domingo, 5 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13692: Álbum fotográfico do Victor Neto, ex-fur mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Cachil: parte I



Guiné > Região de Tombali > Cachil >  CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 3 > Mata destruída e a vista parcial do quartel do Cachil do lado do cais... porque no lado oposto seria muito perigoso para o fotógrafo, nunca se sabia quando é que um turra poderia  estar  na mata grande do Cachil... Uma das baixas que a companhia teve logo quase à chegada foi de um tiro isolado quando o soldado estava a cavar o abrigo. Além disso era uma zona que estava armadilhada e pessoal estava avisado para não a usar, embora durante o dia e nos dias em que havia batidas à mata do Cachil as armadilhas eram desactivadas para evitar acidentes.



Guiné > Região de Tombali > Cachil >  CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 3 A > O sistema de deteção de intrusos... As famosas garrafas de cerveja vazias, presas ao arame farpado... Mas um exemplo prtático da arte do desenrascanço dos tugas... (LG)




Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 2 > .> Cais do Cachil ainda na época seca.
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Guiné > Região de Tombali > Cachil >  CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 7 > A lancha do Cachil [, que vinha de Catió,]  o lodo e a lama e o trabalho de escravos.




Guiné > Região de Tombali > Cachil >  CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto nº 9 > Escravatura em ação.... O transporte dos toros para a construção da paliçada e casernas.


Fotos (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2014). Todos os direitos reservados [Edição : LG]


1. Fotos falantes do Cachil, diz o José Colaço. E, se são falantes, (quase) não precisam de legenda... Pertencem ao do álbum do ex-fur mil Victor Neto  (CCAÇ 557, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65).

Cá aqui fizemos o convite público para ele ingressar na Tabanca Grande (*). É um camarada do tempo da caqui amarelo.  Vou mandar um mail, à esposa, Maria Elisa Neto. Só preciso de uma foto atual...

Um grupo de combate da CCAÇ 557 também participou diretamente na Op Tridente (jan-mar 1964) (**)



Guiné > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > Posição relativa de Cachil, a sudoeste de Catió, na ilha de Caiar... As outras ilhas eram Como e Catundo... Croquis de Mário Dias.  

Infografia: © Mário Dias (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


[As ilhas de Caiar, Como e Catunco estavam separadas do continente, a norte pelo Rio Cobade, a oeste pelo Rio Tombali, a leste pelo Rio Cumbijã, e a sul pelo oceano Atlântico... A ligação de Cachil (na margem esquerda do Rio Cobade) a Catió fazia-se de barco, pelo Rio Cobade e depois pelo seu afluente, o Rio Cagopère (em cuja margem direita se situava o porto exterior de Catió)] (LG)

[ "A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória.

"Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

"Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

"Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. Foi então planeada pelo Com-Chefe a Operação Tridente na qual foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos (...), num total de cerca de 1200/1300 homens"] (Mário Dias)


____________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13688: Fotos à procura de uma legenda (36): Uma vacada... no Cachil (Victor Neto / José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)

(**) Vd. poste de 20 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

(...) Li com muito apreço o relato correcto que o camarada Mário Dias escreve sobre a Operação Tridente, em Cauane - a que nós que estávamos no Cachil chamávamos a Praia - , os desmentidos a João de Melo e a José Freire Antunes. OK, nós, companhia de caçadores 557, também lá tínhamos um pelotão que era uma força activa às ordens do Tenente-coronel Fernando Cavaleiro.

Parece que o Mário desconhece este facto, pelo menos não li nada em que o Mário fizesse referência a esses homens.

As declarações que o Coronel Fernando Cavaleiro faz ao programa A Guerra, de Joaquim Furtado, são de uma veracidade a toda a prova embora, como se compreende, bastante resumidas. Os meus parabéns a ambos. (...)

sábado, 4 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13691: Notas de leitura (638): Algumas considerações às perguntas deixadas por Rui A. Ferreira no seu livro "Quebo - Nos Confins da Guiné" a propósito da retirada do Guileje (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do dia 27 de Agosto de 2014 do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª na situação de Reforma (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné, 1968/70 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73):

Há dias tive conhecimento da publicação do livro QUEBO - NOS CONFINS DA GUINÉ, cujo Autor é o nosso Camarada RUI ALEXANDRINO FERREIRA, a quem felicito por nos deixar mais uma excelente obra sobre a guerra da Guiné.

No último capítulo, o Autor formula várias perguntas, das quais se transcreve a que se refere à Retirada de Guilleje: 

"7. Porque não se realizou. relativamente ao abandono de Guileje, o julgamento de Coutinho e Lima? Quais os motivos para uma amnistia, tão rápida? Porque não prosseguiu o julgamento todo o caminho que lhe faltava? Quem tinha medo que a verdade não correspondesse à sua?"

Sobre estas interrogações, entendo fazer algumas considerações.

O meu julgamento não se realizou e não prosseguiu todo o caminho que lhe faltava porque, em 10MAI74, a Junta de Salvação Nacional (JSN) mandou publicar o Decreto-Lei n.º 194/74, que amnistiava vários crimes, entre os quais aqueles de que era acusado e, em consequência, o processo que me foi instaurado, foi arquivado.

Os motivos para uma amnistia tão rápida só poderiam ser esclarecidos pelo Sr. General António de Spínola, Presidente da JSN ou, eventualmente, outros elementos da mesma Junta.

Quem tinha medo que a verdade não correspondesse à sua?

Antes de arriscar uma resposta, vou dar as informações que se relacionam com o assunto.

O Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné teve conhecimento, pelo menos, em 27DEZ72, das intenções do PAIGC sobre Guileje.

Com efeito, consta do Anexo VI - Extracto do Relatório de Interrogatório - 27DEZ72 (pág. 410 do meu livro - A Retirada de Guileje, este interrogatório foi efectuado, nessa data, ao nativo, Mário Mamadu Baldé, de 25 anos, natural de Cacine), o seguinte:

"INTENÇÕES DO IN
...........
2. NA FRONTEIRA SUL: Refere que o IN pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos  de pessoal no corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Artª. na Rússia, para futuros reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar a acção."
..........

Só tive conhecimento deste importante documento quando tive acesso ao processo que me foi instaurado.

É INACREDITÁVEL que não me tivesse sido dado conhecimento deste documento, quando fui nomeado Comadante do COP 5, em 8 JAN 73.

Em 15MAI73, teve lugar no Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, sob a presidência do Sr. General António de Spínola, uma reunião de Comandos, na qual participaram os Senhores Comandantes dos 3 Ramos das Forças Amadas - Exército, Marinha e Força Aérea, o Sr. Comandante Adjunto Operacional, o Sr. Chefe de Estado-Maior do Comando Chefe e  os Senhores Chefes das Repartições de Informações (REP/INFO) e de Operações (REP/OPER).
A acta dessa importante reunião, com 63 páginas, encontra-se no Arquivo Histórico-Militar e já foi difundida no nosso blogue.

Dessa acta, transcrevo, a seguir, algumas declarações-

O Sr. Comandante Adjunto Operacional - Sr. Brigadeiro Leitão Marques, afirmou:

"..............
No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o IN está a preparar as necessárias condições de destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de acesso (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica - isto está já ao alcance das suas possibilidades militares.
Quanto às vantagens para a manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa.
..............
Assisti ao pressionamento psicológico ao povo americano, por causa dos seus prisioneiros no Vietnam do Norte durante quatro anos e senti em toda a sua profundidade o efeito desmobilizador desse pressionamento, o qual, em larga medida, juntamente com o elemento económico, levou à agitação interna das massas e à capitulação , apesar de todo o poderio militar americano.
O que acontecerá se tivermos de enfrentar situação semelhante?
................."

Nota - Os sublinhados são meus.

Da intervenção do Sr. Chefe da REP/INFO ( Sr. Ten Cor. de Infª. Artur Baptista Beirão), transcreve-se:

"...........
No imediato, julga-se que o IN:
..........
_ intente uma acção tipo convencional com carros de combate contra GADAMAEL, GUILEJE e/ou BURUNTUMA, tirando partido da vulnerabilidade destes pontos a este tipo de acções e visando o aniquilamento ou captura das guarnições;
..........
Num futuro próximo, prevê-se que o IN, partindo do clima de denso agravamento que a sua actividade imediata proporcionará:
 _ temte a eliminação sistemática das guarnições mais expostas sobre a fronteira, em acções isoladas de tipo convencional;....
...........
Resta referir , a finalizar, ....não permitem, como desejaria, uma melhor adjectivação das zonas preferenciais de esforço do IN...
...e apenas pode concluir-se por uma situação na qual todo o T.O., sem qualquer exclusão, acaba por constituir uma vasta área de preocupação, na qual dificilmente se podem, no momento, visualizar priorizações.
..........."

Ainda, relativamente às intenções do IN, no âmbito da REP/INFO, transcrevo parte da pág, 40 do meu livro:

"Em 09MAI73, a CCAÇ 3556 (EMPADA), enviou a mensagem 499, comunicando a existência de um grupo In na fronteira, com carros de combate que pretendiam atacar GUILEJE; a mesma Companhia rectificou esta mensagem através de outra - 507/73, referindo a presença nas matas de GUILEJE de um grupo de 35 cubanos e dois grupos de 45 elementos cada, preparados para atacar e aguardando ordens de "NINO".
Em 15MAI73, a CCAÇ 6 (BEDANDA) informou, através da mensagem 586/C, a chegada em 10MAI,  de 4 grupos vindos da REP. GUINÉ e a chegada a KANDIAFARA de cerca de 50 cubanos. Esta mensagem não foi enviada ao COP 5".

Da intervenção do Sr. Chefe da REP/OPER (Sr.Ten Cor. do CEM Mário Martins Pinto de Almeida), transcreve-se:

".............
Se não forem concedidos os reforços solicitados  as armas que permitam às NF enfrentar o IN actual...
julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se considerem essenciais e que permitam, à luz de outras concepções de manobra, desencadear mais tarde acções ofensivas de grande envergadura para recuperação das posições enfraquecidas, ou estruturar uma manobra de feição caracterizadamente defensiva baseada na implantação de um certo número de pontos de apoio a sustentar a todo o custo. Mas neste caso, as missões actualmente dadas às NF, em termos de protecção das populações e apoio ao esforço principal da manobra de contra-subversão centrado na manobra sócio-económica, teriam de ser revistas.
...........
A ameaça de utilização, pelo IN, de carros de combate, em golpes de mão sobre as guarnições de fronteira, aconselha a, desde já, dotar, pelo menos as guarnições indicadas pela Repartição de Informações como mais susceptíveis de ataques deste tipo, de meios que permitam a sua defesa anti-carro. Com o armamento que possuem e com o pessoal treinado para o tipo de guerra que temos enfrentado até ao presente, as guarnições apresentam-se impotentes e inaptas para fazer face à nova ameaça."

Lembra-se que, na data (15MAI73), em que se realizou  a Reunião de Comandos, já estava em curso, desde 08MAI, o ataque do PAIGC a GUIDAGE: É bastante estranho que, na acta da referida reunião não apareça nenhuma alusão a tal acontecimento.

As transcrições atrás indicadas,  merecem-me os comentários seguintes.

Acerca da intervenção do Sr. Brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional que, em 22MAI73, foi nomeado, pelo Sr, General Comandante-Chefe para proceder a auto de corpo de delito contra mim.
Se eu tivesse conhecimento desta acta de Reunião de Comandos, quando fui por ele ouvido, em 31MAI73, perante a última pergunta:

"Quando decidiu retirar tinha ponderado os altos prejuízos para a Nação resultantes desse procedimento?"

Certamente, ter-lhe-ia respondido com a pergunta seguinte:

"Pensou bem na hipocrisia desta  pergunta, face às suas declarações na Reunião de Comandos de 15MAI73?"

Acerca das declarações do Sr. Ten. Cor. de Inf.ª Artur Baptista Beirão, Chefe da Repartição de Informações, teria formulado as seguintes perguntas:

- Quais as diligências que mandou efectuar, relativamente ao Relatório de Interrogatório, feito em 27DEZ72, ao nativo Mário Mamadu Baldé, tendo em vista a verosimilhança e fiabilidade desse relatório e a que conclusões chegou?

- Porque não me foi dado conhecimento desse relatório, depois de eu ter sido nomeado, em 08JAN73, Comandante do COP 5?

- Porque julgava que o IN intentasse, no imediato, "uma acção tipo convencional, com carros de combate, contra GADAMAEL, GUILEJE,...", quando esta comunicação da Companhia de EMPADA, em 09MAI73, foi rectificada por outra mensagem da mesma Companhia?

- Porque não foi enviada ao COP 5, em 15MAI73, a mensagem 586/C da Companhia de BEDANDA, informando a chegada em 10MAI, de 4 grupos vindos da REP. GUINÉ e a chegada a  KANDIAFARA de cerca de 50 cubanos?

- As mensagens das Companhias de EMPADA e BEDANDA, associadas a outras eventuais informações que a REP/INFO tinha, não eram suficientes para prever, com grande probabilidade um ataque do IN a GUILEJE?

Acerca das declarações do Sr, Ten. Cor. do CEM Mário Martins Pinto de Almeida Chefe da Repartição de Operações, teria feito as seguintes perguntas:

- Nas suas declarações na Reunião de Comandos de 15MAI73, quando referiu que era necessário reforçar guarnições... que se considerasssem essenciais, estava a pensar na guarnição de GUILEJE? Se a resposta for SIM, que propostas fez para que esta guarnição  fosse reforçada?

- Tendo afirmado que era necessário dotar com meios de defesa anti-carro, as guarnições que a REP/INFO considerasse mais susceptíveis de ataques desse tipo e tendo esta Repartição indicado GUILEJE como uma das mais ameaçadas, no imediato, que propostas fez para que GUILEJE fosse dotada de meios de defesa anti-carro?

Para concluir e atendendo às considerações feitas, atrevo-me a afirmar que quem tinha medo que a verdade não fosse a sua, seriam o Sr. Comandante-Chefe, o Sr. Comandante Adjunto  Operacional ( que, da maneira como conduziu o auto de corpo de delito, não teve como objectivo primeiro a procura da verdade) e os Senhores Chefes das Repartições de Informações e Operações.

Com os meus cumprimentos
Alexandre da Costa Coutinho e Lima
(Coronel de Artª. Reformado
Ex-único Comandante do COP 5, em GUILEJE)

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OBS: O nosso pedido de desculpa ao Coronel Coutinho e Lima pela demora na publicação desta sua mensagem.

O editor
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13685: Notas de leitura (637): “Do Outro Lado das Coisas", do Embaixador João Rosa Lã (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13690: Bom ou mau tempo na bolanha (69): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (9) (Tony Borié)

Sexagésimo oitavo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Da Florida ao Alaska, nono dia

Já há algum tempo que tínhamos passado o Paralelo 48 N, onde dizem que são mais ou menos 48 graus a norte do plano equatorial terrestre e, a esta latitude o sol nos aquece e ilumina por muitas horas ao dia, pelo menos no verão, tudo isto era verdade, pois na viajem pelo “Klondike Loop”, que é como chamam ao desvio de estrada de terra, com algum alcatrão, pedra e lama, pois dizem que o pavimento é “seal coat & gravel”, que está aberta todo o ano, mas no inverno, quando o tempo é de tempestade, algumas partes do trajecto fecham. Tem uma distância mais ou menos de 500 milhas, é uma estrada “deserta”, vêem-se alguns animais selvagens, sobretudo “coiotes”, começa pouco depois da cidade de Whitehorse, portanto no “Alaska Highway”, na província de Yukon, no Canadá, e termina já no estado do Alaska, na povoação de Tok, também no “Alaska Highway”.


Explicando um pouco melhor, interrompemos o nosso trajecto que ia directo ao território do Alaska, seguindo agora mais para norte, onde íamos cruzar a fronteira com o Alaska em diferente local, mas regressaríamos à mesma cidade, já dentro do território do Alaska, tal como se continuássemos directos pelo Alaska Highway, em outras palavras, fizemos o “Klondike Loop”, que é o mesmo que estar em Aveiro, querer ir de carro para a cidade de Salamanca, em Espanha, e no lugar de ir directo, atravessando a fronteira em Vilar Formoso, tomar a direcção do norte, atravessar a fronteira em Vigo, regressando depois a Salamanca.
Este trajecto é muito popular entre quem viaja no “Alaska Highway”, pois passado mais ou menos 520 quilómetros, chegam à cidade de Dawson City.


Esta cidade está situada na província do Yukon, cuja população anda à volta de 2000 habitantes, recebendo mais ou menos cerca de 60.000 turistas por ano. Os habitantes locais referem-se à localidade como "Dawson", mas a indústria turística prefere chamar-lhe "Dawson City", para a diferenciar de Dawson Creek, na província de Colúmbia Britânica, que se situa no “Historic Milepost 0”, do “Alaska Highway”, pelo menos foi isto que uma simpática senhora, vestida tal como os habitantes de Dawson City usavam no século passado, nos explicou no Centro de Turismo, convidando-nos a passar um dia ou dois na cidade.

A povoação foi fundada no ano de 1897 e baptizada em homenagem a um geólogo do Canadá chamado George Mercer Dawson, que tinha explorado e realizado um mapa da região em 1887. Foi a capital da província do Yukon desde a fundação do território, em 1898, até 1952, quando a sede foi trasladada para a cidade de Whitehorse, de onde tínhamos saído no dia anterior. A corrida ao ouro de “Klondike”, começou em 1896 e produziu uma grande mudança no que era então um acampamento indígena de Verão, orientado para a pesca, transformando-o numa cidade próspera de cerca de 40.000 habitantes por volta de 1898. No ano seguinte a febre do ouro tinha chegado ao seu fim, fazendo com que a população se reduzisse para 8000 pessoas. Quando Dawson se tornou cidade em 1902, tinha cerca de 5000 habitantes.

A maior parte dos edifícios da área junto ao rio Yukon, da cidade de Dawson City, parecem antigos, em madeira. Todos os novos edifícios têm que seguir esta regra, a população manteve-se bastante estável até à década de 1930, decaindo após a Segunda Guerra Mundial, quando a capital territorial passou a ser a cidade de Whitehorse. No início da década de 1950 uma rota unia Dawson City ao Alasca e, no outono de 1955 a Whitehorse, pela estrada que faz parte da rota de “Klondike”.


Percorremos a cidade, as ruas estão tal e qual como no século passado, o seu piso é de terra, com algumas poças de lama, existem passadeiras em madeira junto das casas, onde antes de entrar tem uma grande “escova”, pregada ao chão, tipo vassoura, para as pessoas limparem o calçado. Visitámos um bar local, o chão era cimento, já um pouco deteriorado, coberto de serrim, onde as pessoas bebiam cerveja à temperatura ambiente, atirando as cascas de amendoim, e não só, para o chão. Os preços de comida, hotéis, gasolina ou daquelas pequenas coisas a que chamamos “lembranças”, que se compram de momento, como se compreendia, eram um pouco acima da média.


É uma cidade pequenina, muito linda, que fica no pensamento e, vista do cais do rio, onde, depois de mais ou menos 2 horas, na linha de espera pelo “ferry”, que é da graça e atraca na margem do rio Yukon, onde se encontra em ambas as margens uma máquina, tipo “caterpilar”, para ajeitar o “cais” em areia, e que varia de superfície conforme a corrente do rio, atravessámos o rio Yukon, subindo uma pequena montanha, onde tem um miradouro, onde se pode apreciar a cidade perdida de Dawson City, que ficou para trás, do outro lado do rio, mas que, como antes dizíamos, se leva no pensamento.



Continuámos andando mais ou menos 130 quilómetros, sempre subindo as montanhas, por uma estrada de terra com algumas pedra miúda, a que chamam “Top of the World Highway”, passando por zonas com gelo, que se derretia suavemente, onde alguns animais vinham beber a sua água, desfiladeiros, cordilheiras, com algum vento frio, mesmo muito frio, vindo cruzar a fronteira internacional no posto fronteiriço de Poker Creek, que tem neste momento 3 habitantes, sendo a porta de fronteira terrestre situada mais a norte de todo o território dos USA, e está aberta das 9 da manhã até às 9 da noite, e fechada durante o inverno que é mais ou menos de Outubro a Abril, mas informaram-nos que a fronteira abre somente em Maio.


Estávamos finalmente no território do Alaska, parámos, tirámos as primeiras fotos junto da placa que diz Alaska, os guardas do posto fronteiriço riram-se, dizendo: “long way from Florida”, (longo caminho desde a Florida).


A partir daqui era território do Alaska, era sempre em frente, não havia que enganar, mas, aquilo a que chamam o “Taylor Highway”, já no estado do Alaska, que tem uma distância de aproximadamente 100 milhas, pois no Alaska a contagem já é feita no sistema de milhas, que são quase sempre a descer. Na altura, a estrada estava em reparação, com um piso de pedras muito grandes, o que danificava muito as viaturas, pois eram frequentes Vê-las paradas, com pneus rotos, molas partidas, desvios pela berma, algumas quase a tombar. Nós fomos seguindo, devagar, mas seguindo, também se viam em pequenos ribeiros, já onde a zona era mais plana, muitas pessoas pesquisando ouro, enterrados na água e na lama.


Passámos, entre outras, pela povoação de Chicken, uma povoação mineira onde comprámos alguma gasolina, seguindo sempre, devagar e sem qualquer acidente até à tal povoação de Tok, onde chegámos por voltas das 11 horas da noite, mas ainda de dia, pois continuámos a viajem até à cidade de Delta Junction, onde dormimos, com o carro e a Caravana, coberta de lama e cimento.

Neste dia percorremos 567 milhas, com o preço da gasolina variando entre $1.89 e $1.98 o litro.

Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13658: Bom ou mau tempo na bolanha (67): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (8) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13689: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (7): 3 de Agosto de 1969




1. Publicação da sétima parte do trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), que diz respeito aos últimos 5517 dias de luta pela independência da então Guiné Portuguesa.



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13684: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (6): 4 de Setembro de 1968

Guiné 63/74 - P13688: Fotos à procura de... uma legenda (36): Uma vacada... no Cachil (Victor Neto / José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)




Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 (,Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)  > "Tourada no Cachil... uns camaradas a demonstrar os seu dotes de Pedrito de Portugal... A malta dava largas à imaginação para se distrair"...

Fotos (e legenda): © Victor Neto / José Colaço (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. São fotos falantes, diz o José Colaço. E,  se são falantes, não precisam de legenda... Mas comentários serão bem vindos...  E o tema, tauromático, presta-se a isso...

Uma ajuda: as fotos são do álbum do ex-fur mil Victor Neto, camarada do José Colaço (CCAÇ 557, Cachil, 1963/65)  Já cá estão (estas e outras) desde, pelo menos, 22 de agosto último...

Eis p que ele me escreveu, na sequência do poste P13188 (*):

 "Caro amigo Luís,  procurando satisfazer em parte o teu pedido,  tentei abordar o tema com alguns camaradas da CCAÇ  557 mas só o camarada ex-furriel Victor Neto disponibilizou o seu álbum genuíno com fotos do Cachil, 

"O Neto já na altura era um apaixonado pela fotografia, uma certa altura o Neto com a sua Yashica 

"No meio de uma emboscada surge o alferes comandante de pelotão:
- Ó Neto,  porra, porra!...  estamos na guerra ou em reportagem fotográfica!?" (**).
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Notas do editor:

(**) Último poster da série >  29 de setembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13666: Fotos à procura de... uma legenda (35): 4º pelotão, CART 11, junho de 1970, Nova Lamego... Uma grande e enigmática foto (Valdemar Queiroz)

Guiné 63/74 - P13687: Parabéns a você (794): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 730 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo Apont Armas Pesadas da CART 2732 (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P13682: Parabéns a você (793): Carlos Alberto Prata, Coronel Ref (Guiné, 1973/74) e Hélder Valério Sousa, ex-Fur Mil TRMS (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13686: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XII: janeiro de 1973: Amílcar Cabral é assassinado em Conacri, em 20/1/1973... "A população sob nosso controlo mostrou regozijo"... Por outro lado, "a ocupação de lugares de chefia por naturais de Cabo Verde nos quadros da Administração Civil não é vista com agrado" (sic)...



Amílcar Cabral (1924-1973) era natural da Guiné... Nasceu em Bafatá, de pais caboverdianos; (i)  Juvenal António Lopes da Costa Cabral, 1889-1951, natural de Santiago, onde também foi morrer, tendo sido professor primário na Guiné. em Cacine, Buba, Bambadinca e Bafatá; e (ii) Iva Pinhel Évora (Santiago, 1893-Bissau, 1977)... Aos olhos dos fulas, era um "caboverdiano", e na história do BART dá-se a entender que terá aumentado o sentimento anticaboverdiano após o seu assassinato, em 20/1/1973...

[Foto, acima, do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.]

Janeiro de 1973: com o assassinato de Amílcar Cabral (1924-1973), cresce o sentimento anticaboverdiano entre os fulas do setor L1...













1. Continuação da publicação da história do BART 3873(Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da história da unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte.

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972/74; foi voluntário para a CCAÇ 12 (em 1973/74); economista, bancário reformado, foto atual à esquerda].

O grande destaque do mês de janeiro de 1973  vai o assassinato, em Conacri, do secretáriop-geral do PAIGC,  Amílcar Cabral (1924-1973).  A história do BART 3873 faz-se eco do sentimento anticaboverdiano da população fula do setor L1... Espontâneo ou explorado ? Era legítimo um comando de batalhão põr "portugueses" da Guiné contra "portugueses" de Cabo Verde ?

Destaque ainda para o elogio à lealdade das populações islamizadas e para o papel das escolas regimenis, de que a da CCAÇ 12 seria um exemplo, como "ótimo instrumento de instrução e de portugalização dos africanos" (sic).

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Guiné 63/74 - P13685: Notas de leitura (637): “Do Outro Lado das Coisas", do Embaixador João Rosa Lã (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Outubro de 2014:

Queridos amigos,
O embaixador João Rosa Lã descreve no seu volumoso livro de memórias, recentemente publicado, a sua missão na Guiné ao longo de praticamente dois anos.
É um testemunho importante, acompanha as eleições, é um observador atento do relacionamento tenso entre Nino e a cúspide das Forças Armadas.
Procura estreitar a cooperação entre Portugal e Guiné, é por vezes implacável com a elite política e a subsidiodependência. Sente-se subjugado pelas qualidades do ser humano local, homenageando-o assim nas suas últimas palavras: “Só haverá um país em que a beleza das suas paisagens será ultrapassada pela graça e simpatia do seu povo, a Guiné-Bissau”.

Um abraço do
Mário


Embaixador João Rosa Lã na Guiné-Bissau (1)

Beja Santos

“Do Outro Lado das Coisas”, é o título do livro de memórias do embaixador João Rosa Lã, recentemente publicado pela Gradiva Publicações. Este embaixador desempenhou funções em Genebra, Marrocos, Venezuela, Bruxelas, Washington, Guiné-Bissau, Haia, Viena, Madrid, Paris e Rabat. Em Lisboa, desempenhou funções de conselheiro diplomático do primeiro-ministro Cavaco Silva, foi assessor diplomático do ministro da República para os Açores general Rocha Vieira e diretor-geral dos Assuntos Multilaterais do MNE.

O livro começou a ser badalado por dar informação importante sobre a tentativa desesperada de Marcello Caetano de promover uma independência unilateral de Angola. A este propósito, o diplomata, na altura colocado em Caracas, mantinha conversas com o engenheiro Santos e Castro, antigo governador-geral de Angola, que resolveu desvendar-lhe um segredo. Santos e Castro confessou que deixara de manter relações próximas com Marcello Caetano por considerar o principal responsável pelo 25 de Abril. E contou ao diplomata que nos primeiros dias de 1974, durante um fim de semana, fora chamado secretamente a Lisboa pelo Presidente do Conselho. Foi uma conversa em que deambularam toda a tarde num carro privado entre Lisboa Cascais e Sintra, “Marcello Caetano traçou um cenário muito negro da situação do país e da política ultramarina. Sob o ponto de vista militar, a Guiné estaria perdida a prazo, uma vez que as forças do PAIGC passaram a deter mísseis que anulavam a ação da Força Aérea. Moçambique estava a atravessar uma gravíssima crise económica e estaria em vias de deixar de ser suportável pela metrópole. No plano interno, a situação tinha-se tornado insustentável, com o Presidente da República de um lado e o general Spínola por outro, a minar, ainda mais, a já difícil posição do governo e da sua política. Felizmente, a situação em Angola era diferente, com o MPLA quase aniquilado militarmente, a UNITA controlava e as finanças sólidas devido ao aumento do preço do petróleo. Marcello confessou já não dispor de qualquer capacidade de manobra para alterar a situação nas províncias ultramarinas, sobretudo a dos portugueses que lá viviam. Havia, no entanto, que se tentar salvar o que fosse possível. Santos e Castro deveria começar a tomar todas as providências para que fosse preparada uma declaração unilateral da independência do território. Seria criado um Estado soberano, multirracial e multicultural, com o concurso de todas as forças que aceitassem a declaração da independência. Santos e Castro ficaria interinamente à frente do novo país, com um governo presidido por uma personalidade negra, muito provavelmente Jonas Savimbi, se este aceitasse, mantendo-se todos os funcionários da administração da província que desejassem ficar. O mesmo aconteceria às tropas da metrópole destacadas no território. O governo português não aceitaria, pelo menos de imediato, nem reconheceria a Declaração de Independência e retiraria todas as suas forças do terreno”.

Esta confissão vem abonar o que o professor Fernando Rosas várias vezes referiu sobre as derivas dos últimos meses do regime de Marcello Caetano, havia uma imagem exterior de uma atitude irredutível na defesa do Ultramar, enquanto se promoviam contactos com os diferentes movimentos de libertação, Jorge Jardim sentiu que chegara a hora da independência branca em Moçambique, um diplomata português foi procurar negociar um cessar-fogo com dirigentes do PAIGC em Londres e havia esta proposta delirante para Angola.

O embaixador Rosa Lã foi nomeado embaixador na Guiné-Bissau, segundo escreve para ajudar a promover e a organizar as primeiras eleições livres e democráticas no país. Ali permaneceu entre 1993 e 1994.

O país era o pior dos destinos para um diplomata, recebeu a incumbência em estado de choque. Durão Barroso pediu-lhe que lhe transmitisse sempre a sua opinião pessoal. As eleições livres, uma maior eficácia para a cooperação e o incremento do ensino da língua portuguesa eram os principais desafios da sua missão. Ao longo do relato da sua missão a Guiné-Bissau, descreve episódios rocambolescos, situações de gritante penúria, a evolução dos projetos e não disfarça a sua profunda rendição à graça e simpatia dos guineenses.

É brejeiro, mordaz e observador implacável: “As dificuldades financeiras do ministério dos Negócios Estrangeiros eram tantas que nem dinheiro havia para a gasolina da viatura oficial, pelo que me via obrigado a adiantar uns pesos guineenses para que os escassos metros que separam a Embaixada do Palácio presidencial fossem percorridos dentro da maior dignidade possível. À chegada tinha uma meia dúzia de militares, mais ou menos fardados, que me apresentaram armas. Dentro do Palácio tudo parecia estar como o general Spínola e o seu sucessor o terão deixado. Os tapetes, Beiriz, tipicamente portugueses, apresentavam aqui e ali alguns buracos e as cortinas e os cortinados das janelas já tinham conhecido mais limpeza e melhores dias. Nino Vieira causou-me desde logo uma forte impressão. Deu-me sinais imediatos de uma grande perspicácia e inteligência natural, sabendo-se comportar e falar, embora exprimindo-se num português básico. Ostentando sinais exteriores de poder e riqueza, tão necessários naquelas terras, usava um grande e pesado relógio, tinha nos dedos vistosos anéis e exibia uma grossa pulseira, em forma de cadeia, tudo em ouro brilhante e reluzente. Os seus olhos, vivos e irrequietos, a sua própria postura física, parecendo sempre pronto a atacar, deixavam adivinhar uma forte personalidade. Via-se nele, ou por detrás dele, um homem implacável, decidido e sem disponibilidade para ser contrariado. Mas que sabia sorrir, quando necessário”.

Nino Vieira pretendia que se enchesse a Guiné de professores portugueses. A situação do ensino do português não era brilhante se bem que o número de falantes portugueses tivesse aumentado e o Centro Cultural Português tivesse envidado esforços para fazer crescer o número de estudantes. Rosa Lã enceta conversações com todos os partidos existentes, animando-os a fazerem pressão para a realização de eleições democráticas. Apercebe-se do emaranhado da teia no relacionamento de Nino Vieira com as Forças Armadas e deplora o desaparecimento do coronel Cassamá e a sua substituição por Ansumane Mané, sente que os antigos companheiros de Nino, com o próprio Ansumane e Saturnino Costa estão desapontados com o presidente. E dedica toda a sua atenção ao apoio que Portugal podia dar às eleições na Guiné-Bissau.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13664: Notas de leitura (636): “Adeus, Bissau!", A ternura de um conto à volta da guerra civil de 1998-1999 (Mário Beja Santos)