quarta-feira, 2 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12923: Os nossos seres, saberes e lazeres (68): O panelo de barro preto (Manuel Luís R. Sousa)

1. O editor de serviço não resistiu à tentação de publicar esta história que o nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), escreveu e enviou aos seus familiares e amigos.
Como destas crianças de então se fizeram os homens que combateram em Angola, Guiné e Moçambique, entre 1961 e 1974, aqui fica o texto.


Vista parcial de Folgares


O PANELO DE BARRO PRETO

Há cerca de cinquenta anos, os habitantes da minha pequena aldeia de Folgares, Freixiel, Vila Flor, como a maior parte das aldeias do nordeste transmontano, tinham na terra que cultivavam o meio principal da sua subsistência, que conciliavam com a pastorícia de rebanhos de cabras e ovelhas, complementando, assim, a sua fonte de rendimento.

Além do leite, do queijo e da carne que comercializavam, e que também faziam parte da sua dieta alimentar, serviam-se destes animais para fertilizar as suas terras com os excrementos e a urina, na ausência de fertilizantes químicos que há hoje, tornando as suas pequenas leiras mais produtivas. Assim, para o efeito, desde o princípio da Primavera até ao final do Outono, o tempo mais quente, estes rebanhos de animais pernoitavam nas terras, confinados ao espaço limitado de um bardo, também conhecido por curral, que, todos os dias, ia sendo mudado até ser estrumada a parcela de terreno em causa.


O bardo, para quem não sabe, era uma cerca formada por várias cancelas de madeira, ligadas umas às outras, formando uma cerca nas mais variadas formas geométricas, (quadrado, rectângulo, círculo, em labirinto, conforme a configuração do terreno que se pretendia ocupar) que se fixavam, com uma ligeira inclinação para fora, espetadas no solo e suportadas do lado exterior por uns paus com uma bifurcação a que se chamavam forcados.

Claro que era indissociável do bardo a cabana onde pernoitava o pastor, que consistia num quadrado de madeira revestido a camadas de colmo de palha centeia, colocado de pé em posição ligeiramente oblíqua, para proporcionar o abrigo do lado do menor ângulo, amparado por dois forcados. Sob a cabana era aberta uma pequena cova onde era depositada alguma palha que servia de colchão ao pastor. Uma verdadeira suite de luxo, atendendo a que, na noite escura, dali se tinha o privilégio de ser admirada a beleza da abóbada celeste com as suas constelações de estrelas: a Ursa Maior, a Ursa Menor, a via Láctea, também conhecida por Estrada de S. Tiago, a estrela da manhã, além, também, da beleza das noites de luar. É a experiência que fala, visto que dormi algumas vezes com o meu pai nestas condições de campismo, cujos sons, além das imagens já referidas, ainda tenho bem presentes na memória: o ruminar das cabras, os balidos dos cabritos, o som das marradas das cabras e dos bodes nas suas lutas, o latir dos cães de guarda, etc.

À noite, depois de todos os animais acomodados no bardo, o pastor, com grande mestria, orientado pelo sentido do tacto, de cócoras, com o cântaro entre as pernas, mungia as cabras de uma a uma, de cujos mamilos, pressionados por mãos hábeis, jorravam os jactos de leite que, num instante, atestavam a vasilha.

Como logística alimentar, todos os dias, ao anoitecer, levava-se ao campo, além dos cântaros destinados ao leite, a ceia do pastor na chamada “lata dos pastores”.

Era um recipiente cilíndrico em lata, dividido em duas partes: a superior, um pouco mais pequena, destinada ao prato principal, e a inferior, a parte maior, destinada ao caldo não só destinado ao pastor como aos cães de guarda do rebanho. Depois uma asa de arame, por onde se pegava, completava o conjunto.

Neste contexto de então, o meu pai também tinha um rebanho de cabras, cuja guarda, enquanto ele se dedicava também ao amanho da terra, estava a cargo de um nosso pastor, o senhor Américo Catarino de uma aldeia vizinha, de Pereiros de Ansiães.

Era um homem com setenta e tal anos de idade, alto, magro, com o saber próprio da sua idade, com sentido de humor, de piada fácil. Era um contador de histórias. Algumas delas, preenchem ainda o meu imaginário.

Era meu contemporâneo na aldeia, naqueles anos, o meu amigo “Rito”, de seu nome completo, Francisco Pinto, aproximadamente da minha idade, seis ou sete anos. Talvez ele fosse um ano ou dois mais velho do que eu.

O “Rito” era conhecido por este nome por ser filho de uma senhora de uma das aldeias da freguesia de Freixiel, do Vieiro, de nome Rita, e de pai incógnito. Zorro, portanto. Era assim que se chamavam lá na terra os filhos cujos pais eram desconhecidos.

Dadas as dificuldades da mãe do “Rito”, foi adoptado, ainda que, na época, informalmente, por um casal lá da terra, o senhor João Mariano e a senhora Olívia.

O “Rito" caracterizava-se pela sua figura franzina, pouco nutrido, e revelava algumas dificuldades cognitivas, motivo porque, embora tenha frequentado a escola, nem a primeira classe chegou a concluir. Porém, era travesso incorrigível, principalmente quando os progenitores não estavam por perto, e tinha o condão de cantar muito bem. Era, incondicionalmente, um dos meus grandes amigos de infância.

Com toda esta minha exposição da vida do campo lá da aldeia, quis proporcionar aos leitores, como se de uma receita de culinária se tratasse, os ”ingredientes” necessários para “confeccionar” esta história do célebre “panelo de barro preto”:
Os progenitores do meu amigo “Rito” tinham uma cabra que por uns dias foi integrada no rebanho do meu pai para estar em contacto com os bodes reinantes da cabrada, com o objectivo de ela vir a procriar.

Ao cair da noite de um dia de verão, a mim e ao meu irmão Fernando, este mais velho do que eu cinco anos, foi-nos dada a tarefa de levarmos a ceia ao pastor, que pernoitava, portanto, no campo com as cabras, e as vasilhas para ao leite.

Tão novinhos que éramos, ambos alternávamos o transporte da “lata do pastor”, colocando a boina na mão para a asa de arame da lata não nos magoar.

Para meu contentamento, acompanhou-nos nesse dia o meu amigo “Rito” que levava um panelo de barro preto destinado ao leite da cabra dos seus pais adoptivos.

Tínhamos já saído da aldeia e caminhávamos já na poeirenta estrada térrea, entre pinhais, que liga a minha pequena aldeia a Carrazeda de Ansiães, que nos levaria até cerca de dois quilómetros onde se situava a parcela de terreno, designada por Terreiro, onde pernoitavam as cabras e o pastor.

O “Rito”, fazendo jus à sua irreverência, iniciava o chorrilho de diabruras que eu já bem conhecia, correndo à nossa frente, arrastando os pés descalços na estrada, levantando uma autêntica nuvem de poeira que nos sufocava. Corria de um lado para o outro a esconder-se na noite entre os pinheiros que ladeavam a estrada para, ao aproximarmo-nos, nos tentar assustar.

A dada altura começou a cantar e, como acompanhamento à sua melodiosa voz, agitava o panelo de barro preto com algumas pedras que meteu dentro.
- Dlão…, dlão…, dlão…, dlão.

Produzia assim o panelo uma bonita entoação sonora, ampliada pelo eco que se fazia ouvir pelo interior do pinhal que ladeava a estrada, de fazer inveja à velha sineta da capelinha de S. Luís lá da aldeia quando se rebimbava no alto do campanário a anunciar a hora da homilia, ou então, naquele tempo, a hora de irmos para a escola.
- Rito, tu vais partir o panelo. - Alertámos nós mais do que uma vez.
- Dlão…, dlão…,dlão…, dlão.

Continuava ele ignorando os avisos.

Depois de tanto badalar o panelo, a dada altura, e estranhamente, o “Rito” aquietou-se. Entretanto chegávamos ao Terreiro.

Embora fosse já noite cerrada, as cabras e o pastor ainda não tinham chegado ao bardo e nós os três, depois de colocarmos a lata com a ceia e as vasilhas do leite na cabana, incluindo o panelo, que o “Rito” fez questão de o deixar muito direitinho, regressámos a casa.

Depois da ceia, chegou a hora do pastor, o senhor Américo Catarino, ajudado pelo meu pai que entretanto foi ter com ele, proceder à ordenha dos animais.

Às escuras, como era habitual, o pastor, de cócoras, propôs-se a ordenhar a “Mariana” que era o nome que ele dava àquela cabra, por pertencer ao senhor João Mariano.

- Ó Antóoooooonio…!, Homessa…! Exclamava ele incrédulo momentos depois para o meu pai com a sua voz arrastada, com o sentido de humor que o caracterizava, levantando-se lá no meio das cabras.

E prosseguiu:
- Eu devo ter estado a ordenhar o bode porque o panelo ainda não tem uma gota de leite…
- Ó senhor Américo, não me diga que não consegue distinguir uma cabra do bode. Gracejava o meu pai com o pastor.
- Não é isso Antóoonio…, é que o panelo não tem cuuu…! Homessa…!

Foi assim o final deste célebre panelo de barro preto, indissociável da memória que guardo do meu amigo “Rito”, cujos cacos ainda hoje devem repousar no chão do Terreiro, que poderão constituir muitos anos depois um importante achado arqueológico.

Ao longo de muitos anos, a “sina” deste panelo de barro preto proporcionou bons momentos de hilariante boa disposição lá em casa a toda a família. Mais tarde o “Rito”, já homem, deixou os pais adoptivos e a aldeia e foi para uma outra aldeia do concelho de Mirandela, para Barcel, que se situa junto à margem direita do rio Tua.

Um dia, e esta é a parte triste desta história, o “Rito” faleceu em circunstâncias muito estranhas, ao ter sido encontrado o seu cadáver a boiar nas águas do rio.

Quis com esta história prestar a minha homenagem à sua memória, para ele, esteja onde estiver, sentir que o seu amigo “Manel” não se esqueceu dele, e, ao mesmo tempo, também como intervenientes directos neste episódio, relembrar o meu pai e o nosso pastor, o senhor Américo Catarino, também já falecidos.

Ao longo deste texto também quis deixar implícito, mesmo para o leitor mais distraído, que as crianças daquela época, desde muito pequeninas, eram chamadas a participar activamente na economia familiar em tarefas compatíveis com a sua capacidade física. Dizia-se na altura: “o trabalho das crianças é pouco mas quem o rejeita é louco”.

Eu, como tantas outras crianças da época, contribuí sempre com a minha parte sem que isso constituísse para mim, particularmente, qualquer trauma ou atrofiamento físico e cognitivo, muito pelo contrário. E a prova disso é que as mesmas mãos que se protegeram com a boina da asa de arame da “lata do pastor”, são as mesmas mãos que escreveram para vós este texto.

Quiçá ele venha a ser excerto de um próximo livro, por forma a perpetuar a memória de todos estes intervenientes que me são caros.

Manuel Sousa
Março de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12720: Os nossos seres, saberes e lazeres (67): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (10) (Tony Borié)

terça-feira, 1 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12922: 10º aniversário do nosso blogue (1): 10 anos a blogar... 652 camaradas e amigos registados... 13 mil postes publicados... 5,5 milhões de visitas... 50 mil comentários... Obrigados ao Miguel Pessoal pela prenda que já nos mandou!... Obrigados aos nossos editores, colaboradores permanentes, autores, leitores, comentadores!...


Poster do nosso 10.º aniversário. Autoria do © Miguel Pessoa (2014)

1. Amigos/as e camaradas: não colecionamos estatísticas mas os números também têm um função didática... Saber falar com números ajuda-nos a descrever e compreender melhor o que se se passa à nossa volta, ou até o que se passa connosco... Neste caso, esta pequena/grande aventurta em que nos metemos, em 2004,  o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, sem poder imaginar que um dia iríamos celebrar 10 anos de existência... E que chegaríamos a ter este número, digno de registo, de 652 amigos e camaradas da Guiné, (i) que vivem nos 5 continentes... e (ii) que aceitaram algumas regras básicas comuns, (iii) permitindo um convívio são, e uma partilha de memórias e de afetos, à volta de uma terra, de uma guerra, e de um período histórico que vai de 1961 a 1974, grosso modo. (Nos últimos 3 meses entraram mais 16 membros para a nossa Tabanca Grande, o que representa uma média de mais de 5 por mês. Em 31/12/2013, éramos 636].

2. A celebração do nosso aniversário não é um pretexto para o autoelogio, o narcisismo, a vanglória... É apenas mais uma ocasião para reforçarmos os laços de camaradagem e de amizade que nos unem. No caso pessoal do nosso editor Luís Graça, mas também dos demais editores e colaboradores permanentes, o blogue veio fazer alargar e enriquecer a nossa rede de relações humanas e sociais: temos hoje mais amigos do que em 2004... E mais: sabemos muito mais sobre a história daquela terra verde e rubra (bem como da nossa própria terra) do que sabíamos em 2004... O blogue tem sido não só um ponto de encontro dos ex-combatentes da guerra da Guiné (1963/74) como também uma valiosa fonte de informação e conhecimento, para a comunidade, lusófona e não só, em que nos inserimos... Investigadores,  escritores, professores, alunos, jornalistas, empresas... têm-nos procurado, a pedir-nos algum tipo de apoio: por ex., acesso a imagens.

3. Não menos importante, temos posto muita gente a escrever e até a publicar livros, em prosa e em verso, o que não deixa de ser legítimo motivo de orgulho... Somos uma geração que se recusa a morrer e desaparecer sem deixar rasto, marcas, peugadas, dedadas, ADN... Orgulhamo-nos de sermos uma geração que soube fazer a guerra e a paz!... E disso damos testemunho, discretamente, todos os dias, de há 10 anos a esta parte. Fundámos, além disso, uma Tabanca Grande que tem, simbolicamente, um poilão ao meio, alto, frondoso, mágico, fraterno, protetor, com bons irãs e tudo no seu cocuruto, irãs que zelam por nós! E essa Tabanca Grande já se desmultiplicou por outras, de maior ou menor dimensão da Tabanca de Matosinhos à Tabanca do Centro, da Tabanca dos Melros à Magnífica Tabanca da Linha...

4. E temo-nos reunido, todos os anos, num encontro nacional, que este ano o será IX... Mais uma vez em Monte Real, como é costume, mas ainda sem  data marcada, porque este ano aconteceu um percalço ao nosso editor Luís Graça: vai esta tarde ser hospitalizado para uma intervenção cirúrgica, e voltará com uma anca nova, pronto para retomar o trilho da velha picada da vida... Isto significa, para já, 6 ou 8 semanas de estaleiro, sem obrigações profissionais e com atividade bloguística muito mais reduzida... Valer-se-á dos santos da casa, o São Carlos Vinhal, o São Eduardo MR e e os demais anjos, querubins e bons irãs que pousam no poilão da Tabanca Grande, e que são afinal todos vocês... (a quem vou pedir um esforço adicional para alimentar esta boca voraz que é o nosso blogue, que precisa de 4 a 5 postes por dia, muitos textos, muitas fotos, e sobretudo de novos "piras", muitos "piras"...).

5. Infelizmente, nestes 10 anos, também já nos deixaram 33 amigos/as e camaradas, pela lei inexorável da morte.  São 5% do total dos nossos 652 grã-tabanqueiros... Temos o dever de manter viva a sua memória, aqui registada sob a forma das fotos e textos que deles e sobre eles publicámos. Alegra-nos, por outro lado, sermos cada vez mais abordados pelos filhos/as e netos/as de camaradas nossos que, ou já morreram, ou têm dificuldade em comunicar connosco. Recorde-se, de resto,  o nosso lema, que nada tem de demagógico: "Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são".

6. Veja-se também o que aqui escrevemos, todos nós (editores, colaboradores, leitores...) nos anteriores aniversários (, efeméride que só se começou a comemorar a partir de 2010, por iniciativa do nosso infatigável coeditor Carlos Vinhal e do Jorge Félix, outro camarada da primeira hora):

6º aniversário do nosso blogue (2010)

7º aniversário do nosso blogue (2011)

8º aniversário do nosso blogue (2012)

9º aniversário do nosso blogue (2013)

7. A partir de hoje, 1 de abril (, dia das mentiras...), começamos as comemorações do 10º aniversário do nosso blogue, extensivas á nossa página no facebook, Tabanca Grande Luís Graça). A melhor prenda? É a esperança de continuarmos a blogar por mais dez anos, se para tanto não nos faltar o engenho, a arte... e a saúde!..

Aproveitamos  o ensejo para, publicamente, agradecer ao Miguel Pessoa o cartaz do nosso 10º aniversário, uma belíssima prenda, fruto do seu talento e generosidade. Toda a gente gostou. O Zé Martins resumiu bem a opinião dos editores e colaboradores permanentes: "Para mim está simples, objectivo e, sobretudo, luminoso.",

Guiné 63/74 - P12921: Parabéns a você (711): Carlos Pedreño Ferreira, ex-Fur Mil Inf Op do COMBIS e COP 8 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12913: Parabéns a você (710): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, exFur Mil Op Especiais do BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Enf Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)

segunda-feira, 31 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12920: Tabanca Grande (431): Albano Mendes de Matos, ten cor art ref, GA 7 e QG/CTIG (Bissau, 1972/74), grã-tabanqueiro nº 652

1. Mensagem de 13 do corrente, enviada pelo Albano Matos: 



Luís Graça

Tenho muito gosto em integrar a «Tabanca Grande». Logo que possível, vou enviar um apontamento sobre o Caderno de Poesias «POILÃO», que organizei e fiz, na Guiné, publicado de forma artesanal pelo Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino.
 
Tenho contactos com Mário de Oliveira, do restaurante o «Ninho» e com o meu amigo Silvério Pires Dias, do PIFAS e da Emissora da Guiné.

Abraço.

Albano Mendes de Matos

2. Comentário de L.G.:

Aqui fica uma resenha biográfica, respigada da Net e completada com elementos informativos do nosso blogue, sobre o novo grã-tabanqueiro, que se vai sentar, à sombra do nosso poiulão, no lugar nº 652, ao lado do seu amigo e  camarada  Silvério Dias:

(i)  Nasceu em Castelo Novo, Fundão, em 1932,

(ii) É tenente-coronel do Exército na reforma, com várias comissões de serviço durante a Guerra Colonial: 

Angola (Grupo Art 157 / BArt 147, 1961/63); 

Angola (BArt 1469/ CArt 1469, 1965/68; 

Guiné (GA 7 e QG/CTIG - Secção de Milicias e Chefe de Contabilidade, 1972/74);

(iii) Na Guiné, a par das tarefas militares, organizou festivais de poesia e representações teatrais, bem como os «Cadernos de Poesias POILÃO», com autores guineenses e portugueses;

(iv) Já em Angola, havia publicado,  em 1973, o caderno de contos africanos «Jangadeiro», dos quais foram apreendidos 300 exemplares pela PIDE/DGS;

(v) É também licenciado em Antropologia Cultural e Social e mestre em Ciências Antropológicas;

(vi) Foi professor na Universidade Moderna;

(vii) Estreou-se no romance em 2008, com a obra «A Casa Grande» (Prémio Literário Aquilino Ribeiro).

Mandei ao Albano o convite para integrar a Tabanca Grande, convite que ele aceitou de bom grado. È também o nosso apreço pelos contributos que o Albano já deu para a preservação e divulgação da nossa(s) memória(s) da Guiné...

A partir de agora, passamos a tratar-nos por tu, de acordo com as nossas regras de convívio, e como de resto se impõe entre camaradas do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Sê bem vindo, Albano. E vê se mandas uma foto atual.

Um alfabravo. Luís Graça

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12919: Estórias e memórias de Silvério Dias, radialista, PFA, 1969/74 (1): Como, por causa de um amigo, deixei a CART 1802, fiz provas para locutor do PFA e, mais tarde, abandonei voluntariamente o Exército


Guiné > Bissau > PFA - Programa das Forças Armadas, c. junho de 1971 > Noite 7 (Emissão especial aos Sábados).

Na foto, o 1º cabo José Camacho Costa e o 1º srgt Silvério Dias. Reconhecem-se excertos musicais de Carlos do Carmo, José Mário Branco, Beatles e outros... Faz-se referência á chegada do homem à lua, à guerra no Laos e no Camboja, e dá-se a notícia da flagelação, à cidade de Bissau, com foguetões 122 mm de origem russa (em 9 de junho de 1971)...

[Ouvir aqui o Compacto aúdio, de Garcez Costa, antigo locutor.  Vídeo (6' 31''): Alojado em You Tube > Nhabijoes ]

1. Mensagem do Silvério Dias, com data de hoje

Assunto: Voltar à Tabanca


Agora que "desbravei a picada" (*), é com maior naturalidade que me desloco até junto dos bons "rapazes da nossa Guiné". Para criar o tal ambiente, só falta mesmo o calor húmido. Porque, "manga de chuva" temos nós, nesta prima bera que não muda para melhor. 

Fora o humor negro, passo a expor alguns dados relativos à minha pessoa, face à curiosidade do barbas Luís Graça:

O meu percurso com a CArt 1802 incluiu presenças em Farim, S.João e Jabadá, com todas as contingências inerentes a uma Companhia Operacional.

Ao tempo, em deslocação a Bissau para reabastecimento de frescos, encontrei velho amigo que,  de forma entusiástica e sabendo das minhas actividades radiofónicas em Moçambique, me deu conta de que estavam necessitando de um locutor para o Programa das Forças Armadas. 

A "reboque", lá prestei provas de  leitura e dicção. "Tiro e queda"!

Substitui o então profissional da E.N. [Emissora Nacional] 
Lima Jorge, dando início a nova missão e a possibilidade de ter comigo parte da família. Esse foi sem dúvida o prémio maior.

Também não será desajustado dizer que o encontro fortuito com o amigo, António Martins, mudou radicalmente o meu futuro. Quiçá o meu destino, porquanto começava a desenhar-se um certo desencantamento, quanto às missões que aos militares estavam destinadas.

Na Guiné, mercê do empenho do então Major, António Ramalho Eanes e a influência do General Spínola, abandonei voluntariamente, o Exército, para muitos, impensável, tratando-se de um 1º Srgt .do Quadro Permanente.

Já nesse tempo: Mandava quem podia!

Fica por hoje este fragmento. Prometo voltar, dissipando duvidas e contando "estórias"...

Oxalá tenham paciência para as ouvir!

De mim para todos os "tabanqueiros"... aquele abraço. 

Silvério Dias
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

24 de março de  2014 > Guiné 63/74 - P12894: Tabanca Grande (430): Silvério Dias, 1º srgt art ref, o senhor PIFAS, e "poeta todos os dias!...Nove anos de permanência em terras guineenses, incluindo uma comissão na CART 1802 (Nova Sintra, 1967/69)... É agora o grã-tabanqueiro nº 651


30 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12914: (In)citações (63); Senhor Ministro da Defesa, vamos lá falar, com toda a franqueza: dizer-lhe que militar não é, propriamente, um funcionário público. Já lhe ocorreu pensar nesta verdade? (Silvério Dias, ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra; ex-locutor do PFA, QG/CTIG, Bissau, 1969/74)

Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)


Vendas Novas > Escola Prática de Artilharia (EPA) >  1969

Foto  © Carlos Vinhal  (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Vendas Novas > Escola Prática de Artilharia (EPA) >  1967 > O Torcato Mendonça, à esquerda,. sentado, num exercío de instrução sobre a G3... 2º ciclo do COM.

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]


Vendas Novas > Março de 2014 > "Outdoor" com o anúncio da maraca registada "Bifanas de Vendas Novas"


Vendas Novas > Março de 2014 > As famosas "bifanas", prontas a comer (1)...


Vendas Novas > 1 de março de 2014 > As famosas "bifanas", especilaidade da terra



Fotos (e legendas): ©  Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. 


1. Sobre Vendas Novas já temos, no nosso blogue, mais de um dúzia de referências. Muitos dos nossos camaradas artilheiros passaram por lá antes de irem parar à Guiné. Estou-me a lembrar do Carlos Vinhal, do Torcato Mendonça, do Jorge Cabral, do Jorge Picadio, do Vasco Pires, do Fernando Valente (Magro), do João Martins, e de  tantos outros. O nosso colaborador permanente José Marcelino Martins já aqui fez o historial da Escola Prática de Artilharia (EPA), incluindo o seu papel no 25 de abril de 1974.

De qualquer modo, faltam-nos histórias vividas em Vendas Novas, do tempo da recruta e da especialidade... Temos algumas, mas queremos mais... O Carlos Vinhal sei que tem uma, pronta (ou quase pronta) a editar... Mas era bom que os nossoa arilheiros mandassem aí umas "obusadas", para enriquecer a série "A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG" (*)....

Até porque temos uma ideia algo estereotipada sobre aquela, hoje, cidade que aparentemente cresceu ao longo de uma estrada nacional, a N4... É, historicamente,  um sítio de "passagem", aparentemente sem grandes histórias para contar... Até 1962, era uma simples fregueseia do concelho de Montijo. Em 1970, o concelho tinha c. de 8500 habitantes, hoje terá menos de 12 mil, a grande maioria vivendo na sede.

Diz a Wikipédia que "a origem de Vendas Novas remonta à criação da Posta Sul, por ordem de D. João III. Foi então aberto um caminho de Aldeia Galega (Montijo) a Montemor,  de modo a reduzir o percurso e o tempo das viagens. Foi nesse caminho que o rei mandou construir uma estalagem, no local onde hoje se encontra Vendas Novas. Alguns anos mais tarde, por ordem de D. Teodósio, uma nova pousada foi construída nas Vendas Novas. O nome do povoado terá provavelmente origem nas construções - "Estalagens" ou "Vendas" - que por serem de recente construção, eram novas, denominadas pelos viajantes como "as Vendas Novas". A povoação mais antiga do concelho é, no entanto a Landeira, hoje freguesia do concelho, de que existem referências de sua existência nos inícios do Séc. XII." (...) 

Para mim, e para muitos portugueses em viagem,  que ali fazem uma paragem "técnico-gastronómica", Vendas Novas é apenas a capital da bifana.. Seria injusto esquecer o Museu da Escola Prática de Artilharia e de outros centros de interesse. Curiosamente, o Museu não tem ainda uma página na Net. E a página do munícípio é muito fraquinha, em matéria de informação turística...(Eu diria que é uma grande pobreza!).

Confesso que ainda não o conheço o museu da EPA... Há um mês atrás, parei lá, em Vendas Novas, mas apenas para comer a "sandocha" da ordem..."O pró lá e ó pró cá!, como se diz no norte...  Eu, a Alice e e mais um casal, os meus cuhados... Neste caso, e já não tendo 20 anos (e a "galga" dos 20 anos!), pedimos só... oito "bifanas", mais 4 empadas, e umas cervejolas pretas, fresquinhas, mais os cafezinhos da ordem, no fim...  Um almoço "light", o suficiiente para a viagem, de 45 minutos, até Lisboa... Julgo que pagámos 7 euros por cabeça, neste caso, por boca...

Enfim, são valores do século passado, A.T. (antes da Troika)... Perguntam-me onde ? Passe a publicidade, no Snack-bar e Café "A Chaminé", que é com o café Boavista o "tasco" que disputa a fama e o proveito das melhores bifanas de Vendas Novas... Faço aqui a minha declaração de conflito de interesses:  não sou sócio, não conheço ninguém, não tenho lá amigos nem parentes, mas já lá fui 3 vezes e fiquei fã... E nestas coisas, o povo é quem mais "ordenha"...

Não sei porquê mas as bifanas de Vendas Novas ganharam  fama e proveito de há 20 ou 30 anos para cá... E são hoje uma das nossas especialidades da chamada "street food" (, comida de rua, que a gente já conhece desde o tempo da tropa!)... Têm alguns segredos, como se pode ler no ponto 2, a seguir... 

De qualquer modo, pergunto à rapaziada da artilharia que por lá pssei se não haveria já bifanas à maneira,  nos anos 60/70, em Vendas Novas, quando por lá passaram ?  Seguramente que sim, e estas devem ser filhas da tropa... 

Importa documentar onde e com quê se matava a malvada naquele tempo, em Vendas Novas... E só por ver as fotos das bifaninhas, já fiquei com hipoglicemia...


2. Excerto, com a devida vénia, do blogue Mesa Reservada, de Rui Barradas Pereira >  4 de julho de 2013 > A Bifana de Vendas Novas


(...) Depois de durante o ano passado ter falado desta, daquela e de outra bifana,  havia uma grave omissão no meu estudo bifanófilo. Ainda mais sendo a minha família oriunda da zona de Vendas Novas, era difícil explicar como é que ainda não tinha escrito aqui sobre a mítica bifana de Vendas Novas. 

Apesar de os meus pais terem uma casa perto de Vendas Novas onde passam uma boa parte do tempo e de eu lá ir várias vezes durante ano, a proximidade da cozinha da minha mãe,  acabava por nunca proporcionar uma ida a uma das casas de bifanas em Vendas Novas.

Diz a lenda que a bifana de Vendas Novas teve origem numa das casas de bifanas ainda existente: o Café Boavista. A principal característica distintiva da bifana de Vendas Novas é ser feita com um bife de porco do lombo que [ é ] batido até se transformar numa fina película de carne. A bifana é feita no molho numa espécie de frigideira desenhada para o efeito e o pão é ligeiramente torrado e passado pelo molho.

Esta minha incursão pela bifana de Vendas Novas não teve lugar no Café Boavista mas sim no Café Chaminé que fica do outro lado rua. Diz também a lenda ter sido aberto por um ex-empregado do Café Boavista e que trouxe consigo os segredos da bifana do Café Boavista. Estas duas casas são as mais afamadas casas de bifanas de Vendas Novas e a discussão sobre qual das duas é a melhor inflama paixões entre os mais fiéis apreciadores das bifanas de Vendas Novas.


Esta bifana pede mostarda. Só com a mostarda é que o tempero da carne sobressai. Em termos de tempero até prefiro outras. Mas a carne é finíssima e de boa qualidade, quase demasiado fina, e o pão ligeiramente torrado dá-lhe um crocante que faz toda a diferença. Para acompanhar uma Sagres Preta. Porquê? Porque sim... (...)
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Nota do editor:

(*) Vd último poste da série > 23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra

Guiné 63/74 - P12917: Notas de leitura (577): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Está aqui uma análise serena e rigorosa dos acontecimentos guineenses entre 2003 e 2005.
A deposição de Koumba Yalá por um golpe militar que trouxe alteração profunda à vida constitucional. São tempos de transição (mas será que alguma vez a Guiné viveu fora da transição?), haverá eleições e formar-se-á uma coligação entre o PAIGC e o PRS. A sombra de Koumba é uma constante da política guineense. E o exilado Nino Vieira regressa e é reeleito.
Onofre dos Santos honrou a literatura portuguesa com crónicas de grande valor e de altíssima qualidade literária. Talvez seja tarde para o editar em Portugal. Mas pelo menos os guineenses deviam conhecer as advertências que ele lançou à política do sacrificado país.

Um abraço do
Mário


Um enternecido olhar luandense sobre a Guiné-Bissau (2003-2005) - II

Beja Santos


Devido ao seu trabalho na Comissão Eleitoral da Guiné-Bissau, o angolano Onofre dos Santos acompanhou de perto os acontecimentos políticos guineenses entre 2003 e 2005. Previam-se eleições, mas antes houve um golpe de Estado em 14 de Setembro, a Constituição foi suspensa, o presidente Koumba Yalá foi deposto e instituído um Comité Militar. Seguiram-se negociações, vários chefes de Estado de países vizinhos intercederam. Os militares tomaram conta do poder, uma Carta de Transição Política passou a regular de forma jurídica os efeitos do golpe de Estado. Nomeou-se um Presidente da República de Transição. O que parecia uma alvorada da reconciliação não o foi. Ao longo do seu livro “Eleições em tempo de cólera”, Edições Chá de Caxinde, 2006, Onofre dos Santos explica porquê. Quando o Presidente da República de Transição assumiu funções, foi confrontado com questões básicas, altamente prementes: era preciso obter financiamento para pagar um ano de salários atrasados, depois criar uma atmosfera de estabilidade para governar com alguma autoridade. Onofre dos Santos escreve artigos para um jornal de Angola, Folha 8, regista as suas impressões pessoais de um país que ele passou a amar. Por exemplo, o fascínio do mercado de Bandim, “uma área de mais de 30 mil metros quadrados, em plena cidade de Bissau, onde há meio século havia um pequeno entreposto na encruzilhada de três reinos tradicionais e onde hoje, diariamente, transitam mais de 100 mil pessoas e se transacionam produtos no valor de mais de um milhão de dólares. Não admira que Bandim seja não só a praça mais concorrida e extensa da Guiné-Bissau, como a sua principal praça comercial e financeira. Os seus artigos vão dando conta das decisões tomadas ou adiadas". A propósito das eleições para o Supremo Tribunal de Justiça refere as flagrantes e incessantes violações do princípio da separação dos poderes: o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tinha sido compulsiva e ilegalmente substituído e preso, sendo frequente os juízes serem substituídos e mudados sem justificação regulamentar. Nino Vieira tinha exonerado o presidente do Supremo Tribunal de Justiça em 1994. Koumba Yalá despediu o presidente antes de ter sido apeado pelo golpe de Estado. Temos aqui alguns indicadores do despotismo mascarado de democracia.

Para quem quer saber o que é preparar um ato eleitoral na Guiné-Bissau, o livro de Onofre dos Santos é leitura suculenta. Por exemplo, as diásporas, há guineenses nos países africanos à volta, há centenas de guineenses na Ilha de Lançarote, em Portugal (não esquecer que são dados do tempo) residem cerca de 80 mil cidadãos guineenses. Há votantes possíveis em Dakar, Ziguinchor, Conacri, Banjul e Nouachkot, mas também Madrid e Paris. Traça o retrato (bem lisonjeiro) do general de quatro estrelas Veríssimo Seabra, homem que contava com um currículo notável, incluindo experiência internacional. Onofre especula como se irão consorciar o Presidente de Transição e o comité militar e os órgãos democraticamente eleitos nas eleições que se avizinham. Deploravelmente, esta conjetura deixará de ser interessante quando o general Seabra for assassinado com um tiro na nuca. Descreve garridamente o carnaval em Bissau, aprecia sobretudo os grupos dos Bijagós “com as suas pinturas guerreiras, as suas máscaras e adereços, as jovens com as suas famosas saias de ráfia mostrando toda a altura da perna esbelta e adolescente”. Comenta um livro que acaba de ser publicado “Páginas de história política, rumos da democracia”, de Fernando Delfim da Silva, político proeminente. Foi considerado um provável sucessor de Nino Vieira, era seu protegido. Ora no livro Delfim da Silva coloca Nino na cadeira de réu pela autoria do golpe militar de 14 de Novembro. O que Onofre não sabe é que quando Nino Vieira reassumir poder Delfim da Silva estará de novo a seu lado.

O autor observa a inquietação dos chefes religiosos, a começar pelos católicos. Nas suas homilias, os bispos de Bissau e Bafatá pedem insistentemente um discurso realista, que se fale verdade e que não se mate a esperança. Há momentos de desânimo, como aquele que transmitiu o bispo de Bissau dizendo que qualquer que seja o resultado tudo vai ficar na mesma porque destas eleições não vai emergir nenhum líder com o carisma e autoridade necessários para resolver os males que afligem a Guiné-Bissau.

Em Março de 2004, o cenário político fica ainda mais baralhado quando o Supremo Tribunal de Justiça considerou inválida a declaração de renúncia de Koumba Yalá. E escreve uma observação que pode funcionar até aos dias de hoje, a propósito de Koumba: “Ele é na política guineense um ponta de lança invejável, fazendo avançadas surpreendestes sempre com os olhos postos na baliza e capaz de virar o jogo até ao último minuto da partida”.

Feitas as eleições, o PRS, o partido fundado por Koumba e que fora vencedor em 1999, resolve protestar por questões manifestamente insignificantes, o Supremo Tribunal de Justiça indefere. Carlos Gomes Júnior, presidente do PAIGC, foi indigitado pelo Presidente da República de Transição como Primeiro-Ministro. E a observação de Onofre sobre a votação obtida pelo PRS é do maior interesse: “Veio demonstrar que este partido já não se concentrava apenas nas regiões onde a população de etnia Balanta está particularmente localizada mas estende de facto a todo o território nacional, ou quase. Na realidade, se excetuarmos Bissau, o PRS acaba nestas eleições exatamente a par do PAIGC em número de votos o que é um resultado inesperado. Apesar de derrotado nas urnas, o PRS emerge destas eleições como um partido nacional que não era de facto e esta alteração das circunstâncias, só por si, muda toda estratégia que envolvia até agora o partido criado por Koumba Yalá e considerado como um partido destinado magnetizar o eleitorado da etnia Balanta”.

A seguir o autor espraia-se longamente sobre Angola, os estudiosos da realidade angolana encontram aqui pano para mangas, não sendo um constitucionalista Onofre dos Santos conhece profundamente a política angolana, como se depreende das suas riquíssimas observações, e conhece África e revela uma grande integridade, e assim se compreende pela escolha que as Nações Unidas para observador de variados atos eleitorais em todo o continente. E é culto e estudioso como se pode ler no seu relato sobre a fortaleza de S. Jorge da Mina, de onde ele escreve: “Sentado no areal que circunda a fortaleza de S. Jorge da Mina, vendo os barcos à vela que sulcam a sua baia, recordo Luanda e os últimos vestígios do Império que lá e aqui ainda despertam sentimentos contraditórios, uma saudade indefinível de um tempo que já passou à história, mas que nos deixou irmanados, portugueses, angolanos, guineenses, cabo-verdianos, santomenses, moçambicanos, macaístas e timorenses. A Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, nos anos 50 e 60 do século passado, foi a placa-tornante dos muitos que por lá passaram e de lá partiram para fazer história nos seus próprios países. O Império nos irmanou e o Império determinou o nosso destino”.

As crónicas sucedem-se, Nino Vieira é candidato presidencial, o general Veríssimo Seabra é assassinado, o fantasma sobre os direitos humanos voltou a cair pesadamente sobre a Guiné, Nino é eleito, mostra ser um corredor de fundo, os bichos voltam a fazer apelo à reconstrução nacional e referem que a conciliação exige perdão, perdoar é uma opção, implica um ato de vontade para pôr acima dos interesses de grupos, de etnias, o interesse do bem-comum e da Pátria; Koumba Yalá regressa à cena política, como regressam os rumores de atentados e liquidações sumárias. É um belíssimo livro de crónicas, que fatalmente teria que terminar com esta frase: “A Guiné, vou ter de a amar de longe, mas todos os dias rezarei para que os que ficam a amem de verdade, mais e melhor do que eu”. Os guineenses e os portugueses só têm a ganhar em ler esta prosa vibrante, de alta qualidade, de tão sincera esperança.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12908: Notas de leitura (576): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 30 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12916: Convívios (576): XVII Encontro do pessoal do BCAÇ 4514, Estarreja, dia 5 de Abril de 2014

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12910: Convívios (575): 27º Encontro Convívio da CCaç 2382, 3 de Maio de 2014, em Fazendas de Almeirim (Alberto Silva)

Guiné 63/74 - P12915: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte V: Plantão à caserna e faxinas regimentais... ("Consciente de que entre os soldados se verificava ainda a existência de um grande número de elementos com iliteracia e baixa escolaridade, o Exército, entre 1961 e 1974, utilizou o humor dos cartunistas, de forma pedagógica, para alertar e instruir sobre questões de segurança e sobrevivência ou sobre a regulamentação da disciplina militar.")
























Continuação da reprodução da brochura "Deveres Militares", uma edção do SPEME - Serviço de Publicações do Estado Maior do Exército, 2ª edição, 1969...

A lista dos deveres de um militar é (ou era) longa...Publicamos hoje os deveres de:

(i) Plantão à caserna (nº 4 do art. 81º do antigo RDM - Regulamento de Disciplina Militar, que esteve em vigor até 1977!)... às cavalariças (artº 96º do RDM que estava em vigor do nosso tempo);

(ii) Faxinas regimentais (art. 90º do RDM).

O RDM do nosso tempo, de saudosa memória (!),  foi substituído pelo atual RDM - Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 09ABR, com diversas alterações. (Entrou em vigor em 10 de abril de 1977, e foi promulgado pelo então Presidente da República António Ramnalho Eanes),

1. O documento chegou-nos, digitalizado, por intermédio do Fernando Hipólito e César Dias. O Fernando Hipólito [, foto atual à direita, ] é o nosso novo grã-tabanqueiro, com o nº 650...

Recorde-se que ele passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. Foi fur mil, CCAÇ 2544, Angola, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste, em Lumege.

Há um blogue sobre Lumege e a malta que por lá passou. E onde o Fernando Hipólitio colabora.  

O nosso novo grã-tabanqueiro mandou-nos, entretanto, e a nosso pedido, a sua foto atual. Auqi temos o Hipólito "de fato e gravata, porque foi a minha farda durante anos, como técnico de vendas de um empresa de tintas de imopressão",

2. O nosso camarada, António J. Pereira da Costa (Tó Zé para os amigos) j´«a nos camou "a atenção para o humor e qualidade dos desenhos. Creio que era de um desenhador que também aparecia no "Século Ilustrado"....Há também uns desenhos destes relacionados com os crimes militares previstos no CJM...

"Creio que [o ilustrador] tinha o apelido ou assinava Benamor. [Sim, Tó Zé, parece-me o traço do cartunista João Benamor].

E havia também um conjunto de quadros murais onde se davam conselhos à malta do tipo:
"Uma palavra a mais, um amigo a menos" e "Ela é toda ouvidos - e tinha umas orelhas enormes - come e cala-te",

(... ) "Pode ser que a Biblioteca do Exército tenha alguns exemplares que, se passados a pente fino, nos deem qualquer indicação. (comentário ao poste anterior, de 26/3/2014).


É possível que a esta brochura, que temos vindo  a pubicar,  faltem folhas.... O César Dias já nos
explicou que este e outros documentos "são fruto duma 'limpeza' que ele [, Fernando Hipolito,] fez na secretaria da 3ª companhia do CISMI, em Tavira... Vê que até as folhas das notas do nosso pelotão nas várias disciplinas ele conseguiu apanhar do cesto dos papeis." (comentário ao poste anterior, de 26/3/2014).

Ao Francisco Baptista, por sua vez, estas  imagens que publicámos no poste anterior, mexeram com as suas recordações de infância:

 "Tu fazes me regressar ao tempo da tropa do meu pai que, soldado em Mafra e por ter batido num cavalo mais bravio, foi punido, penso que com uma repreensão. Há uma foto dele com essa farda antiga do tempo da 2ª Guerra ou anterior na casa da aldeia. Penso que seria de cavalaria. Agradeço-te também por me ilustrares esse passado." (comentário ao poste anterior, 26/3/2014).


3.  O nome de João Benamor é referido aqui,  neste excerto que publicamos, retirado com a devida vénia, da página na Net do Exército:

(.,..) “O HUMOR NO JORNAL DO EXÉRCITO 1961- 1974” resultou de um desafio lançado a dois jovens soldados com o objectivo de pesquisarem, seleccionarem e exporem caricaturas e cartoons que ao longo do período em apreço pudessem caracterizar a expressão desta arte gráfica no âmbito da sátira, da ironia, da irreverência, ou da crítica social que, entre outros aspectos, reflectissem o dia-a-dia de um meio profissional que, particularmente no período em causa, atravessava e participava na designada Guerra Colonial/Guerra do Ultramar.

"Tratando-se o “JORNAL DO EXÉRCITO” de uma publicação periódica direccionada para a instituição militar a sua difusão era significativa nas Unidades, Órgãos e Estabelecimentos militares, sendo lida por oficiais, sargentos e praças. Apesar da abordagem se debruçar no referido período de guerra, ao contrário do que acontecia nos “jornais de quartel” editados nas antigas colónias, a menção a este conflito é subtil, apenas se inferindo o contexto geográfico apresentado nas imagens. De igual modo, não se vislumbra uma clara critica à situação politico-militar. A temática advertia o leitor sobretudo para aspectos do meio que o militar viria a encontrar nas terras de África.

"Conscientes de que entre os soldados se verificava ainda a existência de um grande número de elementos com iliteracia e baixa escolaridade, o humor destes Cartoons era utilizado de forma pedagógica para alertar e instruir, em particular este grupo profissional, sobre questões de segurança, sobrevivência ou sobre a regulamentação da disciplina militar.   

"A organização militar, a hierarquia ou as condições de vida nos quartéis são alguns dos temas abordados com ironia, deixando ler nas entrelinhas a critica mordaz ou a irreverência com que são caricaturadas as situações. Embora o J.E. publicasse alguns trabalhos de origem estrangeira o grosso dos seus colaboradores, militares ou civis, eram nacionais. Com o traço mais ou menos elaborado, com maior ou menor qualidade, com desenhos que só por si diziam tudo, ou mais dependentes do texto, foi vasto o leque de autores como:

Vicente da Silva,
João Benamor
Zé Manel,
José Antunes, 
Higino, 
Cid, 
Baptista Mendes, 
Al-Cid, 
Majcid, 
Samuel 

e tantos outros que ao longo desse período conseguiram, com o seu humor, instruir e arrancar, no mínimo, sorrisos a quantos folhearam as suas páginas." (...)


[Realce a amarelo e negritos, nossos,  editor L.G.]
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:



Guiné 63/74 - P12914: (In)citações (63); Senhor Ministro da Defesa, vamos lá falar, com toda a franqueza: dizer-lhe que militar não é, propriamente, um funcionário público. Já lhe ocorreu pensar nesta verdade? (Silvério Dias, ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra; ex-locutor do PFA, QG/CTIG, Bissau, 1969/74)

1. Mensagem, com data de 28 do corrente, do nosso camarada Silvério Dias [, ex-1º srg art ref, com 9 anos de Guiné..., de 1967 a 1976], e que é a última das "aquisições" da nossa Tabanca Grande, onde se sentou, à sombra do respetivo poilão, frondoso, protetor, fraterno e mágico, no lugar nº 651 (*):


Comandante, apresenta-se o 651!

Por essas tuas respeitáveis barbas te direi estranhar que, morando tão perto, andámos tão distantes, tendo tanto para dar, em comum. Moro em Leceia (Barcarena) [, concelho de Oeira], a dois passos da tua "palhota" [, Alfragide, Amadora].

Gostei das palavras que se enunciaram acerca deste "velho combatente". (*)

Prometi voltar com participação activa e nem sei por onde começar, tanto o quanto tenho para dizer.

Começo por um desabafo:

Senhor Ministro da Defesa, vamos lá falar, com toda a franqueza: Dizer-lhe, que militar não é, propriamente, um funcionário público. Já lhe ocorreu pensar nesta verdade?

Eu explico: No tempo da "tal senhora" tão desprezada, fomos os defensores do "coiro" dos bem instalados e seus pertences. Quem sabe, até, se dos seus?!

E note, quando havia eleições, ditas "livres", para que o fossem, nós entrávamos de prevenção nos quartéis. Os "outros", ficavam no morno lar conjugal.

Eram os chamados tempos de paz. Não da nossa! Tínhamos as escalas de serviço. Domingos, feriados, férias a gosto? Nem pensar! O dever, sobrepunha-se a tudo.

Por vezes, morando na Grande Lisboa, se estava destacado em Santarém, Leiria... Casos meus e concretos. Fins de semana com a família, só quando a escala o permitia! Dá para entender?...
Funcionário Público muito especial, portanto.

Depois veio a famigerada Guerra da Ultramar. A partir daí,... Pense, tão somente, os medos que se viveram, as saudades sentidas, os filhos crescendo ou nascendo, longe do pai, casamentos desfeitos por falta de presença, noivados sem efeito por ausência...

As sedes, as fomes, as doenças, tudo em soma e em crescendo. A mutilação, o stress eterno, ou simplesmente... a morte!

Tudo isto, Excelentíssimo Senhor Ministro da Defesa, fez parte do "bornal" de um combatente.

À pergunta, porque exigimos respeito e compreensão, aproveite um domingo solarengo de Primavera e dê um passeio por Belém. No mural do Forte do Bom Sucesso, soletre os nomes dos dez mil que lá
"repousam". Depois, faça um pequeno exame de consciência e diga: "Em verdade, sois diferentes". 

E então, com dignidade e em nome de todos nós, assinale e vinque tal diferença!

De um dos muitos, falando por todos! (**)

Silvério Dias





Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


2. E já agora, aqui vão uns versos, a propósito desta (in)citação (com referência aos nossos dez mil mortos, em combate, acidente e doença), do nosso "poeta todos os dias" [que é o nome do  blogue de poesia do nosso camarada Silvério Dias, beirão, que passou pela Índia, Moçambique e Guiné]: 


RESPEITO...

Andei na guerra, estive na frente:
Índia, Moçambique e Guiné.
Regressei sem mazelas, felizmente,
Mas do sofrimento me dei fé.

Além, na parede do Bom Sucesso,
"Jazem" os dez mil que partiram.
A morte não dá regresso,
Por eles, quantas mães carpiram!...

E os outros, os "nossos feridos"?
Tantos foram, Deus infinito!
Vinte e cinco mil, bem definidos.
Sobre eles, tanto medito!

A dor física, e bem danosa,
Se combate e minimiza.
A da alma, invisível e penosa,
Gasta, corrompe e se eterniza.

Se classifica de trauma,
Provocada por guerra injusta.
Rouba o sossego e a calma,
Num sofrer, que tanto custa!

Mutilações, feridas, incapacidades,
Lhes são comuns, em mau efeito.
E, tão jovens, nas suas idades!...
Hoje, o lamento, do pouco feito.

"Honrai a Pátria". Ela vos honrará.
Onde começa e finda a verdade?
É certo, a História não apagará
Mas anda escondida, a falsidade!

Silvério Dias
15 de novembro de 2013

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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P12913: Parabéns a você (710): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Guiné, 1972/74); Benjamim Durães, exFur Mil Op Especiais do BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Enf Paraquedista do BA 12 (Guiné, 1969)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12903: Parabéns a você (709): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º do BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70; Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732 (Guiné, 1970/72); Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974) e Maria Dulcínea, Amiga Grã-Tabanqueira

sábado, 29 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12912: Bom ou mau tempo na bolanha (50): Para onde se vá, existe um português (Tony Borié)

Quinquagésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.


Embora já estejamos a viver por aqui há mais de quatro décadas, quando falamos com alguém no idioma inglês, o sotaque denuncia-nos. Ao mantermos qualquer conversação, passados uns segundos, o nosso interlocutor logo pergunta, com aquele ar de curiosidade:
- De onde és oriundo? - Respondendo nós que somos de um país chamado Portugal, logo dizem:
- Eu sei, na América do Sul, ao pé do Brasil. - E nós com paciência, dizemos:
- Não, Portugal está localizado na Europa. - E eles com aquele ar “americanizado”, respondem:
- Eu sei, uma província da Espanha.

Porra, aí a paciência começa a esgotar-se, e somos obrigados a explicar quase toda a história de um país independente, onde houve navegadores que levaram outros costumes e outra civilização pelos quatro cantos do mundo. E eles, tentando restabelecerem-se do impacto que as nossas palavras tiveram, respondem com o ar mais natural do mundo:
- Truth? Very interesting!
Responderam, mais ou menos isto:
- É verdade? Muito interessante!

Enfim, as ditas “americanisses”.
Adiante, vamos falar de uma personagem portuguesa que foi herói, aqui nos EUA, chamava-se John "Portugee (ou Portuguese)" Phillips.

Estávamos nós no estado de Wyoming, mais propriamente nas ruínas do que foi o “Fort Laramie”, apreciando um marco histórico, dentro do forte, onde uma placa em bronze mencionava o nome de John “Portugee (ou Portuguese) Phillips. Falávamos em português com a nossa esposa, orgulhando-nos de ver aquela placa, quando alguém ao nosso lado, ouvindo-nos falar, vem com as tais “americanisses”. Respondemos, sim, sim, não, não, blá, blá, blá, e fomos de seguida à loja de recordações, que existe dentro do forte, saber da sua história que honra os portugueses. Leiam, pois este homem, foi considerado herói por levar a notícia do “Fetterman Disaster”, onde o capitão William Fetterman Judd e seus homens foram aniquilados, pelos índios Sioux, revoltados pela presença e avanço do que consideravam o seu território, pelo homem branco, o chamado “colonizador”, em 21 de Dezembro de 1866.

O português Phillps ofereceu-se para montar o seu cavalo e ir até ao escritório do telégrafo na estação Horseshoe no North Platte com despachos do Coronel Henry B. Carrington, para levar uma mensagem adicional do Tenente-Coronel Henry Wessells para entregar ao coronel Innis Palmer em Fort Laramie, alargando assim a sua obrigação.
Montando o seu cavalo, a quem carinhosamente chamava "Dandy", um cavalo preto, do qual quase nunca se separava, viajou através do hostil território indígena, por uma distância de 236 milhas desde o Fort Phil Kearny até Fort Laramie. Cavalgou essas 236 milhas em território perigoso, indígena hostil, com os “índios em pé de guerra”, para levar a notícia.



A viagem foi feita em temperaturas abaixo de zero e praticamente sozinho. Mais tarde um companheiro de nome Wallace afirmou que deram ao português Phillips, em Fort Phil Kearny, um rifle da marca Spencer, de repetição, e 100 cartuchos de munições, que ele amarrou nos seus tornozelos, fazendo o peso manter os seus pés firmes nos estribos.
A primeira paragem foi no Fort Reno, onde chegou aos correios nas primeiras horas de 23 de dezembro, tendo prosseguido a sua jornada, de acordo com o telegrafista na estação Horseshoe, o português chegou cerca das 10 horas da manhã do dia 25 de Dezembro, quando os despachos foram transmitidos para a sede do Departamento do Platte em Omaha e Washington.


Para entregar a mensagem do Wessells para Palmer, o português Phillips passou no Fort Laramie, chegando às 11 horas, parecendo “uma bola vestida”, em andamento, pois era assim a sua aparência, vestido com um sobretudo de búfalo, calças, luvas e um gorro. O nome do John "Português" Phillips, tem sido celebrado em histórias, romances e poemas, como herói da fronteira do Wyoming. Também nos dizem o John “Português” Phillips, quando transportou o correio de volta para Fort Phil Kearny desde Fort Laramie, em meados de abril de 1867, num qualquer lugar viu-se cercado por cerca de 15 índios Sioux com pinturas de guerra.
Com humor e autodepreciação, ele escreveu num relatório aos seus superiores que tinha escapado, mas observou que "sem a ajuda do meu do cavalo “Dandy”, e este bom revólver, eu teria perdido o meu cabelo, uma parte do meu corpo, pois foi o momento mais ansioso que senti quando viajava naquelas pradarias".



Com o tempo, alguns factos passaram a ser ficção, mas o seu nome continua a ser o de um homem digno de respeito e admiração, exemplificando qualidades pioneiras de auto-sacrifício e resistência.
John Phillips nasceu com o nome de Manuel Felipe Cardoso, em 8 de Abril de 1832, era o quarto de nove filhos de Felipe e Maria Cardoso. Nascido perto da aldeia de Terra, na ilha do Pico, nos Açores, começou a sua vida como um cidadão de Portugal e, com a idade de 18 anos, deixou os Açores a bordo de um navio baleeiro com destino à Califórnia, onde com a sua juventude, pretendia “pesquisar” ouro.

Nos primeiros 15 anos seguiu a atracção do valioso metal amarelo, nos estados da Califórnia, Oregon e Idaho, atingindo os campos de Montana em 1865, sem nunca ter encontrado o “tal filão”.
Na primavera de 1866, talvez um pouco desanimado com a sua sorte, juntou-se a um grupo de mineiros liderados por algumas companhias ou grupos de prospecção, que se deviam chamar Pryor ou Big Horn Mountains, pois era por essa região que andavam na pesquisa, até chegarem os primeiros nevões, no final desse verão.
Sempre sem encontrar o valioso metal, chegou com 42 seus compatriotas ao Fort Phil Kearny, em 14 de Setembro, ele aparentemente trabalhava como carregador de água para um empreiteiro civil.



Mesmo depois de ter sido considerado um herói, o Português Phillips continuou a trabalhar como mensageiro do governo, mas quando o exército abandonou Fort Phil Kearny, mudou-se para Elk Mountain, a oeste da actual cidade de Laramie. Aí, diziam que fornecia, entre outros materiais, traves de madeira para a Union Pacific Railroad e para a linha do caminho de ferro, que estava a ser construída no sul do estado de Wyoming.
Na década que se seguiu, entre outras coisas, ganhava a vida através da contratação, com o exército, para fornecer alguma mercadoria e transporte, em Fort Laramie e Fort Fetterman. Em 16 de Dezembro de 1870, na cidade de Cheyenne, o Português Phillips casou-se com Hattie Buck, uma nativa de Crownpoint, do estado de Indiana, então com 28 anos de idade, tendo o casal tido vários filhos.


Durante o seu casamento, o Português Phillips estabeleceu um “rancho” em Chugwater Creek, como base para suas atividades com o exército, também acomodando viajantes que por ali passavam em viajem para outras paragens. Em 1876 construiu um hotel nessa propriedade, pois a chegada de pessoas tinha aumentado, com a corrida ao ouro nas montanhas de Black Hills.
Um conhecido descreve-o como tendo um grande rebanho de vacas leiteiras, grandes e boas pastagens, abastecidas de água por um desvio de um rio que passava próximo.

Em 1878 vendeu o seu “rancho” e mudou-se para a cidade de Cheyenne. Aí permaneceu até à sua morte, em 18 de Novembro de 1883, onde está enterrado no Cemitério Lakeview.
Hattie Phillips morreu em 1936 em Los Angels, num lar de idosos com a idade de 94 anos.


Um pormenor importante, durante uma sua visita a Milwaukee em 1876, o Português Phillips assistiu a um desfile em homenagem ao general Grant, que estava a concorrer à presidência dos USA. O general, ao ver o Português Phillips no meio da multidão, parou o desfile e insistiu para que viajasse com ele na sua carruagem.
Embora de origem humilde e não especialmente bem sucedido na vida, Phillips era uma figura nacional, e ainda hoje continua a ser um símbolo de coragem e devoção ao dever.

Também visitámos o John "Português" Phillips Monumento, localizado fora do Fort Phil Kearny em Wyoming,  que como o Fort Phil Kearny é um Marco Histórico de Registo Nacional.

Tony Borie, 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12884: Bom ou mau tempo na bolanha (49): Tira-me o retrato (Tony Borié)