficiou, até à sua detenção, o padre Grillo [, o missionário italiano, acusado pela PIDE de estar ligado ao PAIGC].

Depois a estrada continuava até à bifurcação para a direita e para a esquerda e era nesta zona que existia um cemitério. A estrada que seguia para a direita dava acesso à pista se aterragem.

Bambadinca era assim...Só isto... (...)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6192: Blogues da nossa blogosfera (34): Comandos-Guine 1964 a 1996, de Luís Raínha, o centurião-mor


O blogue Comandos Guiné 1964 a 1966 foi criado em 23 de Fevereiro de 2010 pelo nosso camarada Luís Raínha, que foi Alf Mil Comando, comandente do Grupo Os Centuriões. É também o principal editor, tendo como co-editores o João Parreira, membro do nosso blogue, e o Júlio Abreu, a residir na Holanda.

O cabeçalho do blogue tem, como fundo,. uma imagem de grupo, tirada em 8 de Novembro de 2008, por ocasião do 2º Encontro dos Velhos Comandos da Guiné 1964-1966, realizado no restaurante Os Severianos, sito na estrada Lourinhã-Torres Vedras.

Nessa foto, reconmhecemos como membros da nossa Tabanca Grande o Amadu Djaló (nº 9, Grupos Fantasmas e Centuriões), João Parreira (nº 13, Grupos Fantasmas e Apaches), Júlio Abreu (nº 18, Grupo Centuriões) e Mário Dias (nº 19, Grupos Camaleões e Apaches)... O Luís Raínha não aparece na foto, não tendo ido muito provavelmente ao encontro.

Aos nossos camaradas - que fazem questão de se chamar "velhos comandos" do CTIG, 1964/64 - desejamos os melhores votos de sucesso bloguístico.

O blogue tem por objectivo explícito "o reconstruir do puzzle que foi a nossa passagem pela Guiné", através do "relato honesto daquilo que então nos aconteceu" e que eles fazem questão de querer transmitir "aos presentes, aos filhos, aos netos e aos vindouros".

O historial militar do Luís Rainha, de 69 anos de idade, reformado, residente em Tavarede, Figueira da Foz, é apresentado no blogue nestes termos:

(i) Alf Mil Inf, tendo frequentado o COM em Mafra;

(ii) Fez um estágio de Educação Física Militar e frequentou com aproveitamento o Cursos de Operações Especiais, Oficial Miliciano de Infantaria, Ranger, e Operações Especiais, Oficial Miliciano Comando;

(iii) Colocado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa;

(iv) Foi incorporado no BCAV 705/CCAV 704 e mobilizado para a Guiné;

(v) Os primeiros meses passou-os na CCAV 704 e os restantes nos Comandos do CTIG, onde formou o Grupo Centuriões;

(vi) Os seus instrutores foram o então Major Monteiro Dinis, Cap Nuno Rubim, Alf Mil Justino Godinho, Alf Mil Pombo dos Santos, Alf Mil Maurício Saraiva, Sargento Mário Dias e Furriel Mil Miranda (participantes na Op Tridente, com excepção dos dois primeiros);

(vi) Foi contemporâneo dos Alf Mil António Vilaça, Neves da Silva, Vítor Caldeira, V. Briote e do então Cap Garcia Leandro;

(vii) Foram-lhe atribuídos dois louvores, um ao serviço do BCAV 705 e outro ao serviço dos Comandos do CTIG atribuído pelo Comandante Militar da Guiné;

(viii) Mais tarde foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª Classe.

O João Parreira, por sua vez:

(i) É um lisboeta de gema, nascido em Alcântara;

(ii) Ainda antes da tropa, ingressou, em 2 de Dezembro de 196,l no Ministério dos Negócios Estrangeiros;

(iii) Prestou o Serviço Militar entre 9 de Agosto de 1963 e 19 de Agosto de 1966;

(iv) Estando colocado no BCaç 8 em Elvas, foi selecionado para frequentar o Curso de Operações Especiais;

(v) Fez um estágio no CMEFD (Centro Militar de Educação Fisica e Desporto), em Mafra, de 30 de Março a 3 de Maio de 1964;

(vi) Tendo ficado apurado, recebeu ordem para se apresentar no CIOE Centro de Instrução de Operações Especiais) em Penude (Lamego), onde frequentou o 3º Curso, C-24, que decorreu a 4 de Maio a 7 de Junho de 1964, tendo tirado o Curso com aproveitamento;

(vii) Foi incorporado na CART 730 / BArt 733, com destino à Guiné;

(viii) Fez a Comissão na Guiné de 8 de Outubro de 1964 a 14 de Agosto de 1966, primeiro na CArt 730/BArt 733;

(ix) Foi ferido em 9 de Janeiro de 1965, numa Operação à Base de Bafantandem, na Zona do Cancongo;

(x) Depois, foi para o Grupo Fantasmas, do Cap Saraiva (a que pertenceu também o Amadú Djaló);

(xi) Foi outra vez ferido em 20 de Abril de 1965 na Operação Açor, nas Tabancas de Portugal, na Zona do Incassol;

(xii) Vou a ser ferido, pela terceira vez, em Maio de 1965 na Operação Ciao, em Catungo, Cacine, "mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o João Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer";

(xiii) Regressou ao MNE em Setembro de 1966; "com saudades de África", foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, Rodésia, em 23 de Dezembro de 1966;

(xiv) Passou ainda pelas Embaixadas de Salisbúria na Rodésia, Blantyre no Malawi, Londres na Inglaterra, Lusaka na Zâmbia e Harare no Zimbadbwe.

(xv) Em Agosto de 1994, voltou a Lisboa, trabalhando no MNE;

(xvi) Da Guiné, nãou trouxe medalhas, a não ser "as que (...) trago comigo, e que estão aqui, no corpo";

(xvii) Pelo serviço prestado mo MNE, foi agraciado pelo Presidente da Repùblica com a Ordem do Infante D. Henrique.




O Júlio da Costa Abreu foi 1.º Cabo Radiomontador do Batalhão 506, Bafatá, antes de ser Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos "Os Centuriões".



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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5730: Blogues da nossa blogosfera (33): Site da CCAÇ 4740 (Armando Faria)

Guiné 63/74 - P6191: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (4): Intervenção do Cor Inf Ref Manuel Bernardo


1.O nosso Camarada Manuel Bernardo, Cor Inf Ref, amável e prestimosamente enviou-nos, para divulgação,  o texto da sua alocução no lançamento do livro do Amadú Djaló, Guineense,  Comando, Português,  informando-nos ao mesmo tempo, que quem quiser pode consultar as fotos do evento no site Guerra do Ultramar:




Livro “Guineense, Comando, Português; Comandos Africanos 1964-1974”, 1.º volume

1. Cumprimentos

- Dr. Lobo do Amaral
- Cor. “Cmd” Raul Folques
- Dr. Nuno Rogeiro
- O autor Amadú Djaló
- Cmd Virgínio Briote

- Todos os presentes…

Não tenho os dotes oratórios dos camaradas e amigos que me antecederam e muito menos dos do professor e ilustre comentador da SIC, que é o Dr. Nuno Rogeiro, pelo que vou limitar-me a ler um texto que elaborei para esta ocasião.

Agradeço o amável e honroso convite que me foi formulado pelo Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, com quem já colaborara na edição de um outro livro sobre o 25 de Novembro e também incluído nesta colecção Mama Sume, da Associação de Comandos.

Para quem não me conhece e não compreende a minha presença neste acto solene de apresentação do livro do Alferes graduado Amadú Djaló, adiantarei que me envolvi com a Guiné e com os guineenses, quando fui solicitado por um grande amigo e camarada do meu Curso de Infantaria, o Coronel José Pais, pouco tempo antes de falecer, para que eu denunciasse os crimes contra a humanidade praticados na Guiné, no pós-independência, contra os seus militares, e outros, que incluía os designados “comandos africanos”.
Apesar de nunca me ter deslocado a este território, fiz questão de cumprir a promessa feita.

Assim, nesse sentido, em 2007 publiquei o livro Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros; Guiné 1970-1980, onde, além dos 53 “comandos africanos”, na grande maioria oficiais e sargentos, identifiquei 182 elementos, que igualmente foram fuzilados clandestinamente pelas autoridades guineenses, depois de serem detidos, sem ser oficialmente formulada qualquer acusação.
Nesta cerca de duas centenas de vítimas estão incluídos 34 militares do Exército, 14 fuzileiros especiais e 14 milícias, além de vários régulos e cipaios.

Quero lembrar aos presentes que os nomes daqueles 53 “comandos” africanos mandados fuzilar clandestinamente pelo PAIGC, se encontram desde Novembro do ano passado inscritos nas paredes do Memorial dos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, depois de uma porfiada campanha nesse sentido feita pela Associação de Comandos.
Pena foi que nesse acto não tivessem tomado a posição de esclarecer as pessoas, e nomeadamente os combatentes,  dessa vergonhosa afronta e dos crimes praticados e consubstanciados nesse tipo de actuação.

Questões prévias

Antes de me debruçar sobre este livro do Amadú Djaló, permitam-me que, aproveitando estar junto de tantos militares e amigos, tente esclarecer dois assuntos, que foram referidos em livros publicados recentemente.

O primeiro tem a ver com a crítica feita pelo meu amigo Cor Brandão Ferreira, no seu último livro (Em Nome da Pátria) em relação à maneira como deviam ter sido solucionadas as guerras subversivas que enfrentávamos em Angola, Guiné e Moçambique. Ele não concorda com o princípio, que eu defendo, de que “a solução para este tipo de guerra deve ser política, através de negociações para a paz, e de preferência em posição de força.”
Julgo que, genericamente, o princípio deverá ser este. Recordo ter sido o utilizado pelo General De Gaulle, na Argélia… E lembrava igualmente ter ocorrido, em 1972, a última oportunidade perdida pelo anterior regime de iniciar um processo negocial na Guiné, como foi proposto a Lisboa pelo então General António de Spínola, na sequência de um encontro com o Presidente do Senegal, Leopold Senghor.

O segundo diz respeito a uma referência errada à minha actuação antes e pós 25 de Abril, em relação ao falecido Marechal Spínola, feita pelo Professor Luís Nuno Rodrigues, na biografia deste oficial, publicada recentemente e lançado na semana passada, em Lisboa.

Afirma o referido autor, com base na transcrição de um livro meu (Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975) em relação a um passo significativo para a reintegração de Spínola na sociedade portuguesa, o seguinte:

“(…) Os “fiéis” de sempre voltam a cerrar fileiras em torno do Velho. Em 1977, um grupo de oficiais, entre os quais Manuel Monge. Manuel Amaro Bernardo e Caçorino Dias, solicitaram ao CEME, General Rocha Vieira, que resolvesse a sua situação remuneratória (…). Meses depois, a 27-2-1978, Spínola foi finalmente reintegrado nas FA (…).”

Daquilo que conheço apenas o Manuel Monge poderá ser considerado um “fiel de sempre”, pois o Caçorino Dias apenas o terá conhecido em 1973, numa visita à Guiné, a propósito da contestação desencadeada ao Congresso de Combatentes e eu nunca o tinha visto, contactado ou trabalhado com ele até essa altura (1977). Apenas tive ocasião de lhe falar pela primeira vez, quando pedi uma entrevista, em 1993, para um trabalho universitário, depois publicado no livro Marcello e Spínola; a Ruptura (…)”.

E dos cinco oficiais, onde eu me incluo e que tomaram essa atitude de solidariedade castrense, os dois não transcritos do meu texto – os então Major José Pais e Capitão Ribeiro da Fonseca –, poder-se-iam considerar muito mais ligados ao Marechal desde os tempos da Guiné, onde prestaram serviço e comandaram companhias em operações.

Lembro ainda que imediatamente antes dessa afirmação, no livro Memórias da Revolução (…), eu frisava que apenas tinha conhecido António de Spínola depois de ele regressar do exílio, pós-11 de Março de 1975.

Mas eu já estou habituado que façam más transcrições dos meus livros, como aconteceu, com o Dr. Almeida Santos, para o seu Quase Memórias. Mas terão sempre que me ouvir em relação aos erros cometidos…, pois estou no meu direito de tentar restabelecer a verdade dos factos.

Um grande “comando” guineense”

Entrando na análise desta obra, começaria por dizer que o seu autor foi um militar perseverante e distinto, que percorreu as funções das três classes atribuídas aos combatentes: praça (soldado e cabo), sargento e oficial, ao longo dos 11 anos que durou a guerra na Guiné.
Amadú Djaló, com o Curso de Comandos, que frequentou em 1964, seria transformado de um jovem comerciante independente, na vida civil, num grande combatente.
Para tudo na vida é preciso ter sorte e ele teve-a com os militares que foram seus instrutores e, depois, com o Alferes Maurício Saraiva, comandante do seu grupo (Os Fantasmas) e que foi considerado como um dos melhores combatentes da Guerra do Ultramar.

A este propósito lembro que os instrutores e monitores deste Curso de Comandos foram militares muito valentes, quer na Guiné, quer nos outros teatros de operações.
Quatro deles viriam a ser galardoados com a mais alta condecoração, a Ordem Militar da Torre Espada, do Valor Lealdade e Mérito, em 1969/70: Tenente Jaime Abreu Cardoso, 2.º Sargento Ferreira Gaspar, 2.º Sargento Marcelino da Mata e Capitão Maurício Saraiva. Dos restantes, sete seriam condecorados com a Cruz de Guerra (alguns com mais que uma).

Aliás, durante a guerra da Guiné, e por feitos praticados em operações foram condecorados com a Torre Espada mais quatro oficiais dos comandos: Major Almeida Bruno, Capitão Ribeiro da Fonseca, e os guineenses Cherne Sissé e João Bacar Jaló.  Pena foi que o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, o Coronel Raul Folques (aqui presente e também na capa deste livro), que já se distinguira em Angola e condecorado com uma terceira Cruz de Guerra em 1973, não tivesse merecido da hierarquia militar a ambicionada Torre Espada.



Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Os nossos camaradas, membros do nosso blogue, João Parreira (de costas) e Mário Dias, ex-comandos do CTIG (1964/64), em conversa com o comandante Apoim Calvão (em segundo plano, entre os dois).

Foto: © Luís Graça (2010). Direitos reservados


Quanto ao conteúdo da obra poder-se-á dizer que se trata de uma história triste, contada na primeira pessoa ao logo destas 300 páginas, como tristes e dramáticas serão todas as histórias de guerra.
Nela se descrevem as acções onde as nossas tropas sofrem feridos e mortes de camaradas, que com eles conviviam no dia-a-dia. Essas são marcas que ficarão para sempre na nossa memória. O autor fez bem em salientar, em anexo, os nomes de todos eles.
Na fase inicial de combate, no Grupo Fantasmas do então Alferes Maurício Saraiva já se nota, muitas vezes, uma mistura dos guerrilheiros com as populações, por conivência ou ameaças sobre elas, o que dificulta a actuação, sem os designados danos colaterais.
No entanto, o bom senso e a experiência do Amadú foram factores importantes para o bom andamento das operações. A sua actividade nos “comandos” manteve-se após a saída deste oficial, com a sua integração no Grupo Centuriões do Alferes Luís Rainha.

Após a intensa actividade operacional entre 1964 e 1966, nesses grupos de “comandos”, Amadú sentiu a necessidade de descansar para “recarregar as baterias”, voltando à sua condição de condutor. Assim, durante três anos passou pela CCS/QG e por vários batalhões: o BCav 757, o BCaç 1877, o BCav 1905 e BCaç 2856, que estiveram sedeados em Bafatá.

Com a ordem de regressar aos “comandos” em 1969, com vista à formação da 1.ª CCmds Af., Amadú, tal como os seus antigos camaradas Braima Bá e Tomás Camará, regressou às lides operacionais, agora (1970) sob a liderança do Tenente João Bacar Jaló, um figura mítica e muito considerada pelas gentes da Guiné.

Mas, antes,  ainda teve que frequentar um curso acelerado com o então Capitão “Comando” Barbosa Henriques, um militar que, depois do 25 de Abril, prestaria serviço comigo no Tribunal Militar.

Recordo a manifestação sentida dos “comandos” guineenses residentes na área da grande Lisboa, com os seus trajes típicos maometanos, no dia do seu funeral, há alguns anos, no cemitério do Alto de S. João. Despediram-se do seu amigo com o habitual grito “Mama Sume”

Grandes operações nos países vizinhos

Além das mais variadas operações feitas em todo o território e nomeadamente nas matas de Morés ou da Cobaiana, saliento as duas efectuadas em território estrangeiro.
A Mar Verde, na Guiné-Conacri, em Novembro de 1970, em que previamente surgiram dúvidas nos elementos da 1.ª CCmds Af. sobre a sua participação naquelas condições e onde actuaram juntamente com elementos dissidentes daquele país.
Os principais objectivos acabariam por não ser conseguidos, devido a falhas dos serviços de informações em relação à localização dos aviões e do presidente Sékou Turé, mas ocorreu o notável feito da libertação de 26 portugueses, que o PAIGC mantinha em prisões na capital do país.
Nesta operação a companhia de Comandos teve uma baixa de peso, pois o Tenente Januário Lopes desertou e entregou-se com o seu grupo de 24 homens. Esta não é porém a versão de Marcelino da Mata, com acção de comando importante à frente do seu grupo, após a morte do alferes na fase inicial, e que diz terem-nos deixado para trás por falta de coragem em os ir lá buscar na retirada.
O facto é que nas declarações à comissão da ONU, dias depois, Januário afirmou ter de facto desertado e acabaria por ser fuzilado com os seus homens no mês seguinte.

Amadú aquando dos preparativos para esta operação afirma no livro:
“(…) A nós, o PAIGC não nos poupava. Que me lembre não me recordo ver alguns dos nossos matar os feridos. Nem deixávamos nenhum ferido do PAIGC na terra de ninguém. Se estivesse ferido, pedíamos a evacuação para o Hospital Militar. Certamente que alguns de nós, brancos ou negros não se comportavam assim tão dignamente, mas não eram a maioria. E se fossemos apanhados pela tropa do Sékou Turé, de certeza que não haveria nenhum sobrevivente. (…)

A segunda, a operação Ametista Real,  foi realizada em Maio de 1973, à base de Cumbamori, no Senegal, em que seria empenhado todo o Batalhão de Comandos Africano, sob o comando do então Major Almeida Bruno.
O objectivo, desta vez, foi conseguido, pois levou à destruição dos depósitos de armas e munições e numerosas baixas no PAIGC, tal como seria parado, pouco tempo depois, o cerco a Guidaje, que já durava havia três semanas.

O Batalhão de Comandos também sofreu bastantes baixas e a retirada do Senegal para o território da Guiné foi deveras penosa e feita com grandes dificuldades. Seria mais uma vez a grande experiência do Amadú e o apoio eficiente dado pelos aviões da Força Aérea a resolver a situação no final da operação. O autor descreve o sucedido, nas pag. 253 e 254:
“(…) Continuámos a retirar em direcção à fronteira. Não podíamos forçar muito, porque o Jamanca (tenente e comandante da companhia) só podia andar com o apoio de alguém e o Capitão Folques, com a perna ferida também tinha muita dificuldade em andar e estávamos ainda longe de Guidage.
“Pedimos apoio á aviação, mas recusaram. Que estavam a a voar muito alto e era difícil localizarem-nos. (…) Perguntei ao soldado que transportava o morteiro se tinha alguma granada de fumo. (…) O Capitão Folques transmitiu para os aviões (…). Disparei com o morteiro para sinalizar o local a partir do qual os aviões podiam bombardear.
“Uma grande bola branca de fumo já tinham visto dos aviões, ouvimo-los dizer. A partir deste momento, o Capitão Folques disse sueste do fumo, a sul, a sudoeste e a oeste, arrasar tudo, tudo! (…) Essa granada de fumo ajudou-nos muito. (…)
“Chegámos junto do arame farpado de Guidage entre as 18 e as 19H00, mortos de sede e fome. Em Guidage não havia nada para comer. Nem medicamentos. (…)

Como se vê, foram tempos dramáticos e de grande sofrimento os passados nessa altura… E pelas transcrições feitas julgo que ficarão de algum modo elucidados sobre o conteúdo desta obra.

Antes de terminar apenas quero fazer duas pequenas observações.
A primeira em relação ao editor, por na contra-capa não ter colocado outra fotografia do autor, em que no fundo estivessem nomes de guineenses (talvez os fuzilados e colocados recentemente no Memorial do Bom Sucesso) e não os que se encontram nessa foto.

A segunda por o autor não fazer qualquer referência à actuação do Marcelino da Mata naquelas grandes operações, atrás referidas, onde ele teve desempenho brilhante e relevante.
Lembro ainda o facto de ele ter sido o militar mais condecorado do Exército Português em toda a Guerra do Ultramar. Mas o Amadú Djaló, na pág. 243 do livro, esclarece a sua atitude em relação a este oficial:

“O ambiente entre nós nem sempre foi o melhor. Havia rivalidades étnicas que se cruzavam com os problemas que ocorriam em qualquer unidade militar. “

A terminar, quero elogiar o autor por esta significativa e importante obra hoje foi aqui lançada e que acabou por ser publicada mercê da sua persistência de vários anos.
De assinalar igualmente o trabalho meritório do “Comando” Virgínio Briote, que contribuiu bastante para a execução deste projecto, tal como na sua eficiente divulgação.
Elogio igualmente o editor, Dr. Lobo do Amaral, Presidente da Associação de Comandos, por numa altura de crise geral e editorial, nomeadamente em relação aos livros de ensaio ou memórias, se ter abalançado na sua publicação.

Muitas felicidades para os três, para o Coronel Raul Folques e para o Dr. Nuno Rogeiro, assim como para todos os presentes.

Muito Obrigado!

Manuel Bernardo
Lisboa, 15-04-2010
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:

18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6180: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (3): Intervenção do Cor Cmd Ref Raúl Folques

Guiné 63/74 - P6190: Os nossos seres, saberes e lazeres (19): Nas Caraíbas, em Castries, capital da ilha de Santa Lúcia, encontrei um amigo negro da Guiné e depois fui almoçar com uns americanos ricos (António Graça de Abreu)






1- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries >  St. Lúcia, é ou não é parecido com a Guiné?




2- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > Bissau ou Caraíbas?


3- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > O meu amigo com tetravós na Guiné prepara o seu arroz de peixe, sem peixe.


4- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > O arroz... sem mafé.



5- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > Sandals Resort > O bar na piscina dos ricos. Aqui bebi duas das melhores cervejas da minha vida. Melhor só na Guiné.



6- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > A praia no Sandals Resort, St. Lucia.


7- Caraíbas > Ilha de Santa Lúcia > Castries > Sandals Resort > Pastelinhos de bacalhau, ou coisa parecida, à moda das Caraíbas. Deliciosos!

Fotos e legendas.  © Graça de Abreu (2010). Direitos reservados





1.
Texto do nosso camarada António Graça de Abreu, enviado em 11 do corrente (*):

Comecei a escrever um Diário em Outubro de 1963, tinha dezasseis anos. E nunca mais parei, são milhares de páginas com parte da minha vida esparramada, pontuada, condensada. O meu Diário da Guiné 1972/1974 corresponde exactamente aos textos que escrevi durante a comissão em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar. Essas centenas de páginas estavam guardadas há muitos anos e em 2007 foi só ir buscar, melhorar ao de leve o português e publicar.

Trabalho neste momento no meu Diário de Pequim 1977/1983, os muitos textos que escrevi durante a primeira longa estadia na China, cinco anos em Pequim, sete meses em Xangai, e viagens, muitas viagens por dentro da China.

Continuo a escrever o Diário, agora mais espaçadamente, quase só em dias muito especiais.

O mês passado fiz um cruzeiro, não no Carvalho Araújo nem no Niassa, mas no navio Pacific Dream por cinco ilhas das Caraíbas. Não conhecia, foi uma semana de excelentes prazeres e recomendo vivamente a todos os camaradas da Guiné. Por mil e poucos euros temos a viagem de avião, via Madrid, e depois o bem bom de um navio moderno, com tudo incluído, (comer e beber como um rei!) a sulcar mares calmos e a deixar-nos em ilhas e praias maravilha, recantos do paraíso na Terra. Vivam a vida, meus caros camaradas da Guiné, gastem uns tostões. Estamos todos sexagenários ou septuagenários e dinheiro, mesmo quando não é muito, é coisa que não vamos levar para a cova ou para o crematório

A primeira ilha a que aportámos chamava-se Santa Lúcia. Nem sequer sabia que existia. No meu Diário escrevi então:

St. Lúcia, 9 de Março de 2010

O navio chegou a esta ilha às oito da manhã, com o dia já bem nascido. Entrou por uma enseada em busca do cais. Ainda no mar, na linha de costa fora da baía, vi ao longe uma praia linda, um rebordo de areia e casas bonitas. Não me pareceu longe do local onde o navio atracou e decidi ir até lá, sozinho, a pé, atravessando o pequeno burgo, circundando a enseada. Saí do Pacific Dream com sapatos de ténis, uns calções de banho largos, a t-shirt Lacoste, made in China, a máquina fotográfica, pequenina, digital e cinquenta dólares no bolso.

Primeira surpresa, a população da cidade -  Castries, assim se chama - era toda negra e imaginei Bissau. Os cheiros, os mercados, as frutas, o colorido tinham semelhanças. E que gente tão simpática, sorridentes, afáveis como os nossos amigos da Guiné!... São os descendentes dos escravos que, nos séculos XVIII e XIX,  os navios negreiros foram buscar às costas de África e trouxeram para estas paragens a fim de trabalharem, por exemplo, na cana-do-açúcar em condições infra-humanas. Quanto não sofreram os antepassados destes negros hoje espalhados pelas Antilhas e Caraíbas!

Atravessei a cidade e continuei a caminhada em busca da tal esplendorosa praia.

E a praia não aparecia. Subi, desci, subi por caminhos rodeando a costa rochosa e a praia parecia não existir. Andei uns bons quilómetros, era meio dia, eu ia na direcção certa, mas nada de praia. Resolvi perguntar. Na berma do estradão de terra,  um negro igualzinho a um manjaco, balanta ou bijagó, fazia o seu almoço, numa panela com lenha a arder por baixo. Meti conversa em inglês, a língua que se fala na ilha. How are you, hey, having a nice lunch!... 


Simpático, o rapaz disse-me que era fish rice, arroz de peixe. Olhei para a panela, cheia de arroz quase cozido, mais umas lentinhas e uma espécie de coentros ou salsa por cima. Não vi peixe nenhum e perguntei-lhe:
- Where is the fish?

Sempre sorridente, o negro disse-me que não tinha peixe, mas aquilo era arroz de peixe,  só que ele era pobre e não tinha conseguido o peixe. Convidou-me a provar o seu arroz de peixe, sem peixe. Agradeci, mas eu queria era ir para a praia. 
- Where is the beach

Apontou-me lá para baixo e respondeu: 
- No way from here, and it's private.

Praia privada, e não há caminho para se lá chegar… Andei eu uma data de quilómetros, já me doem os pés dentro dos ténis e agora volto estupidamente para trás….

O meu amigo recente, descendente dos nosso irmãos negros da Guiné, concluiu o nosso diálogo mais ou menos nos seguintes termos:  Se entrar na floresta e descer por aí abaixo, vai a corta-mato e acaba por chegar ao resort. (afinal era um resort, um complexo hoteleiro), mas avisou-me, para ter cuidado com as iguanas na floresta, eram verdes e tinham meio metro.

E cobras? Ah, cobras, pois também há umas cobras pequenas!

Sou Carneiro, teimoso e decido. E gosto de répteis. Na vivenda do CAOP 1 em Teixeira Pinto tínhamos um lago com crocodilos pequenos, negros e valentes. Uma vez, num dos meus crosses em Cufar, já em 1974, na extrema a pista de aviação matei uma cobra verde, a pontapé, daquelas que diziam ser altamente venenosas. Regressei ao aquartelamento com a cobra atada ao pescoço, a modo de colar. A bicha ainda mexia e os meus soldados fugiram a sete pés. Oh, meu alferes, o meu alferes é maluco! Devo ser, ao fim destes anos todos o meu juízo ainda se avaria, de quando em quando.

Regressemos a St. Lúcia.

Despedi-me do meu amigo negro e lá fui pela floresta. Depois desci pela ribanceira, agarrando-me às lianas e à vegetação luxuriante, à espera de calcar uma cobrazinha de estimação ou uma qualquer iguana pitosga ou transviada. Só encontrei colibris, aqueles passarinhos bonitos pouco maiores do que besouros.

Quando cheguei lá abaixo, estava dentro do campo de golfe  do resort. Entrara quase aos trambolhões pela porta do cavalo. Caminhei em direcção à praia. Os empregados negros tomaram-me por um golfista, sem taco, e cumprimentavam-me afavelmente. Estava na praia. Tudo cheio de americanos anafados, ao sol, de barriguinha proeminente como a minha. Um excelente banho de mar. Depois fui buscar uma toalha de praia do resort, coloquei-a numa espreguiçadeira e deitei-me de papo para o ar, junto à deslumbrante piscina. Estava com uma sede de morte. Dentro da piscina, um bar servia bebidas aos felizes usufrutuários daqueles luxos. Agora eu era um deles. Como ali o sistema era "Tudo Incluído", comia-se e bebia-se sempre à descrição. 


Fui nadar para a piscina, cheguei-me ao bar metido na água e pedi a uma empregada negra, uma bajuda já crescida com trisavós na Guiné, acho eu, pedi uma cervejinha. Que delícia! 
- One more bear, please

Não sei se há cerveja no céu, mas eu estava no paraíso e aquelas duas cervejas souberam-me divinamente.

Eram quase duas horas da tarde. Ao lado da piscina, os americanos ricos começavam a aproximar-se, a servir-se do requintado buffet. Juntei-me a eles e pestisquei gloriosamente uns tantos peixes e carnes grelhadas, saladas, comida caribenha, sei lá, um delicioso almoço onde até apareceram uma espécie de bolinhos de bacalhau que me souberam pela vida.

Lembrei-me do meu amigo negro, lá em cima, a comer o seu arroz de peixe, sem peixe. Mas o mundo é assim, tanta desigualdade, tanta injustiça!

Regressei ao navio, ainda a pé, mais uns quatro quilómetros agora por uma boa estrada de asfalto. Ao sair do Sandals Resort St. Lucia (vejam no google), o empregado do portão da recepção e um segurança saudaram-me com um enorme sorriso.

Quando cheguei ao Pacific Dream, eram quase cinco da tarde e a minha mulher chinesa, preocupada, perguntou-me:
- Por onde é que tu andaste?
Respondi:
- Fui à praia, encontrei um amigo negro da Guiné e depois fui almoçar com uns americanos ricos.

António Graça de Abreu

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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série >  21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6032: Os nossos seres, saberes e lazeres (18): Conversa com o meu neto (Jaime Machado)