Capa do livro de poesia, K3, de Nuno Dempster (Lisboa: &etc, 2011, 63 pp). Sinopse: "Nuno Dempster (autor de Londres, ed. & etc) revisita o Horror. Felizmente para elas, as jovens gerações (também de poetas) desconhecem esse Horror que foi, para quem o sofreu nos ossos e no que houvesse de alma, a Guerra Colonial. Algures na Guiné e algures num quartel subterrâneo: o K 3. Nossa palavra: não conhecemos, na literatura sobre o tema, tão fundo, tão magistral testemunho desse Horror. Elegia, catarse, contrição, K 3 combate o esquecimento".
Um excerto do belíssimo longo poema K3 que se lê de um fôlego...
Fotos: © Nuno Dempster (2011). (Com a devida vénia...)
Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (1973/74) > Canjadude, a Ilha dos Amores. Ou: os tugas e a psico... E no meio, uma bajuda fula, linda de morrer, objecto de desejo... Sob o olhar vigilante da mamã, e rodeada dos manos mais pequenos... Repare-se como os tugas, passada a primeira surpresa da exposição ao nu étnico, se apoderaram rapidamente do termo psico e deram-lhe uma outra conotação... mais épica, mais erótica, mais camoniana...
Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados
O Nuno tem três livros de poesia publicados: Londers, Dispersão, K3. É engenheiro técnico agrícola (trabalhou em cooperativas, é hoje empresário). Nasceu em São Miguel, Açores (donde é originária a família paterna, enquanto a família materna é de Amarante). Vive em Viseu. E vem pedir para se sentar sob o poilão da nossa Tabanca Grande.
Caro Luis Graça:
Além de eu ter estado também na Guiné, em [1967-69], na CCaç 1792 / BCAÇ 1933 (no K3 durante seis meses, ainda o aquartelamento era semi-subterrâneo, e depois em Mampatá, Colibuia e Quebo), julgo termos algo mais em comum. Uma amiga minha, que está a doutorar-se com uma tese sobre a obra do meu avô paterno Armando Côrtes-Rodrigues [1891-1971], de S. Miguel, Açores, onde também nasci, disse-me que tinha notícia de que Luis Graça (que pode ser outra pessoa) recebera das mãos do meu avô dois livros da sua autoria quando da partida para a Guiné.
Se assim for é uma razão acrescida para o que aqui me trouxe. Se for outra pessoa, o objectivo permanece intacto, que é o de solicitar-lhe que me envie uma direcção para lhe oferecer o meu livro K3, constituído por um só poema, em que abordo a minha experiência da guerra em que estivemos.
O livro foi publicado pela &etc, uma editora de referência em poesia, caso a não conheça já. Estará disponível a partir do próximo dia 3 nas livrarias do país, incluindo as da cadeia da FNAC e da Bertrand. Julgo que também será do interesse dos nossos camaradas que escrevem no seu blogue.
O motivo deste email não é material, pois já recebi o que tinha a receber, em livros, que entretanto vão já chegando ao fim, nenhum vendido, só oferecidos. Por outro lado, a editora não faz mais edições que a primeira de cada obra. Quero com isto significar que o meu interesse é partilhar com os meus camaradas de guerra a minha experiência e esperar que seja um testemunho da guerra colonial, de resto até hoje único em livro de poesia, sobre o nosso sacrifício, que o foi para muitos de nós.
Se, caso aceitar receber o livro e depois de o ler, achar pertinente a sua divulgação no blogue, ficar-lhe-ei agradecido. Gostaria entretanto que me confirmasse por favor se é a mesma pessoa que refiro acima.
Mando a imagem da capa do livro em anexo, cuja ilustração é da autoria da pintora Maria João Fernandes. De algum modo já aponta o que está nas páginas. Envio igualmente um link sobre a editora, no caso de o Luis Graça a não conhecer.
http://bibliotecariodebabel.com/blogosfera/eles-etc/
Com os meus cumprimentos e na expectativa de uma resposta,
Nuno Dempster
2. Resposta de L.G., com data de 3 do corrente:
Nuno: Antes de mais os meus parabéns pela coragem de editar um livro de poesia sobre a experiência da guerra da Guiné. E em segundo lugar pelo teu gesto, "camarigo", de me mandares um exemplar do teu livro (e já agora com uma dedicatória, autografada, a todos os membros, que já vão a caminho dos 500, do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).
Tomo a liberdade de te tratar por tu por termos, para além da geração, mais duas coisas em comum: a Guiné e a poesia. Infelizmente não conheci o teu avô, a não ser de nome. Há mais pessoas com o nome Luís Graça, na nossa praça: o Luís Graça, obstetra e ginecologista, director do departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Santa Maria, e meu colega da Faculdade de Medicina; o Luís Graça, escritor, jornalista, cronista, crítico literário, também bloguista (que não conheço pessoalmente)...
Aqui tens o meu endereço: Prof Dr Luís Graça, Gabinete 3A 42, Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, 1600-560 Lisboa
Telefone (gabinete): 21 751 21 93 / telemóvel: 93 141 5277.
Tomei boa nota do teu blogue, que prometo revisitar com mais atenção. Gostaria de ter o teu nome na lista alfabética dos membros do nosso blogue. Votos de bom sucesso para o teu livro e a tua poesia... Logo que receba um exemplar, farei a devida rencensão... e divulgação.
Um Alfa Bravo (ABraço)
Luis Graça
PS - Infelizmente ainda não temos ninguém da tua antiga companhia... Mas há referências, no nosso blogue, ao teu batalhão.
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%87%201933
Telefone (gabinete): 21 751 21 93 / telemóvel: 93 141 5277.
Tomei boa nota do teu blogue, que prometo revisitar com mais atenção. Gostaria de ter o teu nome na lista alfabética dos membros do nosso blogue. Votos de bom sucesso para o teu livro e a tua poesia... Logo que receba um exemplar, farei a devida rencensão... e divulgação.
Um Alfa Bravo (ABraço)
Luis Graça
PS - Infelizmente ainda não temos ninguém da tua antiga companhia... Mas há referências, no nosso blogue, ao teu batalhão.
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%87%201933
Obrigado, Luis. A divulgação do livro entre os meus camaradas da infortunada guerra em que estivemos era o que eu mais desejava dele. Em muita coisa se hão-de rever, embora, forçosamente, a posição não seja em todos próxima da expressa no livro. O certo é que alguém nos deve esse tremendo sacrifício. O meu modo de receber esse crédito incobrável foi escrever o poema de que te dou no link abaixo uma das primeiras manifestações públicas, sendo embora do meu editor, Vitor Silva Tavares, que nunca vi expressar-se assim. De resto, deve ser raríssimo nele publicamente. É um jovem de 73 anos, vertical nas suas posições, com quem é muito grato estar a conversar e mais ainda a escutá-lo. É um homem mais que conhecido no meio, além de estimado e respeitado, de grande prestígio e também temido por não ter papas na língua. Enfim, um homem sério de que este país deveria orgulhar-se, através dos seus governos, coisa impensável, sei-o bem.
http://editoraetc.blogspot.com/2011/01/k3.html
Acho óptimo tutearmo-nos. Afinal era assim que nos trataríamos, se nos encontrássemos no tempo comum a ambos na Guiné.
Há uma referência à CCaç 1792 no teu / nosso blogue, que em boa hora descobri quando da busca de dados esquecidos sobre a Guiné, isto desde Março de 2010. Tenho-o nos meus favoritos, e continuo a visitá-lo com regular frequência. Vou hoje pô-lo nos meus links. Essa referência refere-se à importância do cabo mecânico, com quem me dava. Mais que a dele, porém, era a do furriel Ferreira. Era ele que desenrascava tudo, orientando a secção com inimaginável competência e inventividade. Morreu há uma dúzia de anos ou mais com uma cirrose alcoólica. Não se aguentou. Éramos amigos de petiscos e cervejão, e também de uma sortida a Bissau para calar, num corpo alugado, o nosso vigor de jovens.
Tenho muita honra em que conste o meu nome entre os quinhentos camaradas. O outro Luís Graça deve ser último que citaste.
O livro deve estar a manhã na direcção dada, segue hoje por correio verde, que tem a prioridade do azul. Ainda bem que me lembraste da dedicatória colectiva, pois seguiria apenas com o teu nome. Assim vai melhor, devo e julgo que todos devemos muito uns aos outros
Um Alfa Bravo, lembro-me bem, do grato
Nuno Dempster
P.S. Não tenho nem uma foto desse tempo, nem sequer minha, e tive muitas, que o cabo Simões tirava, com que juntou 400 contos no fim da comissão, o que daria para comprar 8 carros novos como o meu primeiro (um Fiat 850 http://www.netcarshow.com/fiat/1968-850_special/800x600/wallpaper_01.htm). Perdi-as nos trambolhões que a vida muitas vezes dá.
4. Segundo mail do L.G.:
Nuno: Posso, desde já tratar-te como "camarigo", um neologismo, nosso, que quer dizer camarada e amigo... Fico à espera do teu livro para fazer a devida apresentação, da obra e do autor... Confirma: afinal és da CCAÇ 1792 ("Os Lenços Azuis) e não da CCAÇ 1972 (como consta do teu 1º mail)... É isso ? Um abraço. Luís
5. Resposta do Nuno:
Data: 3 de Fevereiro de 2011 20:11
Assunto: Re: Ainda o k3 (precisando dados)
Camarigo, então. É a [CCAÇ] 1792, a dos lenços azuis, sim, e no blogue fala-se da coluna que trouxe os três obuses, que o poema, perto do final cita, sem pormenores. Demorou dois dias.
Recordei, no link que enviaste, o capitão Rei, de carreira, que teve a ideia dos lenços e que substituiu o capitão miliciano, cujo nome já não recordo, um homem lúcido, vítima de um fornilho, na estrada de Farim, uma das passagens mais intensas do poema [, Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques]. Isso sucedeu dentro dos seis primeiros meses do início, quando estávamos no K3. Até sairmos de lá, o aquartelamento ficou entregue ao alferes miliciano, segundo comandante, bem como em Mampatá e Colibuia, penso. O Cap [Art Riacrdo António Tavares Antunes] Rei chegou já no tempo de Quebo.
Errei nos anos em que estive na Guiné, foram os de 1967-69, e não os de 1968-1970, infelizmente o que pus na dedicatória do livro, que já seguiu. De qualquer modo fica aqui a rectificação para eventual emenda. Em 1970 casei-me eu, em Março, e os meus três filhos nasceram quase sem descanso da mãe e foram feitos de propósito. Era o baby boom do fim da minha guerra.
Pouco tempo antes de partir para Bissau, para prepararmos a peluda, é que veio aquela tropa toda para Quebo (Aldeia Formosa, que de formoso nada tinha), com o pouco gramado Major Azeredo, braço do Spínola. Ainda me lembro do ar desasado dos periquitos da CCaç 2382 que nos rendeu. Metiam verdadeira pena.
Faltou-me dizer que o livro, que é barato (12 €), vi agora o preço, já está anunciado em algumas livrarias online, nomeadamente a Wook.
Não tenho foto do tempo da guerra, como disse, mas tenho uma mais ou menos recente, que é pública.
Alfa Bravo,
Nuno
6. Comentário de L.G.:
Nuno, estás apresentadíssimo. És bem vindo à nossa Tabanca Grande. Já falámos duas ou três vezes ao telefone. Teremos seguramente de nos conhecermos ao vivo, em carne e osso, um dia destes. Até lá, convido os nossos amigos, camaradas e camarigos da Guiné a ler, de um trago (como eu fiz), esta litania de seis dezenas de páginas, onde o poeta revisita, em viagem dorida e dolorosa, mas sempre alucinante, como se fora uma via sacra, os lugares onde sofreu e viu sofrer, matar e matar, do K3 ao Quebo... K3 é o poema que todos escrevemos, com sangue, suor e lágrimas.
Tudo começa estes três versos, com a evocação do alto navio negro que levou para a guerra (p. 7):
Que sabia eu do cais de Alcântara
que não tivesse lido
em romances de guerra ? (---)
Um poste com notas de leitura deste livvro será publicado oportunamente.
______________
Nota de L.G.:
Último poste desta série > 8 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7745: Tabanca Grande (265): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/72)