1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2013:
Queridos amigos,
Chegámos ao termo da recensão do importante livro “Olhares sobre Guiné e Cabo Verde”.
Nesta reta final, destaque para os textos sobre a Força Aérea na Guiné, alguns textos avulsos aonde se fala da queda de um helicóptero no rio Mansoa, de alguém que viu quase em direto o que se passou no Pidjiquiti em 3 de Agosto de 1958 e que tinha no seu pelotão Domingos Ramos, um futuro herói do PAIGC, e também se recorda o extravagante soldado Roseta, um desertor crónico.
E coube-me a honra de resumir as grandes linhas de força da literatura da guerra da Guiné.
Um abraço do
Mário
Olhares sobre Guiné e Cabo Verde (3)
Beja Santos
“Olhares sobre Guiné e Cabo Verde”, com organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho Paes, DG Edições e Caminhos Romanos, 2012, é uma iniciativa singular para a qual convergiram, nomeadamente, antigos combatentes dos três ramos das Forças Armadas. Em textos anteriores, fez-se referência a considerações genéricas na envolvente da luta armada, ventilaram-se as atividades terrestres da Guiné, incluindo as forças de intervenção. E iniciou-se a exposição referente ao papel da Marinha na Guiné, que pela sua organização e rigor é um dos “pratos de substância” desta obra coletiva.
Recorda-se um destemido comandante, o Comodoro Francisco Ferrer Caeiro, chegado à Guiné em Setembro de 1974, assim apresentado: “Era tido como um militar exigente tanto para consigo próprio como para os outros. De carácter reto e firme mas também emotivo, tão temido quanto respeitado pelos seus subordinados, era, em suma, um líder inato”. Fez questão de acompanhar os Fuzileiros nas suas operações, comunicou este seu desejo aos respetivos comandantes, mas impondo condições como a de os comandantes dos destacamentos durante a operação serem eles, ele ficaria na posição de mero observador. Era muito cioso da sua preparação física e numa dessas preparações aconteceu que o Comodoro se meteu pela berma da estrada que liga Bissau ao Aeroporto, passou uma viatura militar que abrandou e alguém fez-lhe esta generosa oferta: “Ó velhote, queres uma boleia?”. São mencionadas as operações Tridente, Tulipa, Tornado e Remate, foi na operação Tulipa que se deu um lamentável incidente em que um piloto de um avião T6 supôs ter referenciado um grupo inimigo e lançou rockets sobre a posição dos Fuzileiros. A Operação Via Láctea entroncou uma lógica da contra-penetração iniciada em 1968 por Spínola ou seja, o estabelecimento de operações de longa duração sobre as principais linhas de penetração, provindas do Senegal e da Guiné-Conacri. Os Fuzileiros a partir do rio Cacheu dirigiram-se a Jagali Balanta para intersectar grupos vindos do Senegal. Tratou-se da primeira operação do então primeiro-tenente Vieira Matias, hoje almirante, que narra este seu batismo de fogo com espírito de humor. O mesmo Vieira Matias irá descrever uma operação no santuário de Sambuiá e seguidamente a Operação Grande Colheita onde se fez a apreensão de uma quantidade impressionante de munições. Descreve-se e comenta-se mais adiante a Operação Mar Verde e faz-se o reparo para as consequências negativas que a mesma teve no isolamento de Portugal.
Depois de este bem documentado dossiê sobre o papel da Marinha na guerra da Guiné. Segue-se a explanação sobre o desempenho da Força Aérea. Permite-se ao leitor não iniciado ficar a conhecer a evolução nos anos 1960 e 1970 das bases e aeródromos, o tipo de aviões utilizados e o golpe duro que foi a retirada dos aviões F-86, obrigando a uma solução alternativa. Explica-se o papel da artilharia antiaérea inimiga e como a nossa Força Aérea pode calar este armamento. Quanto às zonas de intervenção, refere-se, o acompanhamento dos comboios fluviais, as atividades que lhe eram cometidas nas zonas de livre intervenção para a Força Aérea (ZLIFA), as operações helitransportadas.
Mais adiante retoma-se a questão da artilharia antiaérea que passara a ser uma realidade a partir de 1967. A primeira artilharia foi instalada no Cantanhez. Em Março de 1968 é avistada pela primeira vez uma quádrupla ZPU-4 de 14.5mm, com outras armas à volta, na zona de Cassebeche. Foi destruído no dia seguinte. O próximo episódio irá acontecer junto ao Corredor de Guileje, em Junho de 1968, foi detetada uma zona pejada de artilharia antiaérea. Em Março de 1969 irá descobrir-se que a zona de Cassebeche, no Quitafine, estava novamente pejada de armas, foram progressivamente eliminadas. Em Maio de 1970, o PAIGC, através de militares cubanos trouxe de Kandiafara canhões, que se supõe de 37mm, fez-se nova operação e dias depois concluiu-se que as armas ou que delas restavam tinham sido levadas para Kandiafara. A componente radical serão os mísseis Strela que chegarão à base naval soviética em Conacri em número de 44, com uma recomendação muito especial “que os portugueses nunca fiquem na posse de nenhum”, pois tal arma só tivera uso no Vietname. A resposta portuguesa foi a encomenda dos mísseis franceses terra-ar Crotale, para defesa aérea de Bissau e estava também planeada a aquisição de uma esquadra de aviões Dassault Mirage V. Os mísseis Strela impuseram algumas restrições de voo. O autor escreve a propósito do Strela: “Queria referir um pormenor que me parece digno de nota e está relacionado com a apresentação voluntária, vulgo deserção, de um dos operadores do Strela que se apresentou numa instalação militar em Tite, tendo sido transportado para a Base Aérea de Bissalanca, a fim de ser interrogado. A sua colaboração foi preciosa e tudo o que nos transmitiu refletiu-se numa ajuda que complementou os dados que já tínhamos. A restrição na operação do míssil Strela, dada pela curta duração das pilhas de Mercúrio que alimentavam o mecanismo de disparo, foi ele que a forneceu”. O autor refere-se ainda às conversações tidas em Cap Skirring entre Spínola e Senghor e outras dirigentes senegalesas, bem como à morte do prestigiado Cherno Rachide Djaló, à última troca de prisioneiros, em Setembro de 1974 e por fim à comemoração da independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1974.
Finda a exposição da Força Aérea, seguem-se outros olhares sobre a Guiné, em que o repórter Fernando Farinha narra a sua experiência na queda do helicóptero no rio Mansoa, em Julho de 1970, ele seguia no helicóptero atrás, bem sofreu com a agitação provocado pelo tornado que pôs o helicóptero aos saltos e refere as conversas havidas nessa manhã fatídica com os deputados Leonardo Coimbra, Vicente de Abreu, Pinto Leite e Pinto Bull; o coronel José da Câmara Vaz Serra conta o que viveu, em 1959, com o chamado massacre do Pidjiquiti, os dados que obteve foi de que tinha havido entre 10 e 12 mortos, responsabilidade da polícia, constituída por elementos nativos, seguramente mal enquadrada e incapaz de sangue-frio diante de tanta agitação. Lembrem-se de Domingos Ramos que era o porta-guião do Centro de Instrução Civilizados e mais tarde herói do PAIGC; e refere com bonomia as peripécias do Roseta porventura o mais persistente desertor que tivemos, fugia, dava-se mal no país de acolhimento, voltava e desertava novamente. O médico João Sequeira conta a história de um velho mandinga, um prisioneiro que foi posto à sua guarda, nunca mais esqueceu o olhar que o ancião lhe deitou quando foi levado para interrogatório.
Finalmente, depois de esclarecidos olhares sobre Cabo-Verde, matéria que não pode ser objeto desta recensão, chega-se a um punhado de considerações de minha autoria sobre a literatura da guerra da Guiné, desde 1963 à atualidade, são apreciações que remetem para o meu livro “Adeus, até ao meu regresso”, publicado pela Âncora Editora, em 2012. Tudo começa com "Tarrafo", de Armor Pires Mota, e o diário de Jero, sobressai nomes, nesta fase inicial, como Barão da Cunha, alguns repórteres do regime, como Amândio César e um importante ensaio “Guerra na Guiné”, de Hélio Felgas. No fim da década desponta uma figura incontornável, Álvaro Guerra. A seguir ao 25 de Abril, veio a irreverência e o formidável "Lugar de Massacre", de José Martins Garcia. Seguem-se os anos de 1980, chegou a primeira hora da intimidade dos relatos: Álamo Oliveira, José Brás e Cristóvão de Aguiar, a seguir abre-se larga margem para a literatura de memórias, talvez o filão mais rico de toda esta literatura. Mas há a História, a reportagem, escassa poesia, alguns diários. Surgiu uma obra-prima da literatura: "Estranha noiva de guerra", do escritor mais persistente, Armor Pires Mota. No novo século perfilaram-se três livros de memórias, documentos importantíssimos, saídos do punho do Comando Amadú Djaló, do sargento-mor Talhadas e do coronel para-quedista Moura Calheiros.
Às vezes parece uma literatura semiclandestina, edições de autor que escapam ao circuito das livrarias. Certo e seguro, há que contar com mais surpresas, como escrevi no final do meu texto: “Até ao lavar dos cestos, até estar vivo o último militar que combateu na Guiné, há que contar com as surpresas da vindima, não há mês que não surja um título, um depoimento, um olhar sobre aquela guerra que se travou enquanto se caminhava na farroba de Lala, entre cipós e tabás, a patinhar no tarrafo, nas emboscadas montadas em florestas secas densas, militares apoitados atrás do baga-baga, a resistir à fúria das emboscadas, ou dentro dos aquartelamentos, imprecando em noites de flagelação destruidora. Fiquemos descansados, haverá surpresas, este género literário está muito longe de ter fechado para obras e muito menos para mudança de ramo”.
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Nota do editor:
Vd. postes anteriores de:
18 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11111: Notas de leitura (457): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (1) (Mário Beja Santos)
e
22 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11134: Notas de leitura (459): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Guiné 63/74 - P11150: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (1): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, julho de 1968
Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação (à esquerda) e o aquartelamento (à direita) vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba. Buba era posto administrativo. Circunscrição (ou concelho): Fulacunda. Era também sede de batalhão. Foto do álbum do Zé Teixeira.
Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados.
[Foto à esquerda: Vila Nova de Gaia, Madalena, véspera de Natal de 2005: da esquerda para a direita, LG, A. Marques Lopes, Zé Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Xico Allen]
1. O nosso blogue vai fazer 9 anos no dia 23 de abril de 2013. Vamos comemorar essa efeméride, solicitando o envio de novos textos, fotografias e documentos inéditos, mas também republicando outros que merecem nova visibilidade... É o caso do "diário" do Zé Teixeira...
O Zé Teixeira não precisa de apresentações: é um dos rostos da solidariedade dos ex-combatentes da guerra colonial em relação a essa terra, verde e vermelha, que se chama Guiné, e ao seu povo, humilde e maravilhoso, de quem continuamos amigos e irmãos. O Zé é um dos "homens grandes" da Tabanca de Matosinhos, e um dos animadores do seu blogue, cujo primeiro poste foi publicado em 19 de novembro de 2008.
Se não erro - e eu não confio muito na minha memória -, conheci-o, na Madalena, Vila Nova de Gaia, nas vésperas do Natal de 2005, quando ele foi fazer-me uma visita à casa dos meus cunhados onde costumo passar o Natal, com a Alice, a Joana e o João. Por acaso ele também tem (ou tinha) um cunhado que vive por aquelas bandas. Ele, que mora em São Mamede de Infesta, Matosinhos, vinha acompanhado de mais camaradas da primeira hora: o A. Marques Lopes, o Xico Allen e o Albano Costa (mais o seu filho Hugo). Estava aqui o embrião da futura Tabanca de Matosinhos, só faltava o Álvaro Basto, que é hoje o "régulo"...
O Zé Teixeira não precisa de apresentações: é um dos rostos da solidariedade dos ex-combatentes da guerra colonial em relação a essa terra, verde e vermelha, que se chama Guiné, e ao seu povo, humilde e maravilhoso, de quem continuamos amigos e irmãos. O Zé é um dos "homens grandes" da Tabanca de Matosinhos, e um dos animadores do seu blogue, cujo primeiro poste foi publicado em 19 de novembro de 2008.
Se não erro - e eu não confio muito na minha memória -, conheci-o, na Madalena, Vila Nova de Gaia, nas vésperas do Natal de 2005, quando ele foi fazer-me uma visita à casa dos meus cunhados onde costumo passar o Natal, com a Alice, a Joana e o João. Por acaso ele também tem (ou tinha) um cunhado que vive por aquelas bandas. Ele, que mora em São Mamede de Infesta, Matosinhos, vinha acompanhado de mais camaradas da primeira hora: o A. Marques Lopes, o Xico Allen e o Albano Costa (mais o seu filho Hugo). Estava aqui o embrião da futura Tabanca de Matosinhos, só faltava o Álvaro Basto, que é hoje o "régulo"...
[Foto à direita: O Zé Teixeira, em Empada, 1969. Um 1º cabo aux enf, devidamente equipado: a G3 numa mão, a fita da HK 21 a tiracolo e a mala de primeiros socorros às costas]
Na altura da criação da Tabanca de Matoisnhos escrevi o seguinte, em apoio a esta iniciativa que foi, historicamente, o ponto de partida para a criação de outras tabancas, nascidas a partir da nossa Tabanca Grande:
20/11/20008:
Álvaro e demais amigos e camaradas da Tabanca de Matosinhos: Assumimos com grande alegria a paternidade da criança, mas as mães são...vocês, seus grandes malandros!... Nem sequer houve barrigas de aluguer nem foi precisa a inseminação artificial!... Tudo muito natural, à moda em antiga, sem parteira, só com aparadeira...
O parto correu bem e a criancinha é perfeitinha, é isso que se deseja. Só espero que seja muito melhor do que o pai... e as mães...
Tenho que reconhecer que vocês são mesmo um caso sério, um verdadeiro 'case study', estudo de caso, como dizem os nossos gestores. Os campeões da convivialidade e da camaradagem! E mais: uma tabanca a valer,onde há portistas, leixonenses, boavisteiros, benfiquistas, sportinguistas, e até belenenses, ao que sei!
Que o vosso belo exemplo se multiplique por mil... e que a vida seja generosa para todos vós, camaradas da Tabanca de Matosinhos, de modo a poderem ver a criancinha andar, falar, escrever, crescer, e por aí fora... Aguentem-na (e aguentem-se...) pelo menos até à idade de ela... ir às sortes. E que tenha mais sorte que a vossa/nossa, nessa idade...
Prometo no Natal celebrar o acontecimento, aí no novo reordenamento do Milho Rei... Não sei se consegurei estar aí no dia 19, mas que vai ser festa de arromba, vai, a avaliar pelo anúncio que li... Vou passar a Consoada na Madalena e depois sigo a 26 para a Madeira... (...)
Um Alfa Bravo para todos. Luís Graça. (...)
O parto correu bem e a criancinha é perfeitinha, é isso que se deseja. Só espero que seja muito melhor do que o pai... e as mães...
Tenho que reconhecer que vocês são mesmo um caso sério, um verdadeiro 'case study', estudo de caso, como dizem os nossos gestores. Os campeões da convivialidade e da camaradagem! E mais: uma tabanca a valer,onde há portistas, leixonenses, boavisteiros, benfiquistas, sportinguistas, e até belenenses, ao que sei!
Que o vosso belo exemplo se multiplique por mil... e que a vida seja generosa para todos vós, camaradas da Tabanca de Matosinhos, de modo a poderem ver a criancinha andar, falar, escrever, crescer, e por aí fora... Aguentem-na (e aguentem-se...) pelo menos até à idade de ela... ir às sortes. E que tenha mais sorte que a vossa/nossa, nessa idade...
Prometo no Natal celebrar o acontecimento, aí no novo reordenamento do Milho Rei... Não sei se consegurei estar aí no dia 19, mas que vai ser festa de arromba, vai, a avaliar pelo anúncio que li... Vou passar a Consoada na Madalena e depois sigo a 26 para a Madeira... (...)
Um Alfa Bravo para todos. Luís Graça. (...)
Escrevemos na altura: (...) "Além de ser um notável documento humano - escrito por um homem dos serviços de saúde militares, um enfermeiro de campanha, que estava sujeito aos mesmos riscos que qualquer operacional -, [este diário] tem um grande interesse documental para melhor se conhecer o quotidiano dos militares portugueses no sul da Guiné:
"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].
"Aí a CCAÇ 2381 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.
"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão". (**)
3. O meu diário (José Teixeira, 1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, Julho de 1968
"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].
"Aí a CCAÇ 2381 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.
"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão". (**)
3. O meu diário (José Teixeira, 1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, Julho de 1968
PRÓLOGO
Buba, 20 de Julho de 1968
Após dois meses e vinte dias de vivência em estado de guerra na Guiné, inicio o meu DIÁRIO que não é "diário". Nele apontarei somente os casos ou situações mais importantes do meu dia a dia para a história da minha vida .
NOITE
Buba, 20 de Julho de 1968
Noite escura...
A chuva cai fortemente,
Atiçada pelo vento impiedoso.
O capim dobra-se
Em homenagem àquele grupo de valentes
Que, esgotados pela longa espera,
Sedentos e esfomeados,
Aguardam impacientes
A ordem de retirar.
Os donos da selva surgem,
Traiçoeiros, em massa.
Por largos momentos, o matraquear das automáticas,
O rebentar das granadas.
Os gritos de algum ferido.
Tudo fazem esquecer.
Trava-se uma luta de vida ou de morte.
Até que as armas se calam.
O Inimigo foge,
Protegido pela escuridão.
... E vinte jovens,
Valentes, decididos,
Dedo firme no gatilho,
Ouvido atento,
Lá se vão a caminho do Quartel,
Com mais uma missão cumprida.
Buba, 21 de Julho de 1968
Agora me lembro, hoje é domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado.
Buba, 22 de Julho de 1968
Começou a guerra a sério para mim. Ainda esgotado pelo esforço de ontem, saí às seis da manhã para esperar a coluna vinda de Aldeia Formosa (Quebo). Às oito embosquei junto à "ponte interrompida" e por volta das doze recebi ordem para avançar. A coluna aproximava-se. Ouvi dois rebentamentos e fiquei preocupado... Será que a coluna foi atacada ?...
Cerca das dezassete deu-se o encontro de forças e soube então que detectaram cinco minas anticarro, duas das quais rebentaram.
Todos alegres, voltamos a Buba com o simples café, a camisa molhada de chuva e suor à mistura.
Ainda mal tinhamos chegado quando o IN apareceu a baptizar a Companhia, atacando de canhão sem recuo, morteiro e "costureirinha" [, PPSH]. Tentou durante alguns minutos arrasar Buba, o que não conseguiu por fraca pontaria ou porque não quis.
Deitado na vala e a aguentar uma tempestade de chuva, completamente nu (,fui apanhado a tomar banho,) assim esperei que acabasse a "festa", para ir jantar.
Que espectáculo! Centenas de corpos (,muitos deles nus,) encharcados, mas alegres, saíam das valas... Mais uma vez escaparam...
Encontrei três colegas da recruta. À noite, vieram-me procurar. Encharcados pela chuva, cansados da coluna, com receio de novo ataque, queriam dormir e não tinham onde...
Também eles estão nesta guerra. Nove meses já se passaram, a meta final aproxima-se, mas quantos sacrifícios lhes vão ser exigidos ainda ?
(Continua)
Guiné > Região de Quínara > Mapa de Xitole (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Buba (quartel e aquartelamento, sede de batalhão)... e estrada Buba - Mampatá - Quebo.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Guiné > Região de Quínara > Mapa de Xitole (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Buba (quartel e aquartelamento, sede de batalhão)... e estrada Buba - Mampatá - Quebo.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Notas do editor:
(*) Vd. I Série, o último poste de 19 postes > 14 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
(**) Vd I Série, poste de 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (José Teixeira)
(*) Vd. I Série, o último poste de 19 postes > 14 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
(**) Vd I Série, poste de 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (José Teixeira)
Guiné 63/74 - P11149: Parabéns a você (540): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3331 (Guiné, 1970/72)
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11144: Parabéns a você (539): Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex- Marinheiro Radiotelegrafista das LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 24 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11144: Parabéns a você (539): Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex- Marinheiro Radiotelegrafista das LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Guiné 63/74 - P11148: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (5): "Alfero di canhão"
1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 17 de Fevereiro de 2013:
FANTASMAS DO FUNDO BAÚ
5 - "Alfero di canhão"
Caros Luís Graça/Carlos Vinhal,
Chegaram algumas fotos de São Paulo, mal armazenadas, não estão em boas condições.
Tentei recuperar umas poucas. Acredito que esta foto foi tirada poucos dias depois da minha chegada. Em primeiro plano o então Capitão de Artilharia Rodrigues Videira, que muito me ajudou nestes primeiros tempos de guerra. Acredito que o segundo, da esquerda para a direita, atrás, é o oficial que eu fui substituir. Foi tão rápido o nosso contacto, que não posso ter certeza.
Nós, oficiais e sargentos da Artilharia da Guiné, nos considerávamos injustiçados, pois, o restante da tropa ia para casa ao fim de vinte e um meses, e muitos de nós ultrapassávamos os vinte e quatro, à espera de substituto, foi o caso deste oficial de Artilharia, que já tinha mais de vinte e quatro meses. Assim quando eu cheguei, ele foi no primeiro voo.
Quanto à praxe, foi suave, acredito que foi fundamental a ajuda do meu saudoso amigo Augusto Pereira Alegre, que era um dos donos das Caves Monte Crasto, ele tinha sido da Companhia de Comandos do então Capitão Neves, conhecia pois as agruras africanas. Deu ordem à Casa Gouveia, para me entregar uma caixa de espumante, foi pois em "espécie líquida" que "paguei" o meu pedagio (portagem) de entrada nesse "paraíso" às margens do Rio Sapo. Um longo caminho, Mafra, Vendas Novas, Figueira da Foz, Bissau, e enfim Gadamael!!!
Foi também nessa data que soube, que o pessoal da EPA tinha-se enganado sobre o meu posto, o correto era "Alfero di Canhão"!
Forte abraço
Vasco Pires
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Nota do editor
Vd. último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11033: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (4): Quem vem lá?
FANTASMAS DO FUNDO BAÚ
5 - "Alfero di canhão"
Caros Luís Graça/Carlos Vinhal,
Chegaram algumas fotos de São Paulo, mal armazenadas, não estão em boas condições.
Tentei recuperar umas poucas. Acredito que esta foto foi tirada poucos dias depois da minha chegada. Em primeiro plano o então Capitão de Artilharia Rodrigues Videira, que muito me ajudou nestes primeiros tempos de guerra. Acredito que o segundo, da esquerda para a direita, atrás, é o oficial que eu fui substituir. Foi tão rápido o nosso contacto, que não posso ter certeza.
Nós, oficiais e sargentos da Artilharia da Guiné, nos considerávamos injustiçados, pois, o restante da tropa ia para casa ao fim de vinte e um meses, e muitos de nós ultrapassávamos os vinte e quatro, à espera de substituto, foi o caso deste oficial de Artilharia, que já tinha mais de vinte e quatro meses. Assim quando eu cheguei, ele foi no primeiro voo.
Um periquito em Gadamael... e a velhice da CART 2478
Quanto à praxe, foi suave, acredito que foi fundamental a ajuda do meu saudoso amigo Augusto Pereira Alegre, que era um dos donos das Caves Monte Crasto, ele tinha sido da Companhia de Comandos do então Capitão Neves, conhecia pois as agruras africanas. Deu ordem à Casa Gouveia, para me entregar uma caixa de espumante, foi pois em "espécie líquida" que "paguei" o meu pedagio (portagem) de entrada nesse "paraíso" às margens do Rio Sapo. Um longo caminho, Mafra, Vendas Novas, Figueira da Foz, Bissau, e enfim Gadamael!!!
Foi também nessa data que soube, que o pessoal da EPA tinha-se enganado sobre o meu posto, o correto era "Alfero di Canhão"!
Sendo informado que o meu posto era "Alfero di Canhão"!
Forte abraço
Vasco Pires
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Nota do editor
Vd. último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11033: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (4): Quem vem lá?
Guiné 63/74 - P11147: Memória dos lugares (218): Olossato, anos 60, no princípio era assim (4) (José Augusto Ribeiro)
1. Quarta série de fotos do Olossato que o nosso camarada José Augusto Ribeiro (ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal, Outubro de 1963 a Julho de 196464) e Guiné (Olossato) (Julho de 1964 a Outubro de 1965), nos enviou em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013.
MEMÓRIA DOS LUGARES
OLOSSATO - O princípio (4)
Fotos: © José Augusto Ribeiro (2013). Direitos reservados
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Nota do editor:
Vd. poste anterior de 22 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11137: Memória dos lugares (216): Olossato, anos 60, no princípio era assim (3) (José Augusto Ribeiro)
Vd. último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11139: Memória dos lugares (217): Cameconde, Cacoca, Sangonhá e Ganturé, em 1968, ao tempo da CART 1692 (António J. Pereira da Costa)
MEMÓRIA DOS LUGARES
OLOSSATO - O princípio (4)
Foto 121 > Sem legenda
Foto 122 > Sem legenda
Foto 123 > Sem legenda
Foto 153 > Alferes e furriéis do 1.º GCOMB
Foto 154 > Furriel e Cabos de uma Secção do 1.º GCOMB
Foto 155 > Uma sardinhada
Foto 156 > Depois da sardinhada vem a limpeza
Foto 157 > Refeitório dos Sargentos
Foto 158 > Um pombo verde deu origem a um petisco
Foto 159 > Equipa de futebol
Foto 160 > Depois do futebol reina a boa disposição
Foto 161 > Obus
Foto 162 > Obus
Foto 163 > Sem legenda
Fotos: © José Augusto Ribeiro (2013). Direitos reservados
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Nota do editor:
Vd. poste anterior de 22 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11137: Memória dos lugares (216): Olossato, anos 60, no princípio era assim (3) (José Augusto Ribeiro)
Vd. último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11139: Memória dos lugares (217): Cameconde, Cacoca, Sangonhá e Ganturé, em 1968, ao tempo da CART 1692 (António J. Pereira da Costa)
Guiné 63/74 - P11146: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (26): 27.º episódio: Memórias avulsas (8): Alto e pára a guerra
1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2013, enviou-nos mais esta história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (26)
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (8)
ALTO E PÁRA A GUERRA
A partir de 17/5/1966, primeira data trágica para a CCAÇ 1422, ficou esta como que hibernada durante um mês. As ordens vindas do Comando do Batalhão sediado em Bula e não do nosso 1858, que andava lá por baixo em Catió, foram bem claras: nada de saídas para o mato; dediquem-se a terminar a construção do aquartelamento (havia sido iniciada pela CCAÇ 1421); patrulhamentos só de protecção às colunas de abastecimentos - mas não passem para lá dos carreiros - local a 3 Km na "estrada" para Mansabá e onde o horror se havia dado.
Não queria dizer contudo, que não fossem destacadas uma ou duas Secções para acompanhar grupos que nos viessem ajudar a pacificar os campos circundantes, que foi o que se deu, como descrito na anterior crónica "Inventámos o Santo António".
O acontecimento que narramos abaixo, passou-se precisamente no regresso desse passeio pedreste. Já com a bolanha cheia pela maré e em local desabrigado, e como tal propício a vários perigos dada a exposição, atravessou-se à minha frente, um não menos perigoso individuo do sexo masculino (como mais tarde confirmámos), grande... escamoso e a quem chamavam "o crocodilo".
Ele ia... e roçava-se pelo meu belo camuflado à prova d'água; ele vinha... de boca aberta e reincidia no roçar-se; e repetiu... repetiu... repetiu, até que me enervei e pedi à rapaziada amigalhaça para que me segurassem os canhões, e fui-me à fera, desarmado e tudo e nem faca de mato usei, creiam.
Só lhes disse, ao voluntariar-me, heroicamente, confesso:
-Este gajo tenciona morder-me, coisa de que não gosto, e assim sendo a primeira dentadinha serei eu a dar.
Qual intrépido acagaçado, apanhei o anfíbio pela lombada e rodopiámos nas sujas e lamacentas águas... ora eu por baixo, ora ele por cima (sic), mas que venci a besta reptiliana... lá isso... venci e os aplausos foram a demonstração para quem tivera as coragem e valentia, para enfrentar tão temível e bera sáurio, quiçá com risco da minha própria vida... disse.
O bicharoco era enorme, prái uns 60 centímetros e ainda mamava.
Considerado foi, prisioneiro de guerra e para além dum burro, era o meu segundo troféu.
Aberta uma piscina ao lado da minha suite, ali o prantei e todos o mimámos, dando-lhe também do leite condensado que fazia parte das refeições matinais, usando um biberão com tetina apensa no bocal da garrafa, evidentemente. Viveu apaparicado até ao fim da época das chuvas, desaparecendo depois vitimado sabe-se lá do porquê e foi com tristeza que o esventrei, salguei e sequei ao sol e hoje ainda me acompanha transformado que está em cinto.
Com poucos afazeres a não ser os triviais e dentro daquela languidez com que agora vivíamos, entretivémo-nos também a prestar atenção à vida selvagem dali.
Tanto assim que acolhemos umas cabras, conhecidas por "isso do mato" e que seriam resultantes do cruzamento de gazelas, com bodes compíscuos.
Tal miscibilidade deu origem a uns belos assados em forno de lenha, ou em brasas de lume, não sem que antes marinassem 12 horas e fossem esfregadas com manga de piri-piri e chaibéu.
Com as fressuras, criámos um prato típico conhecido lá na zona, por "chanfana à Saliquinhedim". E para que aos outros "comíveis" nada parecesse mal, também lhes permitíamos que convivessem com as nossas frigideiras e vai daí, tadinhos dos pombos verdes... das cinzentas rolas... dos coelhitos, quando se atreviam a passar pelo ponto de mira de qualquer vulgar G3.
Ficaria mal não falar dos macacões , qu'os havia de várias cores e tamanhos. Os mais pequeninos viviam agarrados às mães o que significava serem presa fácil para os predadores humanos que nelas atiravam para os surripiar. Depois era só domesticá-los o que acontecia se levassem porrada.
Vi e nem acreditava, mas na verdade o estilo era mesmo esse do "quanto mais me bates mais gosto de ti".
Dos "crocodis" esqueci-me de mencionar que os seus bifes são um petisco de se lhe tirar o chapéu, Provei em Bissorã e comi dezenas deles em Farim, onde os caçavam diariamente, mesmo ali às bordas do rio, mais propriamente para lhes aproveitarem as peles que alguns de nós, e ao regressar, trazíamos para ofertar às queridas. Por mim falo, que trouxe uma com 5 metros que me custou mil e quinhentos pesos, ou seja o equivalente a trinta garrafas de "Cavalo Branco" ou a quinze serviços de café casquinha d'ovo.
(continua)
OBS: - A foto retirada da internete para ilustrar a estória do nosso camarada Veríssimo Ferreira, não deslustra de modo nenhum a prova da sua coragem e valentia aqui relatada.
O editor
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA (26)
GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS (8)
ALTO E PÁRA A GUERRA
A partir de 17/5/1966, primeira data trágica para a CCAÇ 1422, ficou esta como que hibernada durante um mês. As ordens vindas do Comando do Batalhão sediado em Bula e não do nosso 1858, que andava lá por baixo em Catió, foram bem claras: nada de saídas para o mato; dediquem-se a terminar a construção do aquartelamento (havia sido iniciada pela CCAÇ 1421); patrulhamentos só de protecção às colunas de abastecimentos - mas não passem para lá dos carreiros - local a 3 Km na "estrada" para Mansabá e onde o horror se havia dado.
Não queria dizer contudo, que não fossem destacadas uma ou duas Secções para acompanhar grupos que nos viessem ajudar a pacificar os campos circundantes, que foi o que se deu, como descrito na anterior crónica "Inventámos o Santo António".
O acontecimento que narramos abaixo, passou-se precisamente no regresso desse passeio pedreste. Já com a bolanha cheia pela maré e em local desabrigado, e como tal propício a vários perigos dada a exposição, atravessou-se à minha frente, um não menos perigoso individuo do sexo masculino (como mais tarde confirmámos), grande... escamoso e a quem chamavam "o crocodilo".
Ele ia... e roçava-se pelo meu belo camuflado à prova d'água; ele vinha... de boca aberta e reincidia no roçar-se; e repetiu... repetiu... repetiu, até que me enervei e pedi à rapaziada amigalhaça para que me segurassem os canhões, e fui-me à fera, desarmado e tudo e nem faca de mato usei, creiam.
Só lhes disse, ao voluntariar-me, heroicamente, confesso:
-Este gajo tenciona morder-me, coisa de que não gosto, e assim sendo a primeira dentadinha serei eu a dar.
Qual intrépido acagaçado, apanhei o anfíbio pela lombada e rodopiámos nas sujas e lamacentas águas... ora eu por baixo, ora ele por cima (sic), mas que venci a besta reptiliana... lá isso... venci e os aplausos foram a demonstração para quem tivera as coragem e valentia, para enfrentar tão temível e bera sáurio, quiçá com risco da minha própria vida... disse.
O bicharoco era enorme, prái uns 60 centímetros e ainda mamava.
Considerado foi, prisioneiro de guerra e para além dum burro, era o meu segundo troféu.
Aberta uma piscina ao lado da minha suite, ali o prantei e todos o mimámos, dando-lhe também do leite condensado que fazia parte das refeições matinais, usando um biberão com tetina apensa no bocal da garrafa, evidentemente. Viveu apaparicado até ao fim da época das chuvas, desaparecendo depois vitimado sabe-se lá do porquê e foi com tristeza que o esventrei, salguei e sequei ao sol e hoje ainda me acompanha transformado que está em cinto.
Com poucos afazeres a não ser os triviais e dentro daquela languidez com que agora vivíamos, entretivémo-nos também a prestar atenção à vida selvagem dali.
Tanto assim que acolhemos umas cabras, conhecidas por "isso do mato" e que seriam resultantes do cruzamento de gazelas, com bodes compíscuos.
Tal miscibilidade deu origem a uns belos assados em forno de lenha, ou em brasas de lume, não sem que antes marinassem 12 horas e fossem esfregadas com manga de piri-piri e chaibéu.
Com as fressuras, criámos um prato típico conhecido lá na zona, por "chanfana à Saliquinhedim". E para que aos outros "comíveis" nada parecesse mal, também lhes permitíamos que convivessem com as nossas frigideiras e vai daí, tadinhos dos pombos verdes... das cinzentas rolas... dos coelhitos, quando se atreviam a passar pelo ponto de mira de qualquer vulgar G3.
Ficaria mal não falar dos macacões , qu'os havia de várias cores e tamanhos. Os mais pequeninos viviam agarrados às mães o que significava serem presa fácil para os predadores humanos que nelas atiravam para os surripiar. Depois era só domesticá-los o que acontecia se levassem porrada.
Vi e nem acreditava, mas na verdade o estilo era mesmo esse do "quanto mais me bates mais gosto de ti".
Dos "crocodis" esqueci-me de mencionar que os seus bifes são um petisco de se lhe tirar o chapéu, Provei em Bissorã e comi dezenas deles em Farim, onde os caçavam diariamente, mesmo ali às bordas do rio, mais propriamente para lhes aproveitarem as peles que alguns de nós, e ao regressar, trazíamos para ofertar às queridas. Por mim falo, que trouxe uma com 5 metros que me custou mil e quinhentos pesos, ou seja o equivalente a trinta garrafas de "Cavalo Branco" ou a quinze serviços de café casquinha d'ovo.
(continua)
OBS: - A foto retirada da internete para ilustrar a estória do nosso camarada Veríssimo Ferreira, não deslustra de modo nenhum a prova da sua coragem e valentia aqui relatada.
O editor
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11047: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (25): 26.º episódio: Memórias avulsas (7): 13 de Junho de 1966, inventámos o Santo António
Guiné 63/74 - P11145: O nosso livro de visitas (163): Sónia Miranda, filha do nosso camarada, já falecido, Francisco Pacheco Miranda, ex-1º cabo, presumivelmente da CCAÇ 274, mobilizado pelo BII 18, Ponta Delgada (Fulacunda, 1962/64) (José Martins)
Da leitora Sónia Miranda e datado de 22 Fevereiro, pouco após as 22 horas, foi recebido pelo Administrador o seguinte e-mail:
“Boa tarde,
“Boa tarde,
Hoje deparei-me com o seu blog. Fiquei muito emocionada porque o meu pai 1º Cabo Francisco Pacheco Miranda - S. Miguel Açores - embarcou para a Guiné a 17/01/1962 Companhia de Caçadores 244 (salvo erro) e foi ferido gravemente a 05/08/1963. Sendo que foi Deficiente das Forças Armadas até 07/10/2012, dia em que faleceu com um tumor cerebral na zona onde foi ferido na guerra.Temos algumas fotos em casa que depois posso digitalizar e enviar-lhe. Que continue o bom trabalho de manter viva a memória de todos os Ex-Combatentes, e que para nós filhos fará parte sempre da nossa história.
O meu bem haja!”
2. Menos de 24 horas depois, este e-mail caía na minha caixa de correio:
"Zé: Vê se descobres a companhia... Da CCAÇ 244, não temos ninguém... Dá uma resposta à menina, como tu sabes fazer... É para publicar... Um abração. Luís”
3. Pois bem. Vamos avançar para uma informação à nossa amiga, filha de um dos nossos camaradas de armas, que já pertence ao “Batalhão Celeste”!
Não existindo a Companhia de Caçadores nº 244, tentei encontrar uma outra unidade cujo número fosse o “DOIS-QUATRO-QUATRO”.
Trata-se do Destacamento de Manutenção de Material nº 244, mobilizado na Companhia Divisionária de Manutenção de Material, aquartelado no Entroncamento, que iniciou a sua comissão de serviço em Janeiro de 1962 e terminou a mesma em Novembro de 1963, tendo estado estacionado em Bafatá.
Quanto a Companhias de Caçadores, existem duas companhias: a 273 do Batalhão Independente de Infantaria (BII) nº 17 de Angra do Heroísmo e a 274 do BII nº 18 de Ponta Delgada, ambas embarcadas a 17 de Janeiro de 1962 e com regresso em 17 de Janeiro de 1964, com a missão cumprida.
Como nos nossos registos consta que estas unidades não têm história no Arquivo Histórico Militar, mesmo querendo, era impossível obter mais dados.
Encontramos uma referência ao Francisco Pacheco Miranda no livro do nosso, também saudoso, camarada de armas Fernando de Sousa Henriques, no seu livro “No Ocaso da Guerra do Ultramar", na página nº 405, incluído na listagem dos portadores de deficiência adquirida na guerra e inscritos na ADFA-Açores.
As unidades referidas, encontram-se mencionadas no post 11018 - 23 de Janeiro de 1963 - O Fim do Principio ou o Principio do Fim - 50 anos depois (II Parte).
Sugere-se a nossa amiga Sónia Miranda que, junto da “papelada” que o seu pai deve ter deixado ou junto da ADFA tentar saber qual a unidade a que o pai pertenceu, afim de tentarmos encontrar alguém da mesma unidade e, com as fotos que não deixará de nos enviar para publicação, prestarmos a nossa homenagem a mais um camarada de armas que partiu.
O meu bem haja!”
2. Menos de 24 horas depois, este e-mail caía na minha caixa de correio:
"Zé: Vê se descobres a companhia... Da CCAÇ 244, não temos ninguém... Dá uma resposta à menina, como tu sabes fazer... É para publicar... Um abração. Luís”
3. Pois bem. Vamos avançar para uma informação à nossa amiga, filha de um dos nossos camaradas de armas, que já pertence ao “Batalhão Celeste”!
Não existindo a Companhia de Caçadores nº 244, tentei encontrar uma outra unidade cujo número fosse o “DOIS-QUATRO-QUATRO”.
Trata-se do Destacamento de Manutenção de Material nº 244, mobilizado na Companhia Divisionária de Manutenção de Material, aquartelado no Entroncamento, que iniciou a sua comissão de serviço em Janeiro de 1962 e terminou a mesma em Novembro de 1963, tendo estado estacionado em Bafatá.
Quanto a Companhias de Caçadores, existem duas companhias: a 273 do Batalhão Independente de Infantaria (BII) nº 17 de Angra do Heroísmo e a 274 do BII nº 18 de Ponta Delgada, ambas embarcadas a 17 de Janeiro de 1962 e com regresso em 17 de Janeiro de 1964, com a missão cumprida.
Como nos nossos registos consta que estas unidades não têm história no Arquivo Histórico Militar, mesmo querendo, era impossível obter mais dados.
Encontramos uma referência ao Francisco Pacheco Miranda no livro do nosso, também saudoso, camarada de armas Fernando de Sousa Henriques, no seu livro “No Ocaso da Guerra do Ultramar", na página nº 405, incluído na listagem dos portadores de deficiência adquirida na guerra e inscritos na ADFA-Açores.
As unidades referidas, encontram-se mencionadas no post 11018 - 23 de Janeiro de 1963 - O Fim do Principio ou o Principio do Fim - 50 anos depois (II Parte).
Sugere-se a nossa amiga Sónia Miranda que, junto da “papelada” que o seu pai deve ter deixado ou junto da ADFA tentar saber qual a unidade a que o pai pertenceu, afim de tentarmos encontrar alguém da mesma unidade e, com as fotos que não deixará de nos enviar para publicação, prestarmos a nossa homenagem a mais um camarada de armas que partiu.
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Nota do editor:
Último poste de 17 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11109: O Nosso Livro de Visitas (162): João Vaz, natural de Teixoso, Covilhã, naturalizado francês, vive em Pau, perto de Lurdes... Foi 1º cabo apontador de obus, esteve na BAC,entre 1968 e 1970, e passou por Bissau, Cameconde, Buba e Cuntima
Nota do editor:
Último poste de 17 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11109: O Nosso Livro de Visitas (162): João Vaz, natural de Teixoso, Covilhã, naturalizado francês, vive em Pau, perto de Lurdes... Foi 1º cabo apontador de obus, esteve na BAC,entre 1968 e 1970, e passou por Bissau, Cameconde, Buba e Cuntima
Guiné 63/74 - P11144: Parabéns a você (539): Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex- Marinheiro Radiotelegrafista das LDM 301 e 107 (Guiné, 1971/73)
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11138: Parabéns a você (538): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11138: Parabéns a você (538): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Guiné 63/74 - P11143: Para que a memória não se perca (1): Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (José Martins)
1. Iniciamos hoje a publicação de mais um trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), desta feita sobre a História da Guiné na dobragem do Século XIX para o Século XX, que se irá prolongar por quatro postes. Este trabalho foi enviado ao nosso Blogue em mensagem de 13 de Fevereiro de 2013.
Para que a memória se não perca…
Histórias da dobragem do século XIX para o século XX (1)
Brasão da Guiné Portuguesa
Foto: Portal UTW
Mesmo muito antes de ser a nossa vez de partir para a Guiné, muitos antes de nascermos e nascerem os nossos pais, talvez, os nossos avós ainda não tivessem nascido, já na Guiné se batalhava, fruto das decisões da Conferência de Berlim, reunião em que Portugal esteve presente e marcou, indelevelmente, uma época e marcaria uma “viagem de não retorno” que só viria a terminar com uma revolução gerada no seio das Forças Armadas que avançaram, primeiro a “dar tempo aos políticos” para uma solução negociada que fracassou, por indecisão politica.
As “palavras” que se seguem são reflexo, como todos os combatentes sabem, retiradas de relatórios, que não mencionam o “sangue, suor e lágrimas” daqueles que “estando no fio da navalha” não deixaram de honrar a seu juramento à Bandeira das Quinas, quer fossem africanos quer fossem europeus.
O Tenente-coronel Bello de Almeida deixou, no seu livro "MEIO SÉCULO DE LUTAS NO ULTRAMAR", muitos “apontamentos” retirados de vários relatórios de várias operações e de vários pontos do Império Português, que aqui se resumem, no que respeita à Guiné. Esta é mais que uma forma de os combatentes honrarem os seus pares, que lutaram num espaço que meio século depois, vieram a palmilhar.
No caso da “nossa Guiné”, abrange o período de 1871 a 1919.
Convém referir aos menos avisados que, até 1937, só existiam duas classes: “Oficiais” e “Praças” sendo que, “Praça de Pré”, era a designação geral para os postos dos sargentos, cabos e soldados.
Nota:
• Ao créditos do texto devem ser atribuídos ao Tenente-coronel Bello de Almeida, que realizou um grande trabalho, porque teve necessidade de consultar centenas, para não dizer milhares de páginas, manuscritas por diversos copistas e de diversas sensibilidades, que além de abrangerem 50 anos da nossa história, referiam-se a todas as colónias portuguesas, não só as de África – Angola, Guiné e Moçambique - mas também da Índia, Macau e Timor. O trabalho foi realizado para uma edição da Sociedade de Geografia de Lisboa, na comemoração da semana das colónias, em 1937.
• Os créditos fotográficos ficam a dever-se, na maior parte, ao fotógrafo José Henriques de Mello, filho de Vítor José de Mello, baptizado em Lisboa em Santos-o-Velho, e de Maria José Henriques de Melo, baptizada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na ilha cabo-verdiana do Fogo. Sendo José de Mello um entusiasta da fotografia, acompanhou a força expedicionária de Infantaria 13, de Vila Real, na sua ida à Guiné, tendo havido uma colaboração com o jornal O Século que, alem do Jornal publicava o semanário Ilustração Portuguesa. De notar que à época, o equipamento fotográfico era pesado e de difícil manuseamento, para mais em ambiente de guerra. José de Mello esteve na Guiné em 1907 e 1908.
© Imagem: História da Guine, de Américo Campos (2012)
Sublevação do Cacheu em 1871
Os povos do Cacheu sublevam-se e o governador, Capitão Teles Caldeira, manda organizar uma força de Caçadores nº 1 e auxiliares nativos, comandadas pelo Capitão J. A. Marques, tendo a cooperação de navios da Armada, atacando e arrasando a povoação. Foram louvados o Capitão J. A. Marques e o Alferes J. J. Figueiredo
Defesa da Praça de Buba em 1 de Fevereiro de 1880
No primeiro dia de Fevereiro, a praça de Buba foi atacada por inúmeros fulas, tentando conquistar a praça. Dispondo de uma força pequenas, só foi possível evitar a tomada da localidade, com a colaboração da população civil, entre eles alguns civis franceses. Foram louvados os Alferes Manuel Pedro dos Santos, comandante da praça, e os civis César Medina e Henri Galembert.
Operações Militares em Buba em 1882
Em Julho de 1882, na região de Buba, a gente de Manadé-Paté praticou actos rebeldes e devastações na zona. Uma força comandada pelo Tenente-coronel Francisco José da Rosa, foi ao Furreá para castigar os desmandos, tendo destruído várias tabancas, estando entre elas a de Elgui do régulo Bakar-Quidali, que os indígenas julgavam ser segura e inexpugnável. Acabaram por pedir a paz e terem sido obrigados a pagar indemnizações e a pagar despesas de guerra.
Operações em Cacanda em 1884
O Tenente-coronel Eusébio Catela do Vale foi incumbido de organizar uma coluna para se bater contra o gentio de Cacanda, que se havia rebelado contra o governo provincial em fins de Junho de 1884. Conseguiu desaloja-los do seu acampamento, levando-os a internar-se na floresta, onde foram também batidos.
A Conferência de Berlim, que havia de mudar o conceito de “descoberta” no conceito de “ocupação”, o que gerou a “corrida a África”.
© Foto: http://pt.wikipedia.org/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Berlim
Operações Militares em Geba em 1886
O filho do régulo Umbuco, em 19 de Junho de 1986, seguido de cerca de 500 fulas, atacou tabancas no território de Sancoria, que estavam guarnecidas por gente de Mussá-Molo. Como represália, este régulo, atacou as populações das imediações do Presídio de Geba, que nada tinham a ver com o que havia acontecido. Para punir estes ataques, o chefe do Presídio organizou uma força de cerca de 200 homens e atacou as tabancas do régulo Umbuco, pondo em fuga os seus defensores, mas não conseguindo consolidar a paz na zona. Assim, recolheu ao presídio e organizou nova força, composta por cerca de 80 militares de 1ª linha e de cerca de 4500 auxiliares das etnias beafadas, mandingas e fulas fiéis. Apesar das operações terem sido realizadas em plena época das chuvas, e quem passou pela Guiné sabe das dificuldades que essa época apresenta, a força atacou as posições fortificadas de Massá-Molo em Fancá, tendo vencido este régulo infringindo-lhe uma derrota e retirando-lhe a “lenda de invencibilidade”.
Distinguiram-se nesta operação o Tenente do Quadro Colonial e Chefe do Presídio de Geba, Tenente Francisco António Marques Geraldes, que foi promovido, por distinção, ao posto de Capitão e atribuída a Condecoração com a Ordem Militar da Torre e Espada, ao Alferes Manuel do Amaral Gomes de Araújo. Foram louvados os negociantes Agostinho Pinto, Domingues Gomes de Araújo, Estevam de Pina Araújo, António Santy, Joaquim António da Costa e Manuel de Barros, assim como os Grumetes João Mendes, João Lopes e Cristóvão e António Pereira.
Operações Militares em Geba em 1889
Corrain, régulo de Canadú propagandeava a sua desobediência ao Governador da Guiné Joaquim da Graça Correia e Lança e às restantes autoridades provinciais, pelo que foi ordenada a prisão do régulo e dos seus conselheiros.
Mesmo com o régulo preso, as suas gentes iniciaram hostilidades de grande violência, obrigando o governador a suspender as garantias na região de Geba, em 12 de Junho de 1889, e organizar uma coluna para bater os revoltosos.
Sob o comando do Capitão António José Machado, e com os subalternos Tenente Joaquim António Pereira e o Alferes Afonso Sebastião Casqueiro, à frente de praças de Caçadores nº 1 e da bateria da artilharia da Guiné assim como de irregulares fulas e mandingas, dominaram os rebeldes.
Diligência Policial em Buba em 19 de Junho de 1890
O Alferes João Moreira do Carmo recebe a incumbência, do comandante militar da praça de Buba, para intimar o régulo Mamadi-Paté, de Furriá, a prestar informações acerca de uma ocorrência, mas o régulo só não se recusou a prestar as informações solicitadas, como tentou matar o oficial. Perante esta tentativa, um 2º Sargento e um soldado, ao tentarem frustrar o acto, foram feridos por Mamadi-Paté que estava muito excitado. Outras praças, perante a tentativa de agressão, abateram o régulo a tiro.
Dado o alarme, foi destacada para o local uma força sob o comando do Tenente Policarpo Augusto da Silva, que dominou os indígenas de Furriá, que pretendiam vingar a morte do seu régulo. Pela sua rápida e enérgica acção, foi louvado o Tenente Policarpo Augusto da Silva.
Operações militares na Circunscrição de Geba, entre 7 de Dezembro de 1890 e 11 de Março de 1891
Os fulas da região de Geba, sabendo que os papeis se encontravam em escaramuças e ataques à fortaleza de Bissau, ocupando as tropas, resolveram colocar em causa a autoridade portuguesa.
Um dos principais chefes fulas, o régulo Mali-Boiá, auxiliado por outros régulos faz ataques as populações, amigas dos portugueses, e tentam expulsar de Ganadú o régulo Sambol-Serandim, nosso amigo e aliado.
Para evitar a alastramento da rebelião, o Governador mandou organizar uma expedição com as forças disponíveis da guarnição e de irregulares que, com o auxilio das guarnições das canhoneiras “Rio Ave”, “Flecha” e “Zagaia”, castigaram os revoltosos em combates sangrentos nas povoações de Jaladú, Denadú, não conseguindo prender o régulo Mali-Boiá, que conseguiu fugir. A força foi comandada pelo Capitão Zacarias de Sousa Lage.
Composição da força:
• Comando e Estado-maior: 2 oficiais e dois soldados ordenanças;
• Marinha de Guerra: canhoneira Rio Ave e lanchas canhoneiras Flecha e Zagaia, com as respectivas guarnições;
• Bateria de Artilharia da Guiné: 2 oficiais e 28 cabos e soldados e 1 corneteiro;
• Batalhão de Caçadores nº 1: 1 oficial, 2 sargentos, 104 cabos e soldados e 3 corneteiros;
• Destacamento de Bissau: 1 oficial, 1 sargento, 1 corneteiro e 27 cabos e soldados;
• Guarnição do Presídio de Geba: 1 oficial, 2 sargentos, 118 cabos e soldados;
• Serviço de Saúde: 1 oficial, 2 sargentos e três soldados
• 1200 Auxiliares indígenas (grumetes e gentes de Tigili e Sambol Serandi), e
• 30 Civis europeus voluntários.
Foram louvados os seguintes oficiais, praças e civis:
Marinha de Guerra:
• 1ºs Tenentes Cristiano Sousa Barcelos, Filipe dos Santos Nunes e Policarpo José de Azevedo; 2ºs Tenentes Álvaro Herculano da Cunha, João Baptista Ferreira, António Ernesto da Fonseca Rodrigues, Jorge Fradezo Salazar Moscoso, Benjamim Paiva Curado e Hopfer Xavier Clemente Gomes; Aspirantes António da Câmara Melo Cabral, Henrique Augusto Metzner, António Rafael da Rocha Rodrigues Bastos, José Maria da Silva Estrela, Raul Correia de Bettencourt Furtado e Flávio Monteiro da Fonseca; Facultativo [médico] Dr. Benévolo Luiz da Fonseca; 1º Tenente Administração João Pedro de Andrade Martins; Aspirantes Administração João Gregório Fernandes e José Pereira Diniz; Maquinistas Júlio José dos Santos, António Januário da Silva, Artur Iria Rosa e Francisco Pereira; 2º Marinheiro Porfírio Pereira; Chegador Elísio.
© Mapa da Guiné Portuguesa – inicio da 2ª metade do Século XX (D.R.)
Exército de Terra:
• Capitães Zacarias de Sousa Lage e Heitor Alberto de Azevedo; Tenentes António Jorge de Lucena (morto) e Eduardo Augusto Perfelim; Alferes Gonçalves e António Caetano; Facultativo [médico] Dr. Luiz Caetano Sant’Ana Álvares; 2ºs Sargentos António Maria dos Santos, Francisco Monteiro Barbosa, Camilo Lima da Costa, Máximo José da Costa, Francisco de Barros Cardoso, José Carlos de Almeida, Belmiro Ernesto Duarte Silva; 1º Cabos José Augusto, António Ramos e José Pacheco; Soldados António Ramos, José Leocádio Lança, Bartolomeu Morais Pinheiro, João Maria, Teodoro Mendes, Manuel Afonso, João António, Manuel de Sousa Pedro, Gonçalo Gomes e Félix Agostinho.
Civis Combatentes:
• Zuzimo Morato (juiz); Nicolau Bernardino Monteiro e César da Silva Gonçalves (funcionários da Alfândega); Domingos Gomes de Araújo (ferido mortalmente), João Cabral Avelino, João José Rodrigues Pereira, Luiz de Araújo Ribeiro, Henrique Augusto da Silva e Remecilio de Carvalho (negociantes); Francisco José Rodrigues, António Rodrigues Afonso Santy, Justino Correia, Lino Cardoso, Clarimundo Barbosa Martins, Joaquim da Costa, João Rosa, Nicolau José Timas, Estevão de Pina Araújo, José Duarte Ribeiro, Fidélio José Mendes, Salomão José Monteiro, Pedro da Silva Morais, Luís Cabral de Brito, Maurício Rodrigues Quaresma, Domingos da Silva, Tomé Vieira, Henrique Pegado Gomes, Nicolau Bernardino Monteiro, Rufino Pereira Barreto, João Cabral Avelino e João José Rodrigues Pereira (diversas profissões).
Chefes de guerra indígenas:
• Galona, chefe de mandingas e beafadas; Sambel-Sirandy, régulo de Ganadú e seu irmão Gambú.
Civis não combatentes, valiosos auxiliares da coluna:
• Gentil Maffrá e Benjamim Potin (Franceses); Otto Schacht (Alemão); José Sebastião Sena e Ricardo Barbosa Vicente (Portugueses)
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné
© Foto: José Henrique de Mello
Defesa da Praça de Bissau e sortida sobre Antim e Bandim em Março e Abril de 1891
No mês de Fevereiro de 1891, na ilha de Bissau, havia fortes indícios de uma revolta mas o Governador, Augusto Rogério Gonçalves dos Santos, não queria ser apanhado de surpresa, pelo que mandou reunir em Bissau o Batalhão de Caçadores nº 1 e a Bateria de Artilharia da Província.
O gentio inicia diversos ataques à fortaleza, que origina um alerta permanente, não só pela guarnição da praça, mas também das guarnições das canhoneiras “Zagaia” e “Flecha” que cruzavam fogos com a artilharia da praça.
Para “aliviar a pressão” colocada pelas forças atacantes, a 19 de Abril, sob o comando do Capitão Joaquim António Carmo de Azevedo foi organizada uma coluna composta por 1 oficial e doze praças de artilharia, com uma boca de fogo de 7 c, e uma pequena peça de marinha; 120 praças de infantaria com 8 oficiais e de um oficial de infantaria que se voluntariou. A alguns auxiliares indígenas que acompanhavam a força, foi destinado o flanqueamento e a exploração do terreno.
A força dirigiu-se a Antim e, sem tomar as devidas precauções de segurança e mesmo sem a força de exploração ter avançado previamente, entrou na povoação sendo recebida a tiro pelos habitantes que se encontravam emboscados, sendo a coluna envolvida por grande numero de defensores.
Perante a superioridade dos defensores da tabanca e a fuga precipitada de auxiliares e alguns soldados indígenas, a coluna não tem outra forma de evitar uma chacina, decide retirar, não sem ter sofrido vários mortos e feridos. Da praça de Bissau saiu uma coluna de socorro, composta por oficiais, praças e moradores, sob o comando do Capitão.
Tombaram na operação os seguintes oficiais:
• Capitão Joaquim António Carmo de Azevedo, Capitão Heitor Nozolinho de Azevedo e Alferes José Honorato Moreira
Embarque de auxiliares num batelão
© Foto: José Henrique de Mello
Foram louvados os seguintes oficiais, praças e civis:
• Capitão de Cavalaria Caetano Alberto da Costa Pessoa; Tenentes Pedro Rogério Leite e Júlio César Barata Feio; Alferes José de Pina, Miguel Lourenço de Carvalho Peres, Carlos Ribeiro Nogueira Ferrão, Manuel de Almeida; os Soldados da Policia de Cabo Verde Pedro Fernandes e Apolinário dos Ramos; e o Farmacêutico Militar Justiniano de Sousa Gonzaga.
(Continua)
Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"
1. Em mensagem do dia 13 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos mais este episódio para a sua série.
Viagem à volta das minhas memórias (59)
“ESTÁ NA MALA”
Azimute: “PELUDA”
CUMERÉ, derradeiro estacionamento da FORÇA que aguardava regresso à Metrópole, depois de honroso e meritório desempenho que se deveu à generalidade dos seus Homens, a quem pertenci de parte inteira e com orgulho, muito orgulho.
Acabados os “trabalhos” que me prenderam por Bula e tendo a sonhada pré-peluda “ido pelo cano”, creio que na antevéspera de embarcarmos nos TAM rumo à PELUDA acabei por me reunir à minha CCAÇ 2791, que havia já tempo aguardava embarque no Cumeré.
Destas instalações não me recordo absolutamente nada, talvez pelas poucas horas que por lá estive, divididas ainda por uma ida a Bissau para umas poucas compritas de última hora.
Mal pareceria regressar a casa de mãos a abanar, já que nem a roupa civil ou militar traria. À excepção da camisa e calça número dois, respectiva boina e cinturão personalizado que traria vestido na viagem de regresso à metrópole e do famigerado pólo “Lacoste” azul-marinho (ex-pertença do Fur. Trms. Lourenço e que por birra mútua lhe andei a pagar durante a comissão inteira, até ao último dia) todos os meus pertences tinha já ficado por Bula, ofertados. Só o meu lenço vermelho, as minhas botas “mineiras” e o meu camuflado de mato - espécie de amuletos da sorte e da vida - ficaram já no Cumeré com o Sá, Fur. ”Pira” por quem senti amizade logo aos primeiros contactos e que achei merecedor do “legado”. (Posteriormente foi incorporado, creio não errar, na CCAÇ 13 onde teria passado por momentos complicados e viveu a transição. Ao fim de trinta anos de o procurar, reencontramo-nos e a partir daí, volta e meia, a par de mais uma dúzia de Companheiros juntamo-nos numas petiscadas, em convívio saboroso.)
Assim e no final da ida às compras, como o patacão se foi esgotando noutros bens “mais prementes e essenciais” … os “recuerdos“ ficaram pelas intenções e acabei por só comprar uma “Gillette” para a barba, já que teria de a desfazer à maneira no dia seguinte, para embarque que se efectuou pela tarde num Boeing dos TAM.
Da viagem ficou-me na lembrança o servirem vinho num canecão em alumínio e a chegada a Figo Maduro onde um personagem entrou de aspersor nas mãos, borrifando a cabine com uma bomba tipo “Sheltox”, como que a desinfestar-nos (bem sei, Vinhal, bem sei que não era a nós) enquanto na “montra elevada exterior” familiares e amigos expectantes e ávidos de reconhecimento aguardavam que colocássemos os pés em terra.
Depois foi o embarque nas viaturas rumo ao RAL 1,onde de entre outros procedimentos se acertaram contas (recordo que ainda recebi algum dinheiro) e se deu por findo o nosso contributo militar à Pátria, ficando desde esse momento e por mais uns bons anos obrigatoriamente disponíveis para novo “chamamento” em caso de necessidade. Íamos pois passar à chamada disponibilidade.
Consoante a Rapaziada entrava na “peluda”, a maioria desaparecia rápido da vista, não dando tempo a despedidas ou quaisquer trocas de informações. Salvo excepções, queríamos era ir ter com quem nos aguardava lá ou e em casa. Aquele passado recente era para começar a esquecer (?!). “Estava na mala”! Vida nova começava a despontar!
Pelo que me toca e lembro, aguardavam-me alguns familiares, para além da já minha noiva e futuro sogro (italiano) que, talvez por ter sido veterano da guerra da Abissínia, me deitou a mão à camisa nº 2 que vestia, estraçalhando-ma, fazendo com que a única peça de roupa que trazia na maleta, o “bendito” pólo azul “Lacoste”, viesse a recompletar a roupagem na ida à “Churrasqueira do Campo Grande” para uma jantarada de boas vindas.
(Foto LF) Quadro-recordação
Tinham-se passado vinte e quatro longos meses vividos em terras sob desígnio da Bandeira Nacional a que prestáramos um juramento que cumprimos da melhor maneira que soubemos e conseguimos, usando as nossas capacidades humanas físicas e psicológicas para ultrapassar o dia-a-dia nas suas incertezas, nos seus receios e medos, no cansaço, nas saudades…, apoiando-nos na Fé e na Esperança, na amizade e na camaradagem, na confiança e na disciplina.
Foram meses de vivências que rápida e extemporaneamente levou rapazes a transformarem-se em homens de juventude interrompida e futuro incerto, que se apoiavam entre si como verdadeiros Camaradas de armas no cumprimento do dever e na persecução do objectivo sobrevivência.
Também meses de ganhos em Amizades desinteressadas, melhor dizendo desinteresseiras, que prevalecem até aos dias de hoje e que parecem renovar-se a cada reencontro mais ou menos intervalado no tempo (que alguns imbecis apodam depreciativamente “… de saudosistas decrépitos…!?”), onde também se recordam e por vezes parece reviverem-se momentos de situações boas e más, que por um ou outro motivo ficaram retidos nas nossas memórias e que se complementam, eventualmente formando perspectivas mais abrangentes do que foi vivido em conjunto.
A força da vida levou-nos por caminhos diversos mas deixou-nos ligados por elos que de novo se unem, remoçando-se nestes reencontros que só pecaram a meu ver, por norma tardios, já que poderiam ter contribuído mais cedo para eventuais expurgos de “fantasmas” psicológicos inibidores de uma vida mais sã.
Luís Faria
____________
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 13 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10662: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (58): Bula - Pré-peluda
Guiné 63/74 - P11141: Do Ninho D'Águia até África (53): Comando de Agrupamento 16 (Tony Borié)
1. Quinquagésimo terceiro episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:
O Cifra já falou do comando a que pertencia em diversos textos, mas agora que se aproxima da fase final da primeira parte das suas memórias, vai apresentar uma foto desse comando, não em muito boas condições, pois toda a documentação da sua estadia no conflito, resumia-se a alguns apontamentos num diário, onde um pouco mais tarde de lá estar, e vendo o volume que o conflito tomava, com todas aqueles companheiros que regressavam feridos, alguns nem regressavam, iam mortos, embrulhados no camuflado sujo com o seu próprio sangue, para a capital da província, então aí, começou a apontar algumas datas de casos que o Cifra pensava que tinham alguma importância. Escrevia, escrevia, depois riscava, fazendo sobressair algumas partes, mas numa linguagem rude, própria do local e dos amigos que compunham o seu grupo inseparável, eram quase sempre relatos escritos em cima do joelho, a quente e à pressa, tendo sempre receio que ao outro dia se esquecesse, tudo isto junto com a sua memória, que passado quase cinquenta anos, com um pouco de paz, vai lembrando. Umas memórias trazem outras, e como alguém já disse, normalmente um COMBATENTE, tem “memória de elefante”, porque passou por momentos diferentes da normal vida de um ser humano.
Naquela idade ninguém esquece uma explosão, um amigo ferido por estilhaços, um amigo que morreu com balas no corpo, a terra vermelha do chão da Guiné, a água turva de lama dos canais, bolanhas e rios, o calor húmido e abafado, meses e meses seguidos comendo peixe e arroz da bolanha, a amizade de companheiros que sofriam juntos, as agruras de uma guerra horrorosa, dois anos vestidos com a mesma roupa e da mesma cor, enfim, todas aquelas pequenas, e às vezes grandes coisas, que por lá passavam no dia a dia.
O Cifra quando deixou o serviço militar emigrou e algumas fotos ficaram no seu querido e nunca esquecido Portugal, quando muitos anos depois foi por elas, que até eram muitas, já não existiam, algumas, os seus familiares da segunda geração tinham-nas em suas casas, em muito fraco estado, mas o Cifra recuperou o melhor que pôde, e são essas que vai mostrando aos seus amigos companheiros combatentes, e hoje vai tentar mostrar o Agrupamento 16, do qual, com bastante mágoa, ainda nenhum companheiro apareceu até hoje, a dizer alô.
O Agrupamento 16, o Cifra acredita que derivado ao desenvolvimento do conflito, foi o primeiro comando a sair da capital da província e a instalar-se no interior, numa zona onde esse mesmo conflito aumentava, pois a zona do Oio, e quase toda a zona norte, era onde os guerrilheiros começaram por instalar-se, construindo as suas “casas mato”, criando os seus corredores de abastecimento, fazendo o recrutamento do seu pessoal, e como tal aparece no interior, portanto fora da capital, em pleno cenário de guerra, um comando que não tinha armas, composto quase por militares graduados, mas que infelizmente dava ordens para matar.
Construiu-se um aquartelamento, criaram-se diferentes gabinetes, as forças de acção foram chegando e o comando do Agrupamento distribuía essas forças pelos diferentes cenários de guerra, de acordo com a acção dos guerrilheiros, sendo que a maior parte das ordens vinha do centro de operações da capital, mas o Agrupamento 16, além de fazer o esquema, com todos os detalhes e organização de todas as operações na sua zona de acção, é que determinava quem ia combater na zona tal ou era destacado para a zona onde ainda havia alguma paz.
____________
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11120: Do Ninho D'Águia até África (52): A máquina fotográfica (Tony Borié)
DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 53
O Cifra já falou do comando a que pertencia em diversos textos, mas agora que se aproxima da fase final da primeira parte das suas memórias, vai apresentar uma foto desse comando, não em muito boas condições, pois toda a documentação da sua estadia no conflito, resumia-se a alguns apontamentos num diário, onde um pouco mais tarde de lá estar, e vendo o volume que o conflito tomava, com todas aqueles companheiros que regressavam feridos, alguns nem regressavam, iam mortos, embrulhados no camuflado sujo com o seu próprio sangue, para a capital da província, então aí, começou a apontar algumas datas de casos que o Cifra pensava que tinham alguma importância. Escrevia, escrevia, depois riscava, fazendo sobressair algumas partes, mas numa linguagem rude, própria do local e dos amigos que compunham o seu grupo inseparável, eram quase sempre relatos escritos em cima do joelho, a quente e à pressa, tendo sempre receio que ao outro dia se esquecesse, tudo isto junto com a sua memória, que passado quase cinquenta anos, com um pouco de paz, vai lembrando. Umas memórias trazem outras, e como alguém já disse, normalmente um COMBATENTE, tem “memória de elefante”, porque passou por momentos diferentes da normal vida de um ser humano.
Naquela idade ninguém esquece uma explosão, um amigo ferido por estilhaços, um amigo que morreu com balas no corpo, a terra vermelha do chão da Guiné, a água turva de lama dos canais, bolanhas e rios, o calor húmido e abafado, meses e meses seguidos comendo peixe e arroz da bolanha, a amizade de companheiros que sofriam juntos, as agruras de uma guerra horrorosa, dois anos vestidos com a mesma roupa e da mesma cor, enfim, todas aquelas pequenas, e às vezes grandes coisas, que por lá passavam no dia a dia.
O Cifra quando deixou o serviço militar emigrou e algumas fotos ficaram no seu querido e nunca esquecido Portugal, quando muitos anos depois foi por elas, que até eram muitas, já não existiam, algumas, os seus familiares da segunda geração tinham-nas em suas casas, em muito fraco estado, mas o Cifra recuperou o melhor que pôde, e são essas que vai mostrando aos seus amigos companheiros combatentes, e hoje vai tentar mostrar o Agrupamento 16, do qual, com bastante mágoa, ainda nenhum companheiro apareceu até hoje, a dizer alô.
O Agrupamento 16, o Cifra acredita que derivado ao desenvolvimento do conflito, foi o primeiro comando a sair da capital da província e a instalar-se no interior, numa zona onde esse mesmo conflito aumentava, pois a zona do Oio, e quase toda a zona norte, era onde os guerrilheiros começaram por instalar-se, construindo as suas “casas mato”, criando os seus corredores de abastecimento, fazendo o recrutamento do seu pessoal, e como tal aparece no interior, portanto fora da capital, em pleno cenário de guerra, um comando que não tinha armas, composto quase por militares graduados, mas que infelizmente dava ordens para matar.
Construiu-se um aquartelamento, criaram-se diferentes gabinetes, as forças de acção foram chegando e o comando do Agrupamento distribuía essas forças pelos diferentes cenários de guerra, de acordo com a acção dos guerrilheiros, sendo que a maior parte das ordens vinha do centro de operações da capital, mas o Agrupamento 16, além de fazer o esquema, com todos os detalhes e organização de todas as operações na sua zona de acção, é que determinava quem ia combater na zona tal ou era destacado para a zona onde ainda havia alguma paz.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 19 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11120: Do Ninho D'Águia até África (52): A máquina fotográfica (Tony Borié)
Guiné 63/74 - P11140: O que é feito de ti, camarada? (1): Jorge Canhão, Oeiras (ex-fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74)
1. Comentário ao poste 11055, de 4 do corrente, assinado pelo editor L.G., e dirigido ao nosso camarada Jorge Canhão [, foto à direita, em junho de 19690, na LDG, a caminho de Gadamael] , e de quem não tínhamos notícias há uns largos meses.
Recorde-se que ele foi fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa e Gadamael, 1972/74). Vamos, entretanto, dar início a uma nova série [, O que é feito de ti, camaradas ?], em que se procura saber de novas de camaradas que, por uma razão ou outra, têm andado arredios da nossa Tabanca Grande...
Recorde-se que ele foi fur mil at inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa e Gadamael, 1972/74). Vamos, entretanto, dar início a uma nova série [, O que é feito de ti, camaradas ?], em que se procura saber de novas de camaradas que, por uma razão ou outra, têm andado arredios da nossa Tabanca Grande...
O que é feito de ti, camarada ?...Estás em boa forma ? Tenho estado a publicar estas fotos tuas que me chegaram através do Agostinho Gaspar... São uma preciosidade. Preciso que as comentes. E já agora, que comentes também o apontamento do AGA, no seu "Diário da Guiné" (Mansoa, 19/5/1973)...
Diz-me se vocês (3ª companhia) sofreram algum ataque ou flagelação em Gadamael, entre 18 de junho e 13 de julho de 1973... Tens ideia de quando é que foi o último ataque ? A tua companhia só levava um alferes, o Rocha ? Tu comandavas o 2º pelotão ? E o Gonçalves, furriel, outro ? Em que consistiu o vosso reforço ? Saíram para o mato ?... De que altura são os principais estragos ? Qual foi a extensão dos estragos, na tabanca e no quartel ?... O que é "o pelotão do ronco" ? ...
Um alfa bravo. Tens os meus contactos (casa, gabinete e telemóvel)
2. Resposta, por mail, do Jorge Canhão, com data de 19 do corrente:
Camarada Luís Graça:
(i) Desculpa-me de só agora ter paciência para te responder ao mail que enviaste, mas a situação principal é uma certa calanzice.
Mas também tem a ver com a saúde, pois nos fins de Outubro, tive de ser operado, embora tudo tenha corrido bem... Estou a fazer tratamentos, ainda a meio... A recuperação está a ir de vento em popa, ou não fosse eu um canhão, que dispara...dispara....mas devagarinho.
Espero estar no almoço de 22 de junho, [da Tabanca Grande, em Monte Real,] mas só mais lá para a frente é que terei a certeza.
(ii) Sobre as outras questões, penso que o maior ataque que sofremos foi num dia da santos populares, embora não saiba a data certa, estou a tentar saber: foi de 4 a 5 horas, aliás já o documentei no blogue e o camarada Agostinho Gaspar também o fez.
Sobre o comando da companhia: éramos comandados pelo capitão Salgado, militar do quadro; havia vários alferes e furriéis; não sei se nessa altura era eu o comandante de 3º pelotão, porque embora tivesse alferes (o Maia), quando ele se ausentava de férias, ou tinha que ir a Bissau, ou até substituir o comandante de companhia (pois era o mais "antigo" da companhia), era eu que o substituía (, também pro antiguidade). Esteve em Gadamael quase toda a companhia.S erá uma das coisas que no próximo encontro da companhia (em Outubro) tentarei clarificar.
Sobre o comentário do camarada Arménio Estorninho, respeitante à foto em que estou na LDG e em que eu digo que foi tirada Buba, bom, limiteu-me a referir o que me disseram. Quando a companhia saiu de Bissau a caminho de Cacine/Gadamael, a LDG fez um desvio para levar mantimentos. Mais que isto não sei
Abraços
3. Resposta de L.G.:
Jorge: Força para ti!... Precisas de muita coragem... E isso é meia cura. Foi o Agostinho que me alertou para a tua situação, dizendo-me que estavas a convalescer. Infelizmente vamos ter que saber viver, cada vez mais, com a(s) doença(s), e nomeadamente a(s) crónica(s)... É o preço por vivermos cada mais... Felizmente também que cada vez mais estas merdas são curáveis... Quero-te dar um grande abraço no dia 22 de junho, se não for antes. Um beijinho para a tua Maria de Lurdes. Já sei se inscreveram. Fico feliz por isso. É um grande sinal de esperança, de força, de coragem e de companheirismo. Luís.
Diz-me se vocês (3ª companhia) sofreram algum ataque ou flagelação em Gadamael, entre 18 de junho e 13 de julho de 1973... Tens ideia de quando é que foi o último ataque ? A tua companhia só levava um alferes, o Rocha ? Tu comandavas o 2º pelotão ? E o Gonçalves, furriel, outro ? Em que consistiu o vosso reforço ? Saíram para o mato ?... De que altura são os principais estragos ? Qual foi a extensão dos estragos, na tabanca e no quartel ?... O que é "o pelotão do ronco" ? ...
Um alfa bravo. Tens os meus contactos (casa, gabinete e telemóvel)
2. Resposta, por mail, do Jorge Canhão, com data de 19 do corrente:
Camarada Luís Graça:
(i) Desculpa-me de só agora ter paciência para te responder ao mail que enviaste, mas a situação principal é uma certa calanzice.
Mas também tem a ver com a saúde, pois nos fins de Outubro, tive de ser operado, embora tudo tenha corrido bem... Estou a fazer tratamentos, ainda a meio... A recuperação está a ir de vento em popa, ou não fosse eu um canhão, que dispara...dispara....mas devagarinho.
Espero estar no almoço de 22 de junho, [da Tabanca Grande, em Monte Real,] mas só mais lá para a frente é que terei a certeza.
(ii) Sobre as outras questões, penso que o maior ataque que sofremos foi num dia da santos populares, embora não saiba a data certa, estou a tentar saber: foi de 4 a 5 horas, aliás já o documentei no blogue e o camarada Agostinho Gaspar também o fez.
Sobre o comando da companhia: éramos comandados pelo capitão Salgado, militar do quadro; havia vários alferes e furriéis; não sei se nessa altura era eu o comandante de 3º pelotão, porque embora tivesse alferes (o Maia), quando ele se ausentava de férias, ou tinha que ir a Bissau, ou até substituir o comandante de companhia (pois era o mais "antigo" da companhia), era eu que o substituía (, também pro antiguidade). Esteve em Gadamael quase toda a companhia.S erá uma das coisas que no próximo encontro da companhia (em Outubro) tentarei clarificar.
Sobre o comentário do camarada Arménio Estorninho, respeitante à foto em que estou na LDG e em que eu digo que foi tirada Buba, bom, limiteu-me a referir o que me disseram. Quando a companhia saiu de Bissau a caminho de Cacine/Gadamael, a LDG fez um desvio para levar mantimentos. Mais que isto não sei
Abraços
3. Resposta de L.G.:
Jorge: Força para ti!... Precisas de muita coragem... E isso é meia cura. Foi o Agostinho que me alertou para a tua situação, dizendo-me que estavas a convalescer. Infelizmente vamos ter que saber viver, cada vez mais, com a(s) doença(s), e nomeadamente a(s) crónica(s)... É o preço por vivermos cada mais... Felizmente também que cada vez mais estas merdas são curáveis... Quero-te dar um grande abraço no dia 22 de junho, se não for antes. Um beijinho para a tua Maria de Lurdes. Já sei se inscreveram. Fico feliz por isso. É um grande sinal de esperança, de força, de coragem e de companheirismo. Luís.
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