Diorama de Guileje > 2008 > A casota do gerador Lister: miniatura, da autoria de Nuno Rubim, destinada ao Núcleo Museológico de Guileje, Guileje, região de Tombali, Guiné-Bissau
Fotos (e legenda): © Nuno Rubim (2008). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Um gerador de marca Lister, parecido com o que deveria existir em Guileje.
Imagem retirada da Net: Nuno Rubim (2007)
1. Mensagem de Manfred Stoppok (foto à esquerda), antropólogo social, investigador de pós-doutoramento, da Universidade de Bayreuth, Alemanha
Data - 26 de setembro de 2022, 16:44
Assunto - A electrificação e os militares na Guiné-Bissau nos anos 1960
Exmos Senhores,
O meu nome é Manfred Stoppok, sou investigador pós-doc na Universidade de Bayreuth, Alemanha.
O meu nome é Manfred Stoppok, sou investigador pós-doc na Universidade de Bayreuth, Alemanha.
Já fui várias vezes à Guiné-Bissau, e neste momento faço um estudo sobre a história da eletricidade no país.
Eu descobri nos arquivos históricos ultramarinos em Lisboa que, durante a guerra de 1961/74, uma grande parte da capacidade de produção de eletricidade estava nas mãos das forças armadas portuguesas: dos 59 lugares com geradores fora de Bissau, 47 tinham somente um gerador nas mãos das forças armadas, e somente 19 tinham uma distribuição civil.
Em termos da capacidade de produção, ambas, a administração civil e as forças armadas, tinham cerca de 1 MW cada um no total.
Este aspeto é provavelmente uma coisa muito especial no desenvolvimento do sector de energia. Neste sentido, tenho algumas perguntas, na resposta às quais os senhores talvez me possam ajudar.
(i) Os geradores dos militares forneciam eletricidade em geral somente para os quartéis – para uso próprio – ou também forneciam eletricidade para as unidades administrativas, escolas, hospitais, etc.? Ou até mesmo para alguns particulares ou comerciantes?
(ii) Ou havia uma iluminação pública das ruas naqueles lugares? Em pelo menos alguns casos isso acontecia, havia eletricidade para a administração, mas eu não sei se isso era a regra ou a exceção.
Eu descobri nos arquivos históricos ultramarinos em Lisboa que, durante a guerra de 1961/74, uma grande parte da capacidade de produção de eletricidade estava nas mãos das forças armadas portuguesas: dos 59 lugares com geradores fora de Bissau, 47 tinham somente um gerador nas mãos das forças armadas, e somente 19 tinham uma distribuição civil.
Em termos da capacidade de produção, ambas, a administração civil e as forças armadas, tinham cerca de 1 MW cada um no total.
Este aspeto é provavelmente uma coisa muito especial no desenvolvimento do sector de energia. Neste sentido, tenho algumas perguntas, na resposta às quais os senhores talvez me possam ajudar.
(i) Os geradores dos militares forneciam eletricidade em geral somente para os quartéis – para uso próprio – ou também forneciam eletricidade para as unidades administrativas, escolas, hospitais, etc.? Ou até mesmo para alguns particulares ou comerciantes?
(ii) Ou havia uma iluminação pública das ruas naqueles lugares? Em pelo menos alguns casos isso acontecia, havia eletricidade para a administração, mas eu não sei se isso era a regra ou a exceção.
(iii) E, bem interessante para mim, o que é aconteceu com os geradores militares na hora da independência da Guiné-Bissau? O mais provável é que os geradores tenham sido levados para Portugal, o que significou a perda de quase 50% da capacidade de produção fora do capital Bissau. Ou será que estes equipamentos ficaram na Guiné?
Eu agradecia muito se os senhores puderem e quiserem partilhar as suas experiências comigo ou então indicar-me onde posso encontrar documentação sobre estas coisas.
Eu também estarei em Lisboa por duas ocasiões nos próximos meses – no final do outubro de 2022 e no início de fevereiro de 2023 – e teria muito gosto em ter um encontro pessoal com quem quiser partilhar as suas informações e memórias relativamente a este assunto,
Com os melhores cumprimentos
Dr. Manfred Stoppok
[Revisão e fixação de texto, negritos: L.G.]
Manfred Stoppok | Post-Doc Researcher
f: funded by Fritz Thyssen Foundation
a: University of Bayreuth – Social Anthropology
e: manfred.stoppok@uni-bayreuth.de
w: www.history-electrification.com
Capa do livro "A Engenharia Militar na Guiné: o Batalhão de Engenharia". Coordenação do Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar. Lisboa: Direção de Infra-estruturas do Exército, 2014, 166 pp.
Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): José Nunes (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. Comentário do editor LG:
Meu caro Manfred: vamos tentar ajudá-lo (*). Obrigado pelo seu contacto. Procurei melhorar a sua mensagem em português. Mas não temos, à partida, grande informação (e muito menos conhecimento) sobre a eletrificação da Guiné-Bissau no nosso tempo (1961/74). E falta-nos, enquanto antigos combatentes, uma visão geral sobre a situação da eletrificação do território...
Nos quartéis, havia pelo menos um gerador (nalguns casos, haveria um sobresselente para suprir avarias) que funcionava preferencialmente à noite. Nunca ou raramente estavam a operar 24 horas por dia. Fez-se um esforço por eletrificar todos os aquartelamentos localizados em povoações importantes. E isso competia à engenharia militar (BENG 447).
Havia quartéis maiores do que outros, e alguns estavam implantados nas próprias povoações, sendo natural que contribuissem para a ilumição pública fora do perímetro do arame farpado, nas proximidaxes da porta de armas e na rua principal da localidade (caso de Bambadinca, Teixeira Pinto, Nova Lamego, Farim, Catió...).
Em localidades como Bambadinca (onde eu estive, de julho de 1969 a março de 1971, e que teria, na altura 2 mil habitantes, e cerca de 400 militares), e que era um posto administrativo fazendo parte do município de Bafatá (a segunda maior cidade do território, a 30 quilómetros, a nordeste), o perímetro militar integrava as instalações e a casa do chefe de posto, a escola (com a casa da professora, cabo-verdiana), bem como uma capela cristã... O edifício dos correios, se bem recordo, já ficava fora... As casas comerciais estendiam-se ao longo de uma rua de trezentos metros que era ilumianada, tanto quanto me lembro... O resto (duas tabancas) ficava às escuras... O gerador militar também fornecia luz ao posto de intendência no porto fluvial, na margem esquerda do rio Geba Estreito, a escssas centenas do aquartelamento, sede de um batalhão (BCAÇ 2852 e depois BART 2917)...
Os frigoríficos (tanto dos comerciantes civis como os da tropa, e de um ou outro particular) eram alimentados a petróleo. E alguns de nós, graduados, tinham também pequenos frigoríficos, nos quartos para manter frescas as bebidas como a cerveja... (Um luxo, a cerveja gelada, o gelo para o uísque, a água de Vichy e de Perrier...).
Por outro lado, temos ainda a memória do cinema ambulante, que passava, mesmo no tempo da guerra, por algumas povoações mais importantes do leste da Guiné. E havia localidades que tinham sala de cinema (Bafatá, Teixeira Pinto, Nova Lamego...).
É importante que fale com os nossos camaradas do BENG 447, o Batalhão de Engenharia nº 447, que estava sediado em Brá, Bissau, e era responsável também pela construção e eletrificação das instalações militares no mato.
Fica aqui o seu apelo. Vamos ver se aparece informação relevante para si e o seu projeto sobre a história da electricificação da Guiné, terra a que nos ligam fortes laços afetivos e muitas memórias (boas e más). Vejo que fala e/ou escreve português. Isso facilita os contactos. Boa sorte, boa saúde, bom trabalho. LG
PS1 - Temos ideia que houve, no tempo do governador Sarmento Rodrigues (1945/49) e depois do general António Spínola (1968/73), uma melhoria da eletrificação do território. Mas não temos informação detalhada. Por outro lado, Bissau estava muito melhor iluminada, à noite, antes da independência do que depois. Em 2008, quando lá voltei, a cidade vivia às escuras. Fale também com o nosso camarada Mário Beja Santos, que é um enciclopédico estudioso da história da presença portuguesa no território, bem como o nosso camarada Patrício Ribeiro, fundador e diretor da empresa, com sede em Bissau, Impar Lda, do sector de energia. Dar-lhe-ei depois os contactos,
PS2 - O nosso José Nunes (José Silvério Correia Nunes), ex-1º Cabo Mecânico de Eletricidade no BENG 447 (Brá, 15Jan68 - 15Jan70) esteve na Central Elétrica do Quartel General, em Bissau. Tem, por certo, conhecimento da matéria. (Vd. o precioso poste P2470, de 22 de janeiro de 2008 " (**)
___________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 25 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23459: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (95): PSP / 7ª Companhia Móvel de Polícia: selecção de fotos da visita a Bissau, de Américo Tomás (em 2/2/1968) e de Marcelo Caetano (em 14/4/1969) (Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)
(*) Último poste da série > 25 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23459: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (95): PSP / 7ª Companhia Móvel de Polícia: selecção de fotos da visita a Bissau, de Américo Tomás (em 2/2/1968) e de Marcelo Caetano (em 14/4/1969) (Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)
(...) Estive na Guiné de 15 de Janeiro de 1968 a 15 Janeiro de 1970. Fiz assistências e electrificações em aquartelamentos, Porto Gole, Enxalé, Ponta do Inglés, Bolama, Bissum-Naga.
Acerca dos manuais que o Camarada Coronel NUno Rubim precisa, deve ser difícil pois nunca os vi em 2 anos e um dia de Comissão, nem na escola Militar tivemos acesso a eles.
Os grupos geradores mais utilizados eram: 500/250 KVA, 150, 50/47,5 KVA.
No Quartel General (QG), na Central nova, havia dois Dorman de 250 KVA, com 6 cilindros, refrigeração a água por radiador e, um grupo gerador de emergência Lister de 75 KVA.
Na Central velha, existia operacional um Deutz de 12 cilindros em V, refrigerado a ar e um Lister de 50 KVA.
Na Engenharia [ BENG 447] e no Hospital Militar estavam os grupos geradores maiores.
No mato, normalmente, encontravam-se geradores com potências de 50, 20 e 7,5 KVA.
As marcas Stanford e Frapil para pequenas potências até 20 KVA. As motorizações eram diversas: Dorman, Deutez, Lister e EFI produção nacional.
Em Porto Gole havia um Lister de 47,5/50 KVA, na Ponta do Inglês havia um Gerador de 20 KVA que lá fui levar com um operador de Motores Fixos [ e que se avariou, obrigando o pessoal a recorrer à iluminação a petróleo com garrafas de cerevja] .
Ajudei a transferir o grupo gerador, na lama, da LDP (Lancha de Desmbarque Pequena) para cima do Unimog, a descarregar no local e a fazer ligações de potência.
Por azar, o meu camarada inverteu a polarização na excitação e o gerador ficou inoperacional.
Tive de me pirar porque fui lá desenfiado só para ajudar e para ver se o Operador vinha no mesmo dia para Bissau, mas ficaram sem iluminação e o Engenheiro ficou lá até ao próximo transporte, regressando eu a Porto Gole onde levei uma valente piçada.
Ponta do Inglês [destacamento do Xime, na foz do rio Corubal], iluminação? A bazucas [garrafas de cerveja, de 0,6 l] cheias de petróleo penduradas no arame farpado.
Ponta do Inglês [destacamento do Xime, na foz do rio Corubal], iluminação? A bazucas [garrafas de cerveja, de 0,6 l] cheias de petróleo penduradas no arame farpado.
A iluminação nos aquartelamentos era feito com cibes [ rachas de troncos de palmeira] a fazer de postes, linhas de cobre nú de 2,5 mm2, circuito fechado em anel, lâmpadas Philips 150 Watts spot.
Os quadros eléctricos eram em baquelite, equipados com fusíveis ou disjuntores quando os havia.
Não havia uniformização nos geradores, tal como muita coisa era comprada ao sabor de quem dava melhor percentagem, mas a maioria dos aquartelamentos tinha geradores de 7,5 ou 20 KVA. (...)
Não havia uniformização nos geradores, tal como muita coisa era comprada ao sabor de quem dava melhor percentagem, mas a maioria dos aquartelamentos tinha geradores de 7,5 ou 20 KVA. (...)
26 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4867: Memória dos lugares (35): Porto Gole, Março/Abril de 1968, CART 1661 (José Nunes, ex-1º Cabo, BENG 447, Brá, 1968/70)