Sim, medo. Alguns, como era o caso do Cifra, fugiam para o abrigo mais próximo, muitas vezes encolhia-se num canto, com as mãos na cara ou na cabeça, esperando que o som dos tiros e da explosões das granadas terminassem. Outros gritavam frases sem qualquer senso, disparavam em qualquer direcção onde pensavam que os guerrilheiros se encontravam, tentavam não se acomodar, mas toda essa movimentação, gritos e gestos, era sem qualquer dúvida, o querer afugentar o medo que naquela altura sentiam, essa é a verdade de quem lá andou, presenciou estas malditas cenas e viu os rostos desfigurados de alguns companheiros que queriam demonstrar alguma coragem, mas naquele momento, atrapalhados, com o medo, claro, tinham dificuldade em trocar o carregador da G-3, quando estava vazio.
É dos livros, muitos heróis foram-no, porque o medo e o desespero fizeram com que fossem buscar forças e coragem que nunca souberam onde, para ultrapassar essas dificuldades de medo, que na altura sentiam.
É por isso que eu aprecio os textos de alguns dos nossos amigos antigos combatentes, que escrevem neste blogue, que nos contam algumas passagens verdadeiras do que lá passaram, mas contam-nas com um certo humor, com uma certa graça, tentam sempre pôr um pouquinho de boa disposição em cenas, que às vezes são de arrepiar.
O Cifra não quer abusar do precioso espaço deste blogue, porque daqui a pouco o bom do Carlos Vinhal vai dizer que já tem mais de quatro páginas e umas tantas fotos ou “rascunhos” a mais, o Luís Graça é capaz de pensar que este blogue não é só do Cifra, pois tem que o repartir com mais umas centenas de companheiros, isto é só o Cifra que diz, pois o Cifra, nunca ouviu um só lamúria da boca de ambos, pelo contrário, mas não pode deixar de exemplificar algumas passagens de alguns companheiros, como por exemplo:
O companheiro Jorge Cabral, o “nosso alfero”, no meio daquele ambiente, com muito poucas condições para um ser humano sobreviver, dizia que tomava “banho à Fula”, falava um pouco “à Fula” mas sabia que ressonava “à Fula” e com o maior humor do mundo, comia numa mesa “ensebada” e quando lhe perguntaram se sabia falar Fula, ele respondeu que em Fula... só ressonava!.
O Veríssimo Ferreira, para não dizer que era ele, que andou por lá a calcar bolanhas, tarrafo e savanas, a certa altura diz que o seu relógio “Cauny Prima Swiss, 25 rubis”, que até era “waterproof”, pois tinha que realmente ser, passeou com ele por Bissau, Mansoa, Cutia, Mansabá, Bissorã, Pelundo, Teixeira Pinto, Cuntima, Canjambari, Quinhamel e Farim, e tinha combatido em Buro, Berecobá, Biribão, Jolmete e K3.
O José Manuel Matos Dinis, que muito originalmente se assina com as letras “J.D.”, diz numa altura de alerta, em que as forças militares iriam entrar em acção, que na sua frente aparece um “contra-guerrilheiro”, empunhando a espingarda automática G-3, com o cinturão a pender da cintura, mas sem tapar o órgão genital, que era um bravo combatente da província do Minho remoto de Perre, e que lhe gritava, “eles estão cá dentro”...!
E para terminar, queria só lembrar esta passagem real, vivida num momento de desespero, contada com toda a sinceridade, que o nosso querido companheiro de armas e de profissão, Henrique Cerqueira descreve: “Nós só tínhamos três meses de mato e como é natural nos primeiros momentos de ataque pelo menos deitei-me no chão e só não escavei um buraco porque não sabia se devia usar as mãos para escavar... ou tapar a cabeça. Eis que passados alguns eternos minutos, olho para o lado e vejo o meu Inhata, a municiar a minha arma e a preparar-se para disparar. Aí senti alguma “vergonha”, saquei-lhe a arma das suas mãos e toca a disparar e o Inhata sempre a meu lado a municiar. Este, numa breve acalmia do ataque, teve o cuidado de me confortar dizendo que já estava habituado e que só queria municiar a arma. Eu acho que ele se apercebeu que inicialmente eu estava era todo acagaçado e na verdade estava mesmo”.
Creio, que mais sinceridade nesta descrição não pode existir.
Mas também existem cenas com alguma ternura, de mulheres que por lá passaram e que sofreram o clima, calcaram aquela terra vermelha, ouviram o som dos tiros e o desespero dos seus maridos e companheiros, mas tinham alguma coragem, estavam a seu lado, a dar-lhe o conforto possível, portanto também sofreram a guerra, como a esposa do Henrique, a sua amada Ni, que a certa altura diz: “Quando chegamos a Bissorã e entro na nossa “casa”, fiquei espantada pois estava decorada com os assentos de um carocha, as camas da tropa, tínhamos um frigorífico a petróleo, a casa de banho, eram dois bidões de chapa...!
Tony Borie,
Julho de 2013
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Nota do editor
Último poste da série de 20 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11857: Bom ou mau tempo na bolanha (20): O Cifra encontra os seus amigos (Toni Borié)