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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)

Foto 1 > Lindo pôr-do-sol no Chão Felupe

Recebemos do nosso camarada Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), o seu terceiro trabalho sobre os Felupes.


Chão Felupe - Parte III:

Os Felupes são essencialmente agricultores, contrariando a ideia pré-concebida de serem apenas ferozes guerreiros, dedicando-se também à pecuária e à pesca o que os levou a preferir viver entre o Casamance e o Cacheu, região com maior pluviosidade, óptima para a lavoura e capim para o gado.

Dedicam-se principalmente à cultura do arroz. Geralmente são os homens que preparam os campos para o plantio, enquanto as mulheres plantam, transplantam, semeiam e colhem o arroz!!!

E os homens? Esses ajudam na sementeira e na colheita.

Durante a época seca os homens dedicam-se a reparar as moranças, a caçar (com arco e flecha e, para caça mais grossa azagaias), fazer ou reparar ferramentas para a agricultura, cintas para a subida às palmeiras e colher vinho de palma. Devo acrescentar que não me recordo de alguma vez ter algum elemento, quer da população, quer do Pel Caç Nat 60, referido a utilização de qualquer tipo de veneno. Pelo menos nas vezes que com eles partilhei refeições de mato não senti qualquer efeito. E provei algumas iguarias.

Para qualquer Felupe que se preze é vergonhoso não ter que fazer na época seca (Outubro a Março) que não seja fumar o seu cachimbo e beber vinho de palma, pelo que a caça representa uma fuga.

Mas o espírito guerreiro não se perdeu. Embora não tenha nunca conseguido confirmar, foi relatado que, anteriormente à nossa guerra, se defrontavam as tabancas de Bolor e Jufunco, num confronto destinado a saber quem guardaria uma âncora (?) que já vinha do Séc XIX, talvez que o Pepito tenha alguma informação sobre o assunto, de uma luta antiga com os portugueses (Desastre de Bolor - 1879?). É bom não esquecer que os Felupes de Jufunco (Djufunco) se revoltaram, igualmente, em 1905 e 1933 e que os de Suzana o fizeram em 1934 e 1935.



Foto 2> Felupes lutando

Durante a minha estadia e no final da época seca realizava-se um torneio destinado a escolher o melhor lutador. A luta era uma espécie de luta greco-romana, mas com regras muito particulares. Como acontece em muitos lugares do mundo, particularmente aqui, os jovens são o orgulho das suas aldeias, pelo que o apoio destas ao seu lutador é total.

O vencedor é determinado por eliminação sucessiva nos combates e passa a disfrutar de enorme prestígio perante todas as aldeias, situação que se mantém até ao próximo torneio.


Foto 3 > Luta entre Felupes

Do que me apercebi a prosperidade dos Felupes pode ser medida de três formas: número de filhos, número de vacas e quantidade de arroz guardado.

Para esta etnia é preferível comer só arroz, a ter que matar um animal. Mais, preferem (preferiam) uma alimentação mais reduzida ou mesmo pedir ajuda à tropa a terem que reduzir o seu stock de arroz.

O que me impressionou foi o não haver, entre eles, pobres, na acepção exacta da palavra, uma vez que dividem entre si o que possuem. Os parentes, de outra tabanca, são um último recurso.

Por falar em alimentação a sua dieta consiste, na base, em arroz, mandioca e peixe (e que óptimo peixe eles podem comer, em variedade e qualidade). Os alimentos são geralmente cozidos e, em ocasiões especiais, fritos.

A carne de animais de criação (suínos, bovinos, caprinos e galináceos) só é usada quando existe uma recepção a visitantes que mereçam consideração ou quando houver prática de cultos religiosos.

Foto 4 > Mercado Felupe

Por norma alimentam-se da mesma tigela, colocada no chão e no centro da divisão. Os homens podem usar colher enquanto as mulheres e as crianças usam, com extrema perícia, as mãos. A esquerda funciona como prato e a direita serve para pegar o arroz e levar os alimentos à boca.

O Rei come isoladamente, longe do olhar de qualquer súbdito, sentado no seu trono (um banco baixo que mais ninguém pode utilizar sob pena capital).

A vida, acima de tudo, a palavra como garantia (e nós tivemos prova disso), o desapego a futilidades são a sua forma de estar e de ser.

Os mercados são, ou eram, de troca directa, produto por produto, o dinheiro não tem, ou não tinha, qualquer interesse. Uma galinha valia um cesto de mandioca ou duas cabaças de vinho de palma.

O seu ritmo de vida era marcado pelo nascer ou pôr do Sol, também para eles o astro-rei.

E por hoje já chega.
Kassumai

Texto e fotos: © Luiz Fonseca (2007). Direitos reservados)

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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post de 31 de Agosto de 2007 sobre os Felupes e seus costumes> Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luiz Fonseca)

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)

1. Mensagem do dia 26 de Agosto, do nosso camarada Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73):

Caríssimos Editores:

Depois de alguns dias de pausa, para recarregar baterias, para as bandas de Viana do Castelo, aproveitando as festas da Senhora da Agonia, retomo as minhas notas de viagem pelo noroeste da Guiné.

Reconheço ser um defeito meu perder-me na escrita e, quando acordo, já ela vai longa e fastidiosa.

Vou tentar ser o mais conciso possível, solicitando no entanto à edição que, se achar necessário, proceda aos respectivos arranjos.

Li com redobrada atenção a mensagem do Marques Lopes e a seu tempo creio poder dar algumas dicas sobre o assunto em questão (petróleo).

Por hoje não acrescento mais nada.
Kassumai

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Tms
CCAV 3366

Guiné > Região do Cacheu > Susana > Vista aérea do Aquartelamento

Foto: © Major J.Mateus (BCAV 3846) (2007). Direitos reservados


Chão Felupe Parte II - Falemos de religião (1)

Os Felupes são (eram) na sua enorme maioria animistas, tal como outras etnias não convertidas (nem ao islamismo nem ao cristianismo), devendo referir-se que a população felupe representa apenas cerca de 2% do total da população da Guiné Bissau.

Animismo, segundo os livros, designa práticas mágico-religiosas essencialmente domésticas, em que cada família venera e/ou é protegida pelos seus antepassados, acreditando também que todos os elementos da natureza possuem um espírito. Espíritos esses que podem inspirar medos, podem possuir poderes (para o bem e para o mal), podem exigir adoração com sacrifícios rituais.

Os Felupes acreditam na existência de um Ser criador ( Emitai) que mora algures no céu, distante da vida diária das pessoas e dos seus problemas.

Em tempos de crise ou qualquer desastre natural, por exemplo, a seca, os Felupes dizem que a sua origem está no Emitai e por isso essas situações são aceites sem reservas pela população.

Embora não tenha assistido e creio que muito dificilmente qualquer um, que não Felupe, o tenha feito, foi-me feita referência à prática de feitiçaria negra, advinhação, consulta de antepassados e, essa verificada, curandeirismo.

Fomos, por exemplo, avisados para que, nas nossas andanças de tiros aos pássaros, ter o cuidado de não abater o anadaboró (penso ser essa a designação felupe), ave creio que da família das garças, desinteressante, de cor acinzentada, porque quem o matasse, libertava o espirito do mal e teria que morrer para que esse espírito recolhesse. Tanto quanto me recordo não houve diminuição da espécie em causa.

Se algo de mau acontece, tal facto é culpa dos feiticeiros, que deveriam ter usado os seus poderes e poções mágicas para evitar a revolta dos seres da natureza. Para apaziguar os bakinabu (espíritos) irados, usam sacrifícios de animais, ofertas de vinho de palma ou outras cerimónias, normalmente restritas.

Outras práticas são o uso de amuletos, talismãs, encantos, maldições.

Em quase todas as tabancas, moranças e matas se podem encontrar altares erguidos aos espíritos, que representam locais onde se pode pedir protecção, proibição, benção, busca de resolução, quebra de maldição ou mesmo feitiçaria negra contra alguém, conforme a causa e o pedido.

As mulheres, de enorme importância na organização social Felupe, têm os seus próprios espíritos e talismãs.

Acrescente-se, para terminar, que os que moram a norte do Casamance se dizem muçulmanos embora tenham práticas animistas.

Luiz Fonseca

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Nota do co-editor CV

(1) Vd. post de 15 de Agosto de 2007 sobre os Felupes e seus costumes> Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > Iale > 2004 > Festa da saída da Cerimónia de Circuncisão (fanado, em crioulo) da etnia Felupe em Iale.

Conforme o prometido, aqui está o novo trabalho do nosso camarada Luiz Fonseca, ex-Fur Mil de Transmissões (CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela), sobre os Felupes e seus costumes.

Meu caro Luis Graça:

Depois do que li na mensagem recebida, devo dizer que me foi atribuída uma missão de enorme responsabilidade.

As notas tomadas ao longo de um período de tempo, cerca de dois anos, não poderão comparar-se com o conhecimento de alguém que sentiu e viveu o pulsar daquelas gentes. Refiro-me com todo o respeito e admiração ao Dr. Artur Augusto da Silva [, pai do nosso amigo Pepito].

Já agora vou tentar obter o livro Usos e costumes jurídicos dos Felupes da Guiné, da sua autoria. Certamente que, com a sua leitura, os meus parcos conhecimentos ficarão deveras enriquecidos, podendo igualmente desfazer algumas das minhas (ainda muitas) dúvidas.

Mas uma vez que fui eu quem abriu o jogo e não renegando as dificuldades, tentarei que algo de proveitoso possa merecer a vossa atenção.

E agora, se autorizado, vamos ao que aqui me trouxe: CHÃO FELUPE.




Guiné> Chão Felupe> Padrão

Não sei se o Pepito sabe, também, da existência de um marco que refere o local da primeira (?) casa felupe. Situa-se no caminho entre Suzana e o chamado porto novo (Rio Defename) onde embarcavam e desembarcavam as NT, depois de abandonado o porto velho por apresentar grandes dificuldades, no canal, com as marés.

Deixem-me dar nota que, quando soube do destino da minha unidade, ainda nas Transmissões (QG) onde passei alguns dias, me foi dito que a zona era relativamente calma mas com uma população meio esquisita. Mais ponto menos ponto o que o Carlos Fortunato transmite nas suas postagens.

O tempo viria a desmentir algumas, confirmar outras e acrescentar mais umas quantas.

É evidente que para um pira com penugem rala num mundo que não era o seu, com aquelas informações os receios aumentaram. De um IN atrás de cada árvore, passei a ter um IN mais um Felupe, não sabendo qual o que representaria maior perigo.

Tal deixaria de ocorrer passado algum tempo após a chegada a Suzana.

A minha primeira impressão foi a de ter chegado a um local que não fazia a mínima ideia de ainda existir, Bissau embora uma cidade pequena, tinha os seus subúrbios onde se deparavam algumas cenas pouco ortodoxas, na visão de um europeu. Todavia o que se me oferecia ver ultrapassava tudo o que seria expectável. Indumentária (?), dialecto (?,) homens com arco e flecha (?) os camaradas da 2538 (do capitão Rey Vilar, na altura já do Alf Mil Borlido) tinham inteira razão em terem adoptado "Os Alterados" como nome de guerra.

Uma das nossas grandes dificuldades era a língua, pois era sempre necessário um interprete, com os inconvenientes de uma tradução para creoulo e depois para português.

O dialecto Felupe, que acabou por dar ao povo que o fala o seu nome, é um dos dialectos djola falado na Guiné, sendo o outro o bayote, o djola é uma das vinte e quatro línguas diferentes faladas entre o rio Gâmbia e o baixo Casamance, integradas segundo creio no grupo guineo-senegalês.

Mas algo saltava à vista, mais notório depois do período de sobreposição que terminou a 31 de Maio de 1971.




Guiné> Chão Felupe> Vencedor de uma luta

Para os Felupes havia duas guerras.

Uma com os senegaleses que insistiam em roubar vinho de cobiçar as badjudas.

A outra com qualquer intromissão no seu conceito de território fosse de quem fosse.

As NT serviam de polícia de uma fronteira que para eles nunca existiu, nunca se importando com a assinatura do Tratado de Berlim (1886), que politicamente os dividiu. Os trilhos existiam, as trocas comerciais faziam-se, existiam famílias que, dentro do espirito felupe, trabalhavam terras do lado de lá quando era necessário e as suas próprias butondas (bolanhas) na Guiné.

Aliás o arroz era a base da sua alimentação em face das condições propiciadas pelos terrenos alagadiços.

A nossa zona de acção (Suzana) estendia-se desde Colage até Varela, delimitada a Norte pela fronteira com o Senegal e a Sul pelo rio Cacheu, prolongando-se ambas, como é óbvio, até ao Atlântico.

Nesta área encontravam-se cerca de 20 povoações ou pequenos núcleos, alguns com menos de meia dúzia de moranças. Suzana, (nome de mulher) a mais populosa e sede da CCAV, Arame, Bugim, Ejatem, Cassolol, Cassolol Catétia, Cassolol Indiame, Caroai, Basseor, Sucujaque, Catões (Butame, Joninque, Cassica e Calenquim), Igim, Jufunco, Ossor, Bolor, Lala, Elia e Varela.

Pena que na excelente colecção de mapas, não exista o relativo à foz do Cacheu, abrangendo a Ponta de Jufunco e a Ponta de Bolor, e que englobaria alguns dos núcleos populacionais atrás referidos.

Organicamente a CCAV 3366, cedeu um GC para Antotinha (Ingoré) e outro para S. Domingos, quando esta povoação passou a ser considerada um alvo preferencial, face à sua localização na área de penetração para o chão manjaco (corredor de Campada), restando dois GC, um para Varela e outro para Suzana, que recebeu um reforço precioso em termos militares, o Pelotão 60 (Pel Caç Nat 60), constituído por elementos de etnia Felupe e que serviu para consolidar uma excelente relação com a população.

Roncos nos primeiros meses, apenas uma flagelação, 14 de Agosto, um óptimo sinal.

Aliás na mesma altura de rotação das NT, também o PAIGC fez rodar os seus homens na zona de M'Pack, Oussouye e Ziguinchor.

E por ora não me alongo mais. Da próxima, espero dizer algo sobre as suas crenças e a sua forma de trabalho.

Texto e fotos:
Luiz Fonseca
(ex-Fur Mil Tms 
CCAV 3366)
________________

Notas dos editores

(1) Vd. post de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)

(2) Vd. post de 24 Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCL: Preocupação com a situação humanitária em Susana e Varela (região do Cacheu) (Luís Graça)

(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

(4) Vd. a excelente página do Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes > Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes

(...) "Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas."Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento."Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo" (...)

(5) vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1942: Susana, chão Felupe (Luiz Fonseca, CCAV 3366, 71/73)

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2047: Tabanca Grande (32): José Luiz Soares da Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366

1. O nosso camarada Luiz Fonseca, em 11 de Julho, dirigia-se assim ao nosso Blogue:

As minhas melhores saudações

Uma vez mais, como quase todos os dias, visitei o sítio e verifiquei que algo me tocava.

Pertenci à penúltima Companhia sediada em Susana (CCAV 3366, Maio de 1971/Março de 1973) e foi com um misto de tristeza e melancolia que olhei para aquelas fotografias do Pepito (1).

Embora as notícias do noroeste da Guiné Bissau sejam escassas tenho tentado acompanhar com interesse o que por ali se passa e verifico que, passados quase três dezenas e meia de anos, se mantêm algumas (muitas) reservas para com os Felupes. Eu aprendi com eles uma série de conceitos que o passar dos anos levou a recortar e a confirmar.

Uma coisa é verdade, pelas fotos se verifica que embora abandonadas as instalações não foram destruídas incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira.

Pode ser que seja desta que me reuna ao pessoal da Tabanca Grande.

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Tms


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366

2. O Luiz Fonseca voltava a comunicar no dia 19 do mesmo mês:

As minhas melhores saudações.

Para contraste das fotos do Pepito, junto envio três documentos, de pouca qualidade, relativos ao aquartelamento.

Relativamente aos Felupes, agradeço a porta aberta e em breve farei chegar algumas notas para que se possam entender alguns mitos, por vezes negativos, e relativos aquela etnia.

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Tms
CCAV 3366


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > CCAV 3366

3. No mesmo dia o Editor Luís Graça dava resposta.

Luiz:

Muito obrigado. Ainda hoje falei, ao telefone, com o Pepito que está de férias, cá em Portugal, e ao mesmo tempo a angariar apoios para o Simpósio Internacional sobre o papel de Guileje na Luta pela Independência Nacional.

Ele tem uma enorme admiração pelos felupes. O pai dele é autor dum livro, etnográfico, sobre os felupes: Usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné / Artur Augusto da Silva. Ele acha que é a melhor etnia da Guiné, que os felupes são os mais puros, os mais autênticos, os mais leais, corroborando a tua opinião e partilhando o teu sentimento... E foram as grandes vítimas do esclavagismo. Eram caçados pelos mandingas... Em contrapartida, ele não sabia da espada estilizada dos felupes, no monumento junto ao pau da bandeira, no teu antigo aquartelamento... Os teus apontamentos serão bem vindos. Quando quiseres, manda. Temos tempo, mas não me esquecer.

Um grande abraço.
Boas férias.
Luís Graça.


4. No dia 23 de Julho, Luiz Fonseca voltava ao nosso contacto:

(...) Mas uma vez que fui eu quem abriu o jogo e não renegando as dificuldades, tentarei que algo de proveitoso possa merecer a vossa atenção. Parece-me, porém, que antes de começar, devo solicitar a entrada formal na Tabanca Grande e para tal faço uma breve apresentação:

José Luiz Soares da Fonseca, casado, 57 anos, vivo em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia), fui quadro da extinta Companhia Portuguesa do Cobre, SA (24 anos), sou formador nas áreas de Electrotecnia e Higiene e Segurança no Trabalho (Técnico Superior, de nível V).

Estive na Guiné de 9 de Abril de 1971 a 6 de Março de 1973, integrado na CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, como Fur Mil de Transmissões.

Não envio agora as fotos comprometendo-me a fazê-lo no mais curto espaço de tempo.

Luiz Fonseca
(ex-Fur Mil Trms CCAV 3366)


5. Comentário do co-editor CV:

A entrada do camarada Luiz Fonseca no nosso Blogue foi motivada pela sua paixão e conhecimento dos Felupes. A Tabanca Grande só tem a ganhar, pois é uma etnia da Guiné pouco conhecida, sobre a qual correm algumas ideias erradas que o Luiz Fonseca vai concerteza desmistificar.

Já cá temos algum trabalho dele para publicar com interesse histórico e está prometido mais para breve.

Iremos publicando para darmos a conhecer um chão que pisámos, mas que no fundo desconhecemos.

Ao nosso novo camarada damos as boas vindas.
___________

Nota de CV:

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1942: Susana, chão Felupe (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > Iale > 2004 > Festa da saída da Cerimónia de Circuncisão (fanado, em crioulo) da etnia Felupe em Iale.

Foto: © Guiné-Bissau, portal da AD - Acção para o Desenvolvimento (2007) (Com a devida vénia...).

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > "Uma coisa é verdade, pelas fotos (1) se verifica que, embora abandonadas, as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira" (LF).

Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)


1. Mensagem do Luiz Fonseca

As minhas melhores saudações:

Uma vez mais, como quase todos os dias, visitei o sítio e verifiquei que algo me tocava.

Pertenci à penúltima Companhia sediada em Susana (CCAV 3366, Maio de 1971 / Maio de 1973) e foi com um misto de tristeza e melancolia que olhei para aquelas fotografias do Pepito (1).

Embora as notícias do noroeste da Guiné Bissau sejam escassas, tenho tentado
acompanhar com interesse o que por ali se passa e verifico que passados quase três dezenas e meia de anos se mantêm algumas (muitas) reservas para com os Felupes. Eu aprendi com eles uma série de conceitos que o passar dos anos levou a recortar e a confirmar.

Uma coisa é verdade, pelas fotos se verifica que, embora abandonadas as instalações não foram destruídas, incluindo a espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira.

Pode ser que seja desta [vez] que me reuna ao pessoal da Tabanca Grande.

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366
(Susana, 1971/73)

2. Meu caro Luiz Fonseca:

Estás à vontade, a Tabanca é Grande, logo, plural: nela cabemos todos (ou quase todos), dos felupes aos fulas, dos balantas aos mandingas, dos cavaleiros aos artilheiros, da tropa-macaca à elite da tropa, dos novos velhos inimigos aos novos amigos... Portanto, entra e põe-te à vontade.

Infelizmente, temos falado pouco ou quase nada sobre o chão felupe, que tanto quanto me recordo é (era) uma região que engloba(va) Susana, São Domingos e Varela (Podes consultar qualquer um das respectivas cartas no nosso blogue). E que veio mais recentemente à baila por más razões, por causa da interferência do governo da Guiné-Bissau no conflito entre os rebeldes de Casamança e as autoridades do Senegal (2).

Vejo que conviveste com (e ganhaste respeito por) os felupes de Susana. Em contrapartida, a maior de nós que andou pelo sul ou pelo leste da Guiné, só tem na cabeça estereótipos, preconceitos e ideias erradas sobre os misterioros felupes (tipo, caçadores de caçadores, necrófagos, resistentes tanto às NT como ao PAIGC, etc.). O único felupe que eu conheci, em Fá Mandinga, sede da 1ª Companhia de Comanbdos Africanos, foi o Furriel Uloma, de triste memória (3).

Portanto, ficas incumbido de salvar a honra dos felupes e partilhares, connosco, o teu conhecimento (e paixão) pelo chão felupe.

Quem tem escritos sobre os felupes é o nosso camarada Carlos Fortunato, da CCAÇ 13 (1969/71)(4).

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 10 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1939: Susana, região de Cacheu: fantasmas do passado (Pepito)

(2) Vd. post de 24 Março 2006
Guiné 63/74 - DCL: Preocupação com a situação humanitária em Susana e Varela (região do Cacheu) (Luís Graça)

(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

(4) Vd. a excelente página do Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes > Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes

(...) "Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.

"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.

"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo" (...).