OS CONFLITOS TRIBAIS E A ACÇÃO DA TROPA
PORTUGUESA
A “PSICÓ”!
A vulgar “psicó”, ou
seja, acção psicológica feita junto das populações visava, sobretudo, uma
aproximação das nossas tropas às tabancas situadas no mais recôndito lugar. O
primeiro passo da tropa aquando a chegada ao local previamente estabelecido,
passava com rigor pela presença do chamado “homem grande”, normalmente chefe da
tabanca, e a partir dele seguia-se inevitavelmente uma ampla conversação com
toda a rapaziada, ouvindo os seus pedidos, os seus problemas, as suas queixas,
mormente físicas, e dessa troca de impressões tentava-se arranjar formas de
auxílio. Lembro que o Jau, e não Géo como antes o havia baptizado, dominava os
dialectos das tribos da região – fulas, futa-fulas e mandingas –
apresentando-se como o cordão umbilical decisivo para o contacto próximo com as
populações que viviam em pequenas aldeias dispersadas no mato. Depois da
auscultação ficava a promessa para o cumprimento das “faltas” sentidas no seio
do aglomerado.
A manhã apresentava-se
calma. Desbravávamos o trilho inseguro, suspeito, o capim e o mato cerrado,
visualizávamos a nobreza das enormes árvores e rogávamos a todos os santinhos
que nenhum dos motores dos nossos velhos “unimogues” não desse “buraco” e, sobretudo, um eventual contacto sempre
indesejado com o IN. O momento impunha, naturalmente, cuidados redobrados. O
pessoal, sempre feito para o facilitismo, deliciava-se com as brincadeiras dos
macacos, os bandos de perdizes (galinhas do mato) que, a espaços, pintavam os
nossos horizontes visuais, com a correria de uma cabra de mato, uma lebre que
se havia levantado da malhada, sendo também certo que as informações
previamente dadas ainda no quartel determinavam rigidez na nossa acção. Aprendi
em Lamego no curso de Operações Especiais – Ranger – eloquentes formas do saber
lidar com a guerrilha e a nossa firme determinação quando confrontado com o
imprevisto. Por isso tentava passar a mensagem para a segurança do grupo mas…
nem sempre o meu pedido era devidamente aceite.
Rodeados na densidade
do capim, e com os estridentes motores dos “unimogues” a protagonizarem um ronco intenso, a dada altura
pareceu-nos ouvir vozes exaltadas vindas de uma tabanca próxima. Parámos,
troquei impressões com o Jau (um homem que dominava, e bem, os dialectos
tribais) e partimos em direcção aos ecos que entretanto nos chegavam. A nossa
reacção foi, em princípio, dúbia. Não entendíamos a razão do conflito. O Jau,
atento como sempre, constatou de pronto que a desavença se prendia como uma
afirmação pelo poder. Duas tribos, fulas e futa-fulas, discutiam entre si quem
seria o novo chefe de tabanca dado que o anterior havia falecido. Claro que
cada uma das etnias defendia a sua dama. Lembro perfeitamente o meu papel no
conflito tribal. Pedi ao Jau que chamasse os dois homens grandes envolvidos na
pretensa discussão, juntei-os frente a frente, e propus o fim da polémica com
este dado: “A minha opinião é para acabarem de imediato com a algazarra e que
atribuem o título de chefe de tabanca ao homem mais velho em idade”. E a
verdade é que as partes da população envolvidas no confronto fizeram contas,
penso eu, e passado pouco tempo a tabanca voltou à normalidade.
Soubemos mais tarde
que a proposta foi aceite e o novo chefe de tabanca – o homem mais velho – já
exercia o seu mandato.
Pormenores
interessantes de um povo que vivia envolvido com a guerrilha mas nunca
descurando princípios éticos herdados de gerações antecedentes!
Foto 1 – Com a menina de Nova Lamego ao colo (FILHOS DO VENTO)
Foto 2 – No meio do conflito. Dois homens grandes – um fula e outro futa-fula – discutiam entre si qual deles seria o chefe de tabanca. Prevaleceu a minha opinião: o homem com mais anos de vida, ou seja, o mais velho (A “PSICÓ”)
Um abraço,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. primeiro poste desta série em: