1.
O nosso camarada Jorge Araújo* (ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART
3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74), enviou-nos
a seguinte mensagem.
Caríssimo
Camarada Luís Graça, e restantes operacionais do nosso blogue.
O mês
de Abril tem sido para nós, até ao presente, um mês fértil em recordações e,
simultaneamente, de grandes emoções. E este ano não foge à regra, dando conta,
nesta nota introdutória, aquelas que se enquadram no âmbito militar.
Primeiro;
porque no dia 04.Abr.1974, faz hoje trinta e oito anos, aportámos ao Cais da
Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, regressados de Bissau a bordo do Paquete
Niassa – com direito a escala no porto do Funchal – depois de aí termos
concluído a Comissão de Serviço Militar Obrigatório, para três semanas depois,
em “25 de Abril”, termos assistido/ participado naquele memorável
dia que levou ao fim da(s) Guerra(s).
Segundo;
porque uma semana depois da chegada, em 12.Abr.1974, minha mãe, Georgina
Araújo, comemorou o seu quadragésimo sexto aniversário num ambiente de grande
euforia e felicidade recíproca, mais humano e ecológico do que nunca,
afirmando, após apagar as velas do ‘4’ e do ‘6’, que a maior prenda que tinha
recebido naquele dia foi o de poder contar com a presença do filho, o que se
entende. Fará agora, no próximo dia 12.Abr.2012, oitenta e quatro primaveras,
não estivéssemos, nós, na Primavera.
Terceiro;
porque no dia 21.Abr.2012, tudo leva a crer, estaremos em Monte Real, no VII
Encontro Nacional da Tabanca Grande, emboscados à volta de uma mesa tendo por
pares ilustres ex-combatentes falando de coisas de que ninguém sabe –
peripécias vividas na Guiné –, preparados para uma O.E. cujo alvo (objectivo) é
o prato cheio de coisas boas, sabendo nós que o inimigo está observando os
nossos movimentos: o colesterol. Vão ser, certamente, mais umas quantas e boas
emoções.
Quarto;
(agora mais a sério!) porque no dia seguinte ao ENTG – 22.Abr.2012 –
completa-se quarenta anos em que o meu GComb, da CART 3494, travou a sua
primeira grande batalha na Ponta Coli (Xime). E é devido a esse acontecimento
que estamos hoje aqui, em comunhão de experiências e sob outra super emoção, na
medida em que procurámos dar corpo, alma e desejo, ao que vivemos, sentimos e
respirámos naquele dia inesquecível ou que jamais esqueceremos.
Quinto;
(de última hora) porque, quando alinhavamos as derradeiras letras deste texto,
fomos confrontados com uma mensagem electrónica enviada pelo nosso camarada
Sousa de Castro, tabanqueiro n.º 2 deste n/ blogue, dando-nos conta do
falecimento do ex-Furriel Sousa Pinto, também ele protagonista neste episódio
na Ponta Coli. O funeral realizou-se ontem, 02.Abr.2012, para o cemitério de
Meadela (Viana do Castelo). Que repouses em paz.
Posto
isto, eis então a narração desse acontecimento na Ponta Coli. Uma história mais
para juntar ao espólio da Tabanca Grande, que está cada vez maior.
ERA
UMA VEZ UMA ESTRADA, PALCO DE JOGOS DE SOBREVIVÊNCIA
I
– O CASO DA PONTA COLI - XIME
A decisão há muito que estava
tomada. Faltava apenas esperar por uma oportunidade, para tornar público, na
primeira pessoa, a descrição dos sons, das imagens e de mais alguns detalhes gravados
na nossa memória de longo prazo, antes que as mesmas se apaguem, sobre um tema
que justificou já a participação neste blogue de vários tertulianos (vidé: P9446 + P9457), ou seja, o «caso da Ponta Coli - Xime», aproveitando
este momento de recordações para a (re)baptizar como o «palco de jogos de sobrevivência».
E essa oportunidade chegou
agora por quatro motivos particulares:
1
– Por terem
passado já quarenta anos (1972-2012) sobre essa data, sendo também, poi isso
mesmo, uma ocasião para prestar homenagem póstuma ao nosso camarada Furriel Manuel
Rocha Bento, falecido em combate nesse local.
2
– Pela
necessidade de dar conta da minha versão a todos aqueles que viveram este
acontecimento, directa ou indirectamente. Este contributo pretende ser apenas mais
uma pequena peça do puzzle da CART 3494,
e, concomitantemente, uma outra peça do puzzle, naturalmente maior, que é a
história do conflito político-militar do C.T.I.Guiné.
3
– Pelo
convite/desafio suscitado pelas dúvidas do camarada CMDT ex-Cap. Artª António
José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva), na sua MSG de 2009.03.22 publicada
no blogue da Companhia, em que manifestou vontade de saber o que se passou em
concreto, uma vez que a sua nomeação para liderar a CART 3494 foi causa/efeito dessa emboscada.
4
– Para
transmitir, publicamente, uma palavra de gratidão a todos quantos naquele dia 22.Abr.1972 deram o seu melhor, num
contexto que no início nos era francamente desfavorável, superando as
adversidades em defesa da vida – das suas e a dos seus semelhantes, camaradas
de armas. Não fora essa transcendência singular e os resultados teriam sido bem
diferentes, para pior, como poderão constatar pela leitura do ponto seguinte.
II
– O (DES)ENCONTRO DE 22.ABR.1972 – O jogo dos possíveis
O dia 22 de Abril de 1972 será sempre um dia para recordar,
particularmente por todos os ex-militares que constituíram a CART 3494, e em especial por aqueles
que viveram, conviveram e sobreviveram ao jogo do “gato e do rato” ou de “escondidas”,
como é comum definir-se, no léxico militar, o conceito de “guerrilha”, como foi o caso dos elementos do 4.º GComb (pelotão) – o nosso.
Se antes, durante a instrução
que obedecia a um programa com tempos e ritmos pré-definidos, que era
interrompida por cansaço, conflitos surgidos ou por decisões unilaterais, e em
que quase tudo tinha um carácter de simulacro e de associação casual de
probabilidades, pois o objectivo primeiro era a aquisição de competências sensoriais
e motoras, visando ultrapassar possíveis obstáculos surgidos nos diferentes
contextos, agora, neste dia 22.Abr.1972,
tudo passou, num ápice, do “faz de conta” a uma situação REAL, em que a regra
do “jogo” era, então, a eliminação física do opositor ou dos opositores por
antecipação e perícia, num cenário que incluía, ainda, a variável designada
teoricamente por «Sorte».
Mas sorte é quando uma coisa boa nos acontece, sem que seja esperada. É
habitual afirmar-se também, numa perspectiva de senso comum, que a sorte versus
azar andam ligadas ao destino, para quem nele acredita. Trata-se, assim, de uma
força invisível contra a qual não há nada a fazer. Segundo essa crença, destino
ou fatalidade emergem de um poder divino que está para além do comum dos
mortais.
Com efeito, para nós, à data
militares-combatentes cumprindo o superior dever para com … (?), o dia 22.Abr.1972, sábado – dia de Saturno,
deus especialmente querido dos Romanos e a que a língua inglesa continua fiel
pois chama, ainda, ao seu sábado Saturday
– começou com as normais rotinas de cada dia: alvorada, higiene pessoal,
pequeno-almoço, preparação para o cumprimento das tarefas e obrigações
individuais e colectivas, em função das competências atribuídas anteriormente,
que incluíam, entre outras, a preocupação pelo bom funcionamento do armamento e
equipamento adequado e outros apetrechos necessários para a missão.
E umas das tarefas atribuídas
diariamente à CART 3494, do BART
3873, era a de garantir a segurança possível em parte do troço que ligava o Xime a Bambadinca, por causa/efeito do tráfego rodoviário que aí ocorria,
uma vez que a possibilidade mais exequível para chegar à cidade de Bissau, ou desta
ao extremo leste do território – Bafatá, Nova Lamego, Piche, Canquelifá, Galomaro,
Xitole, Saltinho, etc. –, só poderia acontecer por via marítima (Rio Geba) em
que o Xime, situado na margem esquerda desse rio, era ponto de chegada e de
partida de civis e militares, assumindo-se deste modo como local político-militar-económico
estratégico por excelência.
O tempo diário desse controlo
acontecia, maioritariamente, no período em que havia claridade (luz do dia),
entre as 07:00/07:30 e o regresso após o Sol se pôr (ocaso), ou, em situações
excepcionais, até que ficassem concluídas as actividades portuárias. O ponto
escolhido para essa segurança ficava situado numa zona compreendida entre a bolanha
contígua ao Xime (Taliuará) e Amedalai, sendo esse local designado por Ponta Coli, e onde permaneciam
diariamente os militares escalados para essa tarefa/acção/missão, considerada “Rainha”
no conjunto de todas as outras.
Considerando que em situações
ditas normativas as Companhia Operacionais eram constituídas por quatro GComb, no
caso da CART 3494 só três estavam
aquartelados no XIME, na medida em que o 2.º pelotão encontrava-se destacado, em
permanência, na Tabanca do Enxalé, esta situada na margem direita do Geba, em
frente ao Xime. Daí que o cumprimento desse dever diário era feito de três em
três dias por cada GComb, excepto quando a Companhia tinha de efectuar outras acções
ou operações que envolvessem a totalidade dos seus elementos.
Naquela data, o grupo escalado
para cumprir a acção/missão referida anteriormente era o 4.º pelotão, constituído por vinte elementos, entre sargentos e
praças, uma vez que não havia nenhum oficial (ex: alferes) adstrito, no preciso
momento em que o nosso calendário registava apenas oitenta dias de efectiva
permanência na região.
Ao efectivo militar sobredito
juntava-se sempre um Guia, no caso o Malan, natural da Guiné, e mais dois
condutores auto, uma vez que o transporte até ao local da segurança era feito
em duas viaturas Unimog.
Porém, naquele dia, a saída do
aquartelamento não aconteceu à hora que era mais ou menos habitual por se terem
verificado diversos factos que contribuíram para algum atraso, o último dos
quais relacionado com o esquecimento de um rádio emissor/receptor AVP1, que
normalmente era levantado no posto de TRMS ou entregue, na parada, pelo militar
de serviço nesse posto a um dos furriéis do GComb.
Estando reunidas, então, as condições de marcha, após uma análise global de todos os procedimentos habituais, saímos rumo ao objectivo previsto (Ponta Coli) eram aproximadamente 08.00 horas. Os vinte e três elementos que constituíam o universo dos militares destacados para a missão, e que seguiam nas duas viaturas, foram distribuídos de forma aleatória, contabilizando-se doze elementos na viatura n.º 1 (a que seguia à frente) e onze na viatura n.º 2 (a que seguia atrás, naturalmente).
Para além da nossa companheira
residual no mato - G3 - na panóplia
do armamento constava, ainda, um morteiro 60, uma bazuca e as respectivas
granadas de cada de um deles, distribuídas entre todos os militares.
Após termos percorrido aproximadamente
quatro/cinco Kms. a uma velocidade reduzida, em que se respeitou a distância de
segurança entre as duas viaturas, e quando no horizonte se avistava já o «ponto X», e as viaturas continuavam a
sua marcha cada vez mais lenta, estando quase a parar, eis senão quando tudo
passou a ser diferente, estranho, complexo, num quadro de enorme entropia, em
suma, um verdadeiro caos.
Tínhamos caído numa emboscada
montada por um bi-grupo do PAIGC (de 52 unidades, de acordo com as informações
recolhidas mais tarde), iniciada a partir da linha de segurança por nós
utilizada habitualmente, esta situada a cerca de sessenta/ setenta metros da
estrada, e que viria a ser a primeira experiência do género vivida por
elementos da CART 3494.
Ao som das primeiras rajadas de
“costureirinhas” (kalashnikov) e de rebentamentos de granadas de “RPG7”, que
procuravam atingir os alvos que se encontram nos centros das miras dos
guerrilheiros, os nossos camaradas lançaram-se das viaturas para o asfalto, e
reagiram, ou não, em função da situação em que cada um deles se encontrava,
continuando as viaturas a sua marcha, agora desgovernada, rumo à valeta da
estrada, servindo estas de refugio nos instantes iniciais para alguns de nós.
Entre gritos, gemidos e choros,
misturados com a utilização de uma linguagem de elevada erudição adquirida na
escola da vida e que, naquele cenário, era própria de quem estava em aflição e,
sobretudo, em inferioridade física e numérica, havia mortos, alguns feridos,
desmaiados e poucos em condições de estabelecer o equilíbrio entre um dos lados
da contenda.
Tendo em consideração a
situação adversa e o papel atribuído a cada um de nós enquanto combatentes, e
porque me encontrava na posse de todas as capacidades físicas e psicológicas,
pois, como vim a verificar mais tarde tinha sido o único ileso da 2.ª viatura,
havia que dar resposta na mesma linguagem bélica, utilizando os recursos
disponíveis.
Entretanto, uma nova
contrariedade fez engrossar as dificuldades de então, na justa medida em que
não nos era possível comunicar com o aquartelamento, dando conta da ocorrência
e sinalizando a nossa posição, para uma primeira ajuda que bem precisávamos por
parte da artilharia pesada aí existente (obuses) e depois para o reforço de
efectivos no terreno, uma vez que o rádio AVP1, aquele equipamento que fez
retardar a nossa saída, estava em parte incerta, vindo a ser localizado, mais
tarde, junto ao corpo do Furriel Manuel Rocha Bento, já cadáver.
Aos poucos, ao ritmo de um
tempo que parecia não passar, os desmaiados começam a acordar, os feridos tomam
consciência de que ainda têm força suficiente para reagirem, e com os cinco
ilesos que continuavam activos e operacionais, através dum impulso colectivo
vindo das entranhas e de um grito de contra-ataque, contribuímos para anular a
terceira tentativa de sermos apanhados à mão por parte dos elementos do PAIGC,
que muito porfiaram mas sem sucesso.
Por outro lado, o nosso sucesso
ficou a dever-se justamente ao esforço de todos, mas em particular a um MALAN
(guia) que, sangrando abundantemente da cabeça onde existiam pelo menos duas
perfurações, como tivemos a oportunidade de observar in loco, empunhava duas G3, uma em cada braço apoiadas pelas suas
axilas, e de pé, em plena estrada, despejava carregadores sem cessar.
Outra situação que contribuiu,
também, para a debandada dos guerrilheiros teve a ver com a circunstância dos
municiadores de morteiro e de bazuca, após recuperarem a consciência, depois de
terem ficado atordoados na sequência do salto das viaturas em andamento, fazerem
uso das suas armas a uma cadência de tiro inconstante, mas mesmo assim
relevante, uma vez que o desempenho de ambos estava/ficou dependente da
localização das suas munições (granadas) que acabaram por ficar dispersas ao
longo da estrada, numa frente de cento e vinte metros aproximadamente, dando a
ideia de que estávamos fortemente armados.
Passado o tempo de todas as
incertezas, que se estima entre quinze a vinte minutos, durante os quais o meio
ambiente se alterou profundamente, produzindo novos odores resultantes da combinação
de diferentes elementos, de que são exemplos: o capim e restante vegetação, a
terra e a pólvora, mesclados com a humidade e o aumento da temperatura externa
e interna - a dos nossos corpos -, os corações começaram a bater a um ritmo
cardíaco mais aceitável, e a boa notícia, que era possível transmitir a partir
daquele momento, era de que a situação militar estava controlada, caminhando
para a normalidade, com a chegada dos primeiros apoios externos e, também, por
via da fuga do IN.
O primeiro elemento a chegar
junto de nós, foi o nosso CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques,
que nos perguntou: “então, Araújo, o que
se passou …?”, logo secundado por um enfermeiro da Companhia, que não
recordo o nome mas tão só o seu rosto, pois era portador de uma mala de
primeiros-socorros. Mais apoios foram chegando à medida que iam sendo
mobilizados, quer do Xime quer do Batalhão sediado em Bambadinca, para onde
foram transportados os feridos mais graves ou aqueles que justificavam maior
atenção.
No final, o balanço da primeira
emboscada sofrida pela CART 3494,
foi de um morto (Furriel Manuel Rocha Bento), dezassete feridos entre graves e
menos graves nos quais estava incluído o Furriel Raul Sousa Pinto, ferido com
dezenas de estilhaços espalhados pelo corpo, mas com maior incidência na cabeça,
sendo este o segundo de três Furriéis que enquadravam os restantes militares do
GComb, e contabilizados apenas cinco ilesos, fazendo eu parte desse reduzido
grupo. Este camarada acaba de nos deixar para sempre. O seu funeral realizou-se
ontem - 02.Abr.2012.
Que dizer mais?
Que viver é sempre uma possibilidade
para qualquer ser humano quando não está em ambiente de guerra convencional.
Porém, viver num contexto como aquele que esteve na génese desta narrativa, era
uma constante incógnita e/ou interrogação que nos ocupava parte do pensamento, em
virtude de poderem ocorrer novos encontros/desencontros no mesmo local e à
mesma hora, como veio a verificar-se 222
dias depois, em 01.Dez.1972,
tendo por protagonistas os elementos do mesmo GComb, ou seja o 4.º pelotão.
Numa outra oportunidade, relataremos
o que ficou da nossa experiência acerca deste novo episódio ocorrido na Estrada
Xime-Bambadinca, no local transformado em palco de muitas emoções/tensões, num
jogo de sobrevivência impregnado de superações e de transcendências.
III
– CAUSAS/EFEITOS DESTA EMBOSCADA
No dia seguinte, domingo no
calendário solar também conhecido por Juliano, de Júlio César, o militar
(general) e político romano, a vigorar desde o ano de 709 de Roma (45 a.C.), a
vida dos combatentes da CART 3494
voltou a ter, na sua agenda, uma nova missão de segurança à Ponta Coli, desta
feita a cargo do 1.º pelotão.
Uma primeira causa/efeito do
episódio de má memória do dia anterior foi o de ter produzido uma mudança de
atitude na estratégia utilizada anteriormente, no trajecto entre o
aquartelamento e aquele local, fruto do debate interno levado a cabo pelo grupo
de furriéis operacionais da Companhia, do qual fazíamos parte, no sentido de
minimizar os riscos pessoais de cada um de nós, sempre muitos expostos no
cumprimento dessa acção/ missão diária.
E o que ficou acordado, a
partir de então, foi a alteração das rotinas anteriores, passando cada GComb a
ser auto transportado somente até ao limite da bolanha do Xime e o restante
trajecto até à Ponta Coli a ser efectuado a pé, com esquemas diferenciados de
progressão e distribuição espacial do respectivo efectivo.
Uma segunda causa/efeito
daquele acontecimento foi a diminuição do número de militares operacionais,
consequência dos diferentes graus de enfermidade e de inferioridade física
provocados pelos ferimentos em cada um deles, levando à evacuação dos casos
mais graves para o Hospital Militar de Bissau, onde permaneceram algumas
semanas. Como consequência, o 4.º pelotão ficou inoperacional durante algum
tempo. No nosso caso, transitámos de imediato para o 1.º pelotão, uma vez que
este GComb se encontrava desfalcado de quadros de comando.
Uma terceira causa/efeito da
emboscada foi a distinção, com o «Prémio
Governador», de dois elementos do GComb: o soldado Manuel de Sousa
Monteiro, natural da Batalha, e o 1.º Cabo Manuel Amorim do Alto, natural de
Terroso, Póvoa do Varzim, os quais adquiriram o direito de gozar na Metrópole,
como se dizia à época, um mês de férias. Estes militares eram os municiadores
do Morteiro 60 e da Bazuca, desconhecendo eu o nome, ou nomes, a quem se deve a
iniciativa de propor estas duas distinções.
Uma quarta causa/efeito deste
episódio, e que viria a ter grande influência no devir da organização da
unidade social designada por CART 3494
foi o facto do nosso primeiro CMDT, Cap. Artª. Vítor Manuel Ponte da Silva Marques,
também conhecido nos meios militares por «Salta-me
a Cabeça», consequência do uso frequente deste termo, se ter autoexcluído
de a ela continuar ligado. No dia imediato assinou a sua própria guia de
marcha, com destino aos Serviços de Psiquiatria do Hospital Militar de Bissau,
para não mais regressar ao Xime para junto dos seus camaradas milicianos.
Durante um pouco mais de três
meses a CART 3494 deixou de poder
contar com o seu líder, vindo este a ser substituído por uma nova liderança a
cargo do Cap. Artª. António José Pereira da Costa (agora Coronel na reserva,
como foi já referido na nota introdutória), situação verificada no início do
mês de Agosto de 1972.
Este nosso novo CMDT, o segundo,
passados apenas meia-dúzia de dias da sua chegada ao Xime, viria a viver,
conviver e a sobreviver, tal como nós, a mais um episódio negativo que marcou a
história da Companhia, e do Batalhão, este relacionado com o «naufrágio no Rio Geba», ocorrido no dia
10.Ago.1972. Sobre este
acontecimento, e noutra oportunidade, darei a conhecer publicamente a minha
versão dos factos que, também eles se encontram ainda gravados na minha (nossa)
memória.
Passados aproximadamente três
anos sobre o abandono da Companhia por parte do nosso primeiro CMDT, Cap. Vítor
Manuel Ponte da Silva Marques, a sua pessoa e o seu nome acabariam por ficar
mais uma vez na história, agora da História de Portugal no período pós 25 de
Abril de 1974. O seu nome ficará ligado para sempre ao que foi considerada uma
tentativa contra-revolucionária de 11.Mar.1975,
conforme nos dá conta o Diário da República de 21.Mar.1975, Decreto-Lei n.º
147-D/75, pp. 430 (4:5), assinado pelo General Francisco da Costa Gomes
(1914-2001), à data Presidente da República, acto que levou os seus autores a
serem expulsos das fileiras das Forças Armadas.
Face ao fracasso do seu
propósito e de mais dezoito oficiais dos três ramos das forças armadas, no qual
o General António de Spínola (1910-1996) se assumiu como líder, o Cap. Vítor da
Silva Marques, entretanto promovido ao posto de Major (e que já não está entre
nós), e o General António de Spínola, que foi governador militar na Guiné, como
sabemos, entre 1968 e 1973, acabariam por fugir para Espanha (Badajoz) e depois
para o Brasil, a exemplo, aliás, do que acontecera cento e sessenta e sete anos
antes (1808) com o exílio do Rei D. João VI.
Chegados ao fim deste episódio,
o primeiro menos agradável que consta no nosso currículo de ex-combatente na
Guiné, resta-me enviar para todos os meus camaradas «Fantasmas do Xime», ilustre cognome da CART 3494, votos de muita saúde, e que esta história real que agora
passei a escrito, e que certamente acompanharam com muita atenção, vos possa
dar o ânimo necessário para continuarem a lutar pela vossa sobrevivência.
Que sejam felizes!
Um grande abraço para todos, e
até … ‘ao meu regresso’, isto é, até
à próxima emboscada.
Jorge Araújo
Ex-Furriel Mil Op
Esp/RANGER da CART 3494
____________
Nota de M.R.:
Vd. poste de apresentação
do Jorge Araújo em:
29 DE FEVEREIRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P9549: Tabanca Grande (323):
Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo,
1972/74)