segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10321: Memórias de Joaquim Cruz (2): Chegada à Guiné, deslocação para Farim e os dias trágicos vividos em Guidaje

1. Continuação da publicação das Memórias do nosso camarada Joaquim Cruz* (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), desta feita lembrando os acontecimentos de 1973 em Guidaje que ele também viveu de perto:


MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO CONSEGUE APAGAR (2)

Foi durante a viagem no Uíge que o nosso Alferes do Pelotão Auto começou a distribuir por cada um de nós as viaturas que já sabia existirem em Farim, local para onde seguimos, depois da passagem pelo Cumeré e ai nos terem ministrado um pequeno estágio no que à condução e versatilidade das Berliet dizia respeito. Tínhamos portanto à nossa espera em Farim cinco Berliet e eu fui um dos cinco elementos escolhidos para a condução das mesmas.

Os restantes camaradas e bons amigos foram o Ribeiro, o Bombeiro, o Pontes (que veio a ser evacuado para o continente na sequência dos ferimentos que sofreu em Guidaje) e o malogrado Ludgero que aí viria a perder a vida como adiante explicarei; além destas viaturas tínhamos ainda destinadas ao serviço exterior ao quartel três Unimog que nos acompanhavam nas constantes colunas e que eram conduzidos pelos camaradas Milheiro, Vieira e Carrasqueira. Esta era a composição da equipa que no primeiro ano circulou pelas picadas do setor de Farim, no interior do quartel com outras atribuições tínhamos os restantes elementos que faziam parte do Pelotão Auto.

Aqui nesta foto com os camaradas Milheiro ao centro, e o Ribeiro.

Nesta foto dando a minha ajuda aos camaradas mecânicos. Reconhecem-se ao meu lado o estofador, no chão à direita: o Milheiro, Piedade e o Carrasqueira, à esquerda o Oliveira e o nosso camarada guineense de quem não recordo o nome.

O trabalho a que estávamos sujeitos nunca tinha fim, todos os dias estávamos em movimento, eram o transporte do Pelotão de Sapadores, ou dos grupos de combate para patrulhamentos, colunas de reabastecimento de víveres e munições, ao K3 (onde havia que atravessar na antiga jangada onde era preciso ter alguma perícia para não cair ao rio, que mais tarde, durante a nossa comissão veio a ser substituída por outra mais moderna e essa sim não havia que manobrar entrava-se por um lado e saía-se pelo outro)

Esta foi a velha jangada que encontramos em Farim 

Imagem daquela que foi a segunda jangada 

Colunas a Binta, Jumbembém ou Cuntima, estas quase sempre premiadas no regresso com o transporte de vacas para Farim com o inconveniente da sempre obrigatória lavagem da viatura no final da viagens, quase sempre compensadas com cinquenta pesos dados pelo proprietário das vacas e que sempre ajudavam a refrescar a garganta.

Fazíamos ainda o transporte de cibes da mata para o cais junto ao rio, para depois seguirem nos batelões para outros destinos, (a psícola como lhes chamávamos), onde com a segurança de um pequeno grupo de milícias nos embrenhávamos pelas matas onde creio que o PAIGC só não nos apanhava porque simplesmente não estavam interessados em tal.

Depois de mais um transporte de cibes uma pequena pausa 

Antes da partida para mais uma coluna. Um camarada Alf Mil que não estava previsto ficar na foto, cujo nome não consigo lembrar.

Isto para além da prevenção para transporte de reforços aos postos avançados na periferia do quartel de Farim, serviço esse que fazíamos sempre que o mesmo era flagelado com foguetões e não havia que hesitar, quem estava de serviço avançava com a sua viatura em plena chuva dos ditos, conduzindo e olhando para o céu pensando que talvez não nos acertassem, era tudo uma questão de sorte e lá procedíamos à distribuição dos camaradas pelos sucessivos postos.

A propósito desses postos avançados, acrescento aqui que apenas me tocou em todo o tempo de tropa fazer dois reforços de arma na mão, uma vez que aos condutores estavam confiadas outras missões e foi logo na primeira ou segunda semana de sobreposição com a camaradagem que fomos render, foram os dois no posto conhecido pelo da bolanha do lado da saída para Binta, tinha junto a ele uma árvore de grande porte, que estava infestada de morcegos e durante a noite era um chilrear que incomodava bastante quem não estava habituado a tal festim.

O posto era considerado o mais perigoso, onde de vez em quando lá suavam umas rajadas, mas normalmente o que lá surgia não era o IN já que este flagelava-nos sempre à distancia com os célebres foguetões que sentíamos o som logo que eram disparados para de seguida voltar a infiltrar-se no Senegal, eram antes as vacas que a população levava a pastorear durante o dia para fora do arame farpado e depois ao recolher ficava uma ou outra para trás e em plena noite quando tocavam nos arames não havia que perguntar quem vinha lá, e nos dias seguintes sempre havia uns estilhaços para misturar ao arroz que nos era servido diariamente meses a fio, com exceção das messes de oficiais e sargentos onde o tratamento era normalmente diferente para melhor.

Fui despejado no dito posto e tocou-me fazer a vigilância com dois camaradas em fim de comissão, os chamados velhinhos que trataram de me colocar nas piores horas avisando-me dos perigos que poderíamos correr, eu como podem imaginar passei ali um mau bocado, mas quando foi a vez de eles estarem de vigília eu continuei sem pregar olho e apercebi-me que pela sua descontração e até pelo seu ressonar não deveria haver ali tanto perigo como me quiseram fazer crer, enfim eram as partidas que de boa-fé pregávamos uns aos outros.

Desde o início que sempre ouve um excelente relacionamento entre nós condutores, estabelecemos com a anuência dos nossos superiores desde o início, que faríamos uma rotação em todas as circunstâncias, nas colunas da nossa Companhia, cada vez tocava a um de nós ir e regressar na frente, em Farim não utilizávamos rebenta minas ou seja o estrado da cabine da viatura repleta de sacos de areia, se a coluna era de uma das outras Companhias do Batalhão e se na mesma era incorporada uma nossa viatura para reforço desta, como o regresso só se fazia quando houvesse nova coluna, o processo era idêntico de cada vez tocava a um a permanência nesses destacamentos.

Passei alguns desses períodos em Jumbembém sede da 2.ª Companhia onde fiz algumas colunas a Canjambari integrado nas colunas dessa Unidade, guardo até na memória um pequeno episódio que se passou na pequena caserna dos condutores onde eu estava hospedado, a camaradagem e a boa amizade arranjavam sempre espaço para mais um amigo.

Com a porta aberta aparece-nos por ali um solitário cabrito, depois de darmos as boas vindas ao intruso, nas quais eu também colaborei, os preparativos para o banquete correram bem, o petisco ainda melhor, o problema surgiu quando pelo facto de a terra estar muito dura, alguém teve a ideia de pedir ao padeiro que de madrugada ao acender o forno queimasse o que sobrava do bicharoco e entre os despojos estavam uns chifres já bem grandotes, devem imaginar o cheiro que ficou a pairar por todo o destacamento e o receio com que ficamos que se viesse a descobrir a origem deste, mas felizmente tudo acabou em bem.

Um momento de descontração com os camaradas Condutores. Ao meu lado o Vieira, Simão e o Espite.

A viatura pesada Berliet

Do mesmo modo passei algumas semanas intercaladas em Cuntima sede da 3.ª Companhia, é numa dessas estadias que me encontro quando rebenta o conflito de Guidaje.

Não posso precisar a data certa mas terá sido nos últimos dias de Abril de 73 que ao chegar a Farim com mais uma carga de cibes, estava nesse dia uma coluna da 3.ª Companhia quase pronta para partir e nela uma Berliet da CCS que era nada menos que a do nosso amigo Bombeiro, só que acontece que por rotação era eu que devia seguir nessa coluna e assim foi, trocamos de viatura e eu segui para Cuntima com a viatura dele e o amigo Bombeiro, ficou com a minha.

Em Farim no transporte de um GComb da CCaç 14 

Farim com um exemplar que se deixou apanhar

Tenho que aqui reconhecer que ele estava sempre pronto para seguir no lugar de um de nós, facto que eu nunca aceitei, é a minha vez sou eu que vou, da mesma forma que também nunca pretendi ir no lugar de ninguém.

No dia 8 de Maio é formada a 1ª coluna com destino a Guidaje e nesta vão duas Berliet da CCS conduzidas uma pelo Ribeiro e a outra pelo Bombeiro esta a que me estava distribuída, a terceira Berliet assim como o Unimog que compunham a coluna pertenciam à 1.ª CCAÇ Nema/Binta (estas foram as viaturas que acabaram destruídas pela nossa força aérea) os acontecimentos vividos nessa coluna tem sido aqui variadíssimas vezes descritos e eu não estive lá portanto apenas acrescento que os meus camaradas Ribeiro e o Bombeiro ficaram bastante afetados, o Bombeiro chegou mesmo a ser evacuado para Bissau, mas felizmente não tinha nada de grave, ambos na sequência dessa emboscada, do que ai sofreram estiveram vários dias sem voltar à atividade.

No dia 9 estava eu em Cuntima como já tinha referido e mesmo à distância que estávamos em relação ao local onde se deu a emboscada conseguimos ouvir o imenso estrondo que foi o bombardeamento das viaturas feito pela nossa aviação, não sabíamos o que se passava mas umas horas depois somos informados que íamos seguir de imediato para Nema.

Partimos de Cuntima, já escurecia, até Jumbembem não ouve picagem o então capitão da 3.ª CCAÇ deve ter pensado que o melhor seria preservar a sua viatura e então fui colocado na frente da pequena coluna que era composta apenas por duas Berliet, a que eu conduzia e uma pertencente à 3.ª CCAÇ cujo nome do condutor que a conduziu já não consigo recordar. Como não houve picagens avisei o pessoal para se segurarem e prego a fundo, haja sorte, eu já tinha alguma experiência de circular nas picadas não me fiz rogado sempre que possível os rodados não iam dentro das rodeiras, iam por fora o que se conseguia fazer na época seca com alguma facilidade, passamos por Jumbembém sem paragem dai já tinham seguido também reforços com o mesmo destino, Ponte Lamel, uns minutos em Farim que deu para receber o correio que o meu amigo Simão me guardava nas minhas ausências e fomos pernoitar a Nema. No dia 10 quinta-feira ainda era madrugada dirigimo-nos para Binta e ai demos inicio aquela que viria a ser a 2.ª coluna de apoio a Guidaje e a primeira a romper o cerco.

Na cabeça da coluna ia a Berliet conduzida pelo malogrado Ludgero um pouco mais atrás seguia o Pontes e salvo erro em 5-º ou 6-º ia eu conduzindo a Berliet na qual ia instalada a Secção do Pelotão de Morteiros 4274, já tenho lido alguns excertos de camaradas que pertenceram a esta Unidade, pois para que se recordem fui eu que conduzi a viatura que os transportou naquela difícil viagem ao inferno de Guidaje e que felizmente para mim e para eles teve regresso, o que desafortunadamente não sucedeu com outros nossos camaradas. A descrição do que vivemos durante a viagem também já tem sido vastas vezes relatada daí que apenas foco algumas passagens tais como a nossa passagem muito próxima do que restava das viaturas semidestruídas da 1.ª coluna, os corpos dos camaradas que ali perderam a vida, os abatizes atravessados na picada, o saltarmos constantemente para o chão para que os Fiat procedessem ao bombardeamento na nossa frente.

O infortunado 1.º Cabo Comando que saltou do Unimog para o chão, acionando a mina que lhe decepou o pé, o que sucedeu na minha frente e que infelizmente presenciei, é mais um dos tristes episódios que nunca mais esquecerei, o malogrado camarada da 3.ª Companhia que aciona a mina já no Cufeu e que perde ali a vida, o matraquear dos confrontos entre as CCAÇ 3 e CCAÇ 19 com os elementos do PAIGC, o passarmos junto aos vários corpos tombados junto à picada e finalmente a chegada a Guidaje.

Na minha primeira noite sem me aperceber do perigo que corria não me lembrei de outro local para tentar descansar que não fosse o estrado da Berliet, nessa noite fomos bombardeados e entre o rebentamento das granadas do IN e o som das nossa respostas quer pelos obuses quer pelos morteiros que se confundiam, eu lá sobrevivi sem pregar olho mas sem me aperceber do verdadeiro perigo a que tinha estado exposto, o que vim aperceber-me na manhã seguinte as granadas tinha caído perto, havia até algumas viaturas com estragos, uma delas com o radiador furado pelos estilhaços, durante o dia sexta-feira 11 e depois de sabermos que não podíamos regressar sem que chegassem reforços para assegurar que a população não abandonava a povoação, havia que procurar outro local para passar a noite.

Então juntei-me ao pessoal dos morteiros e por ali fiquei. Mais fogachal durante a noite com a nossa resposta sempre pronta e lá chegamos a sábado. Nos dias em que lá permanecemos não comi qualquer alimento confecionado no interior do quartel, penso até que a cozinha nem funcionou, mas se lá cozinharam algo nesse período a mim não me tocou nada, enfim fomos mordiscando alguma coisa das rações que tínhamos levado, o desânimo era tal, nuns mais que noutros, que muitos de nós comentavam que não sairíamos dali vivos e um deles eu nunca mais vou esquecer, foram talvez das últimas palavras que ouvi prenunciar ao nosso infeliz camarada Ludgero, que teve a fatalidade de encontrar ali a morte, recordo-me de lhe ter dito para não pensar nisso e que haveria de aparecer uma solução, e finalmente ela surgiu, quando vimos aparecer no sábado à tarde uma coluna com duas viaturas, uma Berliet da 1.ª Companhia conduzida pelo camarada Chaves e um Unimog da CCS pelo camarada Milheiro, ladeadas pelos Fuzileiros que conseguiram fazer essa coluna sem terem qualquer contacto com o IN.

Aproximou-se a noite e começamos cada um a instalar-se para passar mais uma noite de tormento agora um pouco mais animados porque no dia seguinte partiríamos de regresso. O quartel estava circundado por valas em ziguezague, o pessoal instalou-se por ali como pôde, mas eu já havia detectado que por trás do edifício salvo erro do refeitório, havia uma pequena trincheira que não teria mais que uns 50 a 60 centímetros de largura que deu em tempos acesso a um abrigo já desativado, a vala estava repleta de ervas, houve que amassá-las com as botas e ao mesmo tempo também eliminar algumas das muitas formigas que ali estavam instaladas. Chamei para junto de mim o camarada recém-chegado, o amigo Milheiro, que de início pensou em juntar-se na vala principal aos nossos camaradas condutores Pontes e Ludgero que tinham a seu lado o Soldado Comando José Raimundo e o Soldado Condutor do CAOP, David Viegas, que infelizmente ali viriam a encontrar a morte e muitos outros de outras Unidades já que a densidade era tal que pouco espaço sobrava.

O local onde os camaradas estavam não distava em linha reta do nosso mais que uns 3 a 4 metros, depois de já estarmos instalados ainda com a ajuda do meu companheiro de quarto, fomos buscar um capô de uma GMC que por ali estava abandonado e que nos iria proteger do cacimbo da noite.

Foi quando já todos estávamos quase em silêncio, por volta das nove da noite, que o IN inicia mais um bombardeamento, por fatalidade a primeira granada de morteiro acerta no bordo da vala, precisamente onde estavam os nossos camaradas condutores, após o primeiro rebentamento ouvem-se gemidos de dor, de imediato salto da vala e vou em auxilio dos feridos juntamente com o Milheiro logo seguido por outros camaradas, o primeiro que ajudo a retirar é o Pontes que chora e geme com as dores provocadas pela quantidade de estilhaços que lhe penetraram no corpo e que infelizmente viverá com alguns deles o resto da vida, de seguida tento levantar o Ludgero mas este já não tem reação, o mesmo se passa com os outros dois camaradas o José Raimundo e o David Viegas que tiveram morte imediata.

Ajudei a transportar o Pontes para a enfermaria, outros camaradas transportaram os restantes feridos, incluindo o Ludgero que vim a saber depois que chegou à enfermaria ainda com vida mas veio a falecer na madrugada do dia 13, domingo, dia do nosso regresso.

Finalmente havia condições para sairmos dali para fora, ao organizarmos a coluna para a partida surgiu um problema a viatura da cabeça da coluna, não tinha condutor pois infelizmente o mesmo tinha falecido

A ânsia de sair dali para fora era enorme havia que resolver o problema da viatura que não tinha condutor, fui eu que tomei a iniciativa uma vez que o condutor pertencia à CCS portanto à minha Companhia, fui falar com o nosso Oficial de Operações, o Capitão Beato, e a pergunta foi: Quem é que vês que pode conduzir essa viatura? Então lembrei-me que na coluna de Cuntima tinha vindo connosco um Mecânico da 3.ª Companhia e dei essa informação ao Capitão e este incumbiu-me de transmitir essa ordem, o que fiz.

Fui procurar esse camarada que não me recordo o nome e transmiti-lhe a ordem: Levas a viatura do falecido Ludgero. Foi um choque tremendo para alguém que não estava habituado, e logo na frente da coluna. O tempo passava e eu insistia com o improvisado condutor para que alinhasse a viatura para que se formasse a coluna seguindo as ordens do Capitão Beato, mas o nosso camarada nunca mais se dispunha a alinhar a viatura junto a porta de saída.

É então que eu tomo uma decisão, salto para cima da viatura e arranco com ela em direção à saída, ao mesmo tempo sem me aperceber começamos a receber mais umas morteiradas. Vi de facto gente a correr por todo o lado mas não parei, a pressa de sair daquele inferno para fora era mais forte que tudo o mais, confesso que não o fiz por valentia ou com alguma ideia de heroísmo, tal como por espontaneidade socorri os camaradas nas véspera em pleno ataque sem me lembrar de mais nada, assim o fiz só com uma ideia vamos tentar sair daqui para fora, ato esse que acabou por ser reconhecido pelo Capitão Beato e pelo Comandante do Batalhão como consta na Ordem de Serviço n.º 257 de 23 de Novembro de 1973.

Finalmente lá saímos, mais um dia penoso debaixo de um sol ardente sem alimentos nem água, a viatura que seguia na frente parava frequentemente e para arrancar era a que a precedia que a empurrava, tal era o nervosismo do nosso camarada que a conduzia. Novamente a passagem juntos aos corpos ali tombados no dia 10 e mais à frente o que restava dos caídos no dia 9 com as imagens dos abutres que quem presenciou nunca mais consegue esquecer, e mais não acrescento pois a descrição da viagem de regresso também já aqui tem sido vastas vezes retratada e não me quero que tornar repetitivo.

Não consigo esquecer o quanto sofreram para além de nós os que vínhamos ativos, os camaradas que feridos suportaram essa viagem deitados nos estrados das Berliet, alguns deles ao lado dos companheiros já mortos, debaixo de um sol abrasador sem água para beber. Ao chegar a Binta, saltei da viatura e corri junto a uma das viaturas que transportavam os feridos e ao perguntar ao Pontes como é que ele estava, este bastante desidratado apenas prenunciava a palavra água, algo que eu também não tinha, são tristes passagens que nunca mais se esquecem.

Depois de três noites sem dormir e praticamente sem comer tenho por fim uma noite de descanso, dia 14, segunda-feira, pela meia tarde o nosso 1.º Sarg Carvalho do Pelotão Auto informa-me que no dia seguinte vou partir novamente para Guidaje. Nunca mais esquecerei as palavras que lhe dirigi, assim como lhe fiquei eternamente grato por ter compreendido a minha mais que justa razão para as ter proferido. Ao receber a notícia que voltava novamente para Guidaje eu pronunciei as seguintes palavras: Meu sargento, será possível não existir aqui em Farim mais ninguém que consiga conduzir uma Berliet a não ser eu? E o bom homem olhou para mim, compreendeu e disse-me: Vou ver o que posso fazer. Verdade é que no meu lugar foi um condutor africano pertencente à CCAÇ 14 que felizmente regressou são e salvo.

E foi com este pequeno episódio que durante 1973 eu não voltei a Guidaje, é verdade que trabalhei imenso nesse período porque a azáfama no sector era grande, ainda me tocou transportar elementos da 38.ª CComandos para Mansoa onde pernoitei uma ou duas noites. Não houve descanso, foi um período terrível para todos os que ali estivemos envolvidos, pois dos cinco Condutores das Berliet da CCS, durante o conflito de Guidaje cheguei a estar operacional apenas eu, o trabalho redobrou mas eu nunca virei a cara à luta e assim prossegui até aos princípios de Dezembro quando me acontece algo de inesperado.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. primeiro poste da série de 15 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

Guiné 63/74 - P10320: Álbum fotográfico do ex-Alf Mil Art Humberto Nunes (2): Cuntima





1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Humberto Nunes (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art,  Gadamael Porto e Cuntima, 1972/74:



Cacine > Eu no meio dos obuses

Cacine > LDG a ser carregada

Junto à Ilha de Bubaque

Cuntima > A minha segunda suite

Cuntima > Fabrico de blocos para as casas dos Artilheiros

Cuntima > As casas dos artilheiros

Cuntima > Ibus à espera de acção

Cuntima > Vista parcial

Cuntima > Vista parcial

Cuntima > Aproximação de um helicóptero

Cuntima > Chegada do helicóptero do correio

Cuntima > Algures, a caminho de Bissau
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 11 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10252: Álbum fotográfico do ex-Alf Mil Art Humberto Nunes (1): Gadamael

Guiné 63/74 - P10319: Notas de leitura (396): "Guiné-Bissau, 3 Anos de Independência" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 5 de Julho de 2012:

Queridos amigos,
Trata-se de uma pequena incursão pelas publicações que abordam os acontecimentos pós-independência, não se pode escamotear a sua importância para a compreensão das história da Guiné-Bissau. Os lideres do PAIGC supunham que o capital de credibilidade auferido durante a luta armada era inesgotável. Dirigentes como Aristides Pereira irão mais tarde recriminarem-se por não terem estado atentos a tanto entusiasmo com a cooperação internacional, parecia que a Guiné-Bissau tinha direitos especiais em receber ajudas sem prestar contas. A nova classe política passeava-se por Bissau e adotava os estilos de vida que tinham censurado durante a luta armada. Cedo a casa ficou sem pão e todos passaram a ralhar, a praticar golpes de Estado e a engendrar inventonas.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau, três anos de independência

Beja Santos

Houve um embaixador português, Pinto da França, que lhe chamou tempo de inocência, é uma época de sonhos e promessas, ainda se acredita no trabalho das organizações de massas, na participação popular, mesmo em ziguezague as autoridades do novo Estado falam em grandes opções económico-sociais, idealizaram projetos para o sector agrícola, acreditam que o futuro está prenhe de sucessos na energia, na indústria, na educação e na saúde pública. A Guiné-Bissau tem uma política externa e anuncia-a ao mundo, baseada nos princípios da coexistência pacífica, do não alinhamento e anticolonialismo e anti-imperialismo. O CIDAC, em 1976, procede a uma reportagem a publica-a com o título “Guiné-Bissau, 3 anos de independência”. Está-se em vésperas do 3.º Congresso do PAIGC, aquele em que se detetaram profundas fissuras entre guineenses em cabo-verdianos e se fizeram críticas à deriva económica e financeira. Ao longo da reportagem afloram apreciações que já não disfarçam o emaranhado de contradições: os que vieram da luta instalam-se em Bissau e desfrutam o bem-estar, começam as incriminações à administração colonial como se não competisse ao partido revolucionário impor, por via do trabalho político, as novas linhas de rumo. Fala-se na camada social parasitária, na pequena burguesia citadina que seria obrigada a alterar os padrões de consumo e a reduzir os seus gastos supérfluos, mas irá descobrir-se, em 1976, que o novo poder adquiriu 8000 novos carros e metade do desequilíbrio das contas externas decorre da importação de alimentos destinados à velha e à nova burguesia citadina. Ao tempo, o PAIGC continua a recusar ser partido, insiste em apresentar-se como o movimento nacionalista de libertação. Nunca se fala em socialismo e muito menos em socialismo africano, fala-se em política para o povo com base na unidade nacional. E o PAIGC apresenta-se como a força dirigente da sociedade, a expressão suprema da vontade soberana do povo. A justiça baseia-se em tribunais que vieram do tempo da luta, fazem-se julgamentos populares mas reconhece-se a necessidade em mexer de cima a baixo no aparelho judicial. A unidade Guiné-Cabo Verde é dogma, está realizada no partido a seu tempo irá passar para as populações e diz-se repetidamente que a construção desta unidade é um inestimável contributo para a unidade africana.

Os novos políticos de Bissau mostram-se ambiciosos quando falam do futuro da agricultura, a terra tem boas condições para a produção agrícola e promete-se uma via progressista para a agricultura mas avultam outras medidas importantes, tudo ainda no campo das promessas: uma reforma fiscal que iria eliminar os impostos anteriores e veria surgir o imposto de reconstrução nacional; o controlo estatal dos principais circuitos do comércio interno através dos Armazéns do Povo; nacionalização do comércio externo. Na reportagem diz-se textualmente: “A Guiné-Bissau encaminha-se para um tipo de sociedade com as seguintes características: conquista da independência económica e rejeição do neocolonialismo, eliminação das distinções de classe e da divisão da cidade-campo, forte intervenção do Estado ao serviço de todo o povo, planificação da economia, nacionalização da terra, reforma fiscal, participação estatal nas empresas, descentralização regional”. Era assim que se pretendia a abolição da exploração do homem pelo homem.

O ministro do Plano, Vasco Cabral, refere as prioridades para o desenvolvimento: aumentar a produção agrícola, desenvolver o potencial energético do país e fomentar as comunicações, criar pequenas indústrias ligadas aos recursos locais, vencer o analfabetismo e melhorar as condições sanitárias da vida da população. Havia a promessa de investimentos estrangeiros. A Esso, empresa multinacional de petróleo, a quem tinha sido concedida a prospeção do petróleo, considerou que os estudos eram francamente desencorajadores e abandonou o país; o comissário da agricultura confiava nas novas formas de propriedade (granjas do Estado, cooperativas de produção agrícola) havia mesmo a intenção da concessão de crédito e distribuição de sementes, tinha sido decretado um substancial aumento dos preços dos produtos agrícolas; estava previsto o aproveito hidráulico do vale do Rio Geba; quanto à horticultura e fruticultura, falava-se com entusiasmo na mandioca, na batata e no feijão, nas leguminosas e no tomate e previa-se a plantação de árvores de fruto em todo o país; o mais ambicioso dos projetos agrícolas era o complexo açucareiro a instalar na zona do rio Gambiel, afluente do Geba (a Líbia seria o principal financiador) e essas grandes intenções estendiam-se à riqueza florestal, avicultura e pecuária e previa-se um grande surto da atividade pesqueira, a Argélia já tinha enviado 4 barcos e formara-se um grupo constituído pela Guiné-Bissau, a França e o Senegal destinado à pesca do camarão na região do Cacheu.

A industrialização era acalentada: complexo energético-industrial a instalar em Porto Gole, aproveitamento hidrelétrico do rio Corubal, havia uma infinidade de novas indústrias a instalar: fábricas de móveis de madeira, de sumos e conservas de fruta, de descasque e extração de óleo, um centro apícola, uma fábrica de tecidos de algodão, um serviço de eletrotecnia a frio, doadores estavam a apoiar os trabalhos de melhoramento do porto de Bissau e do aeroporto de Bissalanca, estava já em laboração uma fábrica de camisas, a Bambi.

A educação era outro desafio até porque durante a luta quem visitava as bases de guerrilha no interior do território admirava-se com a grande capacidade de instalar um ensino alternativo. Todas as declarações, ao longo da reportagem, apontam para uma educação nova, para um salto na alfabetização, previam-se jardins-de-infância e o método de Paulo Freire promete ser um sucesso. Também a saúde pública aparecia no topo das prioridades, o colonialismo português era acusado de ter concentrado em Bissau a quase totalidade das camas e mais de metade dos médicos, bem como o grosso do equipamento hospitalar. Os novos governantes queriam socorrer-se da experiência das regiões libertadas, as grandes orientações para a saúde iam nessa direção. E esperava-se muito da cooperação internacional para formar quadros com formação universitária e financiamento para muitos dos projetos com que se sonhava estar a abrir o desenvolvimento do novo Estado.

Os políticos de Bissau mostram-se ufanos com a sua política externa, depois de 11 anos de guerra só pensam na coexistência pacífica e na boa vizinhança, só não se entendem com a África do Sul e são aliados indefetíveis do MPLA. As relações com Portugal, no fim do PREC, não são muito boas, Lisboa deixara de ser o primeiro aliado. Em anexo, a reportagem pública os estatutos do PAIGC, a constituição da República da Guiné-Bissau, a composição do Conselho de Estado e as resoluções da Assembleia Nacional Popular.

Era o tempo de inocência, o desastre económico vai explodir em breve.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10296: Notas de leitura (395): Guiné-Bissau, Um Estudo de Mobilização Política, de Lars Rudebeck (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10318: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (8): Porto de Bissau: ponte-cais... (Luís Calafate, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto)



Guiné > Bissau > 1907 > Vista do  porto e ponte cais (Imagem cedida por Luís Calafate)





Guiné > Bissau > Ponte cais > 1908  > Desembarque de tropas metropolitanas, no âmbito das 'campanhas de pacificaçao'. Fonte: desconhecida. Disponível em: Transpress nz: world transport history



1. Mensagem  de Luís Calafate [, foto à esquerda, retirada da sua página no Facebook], biólogo de formação de base, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. especialista em ecossistemas urbanos e sustentabilidade ("Interesso-me pela exploração das dimensões da sustentabilidade urbana. O estudo dos ecossistemas urbanos contribui para a compreensão do papel dos seres humanos como 'ecosystem engineers' ". Fonte: FC/UP)


De: Luís Calafate
Data: 31 de Agosto de 2012 18:08
Assunto: Porto de Bissau: ponte-cais

Estimado Luís Graça,

1- Quando procurava informação relacionada com a ponte-cais do porto de Bissau, encontrei uma imagem no vosso Blog, datada de 1969.

2- A imagem mais antiga que tenho do cais do porto de Bissau é datada de 1907 e parece tratar-se do mesmo cais (Anexo: Occ_N1041_1907).

3- Como estou a realizar uma investigação sobre a construção desse cais, venho perguntar se é possível obter mais fotografias.

Cumprimentos,
Luís Calafate
Faculdade de Ciências do Porto





Guiné > Bissau > 30 de maio de 1969 > Desembarque do pessoal da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, transportado pelo T/T Niassa. Foto do álbum fotográfico de Arlindo Roda, ex-fur mil at inf (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados





Guiné > Bissau > Cais de Bissau >  Álbum fotográfico do nosso camarada Manuel Caldeira Coelho (ex-fur mil trms  da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68).

Fotos: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados. 



Guiné > Bissau > 1974 > Ponte cais de Bissau com duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFP) e uma de desembarque ( LDM ) ao fundo do lado direito, no mês de Setembro de 1974. Algumas destas lanchas foram deixadas na Guiné.  Fotografia do marinheiro radio-telegrafista, Manuel Beleza Ferraz, membro da nossa Tabanca Grande.

Foto  © Manuel Beleza Ferraz (2012). Todos os direitos reservados.  




Guiné > Bissau > Edifício da capitania dos portos, Anos 50. Foto do nosso camarada Mário Dias.


Foto:  © Mário Dias  (2006). Todos os direitos reservados.  




Guiné > Bissau > s/d  [Anos 60] > Vista aérea da Ponte Cais, Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte -
 Publicações e Artes Gráficas, SARL).

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).

Foto: © Agostinho Gaspar /  Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Todos direitos reservados



Guiné > Bissau > s/d [ Anos 60] > Ponte-cais, Bissau. Em primeiro, vê-se o monumento a Diogo Cão. Bilhete Postal, colecção "Guiné Portuguesa, 110". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)

Foto: © Agostinho Gaspar /  Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Todos direitos reservados


Guiné > Bissau > s/d  [ Anos 60] > Vista aérea parcial e Ilhéu do Rei. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 142". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL). 

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010) 

Foto: © Agostinho Gaspar /  Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010). Todos direitos reservados


 Guiné-Bissau > Bissau > 1984 > Porto: Projecto da TECNIL, de construção do novo cais...

Foto: © António Rosinha (2006). Todos os direitos reservados.
 .

2. Comentário de L.G.:

Meu caro colega,

Aí vão algumas das fotos que temos sobre Bissau, o seu porto e a sua ponte cais...  É apenas uma amostra. Foi um sítio que todos (ou quase todos) conhecemos, quando as nossas tropas aí desembarcavam, vindas da metrópole, e voltavam a embarcar, de regresso a casa... Temos inúmeras descrições desse primeiro contato com aquela terra "verde e vermelha"... No final da guerra, a partir de 1973, o transporte de pessoal era já feito pelos TAM -  Transportes Aéreos Militares.

Durante anos, o porto de Bissau não tinha infraestruturas modernas de modo a permitir o desembarque direto das NT em navios de grande calado... O leito do canal do Geba  tinha, de resto, como tem hoje, problemas de assoreamento, entre a cidade de Bissau e o Ilhéu do Rei.

Em 30 de Maio de 1969, eu (e os meus camaradas da CCAÇ 2590/CCAÇ 12)  já desembarquei diretamente no porto de Bissau, mas durante os primeiros anos da década de 60 (não sei exactamente até que ano, meados da década, segundo creio) tanto passageiros como mercadorias tinham que ser transportados para terra em batelões, ficando o navio ao largo da cidade de Bissau...  

Outros contributos dos amigos e camaradas da Guiné, reunidos neste blogue, serão bem vindos: fotos, outros documentos, história da construção do porto de Bissau... Desejo-lhe boa sorte para o seu trabalho de investigação. Disponha do nosso blogue como uma boa, plural, rica, diversificada fonte de informação e de conhecimento sobre a Guiné, ex-colónia portuguesa e hoje país da CPLP. Este é também um contribuinte que os ex-combatentes dão ao seu país, à lusofonia, à historiografia da guerra colonial, à historiografia da presença portuguesa em África, e ao estreitamente de relações entre os dois povos, o português e o guineense.

Pode utilizar os nossos materiais, dentro da observânciA dos nossos princípios que procuram: (i) respeitar (e fazer respeitar) os direitos de autor, e ao mesmo tempo (ii) promover o livre acesso à informação e ao conhecimento. Recorde-se aqui o essencial do que defendemos neste capítulo:

"Qualquer texto ou imagem publicada no nosso blogue pode ser reproduzida, desde que:  (i) não se destine a fins comerciais;  (ii) seja pedida a devida autorização por mail ao(s) editor(es) do blogue; e, por fim,  (iii) seja feita a citação expressa da fonte (blogue e autor do documento). Somos defensores da via verde da sociedade da informação e conhecimento... mas com respeito pelo trabalho intelectual de todos os produtores de conteúdos".
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10187: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (7): Fotos do Marcelino da Mata, ten cor ref, precisam-se para projeto editorial da Oficina do Livro / Grupo Leya

domingo, 2 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10317: Efemérides (109): Leiria vai homenagear os seus combatentes em 23 de Setembro de 2012 (José Marcelino Martins)


1. O nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem. 

Caros Camaradas, 

 De posse do cartaz acerca da Homenagem a realizar em Leiria, obséquio do nosso amigo Agostinho Gaspar, elaborei um texto que anexo, para publicação, caso vejam interesse, dados haver muitos camaradas que podem desconhecer. 

A inscrição no evento termina a 5 de Setembro (QUARTA FEIRA).

LEIRIA VAI HOMENAGEAR OS SEUS COMBATENTES 
23 de Setembro de 2012 

Anteriormente já nos havíamos referido à cidade de Leiria, pela apresentação de vários monumentos militares existentes em Leiria. Esse Post foi publicado no dia 21 de Setembro de 2010 - http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2010/09/guine-6374-p7020-monumentos-militares.html - no blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné. 

Um camarada de armas, amigo, leiriense e também combatente na Guiné, fez-nos chegar o cartaz abaixo, única informação disponível, para nós, no momento em que “alinhamos estas frases”. 


Pelo teor do cartaz que nos foi disponibilizado, a jornada iniciar-se-á pelas 14h30 com a celebração de uma Missa Solene, na Sé de Leiria, templo mandado construir pelo segundo Bispo, desta diocese, D. Frei Gaspar do Casal (bispado de 1557 a 1579), tendo sido lançada a primeira pedra em 11 de Agosto de 1550. “ O Bispo D. Gaspar do Casal deu principio à nova Sé, e a acabou, para a qual se passou o Cabido no ano de 1574; ficou com a cidade, somente, por Paróquia; …” [O Couseiro, capítulo 123º, página 130 – Edição Textiverso Dez.2011]. 

Durante a cerimónia, chegado o momento de Invocação dos Defuntos, será o tempo de lembrar todos os combatentes da cidade que, desde 1135, data da fundação do castelo, até aos nossos dias, participaram nas diversas guerras e combates em que Portugal esteve envolvido. 

Pelas 15h30, será prestada homenagem aos Combatentes Tombados em defesa da Pátria, sendo descerrada placa alusiva ao acto. 

Pelas 16h00 será prestada a homenagem aos Combatentes do Concelho. A cidade já assistiu, em 1 de Dezembro de 1919, a uma homenagem a todos os militares do extinto Regimento de Infantaria nº 7, que participaram na Grande Guerra. 


  
Diploma atribuído a José Marcelino (3 de Fevereiro de 1881 † 21 de Setembro de 1937) 2º Sargento de Infantaria, do Batalhão do Regimento de Infantaria n º 7, ferido em combate e dado com incapaz para todo o serviço militar. Também prestou serviço em Moçambique, entre 5 de Julho de 1899 e 24 de Junho de 1900, integrado na força expedicionária do BC 6/RI 7. Acervo documental de José Marcelino Martins.
© Foto José Martins

A cerimónia ficou, também, gravada na pedra. A lápide inaugurada no acto, está incrustada na entrada do Quartel da Cruz da Areia, onde está aquartelado o RA 4. Este quartel foi entregue ao RI 7 em 6 de Maio de 1955, pela Comissão Administrativa das Novas Construções para o Exército. 

Ás 16h20 haverá um desfile integrando antigos combatentes e actuais militares, desfile esse que se realizará no Largo 5 de Outubro, junto ao Jardim Luís de Camões. 

Terminadas estas cerimónias, no centro da cidade, haverá, pelas 17h00 um lanche-convívio nas instalações militares da Cruz da Areia (Regimento de Artilharia nº 4).


Placa, em três lápides, com o nome de todos os Combatentes que tombaram em África entre 1961 e 1974. © Foto José Martins
                                       
            Este evento é organizado pela Câmara Municipal de Leiria e pelo Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes. Tem o apoio do Regimento de Artilharia nº 4, Base Aérea nº 5 e Juntas de Freguesia do Concelho. 

  • Informações:
  • Inscrições;
    • Juntas de Freguesia de naturalidade do combatente até 5 de Setembro
  • Os Combatentes podem-se inscrever para três situações:
    • Para serem homenageados;
    • Também, para participarem no desfile. Neste caso terão de participar num treino antes da cerimónia e de, no desfile, irem de fato escuro.
    • Também participarem no lanche convívio. Neste caso deverão pagar 5 € por cada pessoa (podem levar amigos e familiares) no momento da inscrição.
    • Caso se trate de um Combatente que seja associado do Núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes e não pertença ao concelho, então poderá inscrever-se no Núcleo de Leiria.
Esperamos que seja uma jornada de confraternização de Leirienses e Camaradas de Armas com a população e amigos e, porque não, antigos colegas de escola, já que na cidade houve escolas de referência: Jardim Escola João de Deus; Escolas Primárias de Santo Estêvão e Amarela: e Liceu de Leiria e Escola Industrial e Comercial.

25 de Agosto de 2012
José Marcelino Martins
Leiriense, residente em Odivelas
Combatente na Guiné
Membro LC, núcleo de Lisboa
____________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 – P10316: Memórias de Gabú (José Saúde) (24): Morte estúpida na pista de aviação



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


Camaradas,


Não obstante o silêncio entretanto constatado, eis-me de regresso ao blogue com mais um pequeno apontamento das “Minhas Memórias de Gabu”. 

Hoje, centro atenções na morte do soldado Damásio. 

Um militar exemplar, amigo, educado e que encontrou a morte em plena pista de aviação. 

Coube-me a missão de acompanhar a derradeira partida do soldado Damásio para a viagem sem regresso, fazendo o espólio dos seus haveres. 

Aqui fica, pois, os pormenores do sucedido. 

Morte estúpida na pista de aviação 
Damásio, soldado exemplar 

Diz-nos o teor da veracidade do BART 6523 que nos 14 meses de comissão em território da Guiné, o seu efetivo registou apenas uma baixa. É certo que o período normal de incumbência das nossas tropas naquela antiga província ultramarina, ia para além deste ciclo, porém a Revolução de Abril de 1974 acelerou o regresso do nosso exército das três frentes de guerra – Angola, Moçambique e Guiné - com as quais Portugal estava envolvido.  

O meu Batalhão, sediado em plena região de Gabu, não obstante os ataques noturnos, designadamente às companhias destacadas no mato – Madina Mandinga e Cabuca -, teve a sorte em não se deparar com eloquentes baixas resultantes de confrontos diretos com o IN, tão-pouco deparar-se com rebentamentos das famigeradas minas antipessoais ou anticarros que originavam efetivos para abater nas contas do exército português. As operações feitas no terreno passaram isentas de eventuais baixas que serviam para engrossar a lista de infelizes que perderam a vida no campo de batalha. 

Em parte incerta da obra “AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU”, tive o cuidado em expressar, com enfâse, que houve mortes que nada tiveram a ver com o conflito. Sou testemunha de uma morte estúpida, e única, de um soldado da CCS do meu Batalhão na pista de aviação, numa situação considerada aparentemente normal e quando nada o fizesse prever. Mas infelizmente aconteceu. 

Coube-me a tarefa para tratar o assunto de perto. Chamava-se simplesmente Damásio e era um dos soldados do meu grupo. Numa manhã, perfeitamente vulgar, o soldado Damásio integrou um grupo cujo objetivo único passava por descarregar bens alimentícios originários de Bissau e que vinham a bordo de um avião. Fez-se o habitual cordão para facilitar o serviço, sendo que o Damásio se colocou entre as duas viaturas destinadas ao carregamento. 

Num ápice, uma das viaturas tentou a aproximação a outra que se encontrava estacionada por perto e numa manobra arriscada – marcha atrás – embateu na traseira da outra viatura, sendo que o embate ficou marcado, infelizmente, pela morte imediata do Damásio que naquele momento se encontrava entre as duas viaturas. Foi horrível. Morreu esmagado. 

Como um dos líderes do grupo, tive a missão de organizar o espólio do infeliz Damásio e enviá-lo depois para a família. Não foi fácil lidar com toda a situação. O Damásio era um moço educado. Fazia amigos, facilmente. E eu fui um deles. Sei que guardei durante vários anos um documento onde tinha descriminado todas as suas pertenças pessoais que na altura mandei para os seus familiares. Nada faltou. Lembro-me do derradeiro adeus. As lágrimas dos camaradas que viram partir para a eternidade – a tal viagem sem regresso – um jovem que vivia, certamente, um mundo de sonhos. 

Senti, na altura, o vazio nas almas que se abateu sobre os seus familiares. Como explicar-lhes tamanha fatalidade! E nós, homens que convivíamos com ele diariamente, lá longe sem nada podermos transmitir aos seus entes queridos. Impunha-se aconchegar o seu profundo desespero, todavia a distância ditava, apenas, o carpir mágoas pelo seu infeliz último adeus. Ficavam as amarras do silêncio. O Damásio ficou-me eternamente na memória. Até sempre, camarada! 


Damásio (à esquerda) com o enfermeiro Alfredo Dinis, no navio Niassa a caminho da Guiné (foto do saudoso Dinis, membro da nossa Tabanca) 

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: