sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9405: Efemérides (84): Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos, dois bravos da Lourinhã, que ficaram prisioneiros das tropas indianas em 19 de dezembro de 1961




Recorte do quinzenário regionalista "Alvorada", de 6 de janeiro de 2012, em que se evoca a guerra (esquecida) da Índia... Reproduzido com a devida vénia. Um pequena homenagem a geração de humilhados e ofendidos a que o nosso blogue também se quer associar. O meu abraço fraterno ao Luís e ao Joaquim. (LG)



1. Dois conterrâneos meus e meus conhecidos, o Luís Filipe Maçarico – que também é meu parente: a minha bisavó materna, Maria Augusta,  nascida por volta de 1860, era irmã do seu  bisaô paterno, Manuel Filipe Maçarico –  e o Joaquim Isidoro  Santos são duas memórias vivas da guerra da Índia, que muitos portugueses não associam à guerra colonial: ambos ficaram prisioneiros, em Goa, no dia 19 de Dezembro de 1961. 

Estes nossos dois camaradas foram recentemente entrevistados (e - de algum modo - homenageados pela comunidade a que pertencem) pelo jornal quinzenário  regionalista “Alvorada”, nº 1096, ano LI, de 6 de Janeiro de 2012. Diga-se, de passagem, que é uma terra, a Lourinhã, que tem sabido acarinhar os seus filhos, antigos combatentes da guerra colonial.

Luís Filipe Maçarico, nascido em 1939, em Ribamar, chegou à India, em 1960, com 21 anos. Cumpriu 28 meses de serviço militar como cozinheiro, primeiro no Hospital Militar de Panjim, e depois – os últimos cinco meses – no campo de prisioneiros (onde continuou a cozinhar para os seus camaradas). O Luís é, além disso, uma pessoa muito estimada na sua terra, estando ligado à organização de eventos como os dois primeiros encontros dos Maçaricos de Ribamar ou à dinamização do Rancho Folclórico de Ribamar.

Por sua vez, Joaquim Isidoro Santos, taxista, natural da Atalaia, também tinha 21 anos quando foi para Índia (ou completou-os a caminho). Em Goa, foi nomeado encarregado da messe de sargentos, tarefa que cumpriu desde Março de 1961 até à invasão do território pelas tropas da União Indiana, em 18/19 de Dezembro de 1961.

Os prisioneiros, naturais da Lourinhã, em número de 13 foram, para além do Luís e do Joaquim, os seguintes

Veríssimo Maçarico  e Domingos Venâncio (Ribamar);  
Acácio Delgado (Toxofal de Baixo); 
Álvaro Rebelo (São Bartolomeu dos Galegos);  
José dos Reis e José Arsénio (Miragaia);  
Silvino Ribeiro e Jorge Rodrigues (Cabeça Gorda);  
Alcino Alves (Praia da Areia Branca); 
Carlos dos Santos (Toledo); 
e Deodoro Nogueira (Lourinhã).

A experiência de cativeiro marcou-os, a ambos, para o resto da vida, salientaram os dois lourinhanenses, Luís Filipe Maçarico e Joaquim Isidoro dos Santos,  à jornalista Sofia de Medeiros, autora do artigo supracitado ("Guerra no Índico há 50 anos recordada na Lourinhã").  No passado dia 19 de Dezembro, ambos estiveram também junto ao monumento dos combatentes da guerra do ultramar, em Belém,  Lisboa, na cerimónia evocativa desta triste efeméride. 

Recorde-se que a generalidade dos antigos prisioneiros da Índia (cerca de 3500) foram, no regresso á Pátria, mal tratados, humilhados, abandonados, ostracisados, esquecidos... Para o regime político da época, e para sua opinião pública, eles pura e simplesmente deveriam ter-se deixado imolar no altar da Pátria na defesa da Índia Portuguesa, a "joia da coroa". Por não ter sabido resistir, até á última gota de sangue, Vassalo e Silva, o governador geral da Índia e comandante chefe da simbólica força expedicionária estacionada nos territórios de Goa, Damão e Diu, fui expulso do exército...

O Isidoro, por sua vez, já tinha tido a iniciativa, inédita, em 2008, de homenagear publicamente o seu antigo comandante, o gen Vassalo e Silva.  Pode ler-se no jornal “Alvorada”, “on-line”, a seguinte notícia de 21/7/2008

(…) “Manuel António Vassalo e Silva, último governador português de Goa, Damão e Diu, foi homenageado no passado dia 22 de Junho [de 2008] na Atalaia, naquela que foi a primeira cerimónia pública do género no país. Para prestar a homenagem, foi descerrada uma lápide em sua memória junto à praceta que passou a designar-se Praceta General Vassalo e Silva, localizada a cerca de 600 metros a norte da Igreja de Nª Srª da Guia”.

E acrescenta a notícia: A iniciativa para promover esta sessão solene partiu do lourinhanense Joaquim Isidoro dos Santos que, juntamente com Vassalo e Silva, foi feito prisioneiro em 1961, durante cinco meses, pelas forças da União Indiana, depois da invasão do território então sob administração portuguesa. 


A Junta de Freguesia da Atalaia e a Associação Nacional Prisioneiros de Guerra   [, originalmente, Associação dos Ex-Prisioneiros de Guerra da Índia e de Timor ] também se associaram a esta justa homenagem. "Joaquim Isidoro dos Santos, o Coronel José Clementino Pais [, entretanto falecido, em 2066], o Capitão Luís Neves e Silva e o Sargento Sérgio Dias Simões, fundaram no ano 2000 esta associação. Quatro anos depois sucedeu outra direcção da qual este lourinhanense faz parte”. 

Na cerimómia, a  Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra esteve representada pelo gen Jorge Silvério, também ele lourinhanense, natural de Ribamar, que usou da palavra para fazer uma breve evocação do gen Vassalo e Silva. Por sua vez, em nome da família do homenageado, “a filha mais nova Maria Fernanda Vassalo e Silva agradeceu a todos os presentes a homenagem feita ao seu pai. 'É maravilhoso pensar que após 46 anos de tudo o que aconteceu na Índia, aqui na Atalaia se esteja a fazer uma homenagem ao meu pai', disse"... 


A filha do general lembrou que o pai era “uma pessoa muito delicada, muito simples, amigo do seu amigo e de todos. Em Goa as pessoas continuam a recordar o meu pai com saudade”.
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Notas do editor:

Último poste da série > 30 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9290: Efemérides (62): A CART 3521 chegou à Guiné no dia 29 de Dezembro de 1971 (Adriano Neto)

Vd. também postes anteriores:

17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9219: Efemérides (61): A invasão da Índia Portuguesa em 18 de Dezembro de 1961 (José Martins)

17 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9217: Efemérides (59): O Gen Carlos de Azeredo recorda, em entrevista à TSF, a invasão de Goa (que faz hoje 50 anos)


Guiné 63/74 - P9404: Parabéns a você (373): Mário Serra Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário, Messe de Oficiais da FAP (Guiné, 1967/68)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9387: Parabéns a você (372): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833; Francisco Godinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 2753 e José Albino, ex-Fur Mil do Pel Mort 2117

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 – P9403: Memória dos lugares (172): Bissau: que diferença de 1964: 1965 e 1966 (João Sacôto)

1. Comentário do dia 25 de Janeiro de 2012 do nosso camarada João Sacôto (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), deixado no P9391:

Faz dó ver o estado de degradação do antigo Palácio do Governador e zonas circundantes. Que diferença de 64, 65 e 66. Em 1980, também eu fui em romagem de saudosismo à Guiné. Nessa altura já se verificava alguma degradação em todos os lugares que antes conheci, mas não tanto com pelos vistos, agora se nota.
J.Sacôto
ex-Alf Mil
CCAÇ 617





Fotos: © João Sacôto (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9338: Memórias da CCAÇ 617 (2): Toby, o Cão da Tropa (João Sacôto)

Vd. último poste da série de 26 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)

Guiné 63/74 - P9402: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (2): História do Batalhão de Caçadores 1911

1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), com data de 24 de Janeiro de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal uma boa noite.

Cá estou de novo, em anexo vou contar algo sobre a história do Batalhão de Caçadores 1911, e conto aquilo que sei, a minha condição de soldado raso nunca permitiu saber muito sobre aquela guerra, as poucas informações que tinha vinham do pessoal de transmissões e administrativos, e muita coisa já me esqueceu.

Um forte abraço
Fernandino Vigário


AS MINHAS MEMÓRIAS - 2

Batalhão de Caçadores 1911 - GUINÉ 1967 - 1969


COMANDANTES DO BATALHÃO

- Ten Cor Inf.ª Álvaro Romão Duarte - De 04DEZ66 a 14AGO67
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15AGO67 a 26OUT67
- Ten Cor Inf.ª Domingos André - De 27OUT67 a 04ABR68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 05ABR68 a 17JUL68
- Major Inf.ª Vitorino Azevedo Coutinho - De 18JUL68 a 21AGO68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 22GO68 a 30OUT68
- Ten Cor Inf.ª Renato Nunes Xavier - De 31OUT68 a 14JAN69
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15JAN69 até ao fim de comissão



HISTÓRIA do BATALHÃO DE CAÇADORES 1911

Atividade operacional na Guiné

Ao Batalhão de Caçadores 1911, desembarcado em 2 de Maio de 1967 em Bissau, foi-lhe destinado o aquartelamento de Brá, com a missão de reserva do Comando-Chefe.

Como a preocupação dominante do Comando do Batalhão era preparar os seus quadros e tropas o melhor possível para a guerra que íamos travar, providenciou-se que todas as Companhias operacionais incluindo a CCS fizessem na área da ilha de Bissau as seguintes atividades:
- Intensa educação física;
- Tiro em todas as ocasiões disponíveis na carreira de tiro;
- Exercício de embarque e desembarque das LDM no ilhéu do Rei em terrenos lodosos, e instrução sobre o mesmo por oficiais da Marinha;
- Colaboração na atividade operacional do BArt1904 no Sector de Bissau com relevo em patrulhamentos e emboscadas noturnas.

Durante a estadia do Batalhão em Brá, as três Companhias operacionais realizaram no interior da província 15 operações.

Quando o Comando do Batalhão foi informado no Quartel-General que ia para o sector de Teixeira Pinto foi-lhe prestada a seguinte informação: O sector de T. Pinto não é um sector de “roncos” é um sector difícil e de importância capital, se conseguirem evitar que o inimigo penetre e domine o sector será o maior ronco da Guiné.

O Batalhão, seguiu para Teixeira Pinto onde desembarcou a 15 de Agosto de 1967 e sem o 1.º Comandante Álvaro Romão que não deixou saudades.

O Major Castela Jaques que à data era 2.º Comandante, foi nomeado Comandante do Batalhão, e em pouco tempo mostrou de que cepa era feito. Deu um prémio ao Capelão Abel Gonçalves e enviou-o para Jolmete, um hotel de ver estrelas!

Em 27OUT67 o Batalhão recebe um novo Comandante, o Tenente Coronel Domingos André, um grande militar e um ser humano cinco estrelas que viria a ser um verdadeiro e único Comandante digno deste nome, tive oportunidade de conversar com ele, sabia respeitar e era respeitado: este sim, quando partiu deixou saudades.

Durante os nove meses em que atuamos no sector de T. Pinto o Batalhão cumpriu com determinação as missões que lhe foram impostas.


Atividade exercida junto das populações (Acção Psicológica)

O inimigo durante o período de Agosto de 1967 a Maio de 1968 intensificou o seu esforço de subverter o povo manjaco com a finalidade de os empenhar ativamente na luta utilizando especialmente:
-Emigrantes manjacos do Senegal e da Gâmbia para a propaganda e mentalização do seu povo.
-Jovens raptados ou recrutados voluntariamente para atuarem depois de devidamente instruídos militarmente junto da população onde vivem os seus familiares, de quem recebem toda a proteção e auxílio.
-A técnica de intimidação e de comprometimento para forçar a colaboração dos chefes das Tabancas para a organização político-administrativa inimiga nas regiões do Sector.

O Comando do Batalhão 1911 desenvolveu uma intensa acção psicológica no Sector a saber, 110 operações de contato com a população visando especialmente:
- Apoiar a ação dos professores das escolas atribuindo livros e cadernos aos alunos de forma a elevar o nível cultural das camadas jovens.
- Executar e promover medidas de propaganda que conduzissem a uma mentalização adequada das populações, com vista a manter a adesão dos elementos não subvertidos, e conquistar aqueles que o inimigo tenha influenciado ou atraído para o seu campo.

A população do Pelundo fechada e hostil foi captada pelas nossas tropas com as quais trabalhou e colaborou na construção de abrigos e da mesquita.
A população do Cacheu igualmente foi captada e colaborou no reordenamento e auto-defesa, especialmente em Morocunda.
A população de Mata e Bianga colaborou sempre e forneceu os seus produtos apesar das intimidações do inimigo.
A profunda humanidade com que tratamos sempre a população permitira manter o povo manjaco fora do conflito e até receber de alguns elementos manifestações francas e sinceras.

Durante o período de nove meses em Teixeira Pinto, se a memória não me atraiçoa o Batalhão fez sete colunas de reabastecimento e escoltas a Có, e oito ou nove a Jolmete, e dezenas de operações nas matas com uma atividade bastante intensa.

Eu como soldado condutor da CCS nunca fiz operações através das matas: fui várias vezes a Có e Jolmete em colunas de reabastecimento, a minha primeira vez, o meu batismo foi algo imprevisto, e com certa dificuldade: foi no fim de Agosto ou princípio de Setembro de 1967 época das chuvas, eu conduzia um Unimog com atrelado carregadíssimo, sem qualquer experiência de conduzir com este, mesmo assim a viagem estava a correr bem sem perturbações e sinais do inimigo: a malta da picagem lá ia na frente como sempre, a determinada altura não muito longe de Jolmete, num piso sinuoso, com muita água, talvez perto de bolanha a minha viatura ficou atolada no lamaçal, fiquei bloqueado e senti-me frustrado, e por mais tentativas que fizesse ainda a enterrava mais, inexperiente perdi o controlo com aquela situação foi necessário ligar o guincho e com ajuda dos colegas lá conseguimos retomar percurso normal.

Se a memória não me atraiçoa sempre que fizemos as colunas de reabastecimento alguns quilómetros depois do pelundo em locais estratégicos e considerados perigosos, iam ficando pela picada um ou outro pelotão a montar segurança, as forças que estavam em Có vinham ao nosso encontro o que acontecia pela zona do Barril ou aí perto, os que estavam em Jolmete vinham a uma zona que não me recordo o nome, mas era zona de água talvez bolanha, ou perto dela onde eu atolei o Unimog no lamaçal.

Agora vou falar dos meus Anjos da Guarda: por sinal eu falo neles na minha apresentação, trata-se dos camaradas Sapadores e outros que nas picadas que eram bastante perigosas, tinham a tarefa de localizar esse inimigo invisível terror dos condutores e não só, que eram as minas anticarro: houve outro Anjo da Guarda que me acompanhou naquelas colunas a Có e Jolmete, fiz esses trajetos várias vezes, e nunca estive debaixo de fogo do inimigo, e ele existiu de facto, e várias vezes, não faço a mínima ideia a que distância estive do local onde houve contactos com o inimigo, nem a distância que separava a primeira da última viatura, mas devia ser longa, normalmente eu ia nos últimos lugares da coluna e a uma distância de quarenta a cinquenta metros da viatura que ia à minha frente e não presenciei nada de tiros.

Resumindo, nas colunas em que eu participei sempre que houve contactos com o inimigo foi com os ditos pelotões que ficavam a montar segurança, ou com os primeiros da coluna, eu tive a sorte e a felicidade de escapar, e devem ter sido poucos os que fizeram estas colunas sem cair debaixo de fogo do inimigo, daí eu falar no meu Anjo da Guarda!

Só depois da chegada a Teixeira Pinto é que me inteirava do que se tinha passado através de relatos dos colegas e camaradas que tinham tido os contactos com o inimigo.

Em 8 de Maio de 1968 o Comando do Batalhão ao deixar Teixeira Pinto, onde foi rendido pelo BCaç 2845, estava convicto de que tinha cumprido com honra as missões de evitar que o inimigo penetrasse e dominasse o chão manjaco.

Em 26 de Junho de 1968 foi destinado ao Batalhão 1911 o Sector de Bissau com sede em Stª Luzia e até à data do embarque, realizou uma intensa atividade operacional no Sector que se cifra numa média de centenas de ações mensais.

Durante a comissão deste Batalhão na Guiné, foram integrados no mesmo para atividade operacional as seguintes unidades:
- CART 1526 - CCAV 1649 - CCAÇ 2313 - CART 1614 - CART 1615 - CART 1617 - CCAV 1650 - CCAÇ 1622 - CART 1660 - CART 1689 - CART 1690 - CART 1692 - CART 1743 - CCAÇ 2435 - CCAÇ 2436 - PEL DAIMLER 1137 - PEL DAIMLER 2042 - PEL PANHARD 1143 - PEL MORT 2006 - 8.ª CMILICIA - 9.ª CMILICIA -10.ª CMILICIA – 20.ª CMILICIA

A média mensal de operações do Batalhão 1911, foi de 32 o que representa uma atividade bastante elevada.



SÍNTESE DA ATIVIDADE


O Batalhão tem mais 6 baixas por acidente.
Há muito mais para contar, faço votos para que quem o saiba o faça, exemplo: oficiais, furriéis, pessoal das transmissões, e administrativos, estes eram mais privilegiados na informação.

Carlos Vinhal um forte abraço, extensivo a toda a tabanca.
E um muito especial para o Padre Abel.

Fernandino Vigário
Ex-Sold. Condutor CCS/BCaç 1911
1967 /69
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9321: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (1): Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário

Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)



Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete-postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")  

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



1.   Comentário de Nelson Herbert, nosso amigo e jornalista da VOA (Voz da América), ao poste P9388 (*)

Caro Luís e Nuno:

Essa "história", pelos episódios descritos, é-me igualmente familiar!

Primeiro por sermos praticamente da mesma geração... eu na altura, [o 25 de Abril de 1974,] a uns 5 meses de completar os 12 anos e no último ano do Ciclo Preparatório (seria Marechal Carmona?), na mesma rua do Liceu Honório Barreto, da Escola Técnica e do estádio escolar... Junto ao Liceu havia igualmente uma messe... será?

Recordo-me perfeitamente desses momentos de exaltação pelas bandas do Liceu, da Escola Técnica e do Ciclo Preparatório...

Tive vários colegas portugueses, grandes amigos de infância que gostaria um dia poder rever (**). Alguns da mesma idade, outros ligeiramente mais velhos, mas unidos pelas partidas de futebol... no estádio municipal, no estádio escolar, no quintal (por detrás) da Sé Catedral, no próprio quintal da Câmara Municipal...

Entre esses amigos, recordo-me perfeitamente do Zé (ligeiramente mais velho, 1 a 2 anos pelo menos), do Becas, seu mano mais novo, da minha idade... colega das pescarias no lodoçal das bolanhas, junto ao quartel da Marinha!

O pai era militar... habitavam uma residência, mesmo em frente à messe dos sargentos da Força Aérea, por sinal meus vizinhos. Hoje calculo que o pai fizesse parte da "psico", contavam ingenuamente os filhos, ante a inocência geral...

Pelos meus parcos conhecimentos da época, na matéria, calculava ser um major do exército (um galão ou divisa da largura de dois dedos, com uma faixa dourada no meio...). Seria isso?

Foi pois em casa desses amiguinhos que vi pela primeira vez o capitão dos comandos João Bacar Djaló, que vim mais tarde a saber, por esses mesmos amigos, nas conversas de catraios, ter sido morto em combate!

Era precisamente, no muro frontal dessa residência, que o pessoal da Forca Aérea aguardava pelo autocarro azul que os levava às sessões nocturnas de cinema na base aérea de Bissalanca... E mais seria esse mesmo murro frontal da residência em questão, a escassos 100 metros da minha casa, o alvo de um dos atentados a bomba relógio registado durante a guerra em Bissau... (entre 73 a 74, por aí) (***).

Armadilhado pelas células clandestinas do PAIGC, numa bela noite, o murro foi-se pelos ares… Isto, minutos depois do autocarro azul ter partido do local para a viagem do costume! Nesse dia felizmente bem mais cedo que o habitual!

Não houve vítimas, nem entre o pessoal da Forca Aérea nem entre a "meninada" que nas redondezas costumava brincar ao cair da noite!!!

Um outro amigo da mesma rua responde pelo nome de Joaquim Vicente (para não variar, o Quim)... O pai ficou conhecido por Mestre Vicente, era da Marinha e das Oficinas Navais.

Mestre Vicente, um "mais velho" de trato fácil, do qual lembro-me (eu e o filho) termos recebido, por presente o nosso primeiro carro de rolamentos, feito à maneira, com requisitos de segurança, já avançados para a época.

O brinquedo fazia pois a delícia da meninada no declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro (a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital) à messe dos Sargentos...

Terão porventura fotos dessa época? Da vossa rua? (****)

Mantenhas
Nelson Herbert
Washington DC,USA

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Notas de MR: 

(*) Vd. poste de 23 janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz) 

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)

 (...) Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.

Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos,  de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos !

(...) A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !

(***) Mais provavelmente, 21 de janeiro de 1974:

 (...) "Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade, frequentado por militares portugueses" (José Brandão - Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974. Lisboa: Prefácio, 2008, p. 433).

(****) Último poste da série > 4 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9309: Memória dos lugares (170): Regresso a Missirá em Janeiro de 1990 (Mário Beja Santos) 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 24 de Janeiro de 2012:

Olá Carlos!
Depois da publicação do trabalho do Zé Brás, em 3 fases, sobre as condicionantes coloniais na África portuguesa, e de uma subsquente comunicação minha em corroboração sobre o incipiente colonialismo português, fui dar uma vista de olhos sobre textos que versam aquela matéria e reli o ivro de que deixo algumas indicações, e parece-me interessante de um ponto de vista do diagnóstico, e desenvolvimento, das ideias sobre anticolonialismo e descolonização. Provavelmente, a eficácia da filosofia a aplicar, já estaria retardada em relação à dinâmica histórica. Ainda assim, contém conceitos que, no meu entender, mostram uma visão serena e objectiva sobre aquela problemática.

Deixo à tua consideração a possibilidade de ser divulgado, pois tratando-se de uma publicação de 1963, só em bibliotecas ou em alfarrabistas poderá ser encontrada.

Para ti, e para a Tabanca, vai um grande abraço.
JD


Título: Anticolonialismo e Descolonização
Autor: Luís Filipe de Oliveira e Castro
Edição: Agência Geral do Ultramar, 1963

Diz o autor (nasceu em Malange em 1932) na introdução: ..."É que não basta denunciar os equívocos evidentes do anticolonialisno; nem afirmar direitos históricos e disposições constitucionais, efémeras como tudo na vida; nem denunciar e repelir com brio agravos espúrios; nem dominar o terrorismo; nem sequer afirmar que não transigimos e não cedemos. Torna-se necessário, acima de tudo, continuar a fazer corresponder, com coerência e coragem, os actos e as realizações com os princípios e com as promessas, e não despertar para a acção só no momento do perigo, vencendo, enquanto for tempo, a rotina anquilosante e os nossos próprios paradoxos e contradições. E isto porque a presença portuguesa no ultramar... só será avaliada e estimada pelo grau da sua utilidade económica e humana"...

A obra subdivide-se em 5 capítulos assim distribuídos: 1 - Portugal e o anticolonialismo; 2 - Quem são os anticolonialistas; 3 - Conceito português de colonização; 4 - Um caso de anticolonialismo: a independência do Congo ex-belga; 5 - Conjuntura política da África negra. Termina com um 6.º capítulo dedicado a documentos atinentes às resoluções da "Table ronde" belgo-congolesa, e à Carta de Addis-Abeba. Finalmente, é enunciada a extensa bibliografia consultada.

Como decorre do título, o autor procura contrapor os argumentos anticoloniais com a original maneira portuguesa de estar em África, conforme as ideologias próximas a 1963. Diz: "pode afirmar-se que o anticolonialismo, no seu aspecto genérico, é um 'estado de espírito' contra a legitimidade de certos Estados europeus se alargarem em outros continentes detendo neles territórios sob sua soberania"...."O movimento panafricanista a que estão ligados... Sylvester Williams, Burghardt du Bois e Marcus Garvey pode também analisar-se sob o aspecto focado, em especial na contribuição que trouxe para o despertar e para o desenvolvimento do racismo antieuropeu"..."Os próprios estados africanos que recentemente obtiveram o estatuto da independência não se libertaram da anterior 'situação colonial', pois o monopólio do poder político e económico manteve-se na mão de uma minoria europeizada, de há muito desenraizada da grande massa da população autóctone, continuando esta a não ter vontade própria e a reflectir inúmeras desigualdades étnico-sociológicas que se entrechocam". E particulariza sobre outro aspecto: "O anticolonialismo movido por interesses económicos dá-lhe o carácter de anticolonialismo utilitário, de que os EUA são os principais paladinos por verem na emancipação dos territórios ultramarinos um caminho aberto para a realização do seu objectivo de hegemonia económica mundial". E adiante: "A União Soviética... logo se aproveitou do ambiente criado pelo anticolonialismo e pelo pan-africanismo para desenvolver... o estribilho aliciador e revolucionário de 'a Ásia para os asiáticos' e 'a África para os africanos'". Assim juntou os dois blocos rivais, como primeiros interessados no desenvolvimento das ideias e lutas independentistas. Depois, faz breve destrinça (do ponto de vista de Estaline) do imperialismo e da opressão capitalista dos colonizadores: "o capitalismo não pode viver sem explorar as colónias e sem as manter num todo único", enquanto para o comunismo, ao contrário, "tais tendências não são mais do que aspectos de uma mesma coisa, ou seja, a emancipação dos povos oprimidos do jugo do imperialismo capitalista... pela sua transformação preliminar em Estados independentes"...

Oliveira e Castro faz uma imparcial descrição sobre os interesses capitalistas americanos relativamente às riquezas africanas, que determinaram um vivo apoio às independências, por um lado; bem como ante o crescendo ideológico comunista sobre as novas élites africanas que estudavam na Europa, o desenvolvimento das ideias e acções afro-asiáticas de emancipação, as diferentes conferências que deram substância a diferentes orientações independentistas, em termos sociais, político e económicos, por outro. Tratando-se de um salazarista indefectível, é muito curiosa a descrição de opções políticas, algumas exageradamente valoradas, outras, de grande acuidade para a evolução e grangeamento de identidade e capacidade, com vista à autonomia das colónias relativamente às metrópoles. Poderá dizer-se que integrou uma vanguarda de pensadores portugueses sobre as diferentes soluções viáveis para a crise ultramarina, todas elas apontadas para o desenvolvimento sócio-económico, descentralização administrativa, e modernização do modelo do estado em relação às responsabilidades sociais, que poderiam desembocar nas independências, e refere em tom idealista: "A campanha comunista visando, por táctica, o 'capitalismo' envolve evidente injustiça e redunda em prejuízo directo do próprio africano. A expressão 'capitalismo' é utilizada nessa campanha como 'termo de combate' e apresenta um sentido neologista ainda não definido de modo preciso, dado que só deve ser classificado de capitalista o regime que aliene a pessoa ao lucro de outras pessoas privilegiadas e que transforme as relações dos homens em relação das coisas". Mas dá conta da insuficiência da potência colonial logo a seguir, quando se expressa nos seguintes termos: "É evidente que ao capital privado, depois de cumprir as suas irrecusáveis obrigações económicas, fiscais e sociais, não pode ser negada a justa remuneração, até como factor imprescindível de estímulo para novos empreendimentos, a maior parte das vezes incomportáveis para o sector público", deixando à escâncara a evidência da insuficiência do Estado para prover às suas obrigações.

"Se é a promoção dos povos de África que no processo civilizador está em causa, não poderemos esquecer que ela só será possível como resultado do desenvolvimento económico; este, por sua vez, não se realizará, a curto prazo e no ritmo necessário, sem o concurso da experiência, da técnica e dos capitais importantes, já que a economia nativa é, por natureza, rudimentar e se apresenta ainda no seu estado embrionário".

Sobre o que considera ser a situação colonial evolutiva nos territórios sob administração portuguesa, estribando-se em Adriano Moreira ("Política Ultramarina"), e Silva Cunha ("Questões Ultramarinas e Internacionais") diz: ... "só haverá verdadeira descolonização quando a integração ou a emancipação corresponderem a uma transformação real e profunda dos colonizados, isto é, quando haja homogeneização real das culturas em presença (o que não significa uniformização) ou quando os colonizados possam viver autonomamente, sem novas dependências que não sejam as que resultem da natural solidariedade entre os povos"; e conclui sobre conceitos de supressão abrupta da colonização: ..."não teve em atenção os casos de descolonização historicamente já realizados ou em vias de se efectivar pela integração e defende o absurdo de que só a emancipação, mesmo quando prematura, será susceptível de assegurar completamente a descolonização".

Apresenta uma conclusão interessante de que destaco: "Podem esbater-se as primeiras situações coloniais; podem mudar-se as circunstâncias e as posições, passando os colonizados de ontem a colonizadores de hoje; podem diferenciar-se os métodos da colonização; podem gerar-se alterações profundas na escala dos valores apreciativos mas, apesar de tudo, a colonização continuará a apresentar-se como fenómeno inevitável, desde que existam deslocações humanas e desníveis provocados pelas diversas idades das culturas dos grupos sociais e pelo desigual poderio e potencialidade económica dos povos. A colonização é mesmo o processo mais válido, desde que honestamente entendido e praticado, susceptível de gerar o equilíbrio orgânico e funcional tão necessário à vida e ao convívio pacífico das nações".

Como contraponto, faz uma exaustiva apreciação sobre a crise do Congo ex-belga, onde mostra a influência dos interesses económicos internacionais sobre o processo de independência, as intervenções militares, o colapso da ONU perante a exploração das diferenças tribais e dos interesses económicos, no que passou a constituir uma afronta de larga escala aos direitos humanos e à vida, princípios propalados para o desenvolvimento da emancipação dos povos e das novas nações, que, afinal, se afiguravam carenciadas de identidade nacional.

Termina com uma interessante apreciação à conjuntura política da África negra, e com alguns documentos a esse propósito. As conclusões da leitura podem ser díspares, conforme a formação, a ingenuidade crítica ou acrítica, e os interesses de cada um, mas trata-se de um ponto de vista interessante, de um português, situacionista, que, a espaços, parece abrir janelas independentistas.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9353: História da CCAÇ 2679 (46): SEXA COMCHEFE visitou Tabassi (José Manuel Matos Dinis)

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9399: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (16): Bissau, tinha 13 anos, era estudante no Liceu Honório Barreto... (Luís Vaz Gonçalves)


Luís Gonçalves Vaz, Bissau,  1974

História no Ultramar com Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro 530)

Na Guiné o 25 de Abril “só chegou” no dia seguinte, pois na manhã do dia 26 é que se iniciaram as ações dos oficiais do MFA, nomeadamente os onze oficiais que se dirigiram ao Gabinete do General Comandante-Chefe (General Bettencourt Rodrigues) e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa.

O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu, pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole).

Logo de manhã o meu pai dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. É claro que o coronel Henrique Vaz não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião, é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo-Verde.

O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.

Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”. Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto.

Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal. Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois havia muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas “Tuga na ba p`Bó Terra”…

É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade. Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG era aquela mesmo em frente do Clube Militar, na outra ponta da avenida).


O Clube militar em Stª Luzia, visto de minha casa. Nesta avenida formavam-se algumas colunas militares, que seguiam para o mato, e durante um ano vi a formação de muitas, em que diversos furriéis e alferes milicianos revelavam “alguma emoção”… Lembro-me muito bem como se fosse hoje, e marcaram-me para sempre.


Fotos: © Luís Gonçalves Vaz  (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Pelo caminho assisti ao episódio do "cerco da PIDE”, onde me lembro muito bem de ver a ação, de grande eficiência, de dois pelotões de Paraquedistas... Lembro-me muito bem... Estive bem ao lado daqueles Paraquedistas que estabeleceram logo de imediato um "Perímetro de Segurança". E, se bem me lembro, deveria ser o único "branco" a assistir à manifestação. Houve tiros e tudo. Depois fui pelas Tabancas até Stª Luzia, sempre acompanhado pelos meus colegas guineenses, que me protegeram e não permitiram que me acontecesse mal algum, só me deixaram após me entregarem aos elementos da PM, que faziam a segurança à entrada da Base Militar de Stª Luzia (a entrada estava barrada com rolos de arame farpado).

Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar, ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer, em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.

Segundo um interveniente nessa missão, o 1.º Cabo Paraquedista n.º 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado, no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/

(…) “O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam ‘morte à PIDE e aos colonialistas’.

“A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes.(...)”



Guiné-Bissau, pós-25 de Abril de 1974 - Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: na primeira foto, um manifestante empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." ; na segunda foto, um dos manifestantes exibe um improvisado autocolante nas costas, onde se lê: "Viva o General António Spínola! Viva o Povo da Guiné!".


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné. (**)

Braga, 13 de Janeiro de 2012
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9398: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

(**) Comentário do LGV, deixado no blogue da CART 3494, do nosso camarigo Sousa de Castro, em 18 do corrente:

(...) Caros amigos: Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in Estudos Gerais da Arrábida, A Descolonização Portuguesa, Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber:

 "...A população da Guiné começou logo a virar e as manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo. No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou menos a situação ..."

Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.

Luís Gonçalves Vaz
18 de Janeiro de 2012 23:07

Guiné 63/74 - P9398: Documentos (15): Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 47. Sobre a emboscada do 9 de maio de 1974 na estrada Jugudul-Bambadinca, vd. aqui o poste do Jorge Canhão.

Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 48





Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 49. Segundo o nosso camarada José Zeferino, a violenta emboscada no itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole, junto à ponte do Rio Jagarajá, em 15 de maio de 1974, terá sido a última emboscada do PAIGC, com mortos (2) do nosso lado, na zona leste. QA 18 e a 26 de maio, ainda haverá duas emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem, na zona oeste (de acordo com o presente relatório).




Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 50




 Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 51... Referência a Bobo Queta, ou Bobo Keita, do PAIGC,  que comandava  então a zona leste.



1. Continuamos a publicar páginas, digitalizadas,  do relatório da 2ª rep/CTIG, que nos foram foi gentilmente enviadas pelo Luís Gonçalves Vaz [, foto à esquerda], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM  Henrique Gonçalves Vaz, último chefe do estado-maior do CTIG (1973/74), entretanto falecido em 2001 (*).
Excertos do "Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG”, Relativo ao período de 1Jan73 a 15Out74... Reprodução das páginas 47-51 (Síntese da atividade de guerrilha, por zona (oeste, lestte e sul) > 1. Ações de guerrilha do PAIGC depois do 25 de abril de 1974; 2. Outras ações)... Neste período o aquartelamento das NT mais flagelado foi Jemberém, no Cantanhez: 7 vezes (a 1, 2, 6, 9, 13, 24 e 27 de maio de 1974).




Como já foi dito anteriormente, o relatório tem 74 páginas, é datado de 28 de Fevereiro de 1975 (data da sua publicação ?), não está numerado (seria um exemplar para o CEM?), mas é um original pelo aspecto, e está assinado pelo Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela (que o Luís Vaz soube, entretanto, ter agora o posto de major general, reformado).

O relatório contem as seguintes indicações: "SECRETO [carimbo a vermelho]. Exemplar nº [em branco] . CL/QG/CTIG. 2ª Repartição. Lisboa. 2810hFev75... Relatório da 2ª Rep CC/FAG (Relativo ao período de 1Jan73 a 15Out74)"..



Imagens: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados.


2. Continuamos, por outro lado,  a publicar excertos que o Luís Vaz teve a gentileza de adaptar e transcrever:

(...) Análise da atividade de guerrilha:

Avaliado pelo quantitativo de ações,  a atividade de guerrilha da iniciativa do PAIGC em 1973  aumentou cerca de 35% em relação ao ano anterior. Por sua vez em 1974, no final de Abril, aquele quantitativo era 50% superior ao total registado nos primeiros quatro meses de 1973.


A ação do PAIGC vinha sendo caracterizada por um aumento significativo das ações de fogo, em detrimento das ações de terrorismo (raptos e roubos), orientando-se este, cada vez mais, para ações de terrorismo seletivo e sabotagens.


Pág. 13 do relatório: Síntese da atividade do PAIGC (ações de fogo, ações de terrorismo e outras): Ano de 1972, ano de 1973, ano de 1973 até 30Abr73, ano de 1974 até 30Abr874.... 

Fonte: Relatório da 2ª Rep /CCGAF [1975]



Era notória a evolução no sentido do abandono progressivo da atividade de guerrilha dispersa em superfície, em proveito das ações maciças contra objetivos definidos, obrigando a grandes balanceamentos de meios, por vezes, envolvendo elementos de todo o Teatro de Operações.


Estas características eram indicadores seguros do aumento de agressividade das FARP e da sua maior capacidade ofensiva, potencial e eficiência.








Em reforço da conclusão precedente, menciona-se o aparecimento de novas armas durante o período considerado (Míssil Strela e viaturas blindadas) e um maior emprego de outras (Morteiro 120 mm, Foguetão 122 mm, Canhão 85 mm, Canhão 130 e minas especiais).


Finalmente, a situação militar revelou nítido agravamento a partir de Dezembro de 1973, em especial nas Zonas Sul e Leste do Território [, como se pode ver nas páginas - de 47 a 51 - reproduzidas acima].

Estimava-se que,  em 1973/74, o potencial humano do PAIGC tenha atingido cerca de 7 500 combatentes, 4 500 integrados no Exército Popular e 3 000 nas Forças Armadas Locais. Além disso, os elementos disponíveis permitiam estimar que no princípio de 1974, se encontravam em instrução no CIPM de Kambera (dita Madina do Boé) cerca de 300 elementos por trimestre e que nos CI (centros de instrução) dos países de Leste da Europa e Cuba permaneciam 500 elementos dos seus quadros em diversos graus de preparação.

Durante a ofensiva de Maio/Junho de 73 e 1º trimestre de 1974, foi referenciado a presença de elementos estranhos ao PAIGC, provavelmente mercenários, de tez clara, não se conseguindo avaliar o seu efetivo nem determinar a sua nacionalidade (+).
A evolução do material inimigo continuava a processar-se em ritmo crescente e, ao longo do período, foram detetadas novas armas na posse do PAIGC e maior quantidade de outras já existentes de entre as quais se destacam: Míssil SA-7 STRELA (Soviético), Morteiro 120 mm, Foguetão 122 mm, Canhão 130 mm e viaturas Blindadas BRDM-2.
Quanto a meios aéreos, apesar de várias notícias o referirem com insistência, o PAIGC ainda não dispunha de Aviação para apoio aéreo eficaz. Sabia-se da existência de Aviões ligeiros na República da Guiné e era referenciado grande número de sobrevoos suspeitos, nomeadamente com MIG-17 [ foto à esquerda,]  e helicópteros.
Admitia-se, entretanto que a situação evoluísse, e que o PAIGC pudesse vir a dispor de alguns aviões (cedidos pela República da Guiné-Conacri). Sabe-se,  de fonte segura, que estavam na Rússia, para frequentar um curso de pilotagem (desconhece-se o tipo de avião), 28 recrutas do PAIGC.


Neste contexto, em Abril de 1974, face ao aumento do potencial militar do PAIGC, ao recrudescimento da guerrilha que se verificava desde Abril de 1973, a alguns êxitos espectaculares da mesma (abandono de Guileje, no Sul, e Copá, no Leste) e ao alastramento de atos de sabotagem ou terrorismo aos principais centros Urbanos, incluindo Bissau onde o próprio QG/CTIG não foi poupado (++), o anterior sentimento de proteção pela força existente no seio da população que se acolhia junto das nossas tropas estava muito afetado. Para isso muito contribuía a redução das evacuações por meios aéreos, originada pelo aparecimento dos mísseis Strela, e a fraca dissuasão obtida pela artilharia das nossas tropas face aos frequentes ataques com Foguetão 122mm [, foto acima, de Nuno Rubim].

Começaram a ser frequentes os pedidos, formulados por diversas povoações, solicitando melhor proteção e que as guarnições fossem dotadas de armamento mais eficaz, em especial artilharia de maior alcance que o Foguetão 122 mm. (...)
 
Continua


Adaptado por: Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro nº 530)
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Notas de Luís Gonçalves Vaz:

(+) Vd nota do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, de 7 de Janeiro de 1974:

 "(...) Soubemos hoje à noite, que em Canquelifá, foram mortos em combate, 6 Cubanos (?) e mais 6 Africanos do IN. Uma equipa fotográfica do Batalhão Fotocine seguiu de madrugada para lá, a fim de obter imagens" (...)."].

(++) Ver nota do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, de 22 de Fevereiro de 1974:

   " (...) Cerca das 19h e 10 min, quando me encontrava na gabinete do brigadeiro Comandante Militar, com este e com o Brigadeiro 2º Comandante, rebentou um explosivo colocado na casa de banho que a destruiu, assim como algumas das dependências contíguas. A forte deslocação do ar rebentou a porta e os vidros que foram projectados em frente, onde se encontrava o Brigadeiro 2º Comandante, de pé, e que caiu na direcção onde eu me encontrava sentado. O Brigadeiro Comandante Militar sentado na minha frente ainda sofreu. O 2º Comandante foi levado para o Hospital de Bissau, visto sangrar bastante de uma ferida na parte posterior da cabeça. Eu tive leves arranhões, de que me tratei no posto de saúde da CCS.. Estavam também presentes, no Gabinete Central, o Major Ferreira da Costa e o Tenente Abrantes ….Ninguém ficou ferido gravemente. Foi um verdadeiro milagre!" (...)

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Nota do editor: