Guiné-Bissau > Guileje > 2005 > Restos do corredor da morte... "Apropriação": foi o termo (apropriado) que o Pepito usou para legendar esta foto (já famosa aqui no nosso blogue) (1)... Disse o fotógrafo: "Depois de vir ontem de Guiledje, onde tirei esta fotografia, posso-te falar de apropriação pela natureza: uma carcaça de camião com mais de 30 anos, envolvida por uma árvore que entretanto por lá nasceu. Nem que se queira, não se pode tirar o esqueleto de lá"...
Foto: © Carlos Schwrz (Pepito) (2005)
Texto do Zé Neto a quem eu há dias disse: "Grande Zé! Como é bom receber notícias tuas! Se voltaste a escrever e a ‘emailar’ é bom sinal!"... Pois é, ele está de volta, o nosso primeiro de Guileje, e hoje valente capitão em guerra contra o tabaco!... Parabéns, Zé (e permite-me esta inconfidência: o teu bom exemplo deve ser conhecido e seguido por outros amigos e camaradas).. Sê bem vindo, de regresso, à nossa caserna (agora já não preciso de te pedir para deixar o cigarro lá fora!...). (LG)
Meu caro Luis:
Não. Não desapareci. Apenas hibernei para vencer o tabágico vício. E estou a conseguir. Vou a caminho do quarto mês sem cigarro.
Mas o assunto é a chegada do Idálio Reis ao blogue (2). Como se pode verificar, eu já tinha referido aqueles bravos nos meus escritos. Veja-se no Post 423 a blague do 1º Martins que calçou a cagadeira (3). Este senhor é meu companheiro de férias de Setembro em Lagos e, nas conversas do bar, faz sempre questão de evidenciar a colaboração que lhe prestei, porque, confessa, na altura não estava muito calhado nas funções do seu posto à frente duma companhia.
Mais adiante, no Post 544, registo algumas considerações sobre a CCAÇ 2317 e a sua odisseia (4)ex-alferes Reis deve ter muito que contar!!!
Para ajuda vou anexar um pequeno trabalho de elaborei a partir da preciosa obra intitulada (e já toda desencadernada e rascunhada) História da Unidade - BART 1896.
Por agora resta-me mandar um abraço muito forte à tertúlia. Outro para ti do Zé Neto.
OS HERÓIS DE GANDEMBEL
Estou certo de que seria reconfortante para um punhado de bravos do Exército Português que algum dos Comandantes do PAIGC de então contasse, com a sua dignidade de militar, o que foi para eles a campanha de Gandembel e Ponte Balana em 1968/69.
Como interveniente muito próximo da gesta dos rapazes da 2317, sirvo-me da História da Unidade (BART 1896) para trazer à tona da memória alguns pormenores duma batalha pouco conhecida. É uma pequena achega com a qual quero reafirmar a minha profunda admiração pelos camaradas que foram deliberadamente atirados para o massacre pelos senhores de Bissau.
A Operação Bola de Fogo destinou-se “à implantação de um aquartelamento para efectivo de companhia, no Corredor de Guileje”.
Desenvolveu-se entre 8 e 14 de Abril de 1968, com a seguinte “Força executante”:
- CART 1613
- CART 1689
- CCAÇ 2316 (-) (3 Gr Comb)
- CCAÇ 2317
- 3ª COMP COMANDOS (-) (2 GR.COMB.)
- 5ª COMP COMANDOS (-) (2 GR.COMB)
- PEL REC FOX 1165
- PEL SAPADORES/CCS /BART 1896
- PEL CAÇ NAT 51
- PEL CAÇ NAT 67
- PEL MILÍCIAS 138 e 139
- ELEMENTOS DO BENG 447
- APAR (Apoio Aéreo)
Instalado o Aquartelamento em GUILEJE 8 D4 -93 (Coordenadas de Gandembel)
Durante a operação o IN flagelou 7 (sete) vezes a posição, causando às NT 2 mortos, 13 feridos graves e 34 ligeiros.
Até 25 de Junho de 1968, data em que o BART 1896 foi substituído no sub-sector pelo BCAÇ 2835 (a que a CCAÇ 2317 pertencia), o aquartelamento de Gandembel foi flagelado com fogo de Mort 82 e Canhão S/R por 52 (cinquenta e duas) vezes.
Normalmente os ataques duravam entre 8 e 15 minutos. São de destacar os três de 19 de Abril de 1968 às 3h45, 4h20 e 5h00; os três de 30 de Abril, às 2h15, 21h20 e 22h15 e os quatro de 14 de Maio (não houve registo das horas).
José A S Neto
___________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVI: A Nossa Foto de Natal 2005
(2) Vd. posts de
19 de Anbril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)
18 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69 )
(3) Vd. post de > 23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(4): os azares dos sargentos
(4) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLIV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (9): a Operação Bola de Fogo
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 23 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P785: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
Guiné > Bissau > Em Brá, a nordeste de Bissau, nasceram os primeiros comandos da Guiné, primeiro organizados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração (ou os "velhos comandos") antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds).
Foto: © Virgínio Briote (2005) Guiné > 1964 > Brá, Comandos > Equipa Os Fantasmas. O João Parreira foi substituir o Furriel Artur Pereira Pires (aqui na foto, ao meio, de bigode, mais a sua equipa, os Fantasmas, composta por António Joaquim Vieira Ferreira, Manuel Coito Narciso, José da Rocha Moreira e João Ramos Godinho) . O Furriel Cmd Pires foi umas das vítimas do rebentamento de uma mina em 28 de Novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane (1).
O Furriel Pires fazia parte do pequeno grupo de militares (nove) que , em 29 de Outubro de 1963, seguiu da Guiné para Angola afim de frequentar um curso de Comandos, e onde se incluíam entre outros o nosso camarada Mário Dias,(na altura Fur Inf), bem com o Abdulai Queta Jamanca (1º Cab Atir Inf) e Adulai Jaló (Sold At Inf). (LG)
Foto: © João Parreira (2005)
Guiné > Bissau > Fins de Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, no Café Universal.
Foto: © João Parreira (2005)
Texto do João Pareira que, juntamente com o Virgínio Briote e o Mário Dias, representa o melhor da primeira geração de comandos da Guiné, os velhos comandos de Brá, os três mosqueteiros, como eu lhes chamei (2). Agradeço-lhe o gesto e até a coragem. Não é fácil falar dos nossos mortos, e sobretudo de alguns dos nossos mortos. Por pudor, por vergonha, por culpa...
Alguns destes homens com quem o João Parreira, o Mário Dias e o Virgínio Briote privaram e que eram comandos como eles, eu também conheci, circunstancialmente: refiro-me aos da 1ª Companhia de Comandos Africanos que foram hóspedes, em Fá, do meu e nosso amigo e camarada Jorge Cabral. Já aqui os evoquei, tal como os vi e conheci em 1970 (3).
Julgo que muitos deles foram heróis, embora perdedores e amorais. Lamento, mesmo assim, que tenham, morrido sem dignidade nem glória. E nem sequer tenham sido enterrados, com a dignidade que qualquer ser humano merece: é uma das 14 obras de misericórdia que constam do Evangelho dos cristãos (São Mateus). Nenhuma revolução ou movimento social pode, de resto, justificar a execução sumária de um ser humano nem a existência de valas comuns....
É importante, por isso, que esta lista seja publicada no nosso blogue: eles fazem parte dos nossos camaradas e dos nossos mortos, mesmo que incómodos, mesmo que alguns de nós tenham criticado o seu comportamento como militares e como homens. De alguma maneira, é como exumar os cadáveres que estão nas valas comuns das nossas guerras civis... (Reparem que os espanhóis ainda não o fizeram, e já não o farão, em relação às vítimas da guerra civil de 1936-39, e nomeadamente às vítimas que morreram às mãos dos vencedores!...).
O nosso gesto, para já, é meramente simbólico. Mas acho que um dia teremos que ir rezar, no Cumeré, no poilão de Bambadinca ou algures na orla de uma bolanha, por estes nossos mortos mal amados... Nossos, de Portugal e da Guiné... Nunca haverá paz na Guiné se os mortos da guerra colonial e das suas sequelas não repousarem em paz...
Os comandos africanos que serviram o Exército Português, que pertenciam ao Exército Português, e foram executados pelo PAIGC (11 da 1ª Companhia, 19 da 2ª e 8 da 3ª, num total de 38), são ainda um assunto tabu, passados mais de 30 anos, sobre o fim da guerra... Por isso, obrigado, João, porque tu, como bom comando ousaste lutar e vencer o velho tabu... LG
PS - Há também aqui um elemento de rigor e de contribuição para a verdade histórica: amigos e camaradas, neste blogue lutamos pelo direito à verdade (a começar pela verdade dos factos, que em geral é a mais fácil de apurar). Por isso, toda a gente, independentemente do antigo posto ou da actual condição, tem direito à palavra... Sobre este assunto tabu, temos fantasiado muito, por falta de informação de arquivo, de um lado e de outro. Como diz Galileu Galileu (1564-1642), na peça do Bertold Brecht agora em cena no Teatro Aberto , em Lisboa (e que eu recomendo), "a verdade é filha do tempo, não da autoridade"...
Pelo que eu deduzo da lista do João Parreira (que não sei se está completa, nem sei qual foi a fonte que ele utilizou) não foi um batalhão inteiro de ex-comandos africanos que foram fuzilados. Para já são 38, o que são muitos. Para mim, um hoimem que seja já é muita gente. Por isso não direi, nunca poderia dizer, que foram só 38... De resto, quantos não terão fugido a tempo, para Portugal ou para os países vizinhos da Guiné-Bissau, quantos não terão estado presos anos a fio sem culpa formada nem julgamento, quantos não foram perseguidos e discriminados ?!... Não sei... Por isso, é importante que se continue a falar deste assunto, por muito doloroso ou incómodo que ele seja...
Caro Luís Graça:
Agora que este melindroso assunto está ser aflorado mais em profundidade, junto envio mais alguns dados sobre os camaradas da 1ª. Companhia de Comandos Africanos que - para além do Justo, ex-soldado (CIM) dos ex-Vampiros que foi executado em Cumeré, e do Tenente Cmd Abdulai Queta Jamanca , 1º. Cabo 25/E dos ex-Panteras, executado em Bambadinca - , também foram fuzilados:
Da 1ª Companhia de Comandos Africanos (para além Tenente Justo e do Tenente Jamanca):
Capitão Cmd Zacarias Sayegh (3);
Tenente Cmd Thomaz Camará - ex. 1º cabo cmd 60/E dos Fantasmas – em Cumeré;
Alferes Cmd Braima Baldé;
Alferes Cmd Demba Tcham Seca;
Alferes Cmd João Uloma (3);
Alferes Cmd António Samba Juma Jaló;
1º Sarg Cmd Fodé Baió;
1º Sarg Cmd Fodé Embaló;
2º Sarg Cmd José Manuel Sedjali Embaló;
2º Sarg Cmd Quebá Dabó;
Da 2ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:
Capitão Cmd Adriano Sisseco;
Tenente Cmd Cicri Marques Vieira;
Tenente Cmd Armando Carolino Barbosa;
Alferes Cmd Mamadú Saliu Bari - ex-1º cabo 59/E dos Camaleões – em Cumeré;
Alferes Cmd Marcelino Pereira;
Alferes Cmd Carlos Bubacar Jau; Alferes Cmd Bailó Jau;
Alferes Cmd Aliu Sada Candé;
1º Sarg Cmd Kool Quessangue;
1º Sarg Cmd Aruna Candé;
1º Sarg Cmd José Aliu Queta;
1º Sarg Cmd Mamadú Jaló – ex-soldado (AGR 16) dos Diabólicos - em Cumeré;
2º Sarg Cmd Quecumba Camará;
2º Sarg Cmd Augusto Filipe;
2º Sarg Cmd Carlos Daniel Fassene Samá;
Soldado Cmd Carlos Ussumane Baldé;
Soldado Cmd Alfa Candé;
Soldado Cmd Aliu Jamanca;
Soldado Cmd Per Sanhá
Da 3ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:
Tenente Cmd José Bacar Djassi;
Alferes Cmd Malam Baldé;
Alferes Cmd António Vasconcelos;
Soldado Cmd Silla;
Soldado Cmd Bubacar Trawalé.
Com alguns destes valorosos camaradas tive o prazer de conviver em Brá.
Um abraço.
João Parreira
____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 13 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote).
(2) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri
(4) Vd. post de 12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
(5) Breve historial da 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA):
(i) 9 de Julho de 1969 - Início da organização da companhia, em Fá Mandinga, formada exclusivamente por naturais da Guiné e com base em anteriores grupos de comandos já existentes nos batalhões;
(ii) 6 de Fevereiro de 1970 - Início da sua instrução; instrutor: Capitão Art Barbosa Henriques, ex-comandante da 27ª CCmds;
(iii) 26 de Abril de 1970 - Cerimónia de juramento de bandeira em Bissau, na presença do COM-CHEFE;
(iv) 21 de Junho / 15 de Julho de 1970 - Treino operacional na região de Bajocunda. No final é colocada em Fá Mandinga (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca) com a missão de interevenção e reserva do COM-CHEFE;
(v) 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970 - Operação a norte da região do Enxalé, na zona de acção do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72);
(vi) 21/22 de Novembro de 1970 - Toma parte na Op Mar Verde, sob o comando de Alpoim Galvão (invasão da Conacri). Perde um dos seus grupos de combate (comandando pelo tenente graduado Januário que será posteriormente fuzilado com os seus homens);
(vii) Princípios de Dezembro de 1970 / Finais de Janeiro de 1971 - Três pelotões em reforço temporário das guarnições fronteiriças de Gandembel e Guileje;
(viii) Finais de Julho de 1971 - Segue de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperaçã;
(ix) Meados de Agosto de 1971 - É colocada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro Batalhão de Comandos;
(x) Continua a sua intensa actividade operacional, durante o resto do ano de 1971 e o ano de 1972, em conjunto com a 2ª Companhia de Comandos Africanos, entretanto formada;
(xi) Penetra em santuários da guerrilha do PAIGC que eram verdadeiros mitos no nosso tempo, como por exemplo o Morés (20-24 de Dezembro de 1971; 7-12 de Fevereiro de 1972), o Choquemone [a nordeste de Bula, na região do Oio] (18-22 de Outubro de 1971), a região de Salancaur-Unal-Guileje (28 de Março a 8 de Abril de 1972) e outras;
(xii) 2 de Novembro de 1972 - É integrada no Batalhão de Comandos;
(xiii) 7 de Setembro de 1974 - A 1ª CCA é desactivada e extinta, bem como as restantes forças do Batalhão de Comandos.
Fonte:
Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana
Associação de Comandos > Historial dos comandos: efemérides
Foto: © Virgínio Briote (2005) Guiné > 1964 > Brá, Comandos > Equipa Os Fantasmas. O João Parreira foi substituir o Furriel Artur Pereira Pires (aqui na foto, ao meio, de bigode, mais a sua equipa, os Fantasmas, composta por António Joaquim Vieira Ferreira, Manuel Coito Narciso, José da Rocha Moreira e João Ramos Godinho) . O Furriel Cmd Pires foi umas das vítimas do rebentamento de uma mina em 28 de Novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane (1).
O Furriel Pires fazia parte do pequeno grupo de militares (nove) que , em 29 de Outubro de 1963, seguiu da Guiné para Angola afim de frequentar um curso de Comandos, e onde se incluíam entre outros o nosso camarada Mário Dias,(na altura Fur Inf), bem com o Abdulai Queta Jamanca (1º Cab Atir Inf) e Adulai Jaló (Sold At Inf). (LG)
Foto: © João Parreira (2005)
Guiné > Bissau > Fins de Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, no Café Universal.
Foto: © João Parreira (2005)
Texto do João Pareira que, juntamente com o Virgínio Briote e o Mário Dias, representa o melhor da primeira geração de comandos da Guiné, os velhos comandos de Brá, os três mosqueteiros, como eu lhes chamei (2). Agradeço-lhe o gesto e até a coragem. Não é fácil falar dos nossos mortos, e sobretudo de alguns dos nossos mortos. Por pudor, por vergonha, por culpa...
Alguns destes homens com quem o João Parreira, o Mário Dias e o Virgínio Briote privaram e que eram comandos como eles, eu também conheci, circunstancialmente: refiro-me aos da 1ª Companhia de Comandos Africanos que foram hóspedes, em Fá, do meu e nosso amigo e camarada Jorge Cabral. Já aqui os evoquei, tal como os vi e conheci em 1970 (3).
Julgo que muitos deles foram heróis, embora perdedores e amorais. Lamento, mesmo assim, que tenham, morrido sem dignidade nem glória. E nem sequer tenham sido enterrados, com a dignidade que qualquer ser humano merece: é uma das 14 obras de misericórdia que constam do Evangelho dos cristãos (São Mateus). Nenhuma revolução ou movimento social pode, de resto, justificar a execução sumária de um ser humano nem a existência de valas comuns....
É importante, por isso, que esta lista seja publicada no nosso blogue: eles fazem parte dos nossos camaradas e dos nossos mortos, mesmo que incómodos, mesmo que alguns de nós tenham criticado o seu comportamento como militares e como homens. De alguma maneira, é como exumar os cadáveres que estão nas valas comuns das nossas guerras civis... (Reparem que os espanhóis ainda não o fizeram, e já não o farão, em relação às vítimas da guerra civil de 1936-39, e nomeadamente às vítimas que morreram às mãos dos vencedores!...).
O nosso gesto, para já, é meramente simbólico. Mas acho que um dia teremos que ir rezar, no Cumeré, no poilão de Bambadinca ou algures na orla de uma bolanha, por estes nossos mortos mal amados... Nossos, de Portugal e da Guiné... Nunca haverá paz na Guiné se os mortos da guerra colonial e das suas sequelas não repousarem em paz...
Os comandos africanos que serviram o Exército Português, que pertenciam ao Exército Português, e foram executados pelo PAIGC (11 da 1ª Companhia, 19 da 2ª e 8 da 3ª, num total de 38), são ainda um assunto tabu, passados mais de 30 anos, sobre o fim da guerra... Por isso, obrigado, João, porque tu, como bom comando ousaste lutar e vencer o velho tabu... LG
PS - Há também aqui um elemento de rigor e de contribuição para a verdade histórica: amigos e camaradas, neste blogue lutamos pelo direito à verdade (a começar pela verdade dos factos, que em geral é a mais fácil de apurar). Por isso, toda a gente, independentemente do antigo posto ou da actual condição, tem direito à palavra... Sobre este assunto tabu, temos fantasiado muito, por falta de informação de arquivo, de um lado e de outro. Como diz Galileu Galileu (1564-1642), na peça do Bertold Brecht agora em cena no Teatro Aberto , em Lisboa (e que eu recomendo), "a verdade é filha do tempo, não da autoridade"...
Pelo que eu deduzo da lista do João Parreira (que não sei se está completa, nem sei qual foi a fonte que ele utilizou) não foi um batalhão inteiro de ex-comandos africanos que foram fuzilados. Para já são 38, o que são muitos. Para mim, um hoimem que seja já é muita gente. Por isso não direi, nunca poderia dizer, que foram só 38... De resto, quantos não terão fugido a tempo, para Portugal ou para os países vizinhos da Guiné-Bissau, quantos não terão estado presos anos a fio sem culpa formada nem julgamento, quantos não foram perseguidos e discriminados ?!... Não sei... Por isso, é importante que se continue a falar deste assunto, por muito doloroso ou incómodo que ele seja...
Caro Luís Graça:
Agora que este melindroso assunto está ser aflorado mais em profundidade, junto envio mais alguns dados sobre os camaradas da 1ª. Companhia de Comandos Africanos que - para além do Justo, ex-soldado (CIM) dos ex-Vampiros que foi executado em Cumeré, e do Tenente Cmd Abdulai Queta Jamanca , 1º. Cabo 25/E dos ex-Panteras, executado em Bambadinca - , também foram fuzilados:
Da 1ª Companhia de Comandos Africanos (para além Tenente Justo e do Tenente Jamanca):
Capitão Cmd Zacarias Sayegh (3);
Tenente Cmd Thomaz Camará - ex. 1º cabo cmd 60/E dos Fantasmas – em Cumeré;
Alferes Cmd Braima Baldé;
Alferes Cmd Demba Tcham Seca;
Alferes Cmd João Uloma (3);
Alferes Cmd António Samba Juma Jaló;
1º Sarg Cmd Fodé Baió;
1º Sarg Cmd Fodé Embaló;
2º Sarg Cmd José Manuel Sedjali Embaló;
2º Sarg Cmd Quebá Dabó;
Da 2ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:
Capitão Cmd Adriano Sisseco;
Tenente Cmd Cicri Marques Vieira;
Tenente Cmd Armando Carolino Barbosa;
Alferes Cmd Mamadú Saliu Bari - ex-1º cabo 59/E dos Camaleões – em Cumeré;
Alferes Cmd Marcelino Pereira;
Alferes Cmd Carlos Bubacar Jau; Alferes Cmd Bailó Jau;
Alferes Cmd Aliu Sada Candé;
1º Sarg Cmd Kool Quessangue;
1º Sarg Cmd Aruna Candé;
1º Sarg Cmd José Aliu Queta;
1º Sarg Cmd Mamadú Jaló – ex-soldado (AGR 16) dos Diabólicos - em Cumeré;
2º Sarg Cmd Quecumba Camará;
2º Sarg Cmd Augusto Filipe;
2º Sarg Cmd Carlos Daniel Fassene Samá;
Soldado Cmd Carlos Ussumane Baldé;
Soldado Cmd Alfa Candé;
Soldado Cmd Aliu Jamanca;
Soldado Cmd Per Sanhá
Da 3ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:
Tenente Cmd José Bacar Djassi;
Alferes Cmd Malam Baldé;
Alferes Cmd António Vasconcelos;
Soldado Cmd Silla;
Soldado Cmd Bubacar Trawalé.
Com alguns destes valorosos camaradas tive o prazer de conviver em Brá.
Um abraço.
João Parreira
____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 13 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote).
(2) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri
(4) Vd. post de 12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
(5) Breve historial da 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA):
(i) 9 de Julho de 1969 - Início da organização da companhia, em Fá Mandinga, formada exclusivamente por naturais da Guiné e com base em anteriores grupos de comandos já existentes nos batalhões;
(ii) 6 de Fevereiro de 1970 - Início da sua instrução; instrutor: Capitão Art Barbosa Henriques, ex-comandante da 27ª CCmds;
(iii) 26 de Abril de 1970 - Cerimónia de juramento de bandeira em Bissau, na presença do COM-CHEFE;
(iv) 21 de Junho / 15 de Julho de 1970 - Treino operacional na região de Bajocunda. No final é colocada em Fá Mandinga (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca) com a missão de interevenção e reserva do COM-CHEFE;
(v) 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970 - Operação a norte da região do Enxalé, na zona de acção do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72);
(vi) 21/22 de Novembro de 1970 - Toma parte na Op Mar Verde, sob o comando de Alpoim Galvão (invasão da Conacri). Perde um dos seus grupos de combate (comandando pelo tenente graduado Januário que será posteriormente fuzilado com os seus homens);
(vii) Princípios de Dezembro de 1970 / Finais de Janeiro de 1971 - Três pelotões em reforço temporário das guarnições fronteiriças de Gandembel e Guileje;
(viii) Finais de Julho de 1971 - Segue de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperaçã;
(ix) Meados de Agosto de 1971 - É colocada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro Batalhão de Comandos;
(x) Continua a sua intensa actividade operacional, durante o resto do ano de 1971 e o ano de 1972, em conjunto com a 2ª Companhia de Comandos Africanos, entretanto formada;
(xi) Penetra em santuários da guerrilha do PAIGC que eram verdadeiros mitos no nosso tempo, como por exemplo o Morés (20-24 de Dezembro de 1971; 7-12 de Fevereiro de 1972), o Choquemone [a nordeste de Bula, na região do Oio] (18-22 de Outubro de 1971), a região de Salancaur-Unal-Guileje (28 de Março a 8 de Abril de 1972) e outras;
(xii) 2 de Novembro de 1972 - É integrada no Batalhão de Comandos;
(xiii) 7 de Setembro de 1974 - A 1ª CCA é desactivada e extinta, bem como as restantes forças do Batalhão de Comandos.
Fonte:
Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana
Associação de Comandos > Historial dos comandos: efemérides
Guiné 63/74 - P784: Do Porto a Bissau (21): revisitando Barro (A. Marques Lopes)
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > O que resta dos vestígios dos tugas...
Ainda com o grupo todo, passámos por Barro, a caminho de Farim.
O meu amigo Cacuto Seidi (1), o chefe da tabanca, morreu o ano passado, com muita pena minha, pois gostava de ter falado com ele novamente, mas estive com o seu filho, Bala Sani.
Coisas em pé, só a secretaria da companhia, mas em degradação, e o monumento da CART2412 ao cabo enfermeiro João Baptista da Silva.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o filho do Cacuto Seidi, o Bala Sani.
Há restos de um outro monumento, mas sem qualquer elemento que o possa identificar, e há restos de outras instalações que também não consegui identificar, dado que o enquadramento está muito modificado.
Lembro aqui o Iero Seidi, soldado da CCAÇ 3 que foi ferido em Maio de 1973 em Guidage, ficando sem uma perna (colocaram-lhe uma prótese) e sem um braço.
Foi o filho, o Mamasaliu Seidi, que me deu uma fotografia do pai, pois ele morreu de doença, o ano passado.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > Fotografia do antigo militar da CCAÇ 3, Iero Seidi.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o Mamasaliu Seidi , filho do Iero Seidi.
O Mamasaliu foi o condutor do jipe do António Almeida e do Saagum (2).
Mas encontrei também outros restos humanos (3)... mas fica para a próxima.
Abraços. A. Marques Lopes
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
________________
Notas de L. G.
(1) Vd. posts de:
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998)
15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LIV: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro
Guiné-Bissau >Cacheu > Barro (1998) > Reeencontro do tuga A. Marques Lopes com Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro.
"O Cacuto Seidi era o chefe da tabanca de Barro em 1968. Muitas vezes fui até à sua porta para falar com ele. Por duas razões: a primeira é que suspeitávamos que ele estava feito com o PAIGC (...).
"Em 1998 fui a Barro. Assim que me viu abriu a boca e disse admirado:
-Alfero Lopes!-
"Ao fim de 30 anos lembrou-se logo de mim, apesar de estarmos os dois mais velhos, de tal modo que, quem me acompanhava, ficou com a boca aberta de espanto. É que foi, de facto, muito tempo de convívio e de conversa.
"Perguntei-lhe pelo Braima, um caçador da tabanca de Barro, muito conhecedor de toda aquela zona e que foi o meu guia em 1968, porque conhecia todos os trilhos e buracos quer na mata quer no tarrafe das margens do Cacheu. O Cacuto ficou atrapalhado e respondeu:
- O Braima mataram.
- Ah! - disse-lhe eu - mas tu continuas a ser o chefe da tabanca! Então, eu tinha razão... -. Acabou por se rir, é claro" (...).
(2) Vd post de 2 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
(3) Quererá o nosso A. Marques Lopes referir-se aos filhos dos tugas que por lá ficaram, com alguns dificuldades de integração ? Vd. post de 22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXX: Do Porto a Bissau (20): Os filhos que lá deixámos (A. Marques Lopes)
Ainda com o grupo todo, passámos por Barro, a caminho de Farim.
O meu amigo Cacuto Seidi (1), o chefe da tabanca, morreu o ano passado, com muita pena minha, pois gostava de ter falado com ele novamente, mas estive com o seu filho, Bala Sani.
Coisas em pé, só a secretaria da companhia, mas em degradação, e o monumento da CART2412 ao cabo enfermeiro João Baptista da Silva.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o filho do Cacuto Seidi, o Bala Sani.
Há restos de um outro monumento, mas sem qualquer elemento que o possa identificar, e há restos de outras instalações que também não consegui identificar, dado que o enquadramento está muito modificado.
Lembro aqui o Iero Seidi, soldado da CCAÇ 3 que foi ferido em Maio de 1973 em Guidage, ficando sem uma perna (colocaram-lhe uma prótese) e sem um braço.
Foi o filho, o Mamasaliu Seidi, que me deu uma fotografia do pai, pois ele morreu de doença, o ano passado.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > Fotografia do antigo militar da CCAÇ 3, Iero Seidi.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o Mamasaliu Seidi , filho do Iero Seidi.
O Mamasaliu foi o condutor do jipe do António Almeida e do Saagum (2).
Mas encontrei também outros restos humanos (3)... mas fica para a próxima.
Abraços. A. Marques Lopes
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
________________
Notas de L. G.
(1) Vd. posts de:
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998)
15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LIV: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro
Guiné-Bissau >Cacheu > Barro (1998) > Reeencontro do tuga A. Marques Lopes com Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro.
"O Cacuto Seidi era o chefe da tabanca de Barro em 1968. Muitas vezes fui até à sua porta para falar com ele. Por duas razões: a primeira é que suspeitávamos que ele estava feito com o PAIGC (...).
"Em 1998 fui a Barro. Assim que me viu abriu a boca e disse admirado:
-Alfero Lopes!-
"Ao fim de 30 anos lembrou-se logo de mim, apesar de estarmos os dois mais velhos, de tal modo que, quem me acompanhava, ficou com a boca aberta de espanto. É que foi, de facto, muito tempo de convívio e de conversa.
"Perguntei-lhe pelo Braima, um caçador da tabanca de Barro, muito conhecedor de toda aquela zona e que foi o meu guia em 1968, porque conhecia todos os trilhos e buracos quer na mata quer no tarrafe das margens do Cacheu. O Cacuto ficou atrapalhado e respondeu:
- O Braima mataram.
- Ah! - disse-lhe eu - mas tu continuas a ser o chefe da tabanca! Então, eu tinha razão... -. Acabou por se rir, é claro" (...).
(2) Vd post de 2 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
(3) Quererá o nosso A. Marques Lopes referir-se aos filhos dos tugas que por lá ficaram, com alguns dificuldades de integração ? Vd. post de 22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXX: Do Porto a Bissau (20): Os filhos que lá deixámos (A. Marques Lopes)
Guiné 63/74 - P783: Entrevista a Fernando Pereira, correspondente do Expresso, sobre o Projecto Guileje
1. Mensagem de Fernando Pereira, correspondente do semanário Expresso na Guiné-Bissau:
Caro senhor:
Sou Fernando Pereira, jornalista guineense, correspondente do semanário Expresso na Guiné. Estou a preparar um artigo sobre o projecto Guiledje, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento. Nesse âmbito, queria saber o seguinte:
(i) Que tipo de apoio o senhor e os participantes do blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?
(ii) O que os atrai nesta iniciativa ?
(iii) Já agora, quantas pessoas participam no fórum do vosso blogue ?
(iv) Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?
Se for possivel, agradecia uma resposta, o mais urgente possivel, a estas questões.
Cordialmente
FPereira
2. Respondi-lhe na volta do correio. O jornalista foi simpático, agradecendo-me de imediato "a atenção, assim como as interessantes evocações e opiniões".
P - Tipo de apoio que o senhor e os participantes do Blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?
Em cerca de 735 posts (ou textos) publicados no blogue, no espaço de um ano, uns 10% foram dedicados ou fazem referência a Guileje (ou Guiledje, segundo a grafia da Guiné-Bissau).
Guileje, o aquartelamento de Guileje, o corredor da morte de Guileje, a Mata do Cantanhez, mas também Madina do Boé, Gandembel e Gandamael, entre outros locais no sul, têm ainda hoje, passados mais de trinta anos sobre o fim da guerra colonial, uma enorme carga mítica, simbólica e afectiva para os ex-combatentes portugueses na Guiné...
A retirada de Madina do Boé saldou-se por um trágico acidente que vitimou quase meia centena de camaradas nossos; mas Guileje é considerado o único aquartelamento da Guiné que fomos compelidos a abandonar por razões militares e psicológicas: a pressão da guerrilha do PAIGC era de tal ordem que a situação se tornou insustentável...
Tanto para as tropas portugueses como para o PAIGC é um momento, se não de viragem
(militar), pelo menos carregado de simbolismo...
Eu estive destacado, na zona leste, em Bambadinca, numa companhia africana, a CCAÇ 12, de Junho de 1969 a Fevereiro de 1971. Não conheci Guileje nem Gandambel. Mas no meu tempo contavam-se muitas estórias (falsas ou verdadeiras)
sobre a degradação da situação militar no sul, e em especial em Guileje, Gadamael, Gandembel. Por exemplo, era extremamente popular a letra do Hino de Gandembel.
Cantarolávamos, para espantar os nossos medos, exorcizar os nossos fantasmas e
denunciar o absurdo daquela guerra a que estava condenada toda a juventude de
um país, as quadras do Hino de Gandembel:
Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.
(...) Temos por v'zinhos Balana ,
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três te protege
(...)
Numa primeira fase, apoiamos o projecto Guileje, da AD - Acção para o Desenvolvimento, dando-o a conhecer, divulgando-o na Internet, recolhendo documentação sobre a presença militar portuguesa em Guileje (incluindo testemunhos de militares que por lá passaram)...
P - O que os atrai nesta iniciativa ?
Citando o líder da AD e autor da ideia, Pepito, o projecto Guiledje representa o triunfo da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, da memória colectiva sobre o esquecimento e o branqueamento da história...
É importantíssimo que a Guiné-Bissau recolha e preserve os testemunhos dos guerrilheiros do PAIG que lutaram pela independência, e que pertencem a uma geração que está a desaparecer... É importante igualmente ouvir o depoimento dos ex-combatentes e das autoridades militares portuguesas...
P - Quantas pessoas participam no forum do vosso blogue ?
Temos já uma lista de cem membros com endereços por e-mail...Por outro lado, o nosso blogue tem uma média de 3 mil visitas por mês... Há um crescente número de pessoas que o visitam, dentro e fora do país...
P - Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um
turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?
Há uma crescente interesse pela Guiné-Bissau, por parte de uma geração como a minha que fez a guerra colonial e que hoje tem disponibilidade, vontade e poder de compra para ir à Guiné, juntar o útil ao agradável: fazer a sua romagem de saudade, exorcizar os seus fantasmas, visitar os lugares e as gentes que estão na sua memória, reconciliar-se com o passado, evocar os seus mortos, fazer o luto, conhecer o país de hoje, contribuir também para o seu desenvolvimento através de projectos integrados e inovadores como me parece ser este, liderado pelo Pepito e a AD...
Caro senhor:
Sou Fernando Pereira, jornalista guineense, correspondente do semanário Expresso na Guiné. Estou a preparar um artigo sobre o projecto Guiledje, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento. Nesse âmbito, queria saber o seguinte:
(i) Que tipo de apoio o senhor e os participantes do blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?
(ii) O que os atrai nesta iniciativa ?
(iii) Já agora, quantas pessoas participam no fórum do vosso blogue ?
(iv) Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?
Se for possivel, agradecia uma resposta, o mais urgente possivel, a estas questões.
Cordialmente
FPereira
2. Respondi-lhe na volta do correio. O jornalista foi simpático, agradecendo-me de imediato "a atenção, assim como as interessantes evocações e opiniões".
P - Tipo de apoio que o senhor e os participantes do Blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?
Em cerca de 735 posts (ou textos) publicados no blogue, no espaço de um ano, uns 10% foram dedicados ou fazem referência a Guileje (ou Guiledje, segundo a grafia da Guiné-Bissau).
Guileje, o aquartelamento de Guileje, o corredor da morte de Guileje, a Mata do Cantanhez, mas também Madina do Boé, Gandembel e Gandamael, entre outros locais no sul, têm ainda hoje, passados mais de trinta anos sobre o fim da guerra colonial, uma enorme carga mítica, simbólica e afectiva para os ex-combatentes portugueses na Guiné...
A retirada de Madina do Boé saldou-se por um trágico acidente que vitimou quase meia centena de camaradas nossos; mas Guileje é considerado o único aquartelamento da Guiné que fomos compelidos a abandonar por razões militares e psicológicas: a pressão da guerrilha do PAIGC era de tal ordem que a situação se tornou insustentável...
Tanto para as tropas portugueses como para o PAIGC é um momento, se não de viragem
(militar), pelo menos carregado de simbolismo...
Eu estive destacado, na zona leste, em Bambadinca, numa companhia africana, a CCAÇ 12, de Junho de 1969 a Fevereiro de 1971. Não conheci Guileje nem Gandambel. Mas no meu tempo contavam-se muitas estórias (falsas ou verdadeiras)
sobre a degradação da situação militar no sul, e em especial em Guileje, Gadamael, Gandembel. Por exemplo, era extremamente popular a letra do Hino de Gandembel.
Cantarolávamos, para espantar os nossos medos, exorcizar os nossos fantasmas e
denunciar o absurdo daquela guerra a que estava condenada toda a juventude de
um país, as quadras do Hino de Gandembel:
Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.
(...) Temos por v'zinhos Balana ,
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três te protege
(...)
Numa primeira fase, apoiamos o projecto Guileje, da AD - Acção para o Desenvolvimento, dando-o a conhecer, divulgando-o na Internet, recolhendo documentação sobre a presença militar portuguesa em Guileje (incluindo testemunhos de militares que por lá passaram)...
P - O que os atrai nesta iniciativa ?
Citando o líder da AD e autor da ideia, Pepito, o projecto Guiledje representa o triunfo da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, da memória colectiva sobre o esquecimento e o branqueamento da história...
É importantíssimo que a Guiné-Bissau recolha e preserve os testemunhos dos guerrilheiros do PAIG que lutaram pela independência, e que pertencem a uma geração que está a desaparecer... É importante igualmente ouvir o depoimento dos ex-combatentes e das autoridades militares portuguesas...
P - Quantas pessoas participam no forum do vosso blogue ?
Temos já uma lista de cem membros com endereços por e-mail...Por outro lado, o nosso blogue tem uma média de 3 mil visitas por mês... Há um crescente número de pessoas que o visitam, dentro e fora do país...
P - Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um
turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?
Há uma crescente interesse pela Guiné-Bissau, por parte de uma geração como a minha que fez a guerra colonial e que hoje tem disponibilidade, vontade e poder de compra para ir à Guiné, juntar o útil ao agradável: fazer a sua romagem de saudade, exorcizar os seus fantasmas, visitar os lugares e as gentes que estão na sua memória, reconciliar-se com o passado, evocar os seus mortos, fazer o luto, conhecer o país de hoje, contribuir também para o seu desenvolvimento através de projectos integrados e inovadores como me parece ser este, liderado pelo Pepito e a AD...
segunda-feira, 22 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P782: Terra e Ar 'versus' Mar (Lema Santos)
1. Texto do Lema Santos (1) que só agora regressa ao nosso blogue, por falta de tempo, excesso de trabalho e problemas de saúde familiares... Folgamos em vê-lo de volta, a escrever sobre as cpisas que são lhe queridas...
Resposta do Lema Santos ao pedido do jornalista Paulo Reis (1):
Prezado Paulo Reis,
Congratulo-me pelo contacto.
Embora a minha postura seja de permanente e aberta colaboração, não deixo de me circunscrever ao meu conhecimento, capacidade e também à minha maneira de estar, no respeito pela pluralidade de opiniões e, neste caso, felizmente, saúdo o universo Guiné, especialmente alargado.
No caso do teu apelo, julgo não poder ser de grande utilidade dado o tema abordado. A par da minha leitura atenta apenas posso postar quase completa ignorância.
Em primeiro lugar porque se não encaixa temporalmente com o período da minha comissão efectuada na Guiné, de Maio de 1966 a Abril de 1968, na LFG Orion (1)
Em segundo lugar, se verificares o meu curriculum com mais pormenor - desculpa as imodéstias que anotares - verificarás, sem dificuldade, que pertenci à Marinha de Guerra. Todas as minhas colaborações possíveis, reflectirão sempre uma perspectiva complementar da do Exército, tal como visualizo igualmente a da Força Aérea... simplificando, Ar versus Mar.
Perspectiva sempre gerada de dentro para fora, sendo o dentro as bacias hidrográficas de toda aquela enorme bolanha e o fora todo o tarrafo, lalas, mangais, capim e mata que se conseguía ou não descortinar por detrás daquela mística vegetação.
Salvo casos pontuais de passagem nos locais onde acostávamos, com salutar convívio, troca de notícias, factos e, em alguns casos, partilha de acontecimentos com as unidades do Exército que ali estacionavam os contactos com as populações locais eram escassos e breves.
Mesmo assim eram contactos, algo nómadas, que se repetiam no tempo, mas nunca por muito tempo seguido, já que a Base Naval estava sediada em Bissau, onde regressávamos no final de cada missão, operação ou período de fiscalização.
Factos dignos de ser relatados?... com certeza! De epopeia uns, humorísticos outros e ainda alguns outros mais, dramáticos quanto baste. Também de camaradagem, solidariedade e convívio outros e, no conjunto, todos me marcaram significativamente.
Para se ter uma pequena ideia da operacionalidade das LFG's (Lanchas de Fiscalização Grandes) como a Orion - onde permaneci -, basta trazer a lume que, durante a minha comissão de serviço e apenas no decorrer desse período, participou em mais de 25 operações com Fuzileiros, Paraquedistas e Exército, além das habituais fiscalizações, escoltas, etc.
Todas estas operações tiveram nome de operação (Ordop) e relatórios circunstanciados próprios. Existiram muitas outras, de rotina, não referenciadas. No decorrer das missões desempenhadas foi atacada 18 vezes, com 22 impates e um ferido grave.
Se extrapolarmos para sete LFG's idênticas, que chegaram a lá permanecer a partir de 1970 conjuntamente com os quase 13 anos de guerra, um relato consistente, com conteúdo e veracidade histórica, teria forçosamente de assentar em pesquisa e recolha documental extensa e cuidada, articulando-a com o restante dispositivo naval do CDMG, nomeadamente outras unidades navais (LFP's, LDG's, LDM's, LDP's), destacamentos e companhias de fuzileiros, unidades e serviços em terra.
Em termos humanos, estará igualmente em causa um universo de cerca de 150 oficiais, 300 sargentos e 1500 praças (só das LFG's da classe Argos).
Impossível deixar de referenciar o necessário enquadramento global, num xadrez estratégico completo, envolvendo os outros dois ramos das FA's - Exército e Força Aérea.
Objectivos eventualmente incompatíveis muita emotividade, carolice, desapego, falta de meios, dificuldade de acesso a informação e até inexistência dela.
Considerações efectuadas numa vertente militar restrita sem quaisquer ideia de estratégia e de ordem económica, social, política, religiosa ou outra.
Cordiais saudações do camarada,
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 21 de Abrl de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
Resposta do Lema Santos ao pedido do jornalista Paulo Reis (1):
Prezado Paulo Reis,
Congratulo-me pelo contacto.
Embora a minha postura seja de permanente e aberta colaboração, não deixo de me circunscrever ao meu conhecimento, capacidade e também à minha maneira de estar, no respeito pela pluralidade de opiniões e, neste caso, felizmente, saúdo o universo Guiné, especialmente alargado.
No caso do teu apelo, julgo não poder ser de grande utilidade dado o tema abordado. A par da minha leitura atenta apenas posso postar quase completa ignorância.
Em primeiro lugar porque se não encaixa temporalmente com o período da minha comissão efectuada na Guiné, de Maio de 1966 a Abril de 1968, na LFG Orion (1)
Em segundo lugar, se verificares o meu curriculum com mais pormenor - desculpa as imodéstias que anotares - verificarás, sem dificuldade, que pertenci à Marinha de Guerra. Todas as minhas colaborações possíveis, reflectirão sempre uma perspectiva complementar da do Exército, tal como visualizo igualmente a da Força Aérea... simplificando, Ar versus Mar.
Perspectiva sempre gerada de dentro para fora, sendo o dentro as bacias hidrográficas de toda aquela enorme bolanha e o fora todo o tarrafo, lalas, mangais, capim e mata que se conseguía ou não descortinar por detrás daquela mística vegetação.
Salvo casos pontuais de passagem nos locais onde acostávamos, com salutar convívio, troca de notícias, factos e, em alguns casos, partilha de acontecimentos com as unidades do Exército que ali estacionavam os contactos com as populações locais eram escassos e breves.
Mesmo assim eram contactos, algo nómadas, que se repetiam no tempo, mas nunca por muito tempo seguido, já que a Base Naval estava sediada em Bissau, onde regressávamos no final de cada missão, operação ou período de fiscalização.
Factos dignos de ser relatados?... com certeza! De epopeia uns, humorísticos outros e ainda alguns outros mais, dramáticos quanto baste. Também de camaradagem, solidariedade e convívio outros e, no conjunto, todos me marcaram significativamente.
Para se ter uma pequena ideia da operacionalidade das LFG's (Lanchas de Fiscalização Grandes) como a Orion - onde permaneci -, basta trazer a lume que, durante a minha comissão de serviço e apenas no decorrer desse período, participou em mais de 25 operações com Fuzileiros, Paraquedistas e Exército, além das habituais fiscalizações, escoltas, etc.
Todas estas operações tiveram nome de operação (Ordop) e relatórios circunstanciados próprios. Existiram muitas outras, de rotina, não referenciadas. No decorrer das missões desempenhadas foi atacada 18 vezes, com 22 impates e um ferido grave.
Se extrapolarmos para sete LFG's idênticas, que chegaram a lá permanecer a partir de 1970 conjuntamente com os quase 13 anos de guerra, um relato consistente, com conteúdo e veracidade histórica, teria forçosamente de assentar em pesquisa e recolha documental extensa e cuidada, articulando-a com o restante dispositivo naval do CDMG, nomeadamente outras unidades navais (LFP's, LDG's, LDM's, LDP's), destacamentos e companhias de fuzileiros, unidades e serviços em terra.
Em termos humanos, estará igualmente em causa um universo de cerca de 150 oficiais, 300 sargentos e 1500 praças (só das LFG's da classe Argos).
Impossível deixar de referenciar o necessário enquadramento global, num xadrez estratégico completo, envolvendo os outros dois ramos das FA's - Exército e Força Aérea.
Objectivos eventualmente incompatíveis muita emotividade, carolice, desapego, falta de meios, dificuldade de acesso a informação e até inexistência dela.
Considerações efectuadas numa vertente militar restrita sem quaisquer ideia de estratégia e de ordem económica, social, política, religiosa ou outra.
Cordiais saudações do camarada,
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 21 de Abrl de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
Guiné 63/74 - P781: Do Porto a Bissau (20): Os filhos que lá deixámos (A. Marques Lopes)
Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)... Visitou recentemente a Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen...
Guiné-Bissau > Barro Guiné-Bissau >
> Jorge Gomes Bigene (à esquerda)
Bigene> Bacar Turé (à direita)
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
Caros camaradas e amigos:
Foram casos que muito me sensibilizaram nesta visita à Guiné. É sabido que há-de haver muitos casos destes (1), mas estes tocaram-me pessoalmente e quero dar notícia disso.
Em Barro, o Bacar Sani, filho do Cacuto Seidi, disse-me que havia um filho de branco (2) chamado Jorge Gomes. Pedi para o ir chamar, mas o rapaz não vinha, vergonha ou receio, não sei. Fui eu pela tabanca dentro à procura dele e lá cheguei á sua morança.
Disse-me que o pai se chamava Fernando Gomes e que lhe tinha dado o nome, mas fora-se embora. Não sabia quem era a mãe, porque ela desaparecera, por vergonha e repúdio dos da sua etnia (não lhe perguntei qual). Também não me soube dizer a qual companhia pertencia o pai, mas penso que terá sido das últimas a estar em Barro, pois que o rapaz tem 33 anos.
Passámos, depois, em Bigene, onde parámos bastante tempo para o turbulento fotógrafo Hugo [Costa] fazer a sua reportagem fotográfica. E aí conheci o Bacar Turé, que me disse ser filho do imediato Varela, médico do Destacamento 21 dos fuzileiros que estavam em Ganturé [no Rio Cacheu, a sul de Bigene], e que o comandante [Alpoím] Galvão conhecia bem o pai dele, que se fora e não lhe dera nome, daí ser Bacar Turé.
Há mais casos semelhantes a estes, é claro, pois é verdade, como disse o António Gedeão, que, como muitos, também eu "Tremi no escuro da selva, /Alambique de suores, /Estendi na areia e na relva, /Mulheres de todas as cores" (in Poema da Malta das Naus) (2). E tive de pensar sobre o que faria eu se soubesse que tinha medrado alguma semente minha em terras da Guiné... mas cada um deve pensar por si, evidentemente.
A. Marques Lopes
__________
Notas de L.G.
(1) Um outro caso já aqui foi referido, em Guileje: vd. post de 21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas
" (...) Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas" (...).
Vd. também, do Zé Neto, o post de 18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVI: Os filhos de branco (Zé Neto)
(2) O Zé Teixeira também nos relatou aqui outros casos, de filhos de brancos que por lá ficaram, melhor ou pior integrados nas comunidades locais de suas mães: vd. post de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLV: O raio do puto era branco (Zé Teixeira)
(3) António Gedeão > Poema da malta das naus
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pêo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
In Teatro do Mundo, 1958
Fonte: CITI - Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (com a devida vénia...)
Guiné 63/74 - P780: Ascensão e queda do Batalhão de Comandos Africanos (Paulo Reis)
Texto do jornalista, freelancer, Paulo Reis
Caro Luís Graça:
Obrigado pela publicitação do meu pedido de ajuda no Blogue-fora-nada (1). Gostaria sobretudo de apelar aos leitores e participantes neste blogue que tenham informações sobre a evolução dos acontecimentos, na Guiné-Bissau, entre Abril de 1974 e a retirada das últimas tropas portuguesas.
Estou sobretudo interessado no processo de desmantelamento do Batalhão de Comandos Africanos, mas também gostaria de saber algo sobre outras unidades maioritariamente compostas por soldados locais. Todos os pormenores, por mais insignificantes que pareçam ser, são importantes para construir o 'retrato geral'
Gostaria de saber quais as unidades que se encontravam na Guiné, nessa época, e quais foram as últimas a retirar, bem como a forma como se processou essa retirada (datas, ordens do Comando-Geral, etc, etc). Também me seria útil saber nomes dos oficiais que integraram o gabinete de Carlos Fabião e a estrutura de Governo militar.
Um pedido mais específico: tenho a indicação de que Carlos Fabião tinha um ajudante de campo da Marinha, que participou, com ele, numa reunião no quartel dos Comandos Africanos, em Brá, onde esteve também um elemento ligado ao PAIGC, o cineasta guineense Flora Gomes. Gostaria de saber o nome deste ajudante de campo.
Todos os ex-combatentes da guerra da Guiné que se tenham cruzado com os comandos africanos têm, naturalmente, histórias e episódios que serão essenciais para descrever, com realismo, factualidade e precisão o que foi a guerra da Guiné. Apelo também a esses ex-combatentes para que me ajudem, com as suas informações, relatos e fotografias.
O objectivo da minha investigação é apurar responsabilidades pela decisão de desarmar e abandonar os comandos africanos (e outras unidades, como os fuzileirose as companhias de caçadores, etc.) a dois níveis: ao nível político (o que foi feito em Portugal) e ao nível militar/operacional (o que foi feito na Guiné-Bissau). Toda a ajuda que me possam dar será bem-vinda.
Embora eu pretenda concentrar a investigação nos acontecimentos verificados entre Abril de 1974 e Janeiro de 1975, também tenciono abordar a história dos Comandos, desde a sua constituição, primeiras unidades e operações, especialmente na Guiné-Bissau. Mais uma área em que muitos testemunhos vossos me serão essenciais.
Agradecendo antecipadamente a vossa ajuda,
Com os meus cumprimentos,
Paulo Reis
Jornalista (Carteira Profissional nº 734)
Telefone móvel > 918 62 79 29
Comentário de L.G.:
1. Fico sem saber se o Paulo Reis quer fazer parte da nossa tertúlia: pode fazê-lo na qualidade de amigo, e não propriamente como camarada, já que não foi combatente na Guiné.
2. O interesse em aprofundar o conhecimento da história dos comandos africanos (bem como de outras unidades de ex-combantentes guineenses) é partilhado por todos nós. Mas, em princípio, os membros desta tertúlia têm a obrigação de partilhar, entre si, entre os amigos e camaradas da Guiné, toda e qualquer informação relevante que conheçam ou disponham, divulgando-a portanto em primeira mão neste blogue...
3. Também seria desejável que o Paulo, que conhece a Guiné e anda a fazer uma investigação sobre so comandos africanos, pudesse partilhar connosco informação relevante que eventualmente tenha em seu poder... No seu caso, julgo que é mais difícil essa troca recíproca já que ele está a escrever um livro e o segredo é a alma do negócio... Escusado será preciso lembrar-lhe que, se por acaso usar algumas das nossas fontes, pode fazê-lo, sendo no entanto do mais elementar dever de deontologia profissional do jornalista citar o(s) autor(es) e o nosso blogue, dando-nos posteriormente conhecimento disso. Boa sorte para as suas pesquisas.
___________
Nota de L.G.
(1)Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLII: O abandono dos comandos africanos (Paulo Reis)
(...) "Tenho um contrato com uma editora para fazer um livro sobre o abandono dos comandos africanos da Guiné-Bissau. É uma história com que me cruzei, ainda estagiário, em 1982, quando encontrei o alferes Bailo Jau, já falecido, e o soldado Demba Embaló com quem ainda mantenho contacto.
"Estive na Guiné em 1998, por duas vezes, quando da guerra do Ansume Mané. Andei por Pirada, Bafatá, Bambadinca, Mansoa, Gabú, Bissau, etc, etc. Tendo, para além disso, nascido e vivido em Angola até 1976, calcula que sinto algo mais que mera curiosidade profissional, em relação a África" (...).
Caro Luís Graça:
Obrigado pela publicitação do meu pedido de ajuda no Blogue-fora-nada (1). Gostaria sobretudo de apelar aos leitores e participantes neste blogue que tenham informações sobre a evolução dos acontecimentos, na Guiné-Bissau, entre Abril de 1974 e a retirada das últimas tropas portuguesas.
Estou sobretudo interessado no processo de desmantelamento do Batalhão de Comandos Africanos, mas também gostaria de saber algo sobre outras unidades maioritariamente compostas por soldados locais. Todos os pormenores, por mais insignificantes que pareçam ser, são importantes para construir o 'retrato geral'
Gostaria de saber quais as unidades que se encontravam na Guiné, nessa época, e quais foram as últimas a retirar, bem como a forma como se processou essa retirada (datas, ordens do Comando-Geral, etc, etc). Também me seria útil saber nomes dos oficiais que integraram o gabinete de Carlos Fabião e a estrutura de Governo militar.
Um pedido mais específico: tenho a indicação de que Carlos Fabião tinha um ajudante de campo da Marinha, que participou, com ele, numa reunião no quartel dos Comandos Africanos, em Brá, onde esteve também um elemento ligado ao PAIGC, o cineasta guineense Flora Gomes. Gostaria de saber o nome deste ajudante de campo.
Todos os ex-combatentes da guerra da Guiné que se tenham cruzado com os comandos africanos têm, naturalmente, histórias e episódios que serão essenciais para descrever, com realismo, factualidade e precisão o que foi a guerra da Guiné. Apelo também a esses ex-combatentes para que me ajudem, com as suas informações, relatos e fotografias.
O objectivo da minha investigação é apurar responsabilidades pela decisão de desarmar e abandonar os comandos africanos (e outras unidades, como os fuzileirose as companhias de caçadores, etc.) a dois níveis: ao nível político (o que foi feito em Portugal) e ao nível militar/operacional (o que foi feito na Guiné-Bissau). Toda a ajuda que me possam dar será bem-vinda.
Embora eu pretenda concentrar a investigação nos acontecimentos verificados entre Abril de 1974 e Janeiro de 1975, também tenciono abordar a história dos Comandos, desde a sua constituição, primeiras unidades e operações, especialmente na Guiné-Bissau. Mais uma área em que muitos testemunhos vossos me serão essenciais.
Agradecendo antecipadamente a vossa ajuda,
Com os meus cumprimentos,
Paulo Reis
Jornalista (Carteira Profissional nº 734)
Telefone móvel > 918 62 79 29
Comentário de L.G.:
1. Fico sem saber se o Paulo Reis quer fazer parte da nossa tertúlia: pode fazê-lo na qualidade de amigo, e não propriamente como camarada, já que não foi combatente na Guiné.
2. O interesse em aprofundar o conhecimento da história dos comandos africanos (bem como de outras unidades de ex-combantentes guineenses) é partilhado por todos nós. Mas, em princípio, os membros desta tertúlia têm a obrigação de partilhar, entre si, entre os amigos e camaradas da Guiné, toda e qualquer informação relevante que conheçam ou disponham, divulgando-a portanto em primeira mão neste blogue...
3. Também seria desejável que o Paulo, que conhece a Guiné e anda a fazer uma investigação sobre so comandos africanos, pudesse partilhar connosco informação relevante que eventualmente tenha em seu poder... No seu caso, julgo que é mais difícil essa troca recíproca já que ele está a escrever um livro e o segredo é a alma do negócio... Escusado será preciso lembrar-lhe que, se por acaso usar algumas das nossas fontes, pode fazê-lo, sendo no entanto do mais elementar dever de deontologia profissional do jornalista citar o(s) autor(es) e o nosso blogue, dando-nos posteriormente conhecimento disso. Boa sorte para as suas pesquisas.
___________
Nota de L.G.
(1)Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLII: O abandono dos comandos africanos (Paulo Reis)
(...) "Tenho um contrato com uma editora para fazer um livro sobre o abandono dos comandos africanos da Guiné-Bissau. É uma história com que me cruzei, ainda estagiário, em 1982, quando encontrei o alferes Bailo Jau, já falecido, e o soldado Demba Embaló com quem ainda mantenho contacto.
"Estive na Guiné em 1998, por duas vezes, quando da guerra do Ansume Mané. Andei por Pirada, Bafatá, Bambadinca, Mansoa, Gabú, Bissau, etc, etc. Tendo, para além disso, nascido e vivido em Angola até 1976, calcula que sinto algo mais que mera curiosidade profissional, em relação a África" (...).
Guiné 63/74 - P779: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (9): Fome em Campatá e Natal em Bafatá
Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > CCAÇ 2405 > 1969 > Dulombi > Na messe, os alferes milicianos Raposo (à direita) e Rijo (à esquerda); de costas, os furriéis milicianos Cândido e Magno.
© Paulo Raposo (2006)
IX parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 26-27 (1).
GALOMARO
Com este objectivo, a nossa companhia foi enviada para Galomaro, e aí abriu em estrela. Cada grupo de combate foi enviado para um local diferente para organizarmos as Tabancas em auto defesa.
Galomaro era uma terra pequena. Tinha um armazém abandonado de recolha de amendoim, que foi utilizado como caserna. Tinha também umas casas onde outrora eram recolhidos os leprosos, doença completamente irradiada, e tinha ainda uma casa comercial de um libanês, o Sr. Regala.
Ao meu grupo de combate calhou a Tabanca de Campata (2). Ali nos deixou a Companhia, por muito tempo e sem qualquer razão, sem comida. Durante cerca de uma semana, praticamente não tínhamos de comer. Dizia-me um soldado:
- Ó meu Alferes, a fome é negra!
Em face disto, fomos subtraindo galinhas e cabritos à população, que não os queriam vender por serem o único meio de subsistência que tinham.
Na falta do rádio e como não apareciam instruções da companhia, eu e outro rapaz metemo-nos à estrada de bicicleta, para pedirmos satisfações na sede da companhia.
Aquela situação trazia créditos para a Companhia pois vencíamos o valor da alimentação e nada recebíamos. Aqueles Sargentos!
Mais tarde, mandei construir um fomo, aonde o Baptista cozia o pão que nos sabia pela vida. Foi ali que comecei a sofrer com o isolamento. Nunca gostei de estar a nível do grupo de combate.
Um belo dia apareceu um heli: nele vinham o Brig Spínola, o Comandante do Sector [ de Bafatá]Ten Cor Hélio Felgas, o Capitão Almeida Bruno e o nosso Capitão [Jerónimo], vinham inspeccionar. A minha atrapalhação foi muita, perante tanta gente importante a visitar-nos. Depois de algumas perguntas, respostas e cortesias, seguiram viagem para a Tabanca seguinte.
O NATAL DE 1968
Foi em Campata que passámos o primeiro Natal na Guiné. O meu irmão, a pedido da minha mãe foi passar o Natal comigo. De avião em avião, chegou por fim a Bafatá, aonde solicitou autorização ao comando para eu passar aqueles dias com ele em Bafatá.
O Ten Cor Banazol, que comandava o Batalhão que ali estava sediado, fez deslocar uma auto metralhadora Panhard para me ir buscar. Alugámos um quarto e, entre o cinema, os passeios e a Messe, assim passámos o Natal.
Bafatá era uma cidade sem guerra, tinha piscina, mercado e algum ... comércio. E não estava cercada por arame farpado. O meu irmão não dormiu muito descansado naqueles dias. Durante esta curta estada em Bafatá, encontrei um rapaz de Fronteira que tinha sido meu recruta em Elvas.
Como na Tabanca de Campata não havia electricidade, nunca se podia beber nada fresco. E foi assim que comprei um frigorífico a petróleo por 5.000$00. Este frigorífico andou sempre comigo até ao fim da comissão, e mais tarde vendi-o, pelo mesmo valor, a um Furriel da nossa companhia, que era de Bissau, de etnia papel (3).
Para funcionar bem este frigorífico tinha de ter a torcida sempre muito bem aparada e não podia estar queimada. Era uma preocupação permanente. O meu amigo João Saldanha, que estava em Bissau na Intendência, sempre me valeu, mandando-me as torcidas para substituição. A manutenção do frigorífico e a gestão das bebidas frescas estava totalmente a cargo do meu impedido, o Figueiredo.
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 19 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (8): A ida para o leste
(2) A meio caminho, do lado direito, na estrada Galomaro-Dulombi.
(3) Vd. post de 9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral
(...) "O furriel Cabral foi-nos mandado para substituir o furriel vagomestre, uns meses antes falecido em acidente de viação na estrada de Galomaro-Bafatá numa viagem de reabastecimento de viveres à nossa Companhia…
"O Cabral era uma jóia de pessoa, simpatiquíssimo, um tanto ingénuo e crédulo, sempre bem disposto e que rapidamente granjeou a estima de todos. Natural de Bissau, de etnia papel, um verdadeiro e retinto preto da Guiné…
"Estudara em Lisboa, e, incorporado no exército, fez o curso de sargentos milicianos até que foi promovido a furriel e mobilizado, em rendição individual, para a Guiné, sua terra natal…
"Calhou-lhe em sorte (ou azar…), ser destacado para a nossa Companhia numa altura em que já tinhamos cumprido um ano e meio de comissão" (...).
© Paulo Raposo (2006)
IX parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 26-27 (1).
GALOMARO
Com este objectivo, a nossa companhia foi enviada para Galomaro, e aí abriu em estrela. Cada grupo de combate foi enviado para um local diferente para organizarmos as Tabancas em auto defesa.
Galomaro era uma terra pequena. Tinha um armazém abandonado de recolha de amendoim, que foi utilizado como caserna. Tinha também umas casas onde outrora eram recolhidos os leprosos, doença completamente irradiada, e tinha ainda uma casa comercial de um libanês, o Sr. Regala.
Ao meu grupo de combate calhou a Tabanca de Campata (2). Ali nos deixou a Companhia, por muito tempo e sem qualquer razão, sem comida. Durante cerca de uma semana, praticamente não tínhamos de comer. Dizia-me um soldado:
- Ó meu Alferes, a fome é negra!
Em face disto, fomos subtraindo galinhas e cabritos à população, que não os queriam vender por serem o único meio de subsistência que tinham.
Na falta do rádio e como não apareciam instruções da companhia, eu e outro rapaz metemo-nos à estrada de bicicleta, para pedirmos satisfações na sede da companhia.
Aquela situação trazia créditos para a Companhia pois vencíamos o valor da alimentação e nada recebíamos. Aqueles Sargentos!
Mais tarde, mandei construir um fomo, aonde o Baptista cozia o pão que nos sabia pela vida. Foi ali que comecei a sofrer com o isolamento. Nunca gostei de estar a nível do grupo de combate.
Um belo dia apareceu um heli: nele vinham o Brig Spínola, o Comandante do Sector [ de Bafatá]Ten Cor Hélio Felgas, o Capitão Almeida Bruno e o nosso Capitão [Jerónimo], vinham inspeccionar. A minha atrapalhação foi muita, perante tanta gente importante a visitar-nos. Depois de algumas perguntas, respostas e cortesias, seguiram viagem para a Tabanca seguinte.
O NATAL DE 1968
Foi em Campata que passámos o primeiro Natal na Guiné. O meu irmão, a pedido da minha mãe foi passar o Natal comigo. De avião em avião, chegou por fim a Bafatá, aonde solicitou autorização ao comando para eu passar aqueles dias com ele em Bafatá.
O Ten Cor Banazol, que comandava o Batalhão que ali estava sediado, fez deslocar uma auto metralhadora Panhard para me ir buscar. Alugámos um quarto e, entre o cinema, os passeios e a Messe, assim passámos o Natal.
Bafatá era uma cidade sem guerra, tinha piscina, mercado e algum ... comércio. E não estava cercada por arame farpado. O meu irmão não dormiu muito descansado naqueles dias. Durante esta curta estada em Bafatá, encontrei um rapaz de Fronteira que tinha sido meu recruta em Elvas.
Como na Tabanca de Campata não havia electricidade, nunca se podia beber nada fresco. E foi assim que comprei um frigorífico a petróleo por 5.000$00. Este frigorífico andou sempre comigo até ao fim da comissão, e mais tarde vendi-o, pelo mesmo valor, a um Furriel da nossa companhia, que era de Bissau, de etnia papel (3).
Para funcionar bem este frigorífico tinha de ter a torcida sempre muito bem aparada e não podia estar queimada. Era uma preocupação permanente. O meu amigo João Saldanha, que estava em Bissau na Intendência, sempre me valeu, mandando-me as torcidas para substituição. A manutenção do frigorífico e a gestão das bebidas frescas estava totalmente a cargo do meu impedido, o Figueiredo.
_____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 19 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (8): A ida para o leste
(2) A meio caminho, do lado direito, na estrada Galomaro-Dulombi.
(3) Vd. post de 9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral
(...) "O furriel Cabral foi-nos mandado para substituir o furriel vagomestre, uns meses antes falecido em acidente de viação na estrada de Galomaro-Bafatá numa viagem de reabastecimento de viveres à nossa Companhia…
"O Cabral era uma jóia de pessoa, simpatiquíssimo, um tanto ingénuo e crédulo, sempre bem disposto e que rapidamente granjeou a estima de todos. Natural de Bissau, de etnia papel, um verdadeiro e retinto preto da Guiné…
"Estudara em Lisboa, e, incorporado no exército, fez o curso de sargentos milicianos até que foi promovido a furriel e mobilizado, em rendição individual, para a Guiné, sua terra natal…
"Calhou-lhe em sorte (ou azar…), ser destacado para a nossa Companhia numa altura em que já tinhamos cumprido um ano e meio de comissão" (...).
Guiné 63/74 - P778: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)
Guiné > Brá > 1966 > O comando Justo, do Grupo de Comandos Os Vampiros, do Alf Mil Comando Briote.
© Virgínio Briote(2006)
1. A propósito do Justo, que aparecia, muito jovem ainda, numa velha foto do Grupo de Comandos Os Vampiros, de 1966 (1), perguntei ao Virgínio Briote se sabia do paradeiro dele, se não estaria também na lista dos executados a seguir à independência...
O Leopoldo Amado respondeu-me de imediato, lacónico: "O Justo foi fuzilado".
2. Esta infeliz notícia também foi conformada pelo ex-comando e membro da nossa tertúlia, o João S. Parreira:
"Caro Luís Graça, no caso do VB não saber o paradeiro do Justo Nascimento, informo-te que o Tenente Cmd. Justo Orlando R. L. Nascimento, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, também foi executado. Um abraço, João Parreira".
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)
(2) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
© Virgínio Briote(2006)
1. A propósito do Justo, que aparecia, muito jovem ainda, numa velha foto do Grupo de Comandos Os Vampiros, de 1966 (1), perguntei ao Virgínio Briote se sabia do paradeiro dele, se não estaria também na lista dos executados a seguir à independência...
O Leopoldo Amado respondeu-me de imediato, lacónico: "O Justo foi fuzilado".
2. Esta infeliz notícia também foi conformada pelo ex-comando e membro da nossa tertúlia, o João S. Parreira:
"Caro Luís Graça, no caso do VB não saber o paradeiro do Justo Nascimento, informo-te que o Tenente Cmd. Justo Orlando R. L. Nascimento, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, também foi executado. Um abraço, João Parreira".
__________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)
(2) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
domingo, 21 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P777: Do Porto a Bissau (19): Do Quelélé a Guileje, a obra da AD do Pepito (A. Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes:
Logo no dia 13 de Abril, os que fomos de jipe fizemos uma visita à AD do Pepito, no Bairro do Quelélé, onde tivemos o gosto de conhecer ao vivo este nosso amigo, que mostrou ser a pessoa maravilhosa e sensacional que já imaginávamos.
Já sabem da nossa participação na Rádio Comunitária Voz do Quelélé, apoiada pela AD. Mas, ali no Quelélé, onde tem a sua sede, esta ONG tem outras iniciativas que me deixaram grandemente espantado, pelo inesperado do seu alcance, pelo inusitado que me pareceram num país sem quase nada.
Com óptimas instalações, a Escola de Artes e Ofícios do Quelélé tem um belo pavilhão com várias salas onde se podem ver dezenas de jovens:
(i) numa delas aprendem informática, em secretárias individuais com computador;
(ii) noutra aprendem as técnicas da electrónica, também em secretárias individuais com aparelhagem própria;
(iii) numa outra as futuras auxiliares de educadora de infância aprendem como participar na educação das crianças guineenses;
(iv) recebem aulas sobre transformação de frutas, gestão dos recursos marinhos, radialismo, de actor de teatro e iluminação de teatro noutra sala...
Explicou-nos o Pepito que muito daquele material, secretárias, computadores e material electrónico, tinha sido oferecido, porque já não usado, por empresas e ministérios portugueses, e com a grande ajuda do Instituto Marquês Valle Flor, uma ONG portuguesa (no dia seguinte, quando fomos esperar ao avião os quatro elementos que se juntaram ao nosso grupo, encontrámos o Pepito e um representante deste Instituto que tinha chegado para ver a AD na zona do Cantanhês).
Foi o que nós vimos, mas todas as iniciativas e acção da AD estão plenamente expressas no seu Relatório de Actividades, já referenciado no blogue.
Convidou-nos o Pepito para irmos ver as instalações da AD na zona do Cantanhês, oferecendo-nos as suas instalações para pernoitar, pois, disse, seriam precisos dois ou três dias. Infelizmente, devido à dificuldade em organizar todas as visitas com um grande grupo, não nos foi possível lá ir.
Mas, quando sozinhos, eu e o Allen decidimos um dia ir a Guileje e ver a sua recuperação histórica, e aqui estão algumas fotografias [mostrando nomeadamente granadas abandonadas pelas NT e que ainda não foram neuralizadas ou detonadasa]. Depois, o dia já ia alto, não deu para ir mais longe e houve que regressar a Bissau.
Abraços
A. Marques Lopes
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
Logo no dia 13 de Abril, os que fomos de jipe fizemos uma visita à AD do Pepito, no Bairro do Quelélé, onde tivemos o gosto de conhecer ao vivo este nosso amigo, que mostrou ser a pessoa maravilhosa e sensacional que já imaginávamos.
Já sabem da nossa participação na Rádio Comunitária Voz do Quelélé, apoiada pela AD. Mas, ali no Quelélé, onde tem a sua sede, esta ONG tem outras iniciativas que me deixaram grandemente espantado, pelo inesperado do seu alcance, pelo inusitado que me pareceram num país sem quase nada.
Com óptimas instalações, a Escola de Artes e Ofícios do Quelélé tem um belo pavilhão com várias salas onde se podem ver dezenas de jovens:
(i) numa delas aprendem informática, em secretárias individuais com computador;
(ii) noutra aprendem as técnicas da electrónica, também em secretárias individuais com aparelhagem própria;
(iii) numa outra as futuras auxiliares de educadora de infância aprendem como participar na educação das crianças guineenses;
(iv) recebem aulas sobre transformação de frutas, gestão dos recursos marinhos, radialismo, de actor de teatro e iluminação de teatro noutra sala...
Explicou-nos o Pepito que muito daquele material, secretárias, computadores e material electrónico, tinha sido oferecido, porque já não usado, por empresas e ministérios portugueses, e com a grande ajuda do Instituto Marquês Valle Flor, uma ONG portuguesa (no dia seguinte, quando fomos esperar ao avião os quatro elementos que se juntaram ao nosso grupo, encontrámos o Pepito e um representante deste Instituto que tinha chegado para ver a AD na zona do Cantanhês).
Foi o que nós vimos, mas todas as iniciativas e acção da AD estão plenamente expressas no seu Relatório de Actividades, já referenciado no blogue.
Convidou-nos o Pepito para irmos ver as instalações da AD na zona do Cantanhês, oferecendo-nos as suas instalações para pernoitar, pois, disse, seriam precisos dois ou três dias. Infelizmente, devido à dificuldade em organizar todas as visitas com um grande grupo, não nos foi possível lá ir.
Mas, quando sozinhos, eu e o Allen decidimos um dia ir a Guileje e ver a sua recuperação histórica, e aqui estão algumas fotografias [mostrando nomeadamente granadas abandonadas pelas NT e que ainda não foram neuralizadas ou detonadasa]. Depois, o dia já ia alto, não deu para ir mais longe e houve que regressar a Bissau.
Abraços
A. Marques Lopes
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
Guiné 63/74 - P776: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Contuboel > Junho de 1969: O 2º Grupo de Combate da CCAÇ 2590 (futura CCCAÇ 12), ainda em período de instrução da especialidade . O 2º Gr Comb era comandado pelo Alferes Miliciano Carlão que aparece na fotografia, na primeira fila, ajoelhado, olhando no sentido oposto ao do fotógrafo. Atrás dele o soldado Arménio, de alcunha o Vermelhinha (era cabo, antes de embarcar mas foi despromovido, por ter apanhado uma porrada da PM). De pé, na terceira fila, os furriéis milicianos Levezinho e Reis. Na segunda fila, meio agachados, os 1ºs cabos Branco e Alves (de alcunha o Alfredo) .
Um grupo de combate da CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12) era constituído por 30 homens. Havia 4 Gr Comb. Cada grupo de combate, comandado por um alferes, tinha três secções (1 furriel e 1 cabo e oito soldados, estes africanos).
Casa secção era especializada. Havia a secção dos lança-granadas, com o respectivo apontador e municiador (1 LGFog 8.9, 1 LGFog 3.7). Havia a secção do Morteiro 60 (apontador e municiador ). E havia ainda a secção da Metralhadora Ligeira HK 21 (apontador e municiador). Cada combatente estava equipado com a espingarda automática G-3 e granadas defensivas. Em geral havia ainda dois apontadores de dilagrama (neste caso, 1ª e 3ª secção) (LG)
Foto: © António Levezinho (2005)
__________
Pode parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés... Não penso o mesmo: pode ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Pode facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...
É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau (1), outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...
Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo...
Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo de da especialidade de armas pesadas, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.
Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalemnte, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Basora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.
“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instrúiído em Contuboel, em Junho e Julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a instustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas.
Guiné > Região Leste > 1969 > Estrada Xime-Bambadinca> O comandante da CCAÇ 12 (ex-CCAÇ 2590), Capitão Inf 50156311 Carlos A. M. Brito, promovido a major no final da comissão. Oficial do quadro, já tinha feito duas comissões anteriormente, uma na Índia e outra em Angola.
Foto do Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
© Humberto Reis (2006).
Tirando o 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé (promovido ao actual posto em 16 de Setembro de 1969),era, todos Praças de 2ª classe. Samba Só, Mamadá Baldé, Braima Bá e Quecuta Colubali passaram a soldados arvoraddos na mesma data, por reunirem qualidades para uma eventual promoção ao posto de primeiros cabos: "ascendente sobre os camaradas, experiência de combate e aprumo militar" (sic). Entretanto, houve mais promoções no final da 1ª Comissão da CCAÇ 12 (a rendiçãoo individual dos quadros metropolitanos fez-se a partir de Fevereiro de 1971).
É muito provável que todos ou quase todos os graduados africanos da CCAÇ 12 ( e da CCAÇ 21, para a qual transiatram em 1973) tenham sido fuzilados, em 1974 e 1975 (1)...
Composição orgânica dos grupos de combate (Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo I).
1º Gr Comb
Comandante Alf Mil Op Esp 00928568 Francisco Magalhães Moreira
1ª secção
1º Cabo 8490968 José Manuel P Quadrado (Ap dilagrama)
Soldado Arvorado 82107469 Abibo Jau (F)
Soldado 82105869 Demba Jau (F)
Sold 82107769 Braima Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82106069 Sajo Baldé (Mun LGFog 8,9) (FF)
Sold 82106869 Suleimane Djopo (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82105469 Baiel Buaró (F)
Sold 82106269 Mamadu Será (FF)
2ª Secção
Fur Mil 04757168 Joaquim João dos Santos Pina
1º Cabo 17765068 Manuel Monteiro Valente (Ap Dilagrama)
Soldado Arvorado 82106369 Vitor Santos Sampaio (Mancanhe)
Soldado 82106469 Mamadu Au (Ap Metr Lig HK 21)
Sold 82105969 Samba Camará (Mun Metr Lig HK 21) (FF)
Sold 82105269 Sherifo Baldé
Sold 82106669 Mussa Bari (FF)
Sold 82106969 Mamadu Jau (F)
Sold 82105369 Mamadu Silá (Ap LGFog 3,7) (F)
Sold 82107669 Ussumane Sisse (Mun LGFog 3,7) (M)
3ª Secção
Fur Mil 19904168 António Manuel Martins Branquinho
1º Cabo 18998168 Abílio Soares
Soldado Arvorado 82107169 Mamadu Baló (F)
Soldado 82106569 Mustafá Colubalii (Ap Mort 60) )(FF)
Sold 82106169 Sana Camará (Mun Mort 60) (FF)
Sold 82105669 Amadu Baldé (FF)
Sold 82106169 Saico Seide(F)
Sold 82107569 Gale Jaló (FF)
Sold 82105569 Sana Baldé (Ap Dilagrama) (F)
2º Gr Comb
Comandante: Alf Mil de Inf 13002168 António Manuel Carlão
1ª secção
Soldado Arvorado 82107969 Alfa Baldé (Ap LGFog 3,7)
Soldado 18968568 Arménio Monteiro da Fonseca
Sold 82118169 Samba Camará (FF)
Sold 82115369 Iéro Jaló (F)
Sold 82118869 Cheval Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82103269 Aruna Baldé (Mun LGFog 8,9) (F)
Sold 82105169 Mamadú Bari (FF)
Sold 82116369 Sidi Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118669 Mussa Seide (F)
Sold 82117669 Amadú Camará (FF)
2ª Secção
Fur Mil Op Esp 05293061 Humberto Simões dos Reis
1º Cabo 17626068 José Marques Alves
Soldado Arvorado 82116569 Mamadu Baldé (F)
Soldado 82101469 Udi Baldé (FF)
Sold 82101069 Sajo Candé (F)
Sold 82108069 Alfa Jaló (F)
Sold 82116469 Iéro Juma Camará (Ap Mort 60) (FF)
Sold 82111969 Mamadú Jaló (Mun Mort 60) (F)
Sold 82111069 Adulai Baldé (F)
Sold 82117269 Adulai Bal (F)
3ª Secção
Fur Mil 17207968 Antonio Eugénio S. Levezinho
1º Cabo 18880368 Manuel Alberto Faria Branco
Soldado Arvorado 82116969 Braima Bá (F)
Soldado 82116669 Gale Colubali (Ap Metr Lig HK 21) (FF)
Sold 82116769 Mamadú Uri Colubali (Mun Metr Lig HK 21) (FF)
Sold 82111369 Amadú Turé (F)
Sold 82117469 Demba Jau (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82107869 Iero Jaló (FF)
Sold 82116869 Gale Camará (F)
3º Gr Comb
Comandante: Alf Mil Inf 01006868 Abel Maria Rodrigues
1ª secção
1º Cabo 02920168 Carlos Alberto Alves Galvão
Soldado Arvorado 82108769 Totala Baldé (F)
Sold 82108569 Sambel Baldé (F)
Sold 82108969 Mauro Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82110369 Jamalu Baldé (Mun LGFog 8,9) (F)
Sold 82109169 Malan Baldé (F)
Sold 82109569 Iéro Jau (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82110969 Samba Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82109969 Malan Nanqui (M)
2ª Secção
Fur Mil 07098068 Arlindo Teixeira Roda
1º Cabo 17625368 António Braga Rodrigues Mateus
Soldado Arvorado 82108369 Mamadú Jau (Ap Dilagrama) (F)
Soldado 82109369 Malan Jau (Ap Mort 60) (F)
Sold 82100769 Amadú Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82108869 Quembura Candé (F)
Sold 82109769 Sherifo Baldé (F)
Sold 82115369 Ussumane Jaló (FF)
Sold 82110169 Madina Jamanca (F)
3ª Secção
Fur Mil 06559968 José Luís Vieira de Sousa
1º Cabo 12356668 José Jerónimo Lourenço Alves
Soldado Arvorado 82108469 Sajo Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F)
Soldado 82109669 Cherno Baldé (Mun Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82109469 Sanuchi Sanhã (Ap LGFog 3,7) (F)
Sold 82109269 Sori Jau (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82110569 Mamadu Embaló (F)
Sold 82110769 Chico Baldé (F)
Sold 82115169 Demba Jau (F)
Sold 82108669 Cutael Baldé (F)
4º Gr Comb
Comandante: Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues
1ª secção
Fur Mil 15265768 Joaquim A. M. Fernandes
1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva
Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)
2ª secção
Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques
1º Cabo 17714968 António Pinto
1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (F)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (F)
Soldadado 82110469 Mamadú Baldé (F)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (F)
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (FF)
Sold 82119069 Mamadu Balde (F)
3ª secção
1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação
Soldado 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82110269 Suleimane Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82111069 Sori Baldé (F)
Sold 82115669 Sherifo Baldé (F)
Sold 82115769 Tenen Baldé (F)
Sold 82117169 Ussumane Baldé (F)
Sold 82117769 Califo Baldé (F)
Sold 82118469 Califo Baldé (F)
Legendas:
F= Fula
FF= Futa Fula
M= Mandinga
Mc=Mancanhe
Ap= Apontador
Mun= Municiador
Mort= Morteiro
LGFOg= Lança-granadas foguete
Met= Metralhadora
Lig= Ligeira
_________
Notas de L.G.
(1) Vd. posts de:
11 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
(...) "grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.
"Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime)" (...).
12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
(...) "Eu (com os meus quase 11 anos) e muitos outros, em 1974, vimos os militares do PAIGC em dois camiões de fabrico russo, um deles completamente tapado de toldo. Passaram por Xime, de manhã, para Madina Cudjido (Colhido, como vocês dizem). Passados uns 30 minutos ouvimos muitos tiros. Só que por volta da hora do almoço ouvimos [dizer] que foram lá fuzilados 8 pessoas. E das pessoas que nós ouvimos que tinham sido fuzilados - não sei se corresponde a verdade ou não - um deles era o tal Abibo Jau que esteve na CCAÇ 12 em Xime. A outra pessoa seria o Tenente Jamanca, da CCAÇ 21 que estava em Bambadinca" (...).
16 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIV: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)
(...)"No período pós-independência, os fuzilamentos dos antigos colaboradores africanos incidiram sobre os Comandos Africanos, Milícias, agentes das forças especiais, fuzileiros, cipaios, régulos, agentes da PIDE, elementos da Acção Nacional, guias, e até agentes que trabalhavam para a administração colonial.
"Só no caso da Guiné, fala-se em cerca de 11.000 o número de elementos fuzilados pelo PAIGC imediatamente após a independência. Certo ou não, a verdade é que houve como que uma espécie de vingança quando os ânimos se serenaram, depois que o PAIGC assumiu a administração política do país" (...).
sábado, 20 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P775: Antologia (38): O cativeiro dos bichos de Artur Augusto Silva (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Bissau > Contracapa do livro de contos, de Artur Augusto Silva, O Cativeiro dos Bichos... Bissau, 2006 (Edição de autor).
Nota de L.G.: Recordam-se que no último Natal recebemos uma prenda do Pepito que muito nos sensibilizou. Ele enviou-nos, para publicação no blogue, um dos contos, escritos pelo seu pai, já falecido, e que os filhos (Henrique, João e Carlos Schwarz) decidiram reunir em livro. Em Fevereiro último conheci pessoalmente o Pepito (Carlos Schwarz), que me ofereceu o livro (2). Na altura comprometi-me a fazer uma pequena recensão bibliográfica e sobretudo a divulgá-lo pela nossa tertúlia e pelo nosso blogue.
Para já, aqui vai um primeiro apontamento biográfico sobre o autor, Artur Augusto Silva (1912-1983), extraído no essencial dos dados fornecidos na contracapa do livro:
(i) Nasceu a 14 de Outubro de 1912, em Cabo Verde, na Ilha da Brava, "a ilha dos poetas, das flores e das mulheres bonitas", a ilha que foi também po berço do poeta Eugénio Tavares (1867-1930);
(ii) Ainda estudante, foi Director da revista Momento, revista que pretendia ser a réplica lisboeta da Presença, de Coimbra, e onde se propunha abrir uma Tribuna Livre com outros jovens escritores e intelectuais, "em que livremente se discutisse e todos pudessem falar";
(iii) Na Metrópole (como então se dizia), "publicou vários artigos, fez reportagens, dirigiu saraus literários, organizou exposições de arte moderna, promoveu conferências culturais na Casa da Imprensa, na Sociedade Nacional de Belas Artes e em vários outros locais de Portugal";
(iv) Licenciou-se em Direito em 1938, pela Universidade de Lisboa;
(v) Em 1939, partiu para Angola onde trabalhou como Secretário do Governador Geral;
(vi) De 1941 a 1949 exerceu advocacia em Lisboa, em Alcobaça e em Porto de Mós, na região da Estremadura (dessa experiência, humana e profissional, colheu o autor matéria-prima para alguns dos seus contos, agora publicados, como o Zé Faneca, pescador da Nazaré);
(vii) Em 1949, partiu para a Guiné onde foi advogado, notário e substituto do Delegado do Procurador da República;
(viii) Foi também Membro do Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amilcar Cabral de quem era grande amigo e com quem viajou várias vezes;
(ix) Participou, em 1949, na criação do Colégio-Liceu de Bissau;
(x) Visitou vários países africanos, recolhendo elementos que mais tarde lhe serviriam para escrever, entre outros livros, Os Usos e Costumes Jurídicos dos Fulas, tendo-se tornado um especialista em direito consuetudinário;
(xi) Cidadão empenhado, africano nacionalista, jurista corajoso, fez questão de defender presos políticos guineenses, muitos deles seus amigos "ou que passaram a sê-lo, acusados de sedição pela potência colonial"; mais concretamente, "foi defensor em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações";
(xii) Em 1966, "já em plena luta de libertação da Guiné", foi preso pela Pide, no aeroporto de Lisboa, situção violenta e arbitrária que ele recorda "com dor e revolta";
(xiii) "Meses mais tarde, por intervenção de Marcelo Caetano e de outros responsáveis políticos, que embora discordassem das suas ideias políticas o admiravam como homem de carácter, foi libertado, mas proibiram-lhe que regressasse à Guiné, sendo-lhe fixada residência em Lisboa";
(xiv) "Em 1967, Marcelo Caetano, convidou-o para ir trabalhar como advogado na Companhia de Seguros Bonança. Também Adriano Moreira o convidou para leccionar no Instituto de Ciências Ultramarinas, o que ele recusou, fazendo ver ao portador do convite a incoerência de o terem prendido pelas suas ideias sobre o colonialismo português e depois o convidarem para leccionar matérias relacionadas com Africa".
(xv) Em 1976, de visita à nova República da Guiné-Bissau, foi convidado pelo então Presidente Luís Cabral para trabalhar como juiz no Supremo Tribunal de Justiça;
(xvi) Foi professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau;
(xvii) Faleceu em Bissau, a 11 de Julho de 1983, com 70 anos.
Em homenagem ao autor (e ao seu filho e nosso amigo, Pepito, membro da nossa tertúlia, fundador e líder da AD - Acção para o Desenvolvimento), publicamos aquele que é um dos contos que mais gostamos: uma fabulosa fábula (passe o pleonasmo) do tempo em que os animais falavam, e que, escrito em 1967, na Prisão de Caxias, tinha também uma crítica implícita à hipócrita política do Governo Português da época, em relação aos povos africanos que dominava; recorde-se que na época era Governador, de triste memória, o General Arnaldo Schultz, o mesmo que o expulsou da sua terra de adopção e que o mandou prender, à chegada a Lisboa, através do braço longo armado da Pide.
__________
O Cativeiro dos Bichos , por Artur Augusto Silva (pp. 57-63)
A história que ides ler foi-me contada na tabanca de Quebo, no sertão da terra dos fulas, por um homem chamado Umarú Só, velho para além de toda a idade e que por ser velho e sábio conhecia os segredos do mundo e as suas maravilhas.
Vou narrá-la por palavras minhas, porque sei que não me perdoariam o uso daquele estilo floreado, exuberante, por vezes difuso mas sempre poético que os fulas usam para contar uma história.
Houve um tempo em que todos os seres viviam na mais foi perfeita harmonia e a paz reinava por toda a parte. Isto passou-se antes de ter nascido uma garça chamada Macute e que ficará para sempre como o anjo mau que perverteu o mundo.
Foi o caso que numa manhã de sol, quando as manadas de búfalos pastavam nas lalas verdejantes de Bambadinca, uma garça ainda nova e inexperiente, ao esburgar com o bico as carraças de um búfalo, picou-o profundamente, o que o levou a dar um sacão com a cauda, sacão que apanhou a garça e a fez cair !
As coisas teriam ficado por aqui se não fora a garça Macute que, de longe, presenciou o caso e porque queria tornar-se raínha das aves, logo engendrou um plano que a conduzisse à satisfação dos seus desejos.
Andou de terra em terra convocando uma grande reunião de todos os bichos que voam para tomarem conhecimento da maior afronta que jamais fora praticada sobre um ser vivente.
Guiné-Bissau > Bissau > Contracapa do livro de contos, de Artur Augusto Silva, O Cativeiro dos Bichos... Bissau, 2006 (Edição de autor).
Chegado o dia da reunião, ali se encontrou toda a bicharada que povoa os ares, desde a águia-real, de peito branco e palavra e bico adunco, até ao colibri que é mais pequeno que a pequena flor. Vieram os papagaios vestidos de cinzento e peitilho vermelho, vieram todos os patos, desde o marreco ao ferrão, vieram as galinhas, incluindo as perdizes e as galinhas da Guiné todas louçãs na sua vestimenta preta de bolas brancas, vieram os mergulhões de longo bico plumagem verde, azul, preta e branca, veio toda a casta de pardalada que enxameia os céus, vieram as abetardas no seu voo lento e majestoso e, por fim, chegaram as borboletas no seu voo saltitante e colorido.
Reunidos todos, a garça Macute declarou que era necessário escolher um presidente que dirigisse os trabalhos mas, quando esperava ser investida no cargo, teve a desilusão de ver que optavam pela águia-real.
A águia -real soltou três assobios e declarou aberta a assembleia.
Logo a garça Macute levantou uma questão prévia:
- Vejo aqui as nossas boas amigas, as avestruzes, mas afigura-se-me que elas não são aves. Com efeito, desde que que o mundo é mundo, não há notícia de que uma avestruz tenha voado. Elas fazem parte dos bichos que andam e, por isso, não devem tomar parte da nossa reunião.
Todas as garças grasnaram em sinal de assentimento e estabeleceu-se um certo burburinho, prontamente reprimido pelo presidente que declarou ir pôr po caso à votação.
A coruja, sábia reconhecida por todos, pediu a palavra e disse:
- O problema posto pela nossa companheira, a garça, não é novo e muitas têm sido as opiniões ventiladas sem que se chegue a qualquer conclusão. Se é verdade que a avestruz tem asas, não é menos certo que nunca se serve delas para voar. Em minha opinião, devem ser classificadas entre os bichos que andam e não entre os que voam.
Como, após tão sábio resumo, ninguém quisesse usar da palavra, a águia pôs o caso à votação, e por maioria esmagadora foi decidido que as avestruzes não eram aves, mas sim bichos que andam.
Então a águia convidou a garça a dizer do motivo da reunião, e Macute começou:
- As aves são neste mundo em que vivemos, os animais mais nobres e mais valentes. Nunca uma de nós sofreu qualquer vexame ou insulto sem que imediatamente respondesse. Ora, devo dizer-vos que é com o coração oprimido de indignação e raiva que vos vou contar que há dias, na bolanha de Bambadinca, uma de nós, precisamente uma garça, foi vítima de agressão por parte de um búfalo. Devo acrescentar que o caso não pode ficar assim e por isso proponho que se declare guerra sem quartel a todos os bichos que andam.
Uma vozearia infernal atroou os ares e os abutres eram, de entre todas as aves, quem mais grita fazia, apoiando tão dignos sentimentos.
Um pardalito que estava presente, voltou-se para um jagudi que mostras de grande contentamento e ainda disse:
- O que vocês querem é que haja guerra para poderem comer a carne dos que morrem.
Logo o jagudi, gritando traidor, deu-lhe uma sapatada em três tempos o engoliu.
- Calma! Calma! - Gritava a águia-real, receosa de não ter mão na assembleia.
Serenados um pouco os espíritos, a águia deu a palavra ao primeiro orador inscrito, o periquito. Este começou por dizer que a afronta fora grave mas, em seu entender, deveria averiguar-se primeiro se as coisas se tinham passado conforme o relato da garça, porque não via razão para que um búfalo magoasse uma garça, sem qualquer razão. Propunha, pois, uma comissão de inquérito.
O papagaio, segundo orador, citou alguns precedentes em que o comportamento dos bichos que andavam para com os bichos que voam demosntrava cruelda e propôs que o caso fosse levado ao conhecimento do bicho homem que possui discernimento mais do que suficiente para resolver o conflito.
As corujas apoiaram e depois de muitos oradores terem falado, foi resolvido levar o caso ao bicho homem. Formada a comissão que se avistaria com o bicho homem, dissolveu-se a assembleia, no meio de grande excitação.
O papagaio, como falador de grandes conhecimentos, presidia à comissão de queixa, a qual se dirigiu ao bicho homem para fazer as suas lamúrias.
Ouviu o bicho homem as mágoas da passarada e ali jurou que iria investigar, para que se fizesse inteira e completa justiça. Voltassem daí a sete dias, para ouvir a sua resolução.
A passarada retirou-se em boa ordem e o bicho homem ficou a esfregar as mãos de contente porque em sua cabeça surgira um palno.
Mandou o bicho homem chamar o rei dos bichos que andam e que é, contra o que se pensa, o elefante.
Veio este acompanhado de numeroso séquito do qual fazia parte o seu melhor conselheiro, o macaco.
Exposto o motivo da convocação, logo ali declarou o elefante que as intenções da bicharada que anda eram pacíficas e que nunca, até aquele momento, qualquer dos seus súbditos fizera mal a outrem, facto que devia ser do conhecimento do bicho homem que tudo sabe.
- Na verdade, na verdade, retorquiu o homem. Mas há uma queixa e é necessário saber quem tem razão. Parece-me que seria melhor que os bichos que andam nomeassem um delegado e os que voam, outro, para trazerem a minha presença, as alegações de cada parte e as provas a produzir...
Todos concordaram e ficou estabelecido que daí a sete dias e se realizaria o julgamento do caso.
Sete dias passados e à hora marcada, reuniu-se a garnde assembleia e o bicho homem, dizendo que ambas as partes lhe mereciam o maior respeito e consideração e que, assim, não podia dar a direita a um e a esquerda a outro, propõs que o representantre de cada parte ocupasse a direita durante meia hoitra e que a primeira posição fosse tirada à sorte.
Constituído o Tribunal, entraram o macaco como advogado, dos bichos que andam e mais vinte e sete testemunhas, logo seguido pelo papagaio, representante dos bichos que voam, com vinte e cinco testemunhas.
Historiou o homem o diferendo em poucas palavras e pediu ao papagaio, como advogado da parte acusadora, que dissesse da sua justiça.
Falou o papagaio com perfeita dicção e clareza, citando vários confrades seus e algumas palavras que ouvira aos homens, o que lhe valeu aplausos até dos bichos que andam. Empertigou-se o macaco, abriu os braços como já vira em comícios do bicho homem e analisou, um por um, os argumentos do papagaio e a sua queixa. Falou no amor, na justiça piedade, em todos os sentimentos nobres e a tal ponto comoveu a bicharada que voa, fez chorar um pardal estouvado e brincalhão como todos os pardais.
Exposta a questão, iniciou o bicho homem a audição das testemunhas e quer as de acusação, quer as de defesa, declararam nada saber do assunto.
Concedida novamente a palavra aos advogados, estes excederam-se em citações: foram épicos, heróicos, patéticos, fizeram chorar a assembleia e, logo a segui fizeram-na rir desabridamente e foi numa das suas tiradas mais sublimes que o macaco, demonstrando rara intuição científica, classificou o homem de seu primo. O Chimpanzé que estava seguindo a peroração nos menores detalhes, comentou em à parte: primo, mas degenerado.
Depois desta afirmação solene do macaco, os jornais e revistas que o bicho homem publica, começaram-na citando obstinadamente, pelo que hoje é ponto assente a existência de tal parentesco.
O bicho homem suspendeu a sessão por uma hora, ao cabo da qual reentrou para ler a sentença. Era uma longa peça de considerandos e que começava por afirmar que "em virtude de se não ter provado a queixa dos bichos que voam, mas convindo fazer justiça, profiro a seguinte sentença: Julgo a acusação improcedente mas, tendo em atençao que a paz é um dever indeclinável de todos os espíritos sãos, e para poder reservá-Ia, determino que me sejam entregues como reféns e para garantia da paz futura, um animal de cada uma das espécies que voam que andam".
Eliminava magnanimamente custas, dada e manifesta ,ipobreza das partes.
Todos animais, tanto os que voam como os que andam, aplaudiram delirantemente tão sagaz decisão e só o macaco, fiado no parentesco com o bicho homem, quis recorrer da decisão, alegando que "começara a escravatura".
Ninguém o quis ouvir, a decisão ficou sem recurso (recurso para quem? perguntava o papagaio) e o bicho homem começou encaminhando a bicharada para currais e capoeiras previamente instalados por sua indústria.
A verdade é que com o correr dos anos as palavras do macaco tiveram plena comprovação, pois o bicho homem nunca mais soltou nenhum dos reféns e porque estes se reproduziam e o bicho homem não tinha com que alimentá-los, passou a comer deles cada vez com mais apetite.
Se acontecia alguém perguntar ao homem a razão de tão prolongado cativeiro, respondia: como querem que eu os liberte se ainda ontem vi um milhafre pilhar um rato e comê-lo em três tempos? É com sacrifício, com muito grande sacrifício que dou de comer à bicharada, mas mesmo com sacrifício devo manter a minha palavra honrada e a minha justiça proverbial.
É certo que ensinei os bois a trabalhar para mim; é certo que como a carne dos bichos e uso das suas penas e da sua pele em utensílios que fabrico, mas não é menos verdade que todos devem conhecer a minha isenção. Estou esperando que os bichos consigam uma promoção social
que os habilite a entrar no concerto dos seres civilizados para, então lhes dar a liberdade que eu desejo mais do que eles.
Se a história é verdadeira, não posso assegurá-lo pois que os factos passaram-se há muitos anos e não conheci o bicho homem que fez tal justiça; mas, porque Umarú Só é pessoa séria, incapaz de inventar, estou em crer que eles se verificaram conforme a narrativa.
(Prisão de Caxias, 1966)
______
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)
(2) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXIX: Projecto Guileje (9): obus 14, precisa-se!
(...) "Foi muita gentileza, da parte dele, ter-se deslocado só para me conhecer pessoalmente, dar-me notícias da sua terra (que ele ama com um coração muito grande), falar-me, com entusiasmo contagiante, da menina dos seus olhos - que é o Projecto Guiledje (com dj, como ele gosta que se escreva) - e, ainda, presentear-me com o livro de contos do seu pai, Artur Augusto Silva (Ilha Brava, Cabo Verde, 1912- Bissau, 1983), um homem de leis e de cultura, amante da justiça e da liberdade, já aqui por nós justamente evocado
"Noutra ocasião, farei a recensão bibliográfica de O Cativeiro dos Bichos, um colectânea de 25 contos, seleccionados pelos seus filhos (Henrique, João e Carlos Schwarz), alguns dos quais escritos na prisão de Caxias, em 1966. O livro acaba de ser editado em Bissau (Fevereiro de 2006, edição de autor).
"A conversa, de cerca de 1 hora, que tive com o Pepito (ninguém o conhece por Carlos Schwarz, nem quando foi ministro dos transportes num governo de transicção) só pecou por ser curta... Mas deu para, de imediato, eu fazer mais um amigo guineense" (...).
sexta-feira, 19 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P774: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (8): A ida para o leste
Guiné > 1968 > O Rio Geba atravessa(va) várias regiões: na margem direita, para lá de Bissau, que é uma ilha, a região do Morés (Mansoa) e a a região Leste (Bafatá); na margem esquerda, a região de Quínara (Buba) e de novo a região leste, que começava a partir do Rio Corubal... De Mansoa a Bafatá não havia ligações terrestres, já que a estrada que ligava Bafatá a à capital, passando por Mansoa estava interdita... O único recurso, para as NT, era a via fluvial, como aconteceu com a CCAÇ 2405 (1968/69), transferida de Mansoa, cinco meses depois, em Dezembro de 1968 para o sub-sector de Galomaro (LG).
Foto do Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006).
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > O Alf Mil Raposo com dois milícias nativos.
© Paulo Raposo (2006)
VIII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 25-26 (1).
Depois de cinco meses de Mansoa, em chão Balanta, fomos mandados para o leste, para o chão Fula.
O leste da Guiné era quase um planalto, a vegetação não era tão densa e o clima era menos húmido.
Como a estrada de Mansoa para Bafatá estava cortada por acção do inimigo, só podíamos lá chegar ou por avião ou pelo rio.
Foi posta à nossa disposição uma LDG, lancha de desembarque grande, e lá fomos rio acima. A hospitalidade do pessoal da Marinha deixava sempre muito a desejar. A lancha acostou ao Xime, e o resto do caminho fomos em coluna, para Bambadinca.
Sempre que se formava uma coluna neste itinerário, a companhia do Xime saía para fazer protecção lateral.
Chegámos a Bambadinca à noite, cheios de fome e de sono e lá dormimos já nem sei como. No dia seguinte mandaram-nos para um quartel próximo, Fá Mandinga, aonde descansámos enquanto aguardávamos novas ordens.
Deixo aqui uma história curiosa: Bambadinca ficava num ermo, de um dos lados descia para o rio Geba e na outra margem ficava uma grande bolanha.
Para protecção avançada, estava nessa bolanha um grupo de combate de tropa africana comandado pelo Alferes Beja Santos, que vinha connosco desde Mafra. Estavam instalados num aquartelamento de reduzidas dimensões (1). Tinham uns abrigos, mas dormiam em Tabancas, nome que era dado às casas construídas pelos nativos, que tinham telhado de colmo.
Numa bela noite, o nosso Beja Santos sofreu um ataque, em que o inimigo, para corrigir o tiro, fez fogo com munições tracejantes. Como resultado, o colmo incendiou-se e o pessoal perdeu todos os seus haveres com o fogo. No dia seguinte, aparecem na sede do Batalhão [2852] o nosso Beja Santos com alguns dos seus homens, todos em cuecas. Era assim que estavam quando tinha começado o ataque.
Como a guerra ainda não se tinha alastrado ao leste, era intenção do comando de Bafatá (3)reordenar a população e constituir núcleos de auto defesa. A ideia era brilhante, cativou a população, mas não alterou em nada o curso da guerra.
___________
Nota de L.G.
(1) Vd. o último post, de 11 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (7): A ida ao Morés: atenção, heli, aqui tropa à rasca
(2) Comandante do Pel Caç Nat 52, destacado em Missirá a norte, de Bambadinca, no regulado do Cuor.
(3) Sede do Agrupamento 2957 (sendo o comandante o Coronel Hélio Felgas). A região leste estavva dividada em cimnco sectores, sendo o sector L1 o de Bambadinca, abrangendo o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.
Foto do Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006).
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > O Alf Mil Raposo com dois milícias nativos.
© Paulo Raposo (2006)
VIII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 25-26 (1).
Depois de cinco meses de Mansoa, em chão Balanta, fomos mandados para o leste, para o chão Fula.
O leste da Guiné era quase um planalto, a vegetação não era tão densa e o clima era menos húmido.
Como a estrada de Mansoa para Bafatá estava cortada por acção do inimigo, só podíamos lá chegar ou por avião ou pelo rio.
Foi posta à nossa disposição uma LDG, lancha de desembarque grande, e lá fomos rio acima. A hospitalidade do pessoal da Marinha deixava sempre muito a desejar. A lancha acostou ao Xime, e o resto do caminho fomos em coluna, para Bambadinca.
Sempre que se formava uma coluna neste itinerário, a companhia do Xime saía para fazer protecção lateral.
Chegámos a Bambadinca à noite, cheios de fome e de sono e lá dormimos já nem sei como. No dia seguinte mandaram-nos para um quartel próximo, Fá Mandinga, aonde descansámos enquanto aguardávamos novas ordens.
Deixo aqui uma história curiosa: Bambadinca ficava num ermo, de um dos lados descia para o rio Geba e na outra margem ficava uma grande bolanha.
Para protecção avançada, estava nessa bolanha um grupo de combate de tropa africana comandado pelo Alferes Beja Santos, que vinha connosco desde Mafra. Estavam instalados num aquartelamento de reduzidas dimensões (1). Tinham uns abrigos, mas dormiam em Tabancas, nome que era dado às casas construídas pelos nativos, que tinham telhado de colmo.
Numa bela noite, o nosso Beja Santos sofreu um ataque, em que o inimigo, para corrigir o tiro, fez fogo com munições tracejantes. Como resultado, o colmo incendiou-se e o pessoal perdeu todos os seus haveres com o fogo. No dia seguinte, aparecem na sede do Batalhão [2852] o nosso Beja Santos com alguns dos seus homens, todos em cuecas. Era assim que estavam quando tinha começado o ataque.
Como a guerra ainda não se tinha alastrado ao leste, era intenção do comando de Bafatá (3)reordenar a população e constituir núcleos de auto defesa. A ideia era brilhante, cativou a população, mas não alterou em nada o curso da guerra.
___________
Nota de L.G.
(1) Vd. o último post, de 11 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (7): A ida ao Morés: atenção, heli, aqui tropa à rasca
(2) Comandante do Pel Caç Nat 52, destacado em Missirá a norte, de Bambadinca, no regulado do Cuor.
(3) Sede do Agrupamento 2957 (sendo o comandante o Coronel Hélio Felgas). A região leste estavva dividada em cimnco sectores, sendo o sector L1 o de Bambadinca, abrangendo o triângulo Xime-Bambadinca-Xitole.
Guiné 63/74 - P773: Saudações aos camaradas de Gandembel (José Teixeira)
Luís.
Saúdo com muita emoção a entrada do Idálio Reis. Faltava uma peça importante no nosso Blogue para melhor se compreender as asneiras que se fizeram na guerra da Guiné.
Como já tive ocasião de afirmar, os camaradas de Gandembel foram autênticos heróis à força, mas foram-no, como tantos outros.
É preciso fazer-se a história de Gandembel.
Obrigado, Idálio Reis. Bem vindo.
Um abraço fraterno e cheio de saudade.
José Teixeira
Saúdo com muita emoção a entrada do Idálio Reis. Faltava uma peça importante no nosso Blogue para melhor se compreender as asneiras que se fizeram na guerra da Guiné.
Como já tive ocasião de afirmar, os camaradas de Gandembel foram autênticos heróis à força, mas foram-no, como tantos outros.
É preciso fazer-se a história de Gandembel.
Obrigado, Idálio Reis. Bem vindo.
Um abraço fraterno e cheio de saudade.
José Teixeira
quinta-feira, 18 de maio de 2006
Guiné 63/74 - P772: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)
Guiné > Base Aérea de Bissalanca > 1966 > Grupo de comandos Os Vampiros, do Alf Mil Comando Briote > O Justo Nascimento é o primeiro da fila de trás, a contar da esquerda; e o Jamanca, o quarto. Foto: © Virgínio Briote(2006)
Guiné > Brá > 1965 > Jamanca e Justo, comandos do Grupo Os Vampiros, futuros graduados da 1ª Companhia de Comandos Africanos (1970/74)
Foto: © Virgínio Briote(2006)
Guiné > Bissau> Praça do Império > Escadaria do Palácio do Governador >1966 > O 1º Cabo Comando Jamanca a ser condecadorado pelo Coronel Kruz Abecassis. Em 1973 o tenente Jamanca era o comandante da CCAÇ 21: terá sido fuzilado em 1974 em Madina Colhido, perto do Xime (1) (LG).
Foto: © Virgínio Briote(2006)
Texto do Virgínio Briote que continua sendo membro, fidelíssimo, da nossa tertúlia, ao mesmo que vai produzindo os seus textos, pessoalíssimos, belíssimos, no seu blogue Tantas Vidas, as dele, as do Gil Duarte, as da Teresa, sempre a Teresa, as do Capitão Valentim, as do Capitão Leão, as de uma geração inteira, de homens e mulheres, que amaram e desamaram, viveram e morreram, lutaram e perderam, a Dora, a Clara, a Matilde, o Leonel, o Manaças, o Marcolino da Mata e tantos outros, figuras de carne e osso que povoaram Brá, Bissau, Mansoa, o norte, o sul, o leste, as bolanhas, as picadas, as matas... O retrato de uma geração que ele está a contruir, como um puzzle, da sua experiência, como comando, como homem, nos anos de 1965/66... Continua, camarada, que a gente também vai lá visitar-te: mais do que uma obrigação, é um prazer! (LG)
Caro Luís,
Venho a esta missa todos os dias, às vezes mais que uma vez por dia.
A questão dos militares guineenses que combateram do nosso lado continua ainda muito sensível. Qualquer interpretação que seja feita, corre sempre o risco de ficar incompleta, tantos dados ainda estão no segredo. E muitos de nós já os levaram com eles para a cova. Fica a história simplificada, que pode não ser completamente correcta, se dissermos que:
(i) Os fuzilamentos são incompreensíveis e não justificam as atrocidades que eventualmente alguns tenham praticado;
(ii) Os tempos a seguir à independência foram vulcânicos, ainda estávamos em plena guerra-fria, é conveniente lembrar;
(iii) Os militares guineenses eram portugueses, convém também não esquecer. E ficaram lá, porque as entidades que negociaram a transferência de poderes, os esqueceram, pura e simplesmente.
Mas admito que não tenha toda a informação.
Envio-te algumas fotos de 1965 e 66.
Um abraço
vb
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
Guiné > Brá > 1965 > Jamanca e Justo, comandos do Grupo Os Vampiros, futuros graduados da 1ª Companhia de Comandos Africanos (1970/74)
Foto: © Virgínio Briote(2006)
Guiné > Bissau> Praça do Império > Escadaria do Palácio do Governador >1966 > O 1º Cabo Comando Jamanca a ser condecadorado pelo Coronel Kruz Abecassis. Em 1973 o tenente Jamanca era o comandante da CCAÇ 21: terá sido fuzilado em 1974 em Madina Colhido, perto do Xime (1) (LG).
Foto: © Virgínio Briote(2006)
Texto do Virgínio Briote que continua sendo membro, fidelíssimo, da nossa tertúlia, ao mesmo que vai produzindo os seus textos, pessoalíssimos, belíssimos, no seu blogue Tantas Vidas, as dele, as do Gil Duarte, as da Teresa, sempre a Teresa, as do Capitão Valentim, as do Capitão Leão, as de uma geração inteira, de homens e mulheres, que amaram e desamaram, viveram e morreram, lutaram e perderam, a Dora, a Clara, a Matilde, o Leonel, o Manaças, o Marcolino da Mata e tantos outros, figuras de carne e osso que povoaram Brá, Bissau, Mansoa, o norte, o sul, o leste, as bolanhas, as picadas, as matas... O retrato de uma geração que ele está a contruir, como um puzzle, da sua experiência, como comando, como homem, nos anos de 1965/66... Continua, camarada, que a gente também vai lá visitar-te: mais do que uma obrigação, é um prazer! (LG)
Caro Luís,
Venho a esta missa todos os dias, às vezes mais que uma vez por dia.
A questão dos militares guineenses que combateram do nosso lado continua ainda muito sensível. Qualquer interpretação que seja feita, corre sempre o risco de ficar incompleta, tantos dados ainda estão no segredo. E muitos de nós já os levaram com eles para a cova. Fica a história simplificada, que pode não ser completamente correcta, se dissermos que:
(i) Os fuzilamentos são incompreensíveis e não justificam as atrocidades que eventualmente alguns tenham praticado;
(ii) Os tempos a seguir à independência foram vulcânicos, ainda estávamos em plena guerra-fria, é conveniente lembrar;
(iii) Os militares guineenses eram portugueses, convém também não esquecer. E ficaram lá, porque as entidades que negociaram a transferência de poderes, os esqueceram, pura e simplesmente.
Mas admito que não tenha toda a informação.
Envio-te algumas fotos de 1965 e 66.
Um abraço
vb
_________
Nota de L.G.
(1) Vd. post de 12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
Subscrever:
Mensagens (Atom)