1. O nosso Camarada José Saúde,
ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74,
enviou-nos a seguinte mensagem sobre o Francisco
Fonseca, ex-furriel miliciano, CART 2732, que cumpriu missão em Mansabá,
1970/72
História
de um emboscada entre Mansoa e Mansabá
Camaradas
Com a devida vénia ao nosso
blogue, permitam-me parafrasear este pequeno mote que surge interligado a um
enorme sentimento de nostalgia que permanentemente assola o velho combatente
que prestou serviço militar na Guiné: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca… é
Grande.
Viajando nas alindas amarras do
tempo com sabores e odores que muito bem conhecemos naquela terra vermelha,
detemo-nos perante momentos circunstanciais que nos fazem reviver um mundo,
quiçá assombrado, onde o quotidiano foi pautado com irreversíveis momentos de
desespero e onde descortinámos segundos, minutos, horas e dias de profunda
revolta.
Foi a morte de um camarada, de
um outro estropiado, doutros feridos com menos ou mais gravidade, ou, de
instantes em que a nossa força interior se superiorizou ao conteúdo de uma
guerra que jamais nos outorgou tréguas. Rebentamentos infinitos, o zumbir das
balas, os ataques noturnos aos quartéis, as emboscadas e as minas na picada, ou
a incerteza do momento seguinte, formavam uma pirâmide de canseiras próprias de
uma guerrilha que não dava sossego.
Hoje, sentado na poltrona do
bonança, revejo comissões militares de velhos amigos que pisaram o solo
guineense, antes da minha pessoa, e recordo algumas das suas histórias
hilariantes, algumas fatídicas, onde a guerra traçava o destino de jovens
militares colocados nas vanguardas do conflito em defesa de interesses alheios.
Por força de uma estima que já
vai longa, sou amicíssimo de um camarada nosso de guerra na Guiné, onde os
laços de amizade que nos unem se reportam aos princípios do anos 60, século
passado, tendo as nossas vidas feito de nós uns caminheiros inseparáveis na
rocambolesca vida terrena. A nossa eterna amizade é enorme e manter-se-á até ao
derradeiro dia em que partiremos decididamente para a tal famigerada viagem sem
regresso.
Apresento-vos, e proponho em
simultâneo ao nosso chefe-mor Luís Graça o honroso lugar de tabanqueiro deste
velho camarada e amigo, o ex-furriel miliciano Fonseca, sendo a sua graça
completa Francisco Gomes Fonseca, nascido em 29 de maio de 1948, em Baleizão e
residente em Beja desde os tempos de criança, que fez a sua comissão em Mansabá
na CART 2732, entre o período que mediou o mês de abril de 1970 e o de
fevereiro de 1972. Esta Companhia era constituída maioritariamente por pessoal
originário da Ilha da Madeira, local onde formaram o contingente com destino à
Guiné.
O Fonseca fala esporadicamente
da guerra na Guiné. As sensações vividas no terreno são comedidas. Nunca
vislumbrei no seu diálogo tons jocosos sobre a sua estadia em Mansabá. Fala sim
do ambiente constatado entre os camaradas que perfilhavam ideais comuns. O
Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da sua Companhia e nosso co-editor e
administrador do blogue, foi seu camarada e ele sabe bem como ambiente era vivido
no aquartelamento.
Com a voz trémula, ainda que
melancólica quando revê a temática abordada, isto é, quando o mote assenta
sobre uma emboscada sofrida entre Mansoa e Mansabá, precisamente no dia 6 de
dezembro de 1971, 11h15, o ex-furriel miliciano conta que “a coluna, onde
seguia com o seu pelotão, reforçado com duas secções de milícias africanas, uma
delas seguia na frente e outra na retaguarda, foi emboscada no regresso a
Mansabá, num local denominado Mamboncó, sendo que do confronto com o IN tivemos
um morto, um outro camarada que acabaria por morrer e muitos feridos graves e
outros menos graves. Além disso tivemos também viaturas destruídas”.
Na memória surgem-lhe, ainda,
imagens desse famigerado dia e que nunca esquecem: “Lembro-me que o IN, muito
bem armado, saltou para a estrada, foi um enorme tiroteio entre as NT e o IN ,
minutos que pareciam horas, rebentamentos sucessivos, tivemos depois o apoio da
Força Aérea, bem como da artilharia de Mansabá, e por fim foi feito o rescaldo
da emboscada. Nem sei como saí daquele inferno. Foi uma manhã louca”.
Segundo o ex-furriel miliciano
Fonseca, o pelotão era comandado por ele e pelo ex-furriel miliciano Sousa, um
amigo que nunca mais esquecerá e com quem troca habituais contactos. São estas
amizades criadas em tempo de tropa, e particularmente na guerra, que tendem em
não consumir lembranças de outrora que literalmente permanecem bem ativas na
nossa insofismável mente.
São também estes cenários de
guerra na Guiné, onde as balas de raiva detonaram vidas e destroçaram sonhos,
que, a espaços embora distantes, procuro trazer à liça, reconhecendo porém que
todos nós somos portadores de histórias que marcaram as nossas vidas como
antigos combatentes naquela porção de terra de onde se extraem pedaços de uma
juventude perdida e, à época, algo moribunda com a sorte que o destino lhe
pregou.
1 - Foto atual
2 - No abrigo
3 - Com um camarada
4 - Unimog destruído na
emboscada
5 - Numa equipa de futebol
6 - Preparado para uma saída
para o mato
7 - Com o furriel miliciano
Carlos Vinhal, o cabo Santos e o furriel miliciano Sousa
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do
BART 6523
Mini-guião
de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em: